Resumo
Comparam-se concepções de três autores quanto às determinações de uma sociedade pós-capitalista no que tange à relação entre as esferas sociais da individualidade e da coletividade: o jurista soviético E. Pachukanis, o filósofo húngaro G. Lukács e o historiador canadense M. Postone. Demonstra-se a compatibilidade e superioridade analítica das formulações destes últimos em relação às daquele, cujos pontos problemáticos se destacam.
Palavras-chave: Pós-capitalismo; Direito; Individualidade
Abstract
The conceptions of three authors are compared regarding to the determinations of a post-capitalist society with respect to the relation between the social spheres of individuality and collectivity: the Soviet jurist E. Pashukanis, the Hungarian philosopher G. Lukács and the Canadian historian M. Postone. I demonstrate the compatibility and analytical superiority of the formulations of the latter theorists in comparison to those of the former, whose problematic points are highlighted.
Keywords: Post-capitalism; Law; Individuality
1) Introdução
Não há dúvida de que a monumental obra de Marx - que contém inflexões, aperfeiçoamentos e retrocessos - fundamenta o marxismo enquanto campo aberto, em que se disputam interpretações, orientações e perspectivas. Porém, por mais que dela se possa derivar uma série quase infinita de enfoques e desdobramentos, certo é que a análise de Marx versa sobre o modo de produção capitalista, além de veicular a crítica mais arrasadora das determinações mais fundamentais dessa sociabilidade. Por outro lado, justamente porque a crítica inevitavelmente pretende demonstrar a desumanidade1 de tal formação social per se e apontar para sua superação, é legítima a indagação sobre a medida em que é possível delinear, a partir dela, as determinações de uma futura sociedade pós-capitalista. Este artigo tem por objetivo geral debater algumas concepções específicas sobre uma sociedade emancipada. Isso será empreendido, em específico, mediante destaque de algumas concepções de uma conhecida teorização sobre o ponto, a saber, a de Evguiéni Pachukanis, sobretudo a registrada em sua principal e impactante obra Teoria Geral do Direito e Marxismo. Tais concepções serão contrastadas especificamente com as visões de Georg Lukács e Moishe Postone. Expostas as insuficiências da proposta de Pachukanis, será possível demonstrar a superioridade analítica destas últimas. Ao fim, procederei a breve cotejo com outras formulações próximas às de Pachukanis, como as de Lenin e do próprio Marx.
2) Pachukanis: abolição do direito, regulamentação técnica e fusão do “eu” individual com o coletivo
O jurista soviético Evguiéni Pachukanis pode ser apontado como um dos mais brilhantes teóricos do direito que refletiram sobre a esfera jurídica da vida social à luz do marxismo. Suas contribuições são capazes de até hoje impressionar pela sofisticação, sobretudo porque apresentadas ainda no início do século XX, ou seja, numa quadra em que ainda muito haveria de se percorrer em termos de desenvolvimento do capitalismo: ao longo das décadas, explicitaram-se dinâmicas cujas tendências ainda não eram manifestas em estágios pretéritos, de modo que, mediante análises retroativas, pôde-se verificar desde então um enorme amadurecimento das ciências sociais.
Para os fins que nos interessam, é dispensável apresentar todo o arcabouço teórico de Pachukanis, que é inclusive marcado por retrocessos e retratações relacionadas, ao que tudo indica, aos rumos que a União Soviética tomou após a ascensão de Stalin e que, também muito provavelmente, culminaram no desaparecimento do próprio jurista. A análise será limitada, portanto, ao que se pode extrair da concepção pachukaniana sobre uma sociedade comunista tal como exposta no seu principal livro, Teoria geral do direito e marxismo2. (PACHUKANIS, 2017)
A posição central de Pachukanis, por ele mais reiterada e decididamente defendida, é bastante conhecida: o direito constitui uma forma social historicamente específica da sociedade capitalista e é dela indissociável. Se é assim, uma vez superado esse modo de produção, necessariamente será abolida a forma jurídica. Numa sociedade mercantil, os indivíduos confrontam-se enquanto possuidores de mercadorias, e a partir dessa relação econômica erige-se a estrutura jurídica, cujo elemento mais básico é o sujeito de direito - expressão jurídica daquele possuidor. Todo o direito - tanto que “[a] diferenciação entre o direito público e o direito privado já apresenta (...) dificuldades específicas” (PACHUKANIS, 2017, p. 111) - é fundamentalmente moldado por essa determinação, pois ele assegura seja observada a relação de equivalência que deve reger a troca mercantil. No que se refere especificamente à troca da mercadoria força de trabalho, a forma jurídica contratual que a medeia garante a exploração de uma classe por outra:
O servo está em uma situação de completa subordinação ao senhor justamente porque essa relação de exploração não exige uma formulação jurídica particular. O trabalhador assalariado surge no mercado como um livre vendedor de sua força de trabalho porque a relação capitalista de exploração é mediada pela forma jurídica do contrato. Acredita-se que esses exemplos sejam suficientes para se admitir o significado decisivo da categoria de sujeito para a análise da forma jurídica. (PACHUKANIS, 2017, p. 118)
Portanto, eliminada a forma social mercantil por meio do planejamento da produção, e encerrada a relação de exploração pela vitória revolucionária do proletariado, o direito necessariamente seria abolido, descabendo falar-se num direito comunista: não se pode lançar mão da forma jurídica, intrinsicamente vinculada à formação social burguesa, para veicular um conteúdo de classe proletário (cf. PACHUKANIS, 2017, p. 79).
