Open-access Orientação a mães de crianças do espectro autístico a respeito da comunicação e linguagem

Resumos

OBJETIVO: Verificar os resultados obtidos após a realização de dez sessões de orientação específica para mães de crianças do espectro autístico a respeito de comunicação e linguagem. MÉTODOS: Participaram 26 díades mãe-criança. As crianças eram pacientes de um serviço de Fonoaudiologia especializado em Distúrbios do Espectro Autístico. Foram realizadas cinco sessões de orientação e cinco de acompanhamento para pequenos grupos de mães, paralelamente à manutenção do processo de terapia fonoaudiológica das crianças. RESULTADOS: O foco direcionado à comunicação, possibilitou a identificação de elementos como a obtenção da atenção da criança, a iniciativa de comunicação ou de alguma atividade conjunta, a latência para a resposta e o uso de materiais ou brinquedos de interesse da criança como essenciais para o estabelecimento de interações bem sucedidas. A análise individualizada mostra que todos os sujeitos apresentaram progresso em pelo menos uma das áreas investigadas. CONCLUSÃO: Houve um impacto positivo do procedimento de orientações sistematizadas voltadas às questões de comunicação e linguagem, realizadas juntamente com o processo de terapia de linguagem das crianças (e não em substituição a ela). Embora as sessões de orientações tivessem roteiros de funcionamento e registro, elas permitiam ajustes às necessidades e demandas de cada grupo

Autismo; Crianças; Linguagem; Família; Entrevista; Qualidade de vida; Comunicação


PURPOSE: To verify the results obtained by ten sessions of specific instruction about language and communication to mothers of children of the autistic spectrum. METHODS: Subjects were 26 mother-child dyads. The children attended language therapy in a specialized service. Five pre-planned instruction sessions and five accompanying sessions to small groups of mothers parallel to the children's language therapy were conducted. RESULTS: The focus directed to the child's communication allowed the identification of essential elements to the determination of successful interactive situation as joint attention, latency to answers and child's individual interests. The individualized analysis has shown that all subjects presented progress at least in one of the assessed areas. CONCLUSION: There was a positive impact of the systematic orientations to mothers about language and communication, conducted at the same time as language therapy (and not alternatively). The formal planning and recording were flexible enough to allow adjustments to group specific needs and demands

Autism; Children; Language; Family; Interview; Quality of life; Communication


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLES

Orientação a mães de crianças do espectro autístico a respeito da comunicação e linguagem

Fernanda Dreux Miranda FernandesI; Cibelle Albuquerque de La Higuera AmatoII; Juliana Izidro BalestroIII; Daniela Regina Molini-AvejonasIV

IDepartamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IIDepartamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IIIPrograma de Pós-Graduação (Mestrado) em Ciências da Reabilitação, Faculdade Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IVDepartamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fernanda Dreux Miranda Fernandes R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária São Paulo (SP), Brasil, CEP: 05360-000 E-mail: fernandadreux@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar os resultados obtidos após a realização de dez sessões de orientação específica para mães de crianças do espectro autístico a respeito de comunicação e linguagem.

MÉTODOS: Participaram 26 díades mãe-criança. As crianças eram pacientes de um serviço de Fonoaudiologia especializado em Distúrbios do Espectro Autístico. Foram realizadas cinco sessões de orientação e cinco de acompanhamento para pequenos grupos de mães, paralelamente à manutenção do processo de terapia fonoaudiológica das crianças.

RESULTADOS: O foco direcionado à comunicação, possibilitou a identificação de elementos como a obtenção da atenção da criança, a iniciativa de comunicação ou de alguma atividade conjunta, a latência para a resposta e o uso de materiais ou brinquedos de interesse da criança como essenciais para o estabelecimento de interações bem sucedidas. A análise individualizada mostra que todos os sujeitos apresentaram progresso em pelo menos uma das áreas investigadas.

CONCLUSÃO: Houve um impacto positivo do procedimento de orientações sistematizadas voltadas às questões de comunicação e linguagem, realizadas juntamente com o processo de terapia de linguagem das crianças (e não em substituição a ela). Embora as sessões de orientações tivessem roteiros de funcionamento e registro, elas permitiam ajustes às necessidades e demandas de cada grupo.

