Resumos
Introdução: O volume de hiperplasia intimal correlaciona-se com a injúria arterial após implante de stents não farmacológicos. No entanto, pouco se sabe a respeito do impacto da injúria arterial na resposta inflamatória/proliferativa com os stents farmacológicos. Investigamos o impacto da injúria arterial, avaliada pela relação balão/artéria, no volume de obstrução neontimal, avaliado pelo ultrassom intracoronário 12 meses após o implante de stents farmacológicos com eluição de zotarolimus.
Métodos: A relação balão/artéria foi definida como a razão do diâmetro máximo do balão, obtido no implante ou na pós-dilatação, e o diâmetro de referência do vaso pré-procedimento. Os pacientes foram categorizados em dois grupos: relação balão/artéria alta (≥ 1,15) e relação balão/artéria baixa (< 1,15).
Resultados: Foram incluídos 86 pacientes, nos grupos relação balão/artéria baixa (n = 47/48 lesões) ou relação balão/artéria alta (n = 39/48 lesões). As características clínicas, angiográficas e do procedimento não diferiram entre os grupos, à exceção do diâmetro de referência dos vasos (2,73 ± 0,45 mm vs. 2,97 ± 0,40 mm; p = 0,01). Aos 12 meses, observou-se semelhante perda tardia intra-stent (0,59 ± 0,32 mm vs. 0,62 ± 0,42 mm; p = 0,92), bem como reestenose binária (4,2% em ambas as coortes; p > 0,99). O volume de obstrução neointimal intra-stent (15,2 ± 14,3% vs. 12,5 ± 10,1%; p = 0,62) não mostrou diferença entre os grupos. Não observamos correlação entre a relação balão/artéria e o volume de obstrução neointimal aos 12 meses (R2 = 0,0025; p = 0,88).
Conclusões: A injúria arterial não se correlacionou com a quantidade de hiperplasia intimal após implante de stents farmacológicos com eluição de zotarolimus.
Restenose coronária; Intervenção coronária percutânea; Stents farmacológicos
Background: Intimal hyperplasia volume is correlated to arterial injury after bare-metal stenting. However, little is known about the impact of arterial injury on the inflammatory/ proliferative response with drug-eluting stents. We investigated the impact of arterial injury, evaluated by the balloon/artery ratio, on neointimal hyperplasia volume obstruction, evaluated by intravascular ultrasound, 12 months after zotarolimus-eluting stent implantation.
Methods: Balloon/ artery ratio was defined as the ratio of the maximum balloon diameter, using the maximal implantation or post-dilatation pressure, and the reference diameter of the vessel obtained before the procedure. Patients were divided into two groups: high balloon/artery ratio (≥ 1.15) and low balloon/artery ratio (< 1.15).
Results: A total of 86 patients were included in the low balloon/artery ratio group (n = 47/48 lesions) or high balloon/artery ratio (n = 39/48 lesions). The clinical, angiographic and procedurerelated characteristics were not different between groups, except for the vessel reference diameter (2.73 ± 0.45 mm vs. 2.97 ± 0.40 mm; p = 0.01). At 12 months, similar in-stent late loss was observed (0.59 ± 0.32 mm vs. 0.62 ± 0.42 mm; p = 0.92), as well as binary restenosis (4.2% in both cohorts; p > 0.99). Instent neointimal hyperplasia volume obstruction (15.2 ± 14.3% vs. 12.5 ± 10.1%; p = 0.62) showed no difference between groups. No correlation was observed between balloon/artery ratio and neointimal hyperplasia obstruction volume at 12 months (R2 = 0.0025; p = 0.88).
Conclusions: In the present study arterial injury was not correlated with the amount of intimal hyperplasia after zotarolimus-eluting stent implantation.
Coronary restenosis; Percutaneous coronary intervention; Drug-eluting stents
A reestenose coronária é resultante de resposta cicatricial exacerbada secundária à injuria vascular causada à parede arterial pelo balão1 e compreende dois mecanismos básicos: a hiperproliferação neointimal e o remodelamento vascular.
