RESUMO:
Objetivo: Analisar o conhecimento de profissionais de enfermagem sobre restrição do movimento da coluna em vítimas de trauma e descrever a tomada de decisão.
Método: Estudo exploratório, descritivo, quali-quantitativo. Realizou-se entrevista semiestruturada com 27 profissionais de enfermagem de serviços de emergência hospitalar e pré-hospitalar em São Leopoldo, Brasil, em março de 2022. Os dados foram analisados por estatística descritiva e análise de conteúdo.
Resultados: 48% dos profissionais tinham conhecimento quanto às recomendações atuais; a maioria atuantes no pré-hospitalar. A cervicalgia/lombalgia foi a indicação predominante. Na categoria “a tomada de decisão e a transição do cuidado”, identificou-se falta de padronização nas condutas do intra-hospitalar, enfatizando a importância da sequência no atendimento e confiança entre profissionais. Considerações finais: Identificou-se pouca apropriação das equipes do intra-hospitalar sobre as atuais evidências, falta de padronização nas condutas e dificuldades na transição do cuidado entre os serviços.
DESCRITORES: Enfermagem; Conhecimento; Imobilização; Manipulação da Coluna; Serviço Hospitalar de Emergência.
ABSTRACT
Objective: To analyze nursing professionals’ knowledge about restricting spinal movement in trauma victims and describe their decision-making.
Method: An exploratory, descriptive, qualitative-quantitative study. A semi-structured interview was conducted with 27 nursing professionals from hospital and pre-hospital emergency services in São Leopoldo, Brazil, in March 2022. The data was analyzed using descriptive statistics and content analysis.
Results: 48% of the professionals knew the current recommendations; most worked in pre-hospital care. Cervicalgia/lumbago was the predominant indication. In the category “decision making and the transition of care”, a lack of standardization in in-hospital conduct was identified, emphasizing the importance of sequence in care and trust between professionals.
Final considerations: It was found that in-hospital teams had little knowledge of the current evidence, a lack of standardization in procedures, and difficulties in the transition of care between services.
DESCRIPTORS: Nursing; Knowledge; Immobilization; Spinal manipulation; Hospital Emergency Service.
RESUMEN
Objetivo: Analizar los conocimientos de los profesionales de enfermería sobre la restricción del movimiento de la columna vertebral en víctimas de traumatismos y describir su toma de decisiones.
Método: Un estudio exploratorio, descriptivo, cualitativo-cuantitativo. Se realizó una entrevista semiestructurada a 27 profesionales de enfermería de los servicios de urgencias hospitalarios y prehospitalarios de São Leopoldo, Brasil, en marzo de 2022. Los datos se analizaron mediante estadística descriptiva y análisis de contenido.
Resultados: El 48% de los profesionales conocía las recomendaciones actuales; la mayoría de ellos trabajaba en atención prehospitalaria. La cervicalgia/lumbago fue la indicación predominante. En la categoría “toma de decisiones y transición de los cuidados”, se detectó una falta de normalización en la conducta intrahospitalaria, lo que subraya la importancia de la secuencia en los cuidados y la confianza entre los profesionales.
Consideraciones finales: Se identificó que los equipos intrahospitalarios tenían escaso conocimiento de las evidencias actuales, que había una falta de normalización en los procedimientos y dificultades en la transición de la atención entre los servicios.
DESCRIPTORES: Enfermería; Conocimiento; Inmovilización; Manipulación de la columna; Servicio de urgencias hospitalario.
HIGHLIGHTS
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As atuais evidências quanto à RMC são pouco conhecidas.
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Identificou-se falta de padronização nas condutas tomadas frente às vítimas.
-
A transição do cuidado mostrou-se necessária entre os serviços.
-
Destaca-se a importância da atualização do conhecimento técnico e científico.
HIGHLIGHTS
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As atuais evidências quanto à RMC são pouco conhecidas.
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Identificou-se falta de padronização nas condutas tomadas frente às vítimas.
-
A transição do cuidado mostrou-se necessária entre os serviços.
-
Destaca-se a importância da atualização do conhecimento técnico e científico.
INTRODUÇÃO
A restrição do movimento da coluna (RMC) no trauma consiste em manter a coluna vertebral da vítima em posição neutra, minimizando a amplitude de movimentos para reduzir a probabilidade de lesão ou causar uma lesão secundária. Essa técnica deve ser realizada na cena do evento e, tradicionalmente, por meio do uso de prancha rígida, colar cervical, imobilizadores de cabeça e tirantes1.