Descritores: Autismo, Crianças, Linguagem, Família, Entrevista, Qualidade de vida, Comunicação

INTRODUÇÃO

A ação dirigida a familiares de crianças autistas, realizada por fonoaudiólogos, exige extremo cuidado para que não haja invasão de temáticas dissociadas da linguagem. Existem fatores intervenientes relacionados a outras questões focais nos quadros autísticos, mas que fogem à área de atuação do fonoaudiólogo.

No que diz respeito especificamente a estudos envolvendo as famílias de crianças com transtornos do espectro autístico, um estudo recente(1) fez uma revisão de artigos publicados nos últimos cinco anos nos três periódicos mais tradicionais dirigidos especificamente aos estudos sobre o autismo infantil (Journal of Autism and Developmental Disorders, Focus on Autism and Other Developmental Disorders e Autism). O estudo revelou dados interessantes: menos de 5% dos 1096 artigos publicados referem-se a essa temática, o que certamente não corresponde ao esperado quando se considera o impacto da criança autista na dinâmica familiar ou a importância da participação familiar para o diagnóstico e os processos de intervenção e educação. Por outro lado, mais da metade desses artigos foi publicada nos últimos 18 meses.

De acordo com o estudo, dentre os 39 artigos publicados a respeito de pesquisas envolvendo famílias com crianças autistas, algumas temáticas foram mais frequentes: as dificuldades emocionais foram abordadas por 13 deles; os grupos de apoio e qualidade de vida, a caracterização das famílias e dos familiares e a perspectiva dos pais a respeito dos filhos foram objeto de sete estudos cada; os processos de intervenção foram abordados em cinco trabalhos. Mesmo considerando que muitos estudos abordam ou comparam mais de uma temática, o número de trabalhos envolvendo processos de intervenção com famílias ou que incluam a participação sistemática delas é muito pequeno.

A revisão aponta, ainda, que apenas cinco trabalhos descrevem ou avaliam os resultados da participação dos pais em programas terapêuticos. Dois deles(2,3) descrevem os resultados de programas residenciais de intervenção comportamental baseados na atuação paterna, com, respectivamente, 27 e 53 participantes. Em ambos, os pais relatam bons resultados, principalmente em programas mais longos. Outras duas pesquisas(4,5), com 18 e 33 sujeitos respectivamente, abordam a colaboração paterna em processos de terapia enfocando interação e habilidades sociais. Os resultados descrevem progressos e manejo de áreas de maior interesse. O último estudo(6), com 68 participantes, descreve um programa de intervenção residencial diário chamado floor-time, com duração entre oito e 12 meses, que apresenta bons resultados, mas tem como fator complicador o custo elevado.

O processo terapêutico em fonoaudiologia pode ser incrementado por orientações específicas a respeito do desenvolvimento dos processos de comunicação e linguagem, marcadamente focalizadas nos perfis individuais de habilidades e dificuldades de cada díade mãe-criança. Por outro lado, não existem relatos de experiências nessa área. O foco na realidade particular da população atendida em um serviço de Fonoaudiologia tem sido o norteador de diversas pesquisas, sempre considerando sua aplicabilidade a essa população.

Dessa forma, propõe-se um estudo inicial envolvendo a realização de sessões sistemáticas de orientação a mães de indivíduos atendidos semanalmente no Serviço e a verificação também sistemática dos resultados obtidos tanto no que diz respeito ao desenvolvimento dos pacientes quanto à qualidade de vida relatada pelas mães. Hipotetiza-se que orientações sistematizadas e específicas, realizadas por curtos períodos de tempo e com possibilidades de retorno podem contribuir não só para o ambiente comunicativo da criança autista, mas também para o entendimento familiar a respeito das habilidades e dificuldades de cada criança.

Assim, os objetivos deste estudo foram: verificar a interferência de orientações a mães de crianças autistas sobre os processos de comunicação e linguagem, perfil comunicativo e desempenho sócio-cognitivo; e verificar a interferência dessas orientações sobre a forma com que as mães observam o desempenho de seus filhos.

MÉTODOS

Essa pesquisa e seu termo de consentimento livre e esclarecido foram aprovados pela Cappesq sob número 0787/07.

Sujeitos

Foram sujeitos da pesquisa 26 díades mãe-criança que atenderam aos critérios de inclusão e participaram de todas as etapas do estudo.