O advento dos stents metálicos praticamente aboliu o remodelamento vascular negativo, uma vez que seu arcabouço metálico impede a retração no segmento vascular tratado.2 Por outro lado, a presença de um corpo estranho metálico no interior do vaso, em associação ao barotrauma decorrente da pressão empregada para liberar a endoprótese, desencadeia resposta inflamatória local, que dá início a uma cascata reparatória que, em alguns casos, pode resultar em hiperproliferação neointimal e levar à reobstrução do vaso.3
Estudos com ultrassom intracoronário (USIC) em pacientes tratados com stents não farmacológicos sugerem que a hiperexpansão do stent poderia resultar em maior trauma à parede vascular e, com isso, exacerbar a resposta reparativa, produzindo maior quantidade de tecido neointimal.4
Há pouco mais de uma década, os stents farmacológicos foram introduzidos na prática clínica. Graças ao seu poder de inibir a resposta proliferativa neoitimal, esses dispositivos reduziram sobremaneira as taxas de reestenose e tornaram a intervenção coronária percutânea (ICP) o tratamento de escolha da doença arterial coronária.
Entretanto, pouco se sabe a respeito do impacto da injúria arterial na resposta inflamatória/proliferativa após o implante desses novos dispositivos. O objetivo do presente estudo investigou, por meio do USIC, o impacto da injúria arterial no volume de obstrução neointimal após implante de stent liberador de zotarolimus.
MÉTODOS
Desenho do estudo e população-alvo
Trata-se de um estudo retrospectivo, unicêntrico, de braço único, realizado em hospital terciário do Estado de São Paulo. Avaliamos todos os pacientes tratados com o stent Endeavor® (Medtronic, Santa Rosa, Estados Unidos) no período de janeiro até julho de 2011, submetidos a reavaliação angiográfica e ao USIC aos 12 meses. Esses pacientes eram provenientes de diferentes protocolos de pesquisa, tendo, assim, diferentes critérios de inclusão e exclusão. Em comum, todas as lesões avaliadas eram do tipo de novo, em coronárias nativas, com diâmetro entre 2,5 e 3,5 mm, tratadas com apenas um stent farmacológico (até 30 mm). Excluíram-se dessa análise pacientes tratados na fase aguda de infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento do segmento de ST ou que apresentassem insuficiência renal (clearence de creatinina < 60 mL/minuto). Pacientes com doença multiarterial foram tratados no mesmo procedimento ou em procedimentos estagiados.
Os diferentes protocolos de estudo foram aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Informado antes da realização do procedimento.
Procedimento
Os procedimentos de ICP foram realizados conforme rotina da instituição e de acordo com as recomendações vigentes. A escolha da via de acesso (femoral ou radial) coube a cada operador e foi permitido implante direto dos stents, sem pré-dilatação. O uso da pós-dilatação ficou a critério dos operadores.
O protocolo antiplaquetário consistiu da administração de ácido acetilsalicílico (AAS) e de clopidogrel. O pré-tratamento incluiu AAS na dose de 100 a 200 mg ao dia em caso de uso crônico (> 7 dias), ou dose de ataque de 200 a 300 mg realizada > 24 horas antes da ICP. Para o clopidogrel, a dose de ataque de 300 mg foi empregada > 24 horas antes da intervenção, em casos eletivos, ou 600 mg > 2 horas antes do procedimento, em casos de síndrome coronária aguda. Após o procedimento, o uso de AAS (100 mg/dia) foi recomendado por tempo indeterminado, e o clopidogrel (75 mg/dia) foi administrado por um período mínimo de 12 meses. Com relação a terapia anticoagulante durante o procedimento, a heparina intravenosa foi administrada na dose de 70 a 100 U/kg de peso para manter um tempo de coagulação ativado > 250 segundos (ou > 200 segundos em caso de administração concomitante de inibidor da glicoproteína IIb/IIIa).
Desfecho e definições
O desfecho primário do estudo foi o volume de obstrução neointimal intra-stent, obtido pelo USIC, na reavaliação angiográfica 12 meses após o procedimento.
A injúria arterial foi definida pela relação balão/artéria (RBA) durante o implante do stent ou na pós-dilatação, calculada como a razão do diâmetro máximo do balão pelo diâmetro de referência do vaso pré-procedimento. Essa definição já foi previamente validada em estudos com stents não farmacológicos.5 A figura 1 exemplifica o cálculo da RBA.
Cálculo da relação balão/artéria pela angiografia quantitativa. No painel A, observa-se medida do diâmetro de referência do vaso pré-procedimento (2,51 mm). No painel B, observa-se a medida do diâmetro máximo do balão expandido (2,63 mm), resultando em relação balão/artéria de 1,05.
Para a presente análise, os pacientes foram categorizados em dois grupos: RBA baixa (< 1,15) ou RBA alta (≥ 1,15). A análise angiográfica foi realizada com um software validado (QAngio® XA, versão 7.3, Medis, Leiden, Holanda).