O objetivo da RMC é reduzir o risco de deterioração neurológica ou complicação da lesão durante o transporte do paciente até o serviço hospitalar. Contudo, as técnicas de restrição estão sendo revistas, pois estudos já comprovaram que nem todas as vítimas de trauma necessitam do mesmo manejo, bem como, se utilizadas indevidamente, podem trazer complicações2-3.
Um estudo realizado no Brasil concluiu que os mecanismos que mais levam a lesões da coluna são quedas de altura e acidentes automobilísticos. Quanto à região da coluna que mais sofre acometimento, a cervical ganha destaque4.
Nos departamentos de emergência dos Estados Unidos da América (EUA), a cada ano, em média, um milhão de pacientes são avaliados para lesões de coluna vertebral. Entretanto, apenas 2% a 3% destes apresentam lesão. Apesar disso, o estudo aponta que os profissionais de emergência relatam sentir-se inseguros ao optar por não tratarem uma lesão que pode tardiamente gerar alguma deficiência3.
O National Emergency X-Radiography Utilization Study (NEXUS) e o Canadian C-Spine Rule Study (CCR) são os protocolos utilizados na área da restrição do movimento da coluna, demonstrando sensibilidade de 99,4% e 90,7% e especificidade de 45,1% e 36,8%, respectivamente. Os dois métodos trazem diversos critérios de avaliação clínica, bem como suas indicações e podem delinear, de forma segura, quais pacientes são candidatos a exames de imagem para descartar lesão cervical5-6.
Autores destacam que são os profissionais de enfermagem que, na maioria das vezes, são os primeiros a prestarem o atendimento inicial nas situações de trauma, por estarem presentes nos diferentes pontos da rede de urgências7. Nesse contexto, destaca-se a importância que os profissionais estejam preparados para assistência adequada.
Ao avaliar o conhecimento de enfermeiras que trabalham em um serviço pré-hospitalar quanto à avaliação inicial ao paciente politraumatizado e cuidados na restrição do movimento da coluna, identificou-se que 32% destas profissionais não conheciam as manobras para controle da coluna cervical8. Ainda, a literatura traz que muitas vítimas de trauma evoluem para deterioração neurológica e/ou tetraplegia se não manejados da forma correta no seu primeiro atendimento9. Achados apontam que 3% a 25% das lesões de coluna ocorrem após o evento traumático inicial, seja durante o transporte ou no primeiro atendimento10.
Sendo assim, considerando as modificações a respeito do assunto, o objetivo deste estudo é analisar o conhecimento de profissionais de enfermagem acerca da restrição do movimento da coluna em pacientes vítimas de trauma no âmbito de serviços intra-hospitalares e pré-hospitalares móveis e descrever como são tomadas as decisões quanto à realização da restrição do movimento de coluna.
MÉTODO
Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, com abordagem quali-quantitativa. Utilizou-se entrevista semiestruturada, envolvendo equipe de enfermagem de uma unidade de emergência de um hospital público e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), ambos localizados em um município da região metropolitana de Porto Alegre/RS.
O recrutamento da amostra foi realizado por meio de convite verbal aos profissionais que estavam presentes no serviço no período da coleta, tendo todos aceitado participar. Foram incluídos 27 profissionais de enfermagem no estudo, sendo 14 atuantes do serviço intra-hospitalar (nove técnicos em enfermagem e cinco enfermeiros) e 13 do serviço pré-hospitalar (sete técnicos em enfermagem e seis enfermeiros). Os critérios de inclusão foram: trabalhar há, pelo menos, um ano em algum dos serviços de emergência e estar presente na data da coleta. Como critério de exclusão, os profissionais que estavam de férias, licença ou afastados por algum motivo no período da coleta de dados, não participaram do estudo.
A coleta de dados ocorreu no mês de março de 2022, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, de forma presencial. Para cada local, utilizou-se um roteiro, composto por 13 perguntas. Com o objetivo de abranger todas as equipes, tanto diurnas como noturnas, as entrevistas foram agendadas conforme cada turno de trabalho e foram gravadas pelo celular da entrevistadora, cujo tempo foi em torno de cinco minutos. Os participantes foram devidamente esclarecidos acerca dos objetivos e finalidades da pesquisa no início da entrevista e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), redigido em duas vias, uma pertencente ao participante e a outra à pesquisadora.