Critérios de inclusão: ter diagnóstico incluído no espectro autístico; ter a mãe como responsável e acompanhante às sessões de terapia fonoaudiológica; estar em atendimento sistemático semanal no serviço de Fonoaudiologia há pelo menos seis meses; não ter interrupção no atendimento superior a uma semana durante o período do estudo; possuir idade inferior a 11 anos no início do estudo (para que nenhum dos sujeitos fosse caracterizado como adolescente no final do estudo); assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelo responsável.

Os grupos de mães foram organizados de acordo com os horários de atendimento dos pacientes. A média da idade das mães era de 38 anos e 1 mês (mín. 23, máx. 51) e das crianças era de 8 anos e 2 meses (min. 5, máx. 11). No que se refere ao nível de escolaridade das mães, houve predomínio do nível médio completo.

Procedimentos

As crianças foram filmadas em situações regulares de terapia fonoaudiológica, brincando com os diversos tipos de brinquedos, com a terapeuta. Essas filmagens foram usadas para a coleta de dados a respeito do perfil funcional da comunicação e do desempenho sócio-cognitivo da criança. As mães foram entrevistadas individualmente por fonoaudiólogas especialistas, que já estão no laboratório há mais de dois anos e, portanto, são conhecidas por elas. Durante a entrevista, foi solicitada assinatura do termo de consentimento e feita a aplicação dos protocolos de qualidade de vida e funcionalidade.

Buscando evitar a necessidade de que as mães comparecessem outras vezes ao serviço de Fonoaudiologia (e, dessa forma, evitando que questões econômicas e de transporte interferissem na pesquisa), as orientações foram feitas em períodos de 30 minutos, durante o atendimento das crianças. A realização de sessões de orientação em duplas ou trios busca proporcionar situações mais simétricas de comunicação, na medida em que há um tema e uma posição compartilhados. Assim, as mães foram agrupadas de acordo com o horário de atendimento dos filhos, ou seja, independentemente do desempenho das crianças.

Cada grupo foi coordenado por duas fonoaudiólogas com pós-graduação na área. Foram realizadas cinco sessões consecutivas de orientação, com cada grupo de mães, em que foram exibidos vídeos de seus filhos interagindo com as terapeutas, já conhecidas pelas mães. As mães que concordassem ou desejassem poderiam também ser filmadas com seus filhos para que esse material fosse discutido no grupo.

Os objetivos dessas sessões de orientação foram:

- Apresentação da proposta, identificação de "pontos fortes" e "pontos fracos" de cada criança; sugestão de identificação de situações agradáveis e desagradáveis no dia-a-dia.

- Identificação de situações de comunicação produtivas e improdutivas na interação entre crianças e terapeutas; sugestão de comparação com situações cotidianas; resolução de dúvidas.

- Identificação de elementos centrais em situações produtivas e bem sucedidas e sugestões de possibilidades de ampliação, multiplicação ou transferência; resolução de dúvidas.

- Identificação de elementos centrais nas quebras comunicativas e proposições de procedimentos alternativos; resolução de dúvidas.

- Relatos individuais sobre o impacto das orientações; resolução de dúvidas.

Após as cinco sessões, foram agendadas outras cinco sessões de acompanhamento e continuidade, realizadas com intervalos de três semanas. Nessas sessões foram retomados os pontos abordados nas sessões iniciais, a medida em que houvesse a necessidade em cada grupo.

Após a última sessão de acompanhamento, foram realizadas entrevistas individuais com cada uma das mães, para a resolução de dúvidas restantes. Até duas semanas após a última sessão de acompanhamento as crianças foram novamente filmadas com as terapeutas e os diversos tipos de brinquedos. Essas filmagens foram utilizadas para a coleta de dados a respeito do perfil funcional da comunicação e do desempenho sócio-cognitivo das crianças.

Treinamento dos aplicadores

Os aplicadores foram fonoaudiólogas com experiência no atendimento a crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista e pós-graduação na área. Todas receberam treinamento quanto à aplicação dos protocolos para a determinação do Desempenho Sócio-Cognitivo e do Perfil Funcional da Comunicação. O questionário de Qualidade de Vida foi apresentado por uma das aplicadoras, que estava usando o material em sua pesquisa de mestrado e por isso pôde discutí-lo mais aprofundadamente.