Por outro lado, numa sociedade emancipada, a vida social deveria, naturalmente, seguir organizando-se de algum modo. Se a forma jurídica, que não é trans-histórica, haveria de ser extinta quando revolucionada a esfera da produção, é razoável perquirir a forma pela qual se daria referida organização. Uma vez que não haveria mais uma oposição de interesses egoísticos própria dos possuidores de mercadoria, Pachukanis entende que seria suficiente uma regulamentação técnica. Ausentes litígios nas relações humanas, não seriam necessárias as abstrações próprias do direito burguês, tal como o sujeito de direito, pois os interesses seriam sempre convergentes. As ilustrações que Pachukanis oferece a fim de esclarecer o sentido de sua proposição são, como ocorre já no modo de produção capitalista, a definição dos horários de partida ou da capacidade máxima de carregamento dos trens, ou mesmo as regras para a cura de uma doença: em todos os casos, as obrigações que surgem para os envolvidos (passageiros, maquinistas, médicos, pacientes) não decorrem do confronto, mas da unidade dos interesses (2017, p. 94). No que se refere à produção material da vida, Pachukanis também entende que a necessária eliminação da mediação da concorrência no mercado conduziria a que as unidades produtivas (atuais empresas do modo de produção capitalista, mas então despidas de personalidade, já que caduca a forma jurídica) também tenham suas atividades coordenadas não pelo direito, mas de maneira técnica (2017, p. 139) 3.
Tal unidade - e este é último ponto que precisamos sumarizar aqui - se verifica no comunismo porque, na base da abolição das classes, da exploração, da propriedade privada, do mercado, do Estado e do direito, opera uma determinada dinâmica de cunho mais abstrato. Em digressão não mais estritamente jurídico-política, mas propriamente filosófica, Pachukanis diagnostica que a revolução comunista leva ao apagamento das fronteiras entre o individual e o coletivo, pondo fim inclusive à esfera moral:
Se os laços vivos que ligam o indivíduo à classe são de fato tão fortes a ponto de as fronteiras do “eu” se apagarem e a utilidade de classe realmente se funde com a utilidade pessoal, então não tem sentido falar em cumprimento do dever moral, uma vez que o fenômeno moral geral está ausente (PACHUKANIS, 2017, p. 159).
3) Uma concepção autoritária?
Neste ponto, pretendo apresentar uma crítica a tal argumento de Pachukanis, tecida por Andreas Arndt (2017), com a qual tem algum acordo, por exemplo, Ingo Elbe (2019). Em suma, ambos os autores, de formação filosófica, defendem que Pachukanis teria nessa área se valido de uma sustentação pouco sólida, o que atraiu um caráter autoritário às consequências de seu raciocínio.
Arndt parte da consideração de que Pachukanis constrói sua crítica à forma jurídica a partir do modelo do direito civil, que regula os conflitos de interesses verificados nas trocas entre possuidores de mercadorias isolados e egoístas. O sujeito de direito, resultante de um processo de abstração, seria dotado de liberdade segundo a teoria jurídica burguesa, mas essa liberdade significaria nada além do poder de disposição das mercadorias no mercado (PACHUKANIS, 2017, p. 155). Uma formulação que o jurista invoca para demonstrar sua tese é o imperativo jurídico hegeliano, que postula: “sê uma pessoa e respeite os outros como pessoa”. Para Pachukanis, é tarefa do marxismo preencher de conteúdo histórico essa proposição abstrata, e por isso ele insiste que a pessoa aí referida é, na verdade, tão-somente o possuidor de mercadorias concreto, que deve respeitar os demais enquanto também possuidores de mercadorias (PACHUKANIS, 2017, pp. 118-119).