Em cada um dos locais foi solicitado um local privado e livre de distrações para que a entrevista fosse realizada. Houve a combinação inicial de que, caso o profissional fosse demandado para algum atendimento, a entrevista seria adiada. No entanto, não foi necessário interromper nenhuma entrevista.
O roteiro de entrevista iniciava com questões sociodemográficas, seguido de questionamentos sobre RMC, como o conhecimento do conceito atualizado, as indicações, o motivo de sua aplicação e o momento da retirada, a necessidade de exames de imagem, os cuidados na transferência da vítima entre serviços e a influência destes cuidados no prognóstico do paciente.
Concluídas as entrevistas, elas foram transcritas para um documento no aplicativo Word®, para organização e análise. Para tanto, foi utilizada a análise temática conforme Minayo, que a divide em três fases: fase de pré-análise, fase de exploração e fase de tratamento dos resultados11. Os dados quantitativos foram avaliados utilizando estatística descritiva através do programa Excel®.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) sob o parecer nº 5.272.380. De modo a garantir a confidencialidade das informações, os profissionais foram identificados por letras: técnico de enfermagem (TE) e enfermeiro (ENF), acompanhados das letras IH, para os atuantes no hospital e PH para os trabalhadores do SAMU, seguidos de números em algarismo arábico.
RESULTADOS
Dos 27 participantes do estudo, a predominância de idade foi entre 40 e 50 anos (41%; n=11). Quanto aos anos de formação, 7% (n=dois) possuíam de um a cinco anos, 26% (n=sete) possuíam de seis a 10 anos, 7% (n=dois) 11 a 15 anos, 26% (n=sete) 16 a 20 anos, 26% (n=sete) 21 a 25 anos e 7% (n=dois) mais de 25 anos. O turno de trabalho foi predominantemente diurno (44%; n=12). O tempo de trabalho em um serviço de emergência prevaleceu entre 11 a 15 anos (26%; n=sete), e 81% (n=22) dos profissionais trabalham atualmente ou já trabalharam em outro serviço de emergência. No que se refere à formação acadêmica, 56% (n=15) possuíam especialização, e destes, 53% (n=oito) em Urgência e Emergência.
Identificou-se que 48% (n=13) dos profissionais possuíam conhecimento quanto às recomendações atuais sobre RMC, sendo que quase a totalidade (n=12; 92%) atuam no serviço pré-hospitalar. Cerca de 30% (n=oito) não demonstraram possuir conhecimento e 22% (n=seis), embora acusaram conhecer o tema, apresentaram dificuldade para contextualizar.
Ao serem questionados acerca das indicações para RMC, os profissionais apontaram sinais e sintomas, mecanismo do trauma e outras características gerais, conforme apresentados no Quadro 1.
Indicações para RMC apontadas pelos entrevistados (n=27). Região Metropolitana de Porto Alegre, RS, Brasil, 2022
A cervicalgia/lombalgia foi a indicação predominante, sendo referida por 17 profissionais (63%; n=17), seguida pelos acidentes automobilísticos e quedas. As indicações menos citadas foram agressão, atropelamento, barreira linguística e população idosa (4%; n=um).
No que concerne à continuidade do cuidado, foram levantadas questões referentes ao momento em que a restrição deve ser retirada do paciente e a necessidade de realização de exames de imagem. Da amostra total, 74% (n=20) dos profissionais relataram que a restrição só deve ser retirada após a realização de exames de imagem; 15% (n=quatro) referiram que a restrição pode ser retirada após o exame físico do médico no ambiente intra-hospitalar e 11% (n=três) trouxeram que a restrição pode ser retirada ainda no ambiente pré-hospitalar.
A partir da análise das entrevistas, elencou-se uma categoria temática, denominada: A tomada de decisão quanto à RMC e a transição do cuidado.