Aquisição de imagem e análise de ultrassom intracoronário
A aquisição das imagens foi realizada utilizando-se um transdutor de elemento único, rotacional, com frequência de 40 MHz, envolto numa bainha com perfil 2,6 F, com recuo motorizado em sistema de tração automática, numa velocidade de 0,5 mm/seg, e escâneres comerciais (Galaxy® 2, Boston Scientific Corp., Nattick, Estados Unidos).
Para a realização da análise volumétrica, a reconstrução tridimensional das imagens foi realizada por um programa de planimetria computadorizada comercialmente disponível (EchoPlaque® 3.0, INDEC Systems Inc., Mountain View, Estados Unidos). As áreas do lúmen, stent e vaso (membrana elástica externa), no segmento analisado, foram determinadas, a cada milímetro, por planimetria computadorizada. A área da hiperplasia neointimal foi calculada como a área do stent menos a do lúmen. Os volumes (do lúmen, stent e vaso) foram calculados pela regra de Simpson. O volume de obstrução neointimal intra-stent foi calculado como a razão entre o volume de hiperplasia neointimal e o volume do stent x 100.
Análise estatística
As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio padrão, e variáveis categóricas como porcentagens e valores absolutos. Variáveis contínuas foram analisadas com teste de t de Student ou de Mann-Whitney. Variáveis categóricas foram comparadas com o teste qui quadrado ou exato de Fisher. Regressão linear empregando o método dos mínimos quadrados foi usada para analisar a associação entre o volume de obstrução neointimal intra-stent e a RBA aos 12 meses.
RESULTADOS
Foram avaliados 86 pacientes, com 96 lesões submetidas à ICP com implante de stent Endeavor®, sendo 48 lesões tratadas com RBA baixa e 48 tratadas com RBA alta.
As características clínicas e angiográficas da base da população tratada estão resumidas na tabela 1. Conforme observado, a média de idade da população dos dois grupos situou-se em torno de 60 anos, sendo a maioria dos pacientes do sexo masculino. Houve um discreto predomínio numérico, mas não significativo, de diabéticos no grupo RBA alta (30% vs. 38%; p = 0,39), enquanto a maioria da população, em ambas as coortes, era de pacientes com doença coronária estável. De modo geral, a artéria descendente anterior foi o vaso mais frequentemente abordado, sendo a maior parte das lesões, em ambos os grupos, de moderada complexidade (B1/B2), segundo a classificação do American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/ AHA). Durante o procedimento, não foram observadas diferenças nas taxas de pré ou pós-dilatação entre os grupos, sendo ambas realizadas em menos de metade da população avaliada.
A tabela 2 contém os dados da angiografia coronária quantitativa durante o procedimento e na avaliação de 12 meses. No grupo com RBA alta, os vasos tratados eram menos calibrosos (2,73 ± 0,45 mm vs. 2,97 ± 0,40 mm; p < 0,01), porém com extensão de lesão e diâmetro de estenose pré-intervenção semelhantes. A RBA média no grupo de implante mais agressivo foi de 1,35 ± 0,13, ao passo que, no grupo RBA baixa, foi de 1,03 ± 0,08. Aos 12 meses, observou-se semelhante perda tardia intra-stent (0,59 ± 0,32 mm vs. 0,62 ± 0,42 mm; p = 0,92), bem como reestenose binária (4,2% em ambas as coortes, p > 0,99) entre os grupos.
Na análise com o USIC aos 12 meses, encontramos diferença significativa quanto ao volume do vaso (249,2 ± 207,5 mm3 vs. 325 ± 161,8 mm3; p < 0,01), da luz (110,7 ± 91,9 mm3 vs. 154,2 ± 91,3 mm3; p < 0,01) e do stent (134 ± 113,8 mm3 vs. 174,9 ± 98 mm3; p < 0,01) − reflexos do maior diâmetro dos vasos tratados no grupo com RBA alta (Tabela 3). O desfecho primário do estudo, ou seja, o volume de obstrução neontimal (15,2 ± 14,3% vs. 12,5 ± 10,1%; p = 0,62) não mostrou diferença entre os grupos. Não houve correlação significativa entre a RBA e o volume de obstrução neontimal intra-stent aos 12 meses (R2 = 0,0025; p = 0,88) (Figura 2).
Correlação entre o volume de obstrução neontimal e a relação balão/artéria com o stent eluidor de zotarolimus.
DISCUSSÃO
O principal achado do presente estudo diz respeito à ausência de correlação entre o grau de injúria arterial, quantificada pela RBA, com a formação de tecido neointimal no interior dos stents farmacológicos eluidores de zotarolimus, quantificada pelo volume de obstrução neontimal.