Filmagem com as crianças

Cada criança foi filmada com sua terapeuta em situação lúdica rotineira uma semana antes do início da participação de sua mãe nos grupos de orientação. Quando as mães manifestaram interesse em serem filmadas "brincando" com seus filhos, isso foi feito durante a sessão de atendimento da criança, na semana subsequente. Entretanto, poucas mães (apenas cinco), manifestaram esse desejo. Os dados coletados foram tratados juntamente com todo o material.

Sessões de orientação

Os resultados foram registrados pelas coordenadoras dos grupos após cada sessão, em protocolos específicos e serviram como base para a análise qualitativa do processo (Anexo 1 Anexo 1 ).

Análise dos dados

As grandes diferenças individuais entre crianças autistas justificam a utilização de uma metodologia em que a criança é seu próprio controle. Assim, a análise estatística realizada faz comparações ponto a ponto, referentes aos dois momentos de coleta de dados no que diz respeito ao desempenho das crianças quanto a: número de atos comunicativos por minuto, ocupação do espaço comunicativo, interatividade da comunicação, utilização dos meios comunicativos, intenção comunicativa, imitação, uso de objeto mediador e jogo(7,8).

A análise dos dados de qualidade de vida foi feita por meio do teste de Tukey para verificar a significância das diferenças observadas entre as respostas dos diversos domínios analisados.

RESULTADOS

Elementos qualitativos

Resultados obtidos nas reuniões de orientação e acompanhamento

A proposição de dez sessões com 26 mães de crianças autistas, ou seja 260 encontros, exigiu extremo cuidado no registro dos dados. A análise qualitativa dos dados não será esgotada no presente artigo.

Para a análise das sessões o registro de cada uma delas incluía a identificação do tema abordado e a intervenção ou a dinâmica estabelecida pelo grupo durante a abordagem do tema. Houve grande variação no funcionamento dos grupos. Em alguns deles, determinados participantes pareciam exercer certa liderança ou "ocupar um espaço maior", propondo temas de discussão ou falando por mais tempo que os outros durante os encontros. Por outro lado, algumas mães pareciam acomodar-se confortavelmente a posições menos ativas nos grupos, mesmo estes sendo sempre pequenos (entre dois e quatro participantes).

O tema mais frequentemente abordado foram as dificuldades com os comportamentos da criança e as dificuldades provocadas por eles. Os questionamentos sobre outros profissionais dividiram a segunda posição entre os temas mais freqüentes, com relatos sobre novas conquistas. A adaptação escolar e as dúvidas a esse respeito vêm sem seguida, dentre os aspectos mais abordados. Os relatos sobre as mudanças no manejo medicamentoso e seus resultados e sobre a independência em relação às atividades de vida diária, seguidos de observações sobre o processo de terapia fonoaudiológica e dúvidas envolvendo aspectos de sexualidade também foram temas dos encontros.

Quanto à intervenção do coordenador de cada grupo e à dinâmica estabelecida, os relatos revelam que a dinâmica mais frequente foi a interação a respeito de um mesmo tema, muitas vezes devido ao fato de um dos integrantes do grupo trazer temas compartilhados. Quando os participantes traziam questões individuais, o terapeuta respondia diretamente ou reformulava a questão de forma a incluir todos (ou a maioria) do grupo. Em poucas situações os participantes assumiram que uma dúvida trazida por um deles era coletiva. Também foram poucas as situações em que o relato de uma questão ou tema precisasse ser reformulado pelo participante. Frequentemente, alguém do grupo ocupava o turno de comunicação quando um tempo para reflexão era proposto. Nem todos os encontros foram encerrados com uma conclusão e alguns participantes demonstraram frustração em relação a isso. Visando acolher o que pareceu ser uma necessidade de fechamento, foi realizada uma entrevista individual extra, não planejada, para propiciar um momento de conclusão do processo.

Análise quantitativa

Perfil funcional da comunicação

Os resultados referentes ao número de áreas com progresso identificadas em cada um dos sujeitos são apresentados na Figura 1. Pode-se observar que, dentre as cinco áreas possíveis, 65% dos sujeitos (n=17) apresentou entre duas e quatro áreas com progresso. A análise individualizada mostra que 96% (n=25) dos sujeitos apresentaram progresso quanto ao aumento da interpessoalidade da comunicação.