Observou-se uma falta de padronização nas condutas realizadas pelos profissionais do ambiente intra-hospitalar, como demonstrado nas falas do ENF - IH 2 e TE - IH 1:
Nós, da enfermagem, não retiramos a imobilização em momento nenhum, têm médicos que examinam o paciente e retiram na sala de trauma, e outros fazem primeiro o exame físico, depois mandam pro raio x e na volta mandam tirar ou não. (ENF - IH 2)
A imobilização é retirada depois da avaliação médica, o médico, às vezes, na avaliação física ele já libera, mas tem médicos que somente após a avaliação de imagem liberam. (TE - IH 1)
Parcela dos profissionais do atendimento pré-hospitalar, ao falarem sobre quais condutas tomariam, relatam que, com a devida capacitação ou a presença do profissional médico no ambiente da cena, é possível reavaliar a necessidade da restrição e descaracterizá-la antes mesmo da chegada ao hospital, conforme as falas abaixo:
Antigamente era depois dos exames, mas agora, o médico da ambulância de suporte avançado já avalia a necessidade de manter ou não. (ENF - PH 1)
Para nós com capacitação, podemos liberar na cena, até porque estamos sempre com o médico junto. (ENF - PH 3)
Outros profissionais relataram que a avaliação realizada na cena do atendimento não difere da avaliação realizada pelo profissional médico no ambiente intra-hospitalar, como exposto na fala do TE - PH 3:
O que a gente faz na cena é o que o médico faz ali. (TE - PH 3)
Ainda, alguns entrevistados afirmaram a necessidade de submeter os pacientes a exames de imagem para descartar a possibilidade de lesão nas situações em que o pré-hospitalar optou pela restrição, como mencionado pelo ENF - PH 4:
A restrição só deve ser retirada dentro do hospital, depois dos exames de imagem, o exame físico eu já fiz, então o que vale é o exame de imagem. (ENF - PH 4)
Além disso, evidenciou-se que os profissionais do pré-hospitalar esperam que os profissionais do intra-hospitalar deem continuidade aos cuidados a partir do que foi avaliado na cena, na sequência ao atendimento, conforme as falas a seguir:
A gente espera que seja feito uma sequência, que o paciente seja avaliado da mesma maneira, e que ele não fique tanto tempo em cima de uma maca. (TE - PH 2)
Primeiramente confiar na nossa avaliação lá na cena, claro que eles vão reavaliar, o paciente precisa ser sempre reavaliado, mas realmente que se dê o seguimento do nosso primeiro atendimento. (TE - PH 3)
Se for retirar o paciente da prancha retirar em bloco, com todos os cuidados. (ENF - PH 1)
Os profissionais foram questionados se a realização de exames de imagem influencia no prognóstico. Alguns profissionais concordam que a realização de exames de imagem influenciará no prognóstico do paciente, visto que as lesões de coluna são melhor avaliadas na presença desses exames, como demonstrado na fala do TE - IH 2:
Às vezes sim, porque uma fratura de coluna, por exemplo, não é comum de ver, mas quando tu vê é só com exame de imagem, fora isso não tem como saber. (TE - IH 2)
Em contrapartida, outros profissionais relataram que, em muitos casos, a realização dos exames de imagem é feita desnecessariamente, o que implica em riscos ao paciente e custos ao serviço de saúde, conforme a fala da ENF - IH 1:
Quando não é necessário e tu submete o paciente a um exame de imagem, acho que é um risco para o paciente com uma carga de raio e um custo desnecessário pra instituição. (ENF - IH 1)
Entretanto, identificaram-se relatos que afirmavam que o cuidado é realizado através da sequência no atendimento, levando em conta o trabalho em equipe e a confiança entre os profissionais de diferentes instituições de saúde. Assim, se houver continuidade do cuidado, isso influenciará positivamente no prognóstico do paciente, conforme as afirmações a seguir:
A saúde é uma sequência do serviço, não adianta, a gente faz a nossa parte e entrega, a gente passa os detalhes e é uma sequência. (ENF - PH 1)
É um complemento, um complementa o serviço do outro. (TE - PH 2)
DISCUSSÃO
As falas dos profissionais entrevistados remetem, em sua maioria, ao termo “imobilização”, cujo conceito era adotado até 2018, quando a literatura passa a nominar “Restrição do Movimento da Coluna” 2.
A denominação “imobilização” era utilizada pois acreditava-se na possibilidade de realizar uma imobilização completa da coluna vertebral. O motivo da alteração do conceito provém de estudos que comprovaram a impossibilidade de fornecer uma verdadeira imobilização, sendo possível apenas limitar e/ou reduzir seus movimentos. Os protocolos atuais e o uso rotineiro da imobilização padrão em todos os casos justifica-se, possivelmente, pelas evidências baseadas em práticas históricas ao invés de evidências científicas2-3, 13.