A crítica então é que, por um lado, Pachukanis acertadamente vislumbraria o papel do valor4 na determinação das relações humanas, o que de fato não pode deixar de servir como vetor interpretativo da colocação de Hegel: o filósofo, que persegue e consegue captar intuitivamente diversas determinações da sociedade de seu tempo5, sem dúvida tem em vista - talvez inclusive como momento predominante do conceito - o possuidor de mercadorias. Todavia, prossegue Arndt, seria por outro lado reducionista entender que o sujeito de direito em Hegel expressa apenas isso. Para ele, tal categoria hegeliana captura a inauguração histórica também de um espaço de liberdade pois, além de um momento de abstração, o sujeito de direito igualmente inclui um “direito à particularidade” (HEGEL, 2010, p. 110). Portanto, nesse espaço de liberdade seria assegurado aos indivíduos efetivar suas diversas qualidades.
Para Arndt, o asseguramento de tal espaço de liberdade só pode ser pensado juridicamente, de modo que ele se opõe à tese principal de Pachukanis de abolição do direito. À parte essa discussão, certo é que não se pode deixar ao menos de refletir acerca do que ele identifica como traços autoritários na proposta pachukaniana de fusão do “eu” individual com o coletivo.
4) Lukács: o indivíduo na generidade para-si
Como já antecipamos, o Lukács maduro oferece, em seu Para uma Ontologia do Ser Social, uma perspectiva bem mais sofisticada e, consequentemente, verdadeiramente emancipadora quando teoriza sobre uma sociedade pós-capitalista6. Antes de abordá-la em específico, é preciso apresentar a suma dos pontos mais importantes que sustentam o quadro geral da argumentação do autor na obra em questão.
O pensamento de Lukács, neste livro, desdobra-se em uma série de flancos. Invariável, porém, é o compromisso com a realidade na análise. Trata-se de algo que deveria parecer verdadeiramente simples para quem pretenda assumir o compromisso de desenvolver linhas filosóficas de corte marxista, como ficou claro a Lukács na etapa final de sua vida: após um extenso percurso de maturação intelectual, ele se dedicou à pesquisa ontológica não mais dogmática, mas crítica, que exige buscar o ser no pensamento, mas sem deduzir a priori as categorias do real (cf. OLDRINI, 2014, p. 31). Nessa empreitada, o foco da ontologia lukácsiana é o ser social, com o que ele pretendia - e isso será relevante para nosso argumento posteriormente - sustentar uma ética marxista que nunca pôde ser mais do que apenas pontualmente esboçada em sua obra tardia.
É sabido que Lukács foi capaz, retrospectivamente - isto é, numa análise post festum7 - , identificar três esferas da realidade: o ser inorgânico, o orgânico e o social, que, nessa sequência, revestem-se cada qual de maior complexidade relativamente ao anterior. Cada um destes complexos emergiu do precedente, do qual realizou as potencialidades do respectivo vir-a-ser nele contidas. O salto que caracteriza a emergência de uma esfera não significa, de modo algum, uma superação absoluta das determinações da outra, como se, por exemplo, o ser social inaugurasse uma dimensão totalmente autônoma em relação ao orgânico e ao social. Ao contrário, as determinações pretéritas subsistem e subsistirão sempre: é o que Lukács, ao falar do ser social, denomina “afastamento das barreiras naturais”, que nunca pode se verificar de modo completo. Afinal, mesmo pertencendo à esfera da socialidade, o ser humano nunca deixará de consistir, também, num ser natural, e por isso as necessidades dessa ordem deverão invariavelmente ser satisfeitas (embora de maneira cada vez mais - repita-se, apenas tendencialmente - social8).
O que enseja o salto ontológico em direção ao ser social é o trabalho9. É essa a categoria central para Lukács em sua investigação da dimensão que o ato de trabalho funda - tanto no sentido de inaugurar a socialidade quanto de caracterizar o modelo de práxis social, que progressivamente se diversifica e complexifica. Com referência e reconhecimento a Hartmann, e à parte as duras críticas que a ele são também dirigidas, Lukács conceitua o trabalho, em suma e não diferente do quanto experimentado por todos cotidianamente, como o ato de selecionar e efetivamente atuar sobre os meios tidos como capazes para o atendimento a finalidades anterior e idealmente eleitas. Tais fins são, ao menos em última instância, materiais: seja em um ato de caça, seja num discurso político ou aforismo filosófico, há sempre, por mais mediações que dificultem a visualização disto, uma relação com a produção e reprodução da vida.