O principal mecanismo de reestenose, após o implante de stents metálicos não farmacológicos, é a formação exacerbada de tecido neointimal em seu interior. A insuflação do balão causa uma fratura da placa aterosclerótica. As plaquetas ativadas liberam mitógenos, incluindo tromboxano A2, serotonina e fator de crescimento derivado da plaqueta, que promovem a proliferação das células musculares lisas.6,7 Consequentemente, células musculares lisas ativadas migram para a camada íntima. A disfunção endotelial pode contribuir para a proliferação e a migração das células musculares lisas, pela síntese reduzida de óxido nítrico, que inibe o crescimento das mesmas.
Hoffmann et al.5 documentaram correlação significativa entre hiperplasia neointimal, avaliada por USIC, e o produto da RBA pela pressão máxima de insuflação, o que sugere que a reestenose de stents não farmacológicos poderia estar relacionada com o grau de distensão (overstretch) arterial. Em contrapartida, Kuriayama et al.8 relataram que o overstretch em artérias com diâmetro ≥ 3 mm resultou em lúmen de dimensões finais maiores. Assim, o risco de reestenose pode ser reduzido com a dilatação com pressões maiores em vasos grandes.
Recentemente, Eshtehardi et al.9, avaliando 196 pacientes tratados com stents farmacológicos de primeira geração (Cypher® e Taxus®), demonstraram não haver correlação entre a injúria arterial no implante e a formação de tecido neointimal com aqueles stents.
Limitações do estudo
As principais limitações deste estudo foram o número relativamente pequeno de pacientes avaliados com USIC e o fato de não ser uma amostra randomizada, o que não impede a existência de outras variáveis que possam interferir no volume de hiperplasia neointimal, além da hiperexpansão do stent. Além disso, a análise retrospectiva de pacientes submetidos a USIC aos 12 meses pode trazer viés de seleção.
CONCLUSÕES
Em nosso estudo, não encontramos correlação entre a injúria arterial avaliada pela relação balão/artéria e o volume de obstrução neontimal após implante de stents com eluição de zotarolimus.
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FONTE DE FINANCIAMENTONão há.
REFERÊNCIAS
- 1Forrester JS, Fishbein M, Helfant R, Fagin J. A paradigm for restenosis based on cell biology: clues for the development of new preventive therapies. J Am Coll Cardiol. 1991;17(3):758-69.
- 2Costa MA, Sabate M, Kay IP, de Feyter PJ, Kozuma K, Serrano P, et al. Three dimensional intravascular ultrasonic volumetric quantification of stent recoil and neointimal formation of two new generation tubular stents. Am J Cardiol. 2000;85(2):135-9.
- 3Wilcox JN, Okamoto EI, Nakahara KI, Vinten-Johansen J. Perivascular responses after angioplasty which may contribute to postangioplasty restenosis: a role for circulating myofibroblast precursors? Ann N Y Acad Sci. 2001;947:68-90.
- 4Hoffmann R, Mintz GS, Mehran R, Pichard AD, Kent KM, Satler LF, et al. Intravascular ultrassound predictors of angiographic restenosis in lesions treated with Palmaz-Schatz stents. J Am Coll Cardiol. 1998;31(1):43-9.
- 5Hoffmann R, Mintz GS, Mehran R, Kent KM, Pichard AD, Satler LF, et al. Tissue proliferation within and surrounding Palmaz-Schatz stent is dependent on the aggressiveness of stent implantation technique. Am J Cardiol. 1999;83(8):1170-4.
- 6Welt FG, Rogers C. Inflammation and restenosis in the stent era. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2002;22(11):1769-76.
- 7Costa MA, Simon DI. Molecular basis of restenosis and drug-eluting stents. Circulation. 2005;111(17):2257-73.
- 8Kuriyama N, Kobayashi Y, Kuroda N, Desai K, Yamamoto Y, Komiyama N, et al. Effect of coronary stent overexpansion on lumen size and intimal hyperplasia at follow-up. Am J Cardiol. 2002;89(11):1297-9.
- 9Eshtehardi P, Cook S, Wandel S, Räber L, Wenaweser P, Togni M. Impact of arterial injury on neointimal hyperplasia after implantation of drug-eluting stents in coronary arteries: an intravascular ultrasound study. EuroIntervention. 2010;6(4):467-74.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2014
Histórico
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Recebido
04 Jun 2014 -
Aceito
18 Ago 2014