Desempenho Sócio-Cognitivo

Os dados referentes ao número de áreas com progresso quando analisado o Desempenho Sócio-Cognitivo são descritos na Figura 2. Observa-se que, dentre as sete áreas analisadas, 61% (n=16) dos participantes apresentaram evolução em entre duas e quatro áreas. No que diz respeito ao Perfil Funcional da Comunicação, apenas um sujeito não apresentou progresso em nenhum dos domínios estudados. Entretanto, a ocorrência em dois sujeitos diferentes, permite a conclusão de que 100% dos sujeitos tiveram progresso em algum dos aspectos.


Protocolo de Qualidade de Vida

Houve diferenças entre as mães no que se refere às respostas fornecidas para o questionário de Qualidade de Vida (Tabela 1). Isso possibilita a suposição de que o instrumento é eficiente na caracterização de cada sujeito, o que favorece abordagens mais individualizadas.

Não foram observadas diferenças entre os quatro domínios investigados pelo questionário de Qualidade de Vida (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente) (Tabela 2). É interessante mencionar que os maiores índices de insatisfação estão relacionados ao meio ambiente.

DISCUSSÃO

Os resultados referentes à análise qualitativa das sessões de orientação apresentam importantes elementos de reflexão, bem como a confirmação de alguns aspectos relatados anteriormente. O fato de que foi possível observar, em algumas mães, maior facilidade de identificar situações desagradáveis e pontos fracos do que o inverso corresponde à necessidade de, em situações de entrevista inicial, buscar identificar movimentos inversos aos trazidos espontaneamente pelas famílias. Quando a família só descreve os problemas, inquirir sobre as habilidades e, quando a família só descreve os sucessos, perguntar sobre as dificuldades(9).

A maioria dos pontos fracos relatados refere-se a questões de comportamento e comunicação e as situações desagradáveis referem-se a momentos em que a criança apresenta distúrbios de comportamento (que as mães podem associar a situações como aglomerações, ambientes ruidosos ou desconhecidos e atividades de vida diária). Tais situações são descritas na literatura como freqüentes nesse grupo de pacientes e consideradas como fonte de estresse dos pais (3,6,10).

A importância das situações de grupo para atividades de orientação aos pais de crianças autistas também já foi mencionada anteriormente(4) e confirmada pelo presente estudo. Nesse sentido, foi interessante observar a menção da atenção compartilhada como um dos pontos positivos observados nos pacientes, pois normalmente esse é descrito como um dos elementos de dificuldade para os pais(11-13) .

A atenção dedicada à comunicação das crianças possibilitou a identificação de elementos como a obtenção da atenção dela, a iniciativa de comunicação ou de alguma atividade conjunta, a latência para a resposta e o uso de materiais ou brinquedos de interesse da criança. Tais aspectos são essenciais para o estabelecimento de interações bem sucedidas(14,15) e suas possibilidades de abordagem no dia-a-dia(16).

A identificação das origens das quebras comunicativas também se mostrou produtiva, embora necessitasse de intervenções no sentido da identificação de situações mantenedoras da dificuldade(4,6,17-19). A possibilidade de gerar pequenas mudanças na rotina doméstica que favorecem a comunicação responde aos objetivos de longo prazo desse tipo de intervenção, pois tende a gerar resultados abrangentes, duradouros e multiplicáveis(3,5).

No que diz respeito ao resultado apresentado pelos pacientes na análise do Perfil Funcional da Comunicação, os dados do presente estudo podem ser comparados aos de estudos anteriores, alguns dos quais trabalharam com intervalos de tempo maiores(20-23). O mesmo pode ser dito a respeito da análise do Desempenho Sócio-Cognitivo, em que quase todos os pacientes apresentaram algum progresso(1,20-23).

A análise dos resultados do questionário de Qualidade de Vida pode ser comparada a uma recente pesquisa com a mesma população, realizada no mesmo serviço, mas com outros participantes. Nesse estudo(24) 150 cuidadores de crianças do espectro autístico atendidas em esquema ambulatorial e em instituições responderam ao mesmo instrumento utilizado na presente pesquisa. Nesse estudo as maiores dificuldades relatadas pelos cuidadores de crianças autistas também se referem a questões ambientais.

CONCLUSÃO

O primeiro objetivo desta pesquisa, verificar a interferência de orientações a mães sobre os processos de comunicação e de linguagem de crianças autistas, foi atingido. No entanto, é necessário cautela na generalização dos resultados.