Estudos atuais reforçam esses achados. Pesquisa retrospectiva que buscou determinar se a mudança do protocolo de imobilização teve algum efeito sobre a incidência de lesões de coluna vertebral, identificou que não houve aumento das lesões incapacitantes da coluna após a mudança do protocolo de “imobilização da coluna vertebral” para “restrição do movimento da coluna”14. Outros autores constataram que a prancha longa vinha sendo utilizada adequadamente para pacientes com traumas mais graves, como indicam os protocolos atuais15. Outro estudo retrospectivo, abrangendo os anos de 2009 a 2020, destacou que a taxa de imobilização/restrição do movimento da coluna diminuiu sua implementação de 31,2 para 12,7 por 100 chamados de trauma por mês. Ainda, demonstrou uso mais seletivo dos protocolos, com adoção de prancha longa para pacientes com sinais de gravidade, enquanto para pacientes menos graves, apenas utilização de colar cervical, após atualização dos critérios de avaliação16.
Levando em consideração essas modificações, identificou-se que mais da metade dos participantes do estudo não conheciam o conceito atual acerca da RMC, o que suporta a hipótese do uso de evidências adotadas repetidamente, sem a devida evolução conceitual para o manejo da coluna vertebral. Mais da metade dos profissionais não receberam treinamento acerca do assunto desde que as novas atualizações foram publicadas, o que pode ser a justificativa pela atitude em manter o uso da imobilização padrão em todos os casos.
Estudo realizado com paramédicos, no norte da Califórnia, entre setembro e dezembro de 2022, evidenciou que em uma equipe que recebeu treinamento acerca da avaliação clínica e indicação da restrição do movimento da coluna, obteve-se uma redução do uso da prancha rígida em 58%, assim demonstrando que é possível delimitar seu uso e utilizar somente quando necessário17. Ainda, autores enfatizam a necessidade de realizar capacitações contínuas dos profissionais que atuam em serviços de emergência, visto que a literatura atual está buscando cada vez mais individualizar as condutas18.
Em uma revisão de literatura, dentre os anos de 1990 a março de 2019, demonstrou que a identificação precoce e adequada de possíveis lesões traumáticas da coluna vertebral pelos profissionais atuantes do pré-hospitalar tende a melhorar significativamente o desfecho dos pacientes e pode auxiliar na redução da utilização desnecessária da imobilização19. Posto isto, é evidente a importância das atualizações constantes das equipes com base na literatura científica.
O NEXUS e o CCR são protocolos desenvolvidos com o objetivo de nortear os profissionais do atendimento pré-hospitalar na tomada de decisão acerca da restrição do movimento da coluna. Ambos trazem critérios já comprovados de quando restringir e qual tipo de restrição utilizar, com o objetivo de definir quais pacientes são candidatos a exames de imagem para descartar lesão de coluna20.
As indicações citadas pelos profissionais em estudo concordam com a literatura científica sobre RMC, entretanto, não se relacionam com somente um protocolo, mesclando as indicações de ambos os estudos.
O NEXUS inclui em sua avaliação cinco critérios de baixo risco para excluir possibilidade de lesão: ausência de déficit neurológico, ausência de sinais de intoxicação, ausência de lesão distrativa, nível de consciência inalterado e ausência de sensibilidade ou dor na linha média da coluna. O CCR utiliza fatores de baixo e alto risco, como idade igual ou acima de 65 anos, mecanismo perigoso, parestesias nas extremidades (fatores de alto risco); início tardio de dor no pescoço, ausência de sensibilidade na coluna cervical, paciente sentado na emergência, capacidade de deambular a qualquer momento, colisão automobilística simples na traseira (fatores de baixo risco); e, por último, capacidade de girar a cabeça a 45º para ambos os lados5-6.
Autores apontam problemas que limitam a utilização das novas indicações da RMC pelos profissionais. Um deles se refere à divergência da terminologia, conformidade com as diretrizes e a implementação por parte das equipes21. Outra pesquisa realizada em um serviço pré-hospitalar no Canadá mostrou que equipes são céticas em relação a vários elementos do protocolo de RMC, contudo, acabam utilizando algumas estratégias para equilibrar a adesão ao protocolo com a otimização do cuidado durante os atendimentos22.
A avaliação e o tratamento de paciente com potencial de lesão medular continuam assim que ele é recebido no pronto-socorro, sendo avaliado pela equipe do intra-hospitalar, o que inclui, entre outras condutas, exames de imagem23. Os exames de imagem são realizados, quando indicados, assim que as lesões com risco de vida forem gerenciadas24.