Todos os participantes do estudo apresentaram progressos em pelo menos um dos índices de avaliação propostos num período de tempo inferior ao observado em estudos anteriores que envolveram os mesmos procedimentos terapêuticos e os mesmos critérios de avaliação. Trata-se, entretanto, de uma diferença pequena, com um conjunto de dados ainda pequeno, que não permite a completa determinação de suas relações causais. Infelizmente, dificuldades práticas concretas dificultam o estabelecimento de procedimentos de investigação mais rigorosos, necessários para esse tipo de conclusão.

Um estudo em condições mais controladas, com grupos de pacientes e cuidadores homogêneos, que possam ser divididos em dois subgrupos (um recebendo orientações durante um período em que o outro receberia apenas a terapia fonoaudiológica) e com posições substituídas após todo o programa, sem dúvida responderá de forma muito mais segura às questões propostas. Entretanto, na realidade brasileira, as famílias têm acesso a atendimento especializado para seus filhos em períodos muito distintos, o atendimento escolar e terapêutico disponibilizado varia muito e até mesmo a idade em que os pacientes são diagnosticados pode variar. Esses aspectos dificultam o estabelecimento de grupos homogêneos. Em cidades grandes como São Paulo, dificuldades relacionadas à distancia e ao transporte agregam-se aos problemas determinados pelas dificuldades comportamentais dos sujeitos. Por isso, a adesão a períodos prolongados de intervenção geralmente é marcada por muitas ausências e atrasos.

Dessa forma, justifica-se a realização de estudos pequenos, como o aqui apresentado, pois esses dados poderão ser somados a outros, coletados em outros centros e com outros grupos. Com isso, espera-se estabelecer evidencias mais nítidas da interferência entre os processos de terapia de linguagem e orientação familiar.

O segundo objetivo da pesquisa, verificar a interferência de orientações sobre os processos de comunicação e linguagem de crianças autistas, na forma com que essas mães observam o desempenho de seus filhos, segundo critérios adaptados do Questionário da Organização Mundial de Saúde sobre Qualidade de Vida, não foi atingido completamente. As respostas fornecidas pelas mães não permitiram analises relacionadas ao grupo. Aparentemente houve uma interferência não prevista, possivelmente devido ao fato de esses questionários estarem sendo aplicados no mesmo serviço em que as crianças recebem atendimento, que pode ter determinado uma espécie de "efeito teto" nas respostas. Os questionários refletem mães satisfeitas e que não atribuem grandes problemas a seus filhos (novamente aqui a questão das dificuldades de transporte aparece como uma exceção, pois há referencia sistemática a ela). Supõe-se que, se os questionários fossem aplicados fora do ambiente de atendimento, ou pelo menos por pessoas não identificadas com ele, poderiam ser obtidos resultados mais reais. De qualquer forma, mesmo que não tenha sido possível determinar o grau de interferência das orientações realizadas a partir dos resultados nos questionários de Qualidade de Vida, essa interferência positiva ficou evidenciada na análise qualitativa dos processos de intervenção.

Dessa forma, a hipótese de que "orientações sistematizadas e específicas, realizadas por curtos períodos de tempo e com possibilidades de retorno podem contribuir não só para o ambiente comunicativo da criança autista, mas também para o entendimento familiar a respeito das habilidades e dificuldades de cada criança" continua aberta. A necessidade de maiores ajustes em procedimentos de pesquisa que possam mensurar de forma mais efetiva esse grau de interferência não deve obscurecer o fato de que houve um impacto positivo de um procedimento de orientações sistematizadas, realizadas juntamente com o processo de terapia de linguagem das crianças (e não em substituição a ela). Essas orientações, voltadas para questões de comunicação e linguagem, embora tenham um roteiro de funcionamento e registro, permitem ajustes às necessidades e demandas de cada grupo.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio concedido para realização dessa pesquisa, sob processo número 2007/03607-2.

Recebido em: 24/5/2010

Aceito em: 12/7/2010

Trabalho realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica nos Distúrbios do Espectro Autista, Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.

Anexo 1

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Anexo 1

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Anexo 1

  • Endereço para correspondência:
    Fernanda Dreux Miranda Fernandes
    R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária
    São Paulo (SP), Brasil, CEP: 05360-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      24 Maio 2010
    • Aceito
      12 Jul 2010
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