A partir dessas definições, entende-se que os resultados desse estudo, onde 74% dos profissionais relataram que a restrição só deve ser retirada após a realização de exames de imagem, estão em conformidade com os critérios estabelecidos. Embora a maioria dos profissionais de enfermagem demonstrassem consonância com esses estudos, os que atuam no intra-hospitalar relataram que não existe conduta padronizada na decisão da obtenção de imagem, sendo essa definida por cada profissional individualmente, diferindo entre os atuantes da área médica.
No que se refere à realização de exames de imagem de modo desnecessário, os entrevistados manifestaram preocupação com o elevado custo para as instituições de saúde e os riscos da exposição aos exames de imagem. Esse resultado é corroborado em estudo que identificou que a maioria das vítimas de trauma são transferidas para o hospital utilizando todos os equipamentos disponíveis para a restrição do movimento da coluna, mesmo que não haja nenhum sintoma indicativo da necessidade de uso. Os autores afirmam que grande parte dos centros de trauma submetem esses pacientes a exames de imagem desnecessários, aumentando os custos para a rede de saúde6.
Uma pesquisa realizada em 2020 provou que, se o paciente der entrada no serviço de saúde usufruindo de todos os equipamentos de restrição, isso influenciará diretamente na decisão da obtenção de exames de imagem, mesmo que não haja indicação pela avaliação clínica20.
A maior parte dos relatos dos profissionais do intra-hospitalar demonstram que a enfermagem não participa das decisões em relação à restrição, o que diverge de outros estudos. Autores compararam o nível de acordo entre condutas de enfermeiros e médicos em relação à remoção do colar cervical em pacientes vítimas de trauma, após ambas as categorias profissionais receberem o mesmo treinamento. O nível de acordo foi de 94.3%25. Ainda, outros autores trouxeram que a concordância entre a avaliação da enfermagem e a avaliação médica foi de 95%, destes, 82% dos enfermeiros demonstraram confiança na aplicação do protocolo CCR e houve uma redução do uso da imobilização em 25% dos casos26. Com isso, é possível afirmar que com a devida capacitação teórico-prática, a enfermagem contribui para a qualificação do cuidado em relação à RMC. Essa afirmação apoia-se em outras pesquisas que identificaram que essa medida previne o uso prolongado da imobilização, evita o desconforto dos pacientes e melhora o fluxo de atendimento em emergências superlotadas27-28.
Neste estudo ficou evidente a preocupação com a continuidade do cuidado, sendo que os profissionais do pré-hospitalar esperam confiança da equipe do pronto-socorro, a fim de manterem os cuidados, visto que é uma sequência do atendimento. Nesse sentido, a literatura traz que a comunicação entre as equipes é uma ferramenta essencial para que o intra-hospitalar dê continuidade aos cuidados prestados pelo pré-hospitalar, com o objetivo de prestar uma assistência integral ao paciente29.
As limitações encontradas no estudo envolvem a pequena amostra de profissionais de enfermagem, que não representam a diversidade da profissão dentro do país, e a dificuldade em encontrar literatura científica nacional que aborde a enfermagem neste contexto. Faz-se necessário estudos futuros que contemplem a profissão, com o objetivo de modificar o paradigma de atendimentos às vítimas de trauma, visto que a enfermagem está presente em todos os pontos da rede de atenção às urgências.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo permitiu explorar o conhecimento sobre RMC dos profissionais de enfermagem, atuantes em serviços de emergência. Identificou-se pouca apropriação das equipes do intra-hospitalar sobre as atuais evidências quanto ao tema, bem como falta de padronização nas condutas tomadas frente às vítimas de trauma, divergindo entre o momento da retirada e a decisão sobre a obtenção de imagem para seguimento.
A transição do cuidado mostrou-se necessária entre as instituições, entretanto, existem dificuldades que ainda são enfrentadas pelos profissionais, como a falta de confiança, que pode levar à descontinuidade do atendimento. Permitiu também, reconhecer a importância da atualização do conhecimento técnico e científico para atuação nesses serviços, somando-se à experiência na área, de forma a assegurar a qualidade da assistência prestada aos pacientes.
Sendo assim, identifica-se a necessidade de capacitar os profissionais de enfermagem sobre o assunto, visto que a adoção de condutas padronizadas para a realização da RMC delimita o uso para somente quando necessário. Essa medida pode evitar custos adicionais para as instituições de saúde e acarretar a diminuição da superlotação dos serviços de emergência.
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Editora associada: Dra. Luciana Nogueira
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Nov 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
04 Out 2022 -
Aceito
25 Jun 2023