A partir desse conceito, as derivações são muitas: nas mais distintas direções, Lukács apresenta inúmeros desdobramentos, ou eventualmente apenas excursos incipientes (sobretudo quando se trata de temas que deveriam ser reservados à sua Ética nunca escrita). A questão da liberdade, da consciência, da ideologia, da linguagem, do estranhamento são apenas alguns dos exemplos daquilo que é enfrentado pelo autor. Como já anunciado, porém, aqui nos limitaremos a expor algo a respeito do que é por ele considerado essencial na captura de uma sociedade emancipada, o que passamos a abordar.
Antes, porém, é relevante aqui acentuar que a ontologia de Lukács é crítica precisamente por isto: se ele pôde, post festum, compreender o movimento que conduziu à emergência do ser social, cuida-se, na análise prospectiva do estágio mais desenvolvido, de somente buscar indícios de tendências e possibilidades que podem ou não se efetivar, e não de delinear um percurso necessário em tal ou qual rumo, como postulado pelas diversas filosofias teleológicas, em especial a de Hegel10. Seria curioso - caso desconsiderássemos o fato já mencionado de que em Hegel há, ao lado de distorções idealistas inaceitáveis, também argutas intuições ontológicas - verificar que é nas determinações reflexivas hegelianas que Lukács identifica uma relevante formulação para orientar sua própria ontologia crítica: “[é] que para Hegel a possibilidade é sempre algo realmente existente; ela só permanece possibilidade em relação a uma outra realidade, a uma realidade em transformação” (LUKÁCS, 2012, p. 268), passagem que é seguida de parte da seguinte citação de Hegel:
O contingente, enquanto é a efetividade imediata, é ao mesmo tempo a possibilidade de um Outro; entretanto, não mais simplesmente aquela possibilidade abstrata, que tínhamos de início, mas a possibilidade como essente [Seiende]; a qual, assim, é condição. Ao falarmos da condição de uma Coisa, há aí dois [elementos], a saber: de uma parte, um ser-aí, uma existência, em geral algo imediato; de outra parte, a determinação desse imediato: de ser suprassumido e de servir à efetivação de um Outro. Ora, a efetividade imediata, em geral, enquanto tal não é o que deve ser, e sim uma efetividade quebrada em si mesma, finita; e sua determinação é ser consumida. (...) Mas, de fato, tal efetividade imediata contém em si o gérmen de algo totalmente outro. Esse outro é antes de tudo um possível, apenas; cuja forma porém depois se suprassume e se traduz em efetividade. (HEGEL, 1995, pp. 273-274)
No ponto com que nos ocupamos, essa intuição de Hegel está na base da consideração de Lukács, na digressão acerca da emancipação humana que abaixo esboçaremos, de que o campo das possibilidades de seu atingimento é amplo, mas não ilimitado: as condições do vir-a-ser-outro devem ser concretamente detectadas no real para serem efetivadas, de modo a serem rejeitadas formulações utópicas, que apareçam como "patológica[s], isto é, como irrelevante[s] da perspectiva social" (LUKÁCS, 2013, p. 430).
Dito isso, já podemos apresentar as ideias de Lukács acerca de uma sociedade emancipada, derivadas de sua estrutura conceitual centrada no trabalho enquanto categoria fundante do ser social. Ao tratar do salto ontológico que opera a partir do pôr teleológico inaugurador do complexo da socialidade, destaca ele que, nesse salto, os momentos da objetivação (do objeto) e da alienação [Entäußerung] (do sujeito) compõem um todo unificado. Mas, apesar da unidade, os momentos guardam também diferenças ontológicas reais que permitem analisá-los em separado e contrastá-los.
Nesse sentido, sublinha o autor que já na estrutura do nível mais imediato da práxis fundante da socialidade se constata a polaridade indissociável de generidade e individualidade, pois no ato de trabalho os mencionados momentos simultâneos de objetivação e alienação operam da seguinte maneira: pela primeira, produz-se "algo prático, mesmo que seja só a expressão de (...) sentimentos por meio da linguagem que, por sua essência, é predominantemente genérica" e, logo, "em alguma proporção constitui um elemento de construção daquilo que o gênero é propriamente dito"; já a segunda indica ter sido o ato "posto em movimento por um homem singular" e, portanto, "expressa e influencia positiva ou negativamente o seu desdobramento individual" (todas as passagens extraídas de LUKÁCS, 2013, p. 536).
Considerando a mencionada inafastabilidade da conjugação entre individualidade e generidade por força da própria estrutura do pôr teleológico caracterizador do ato de trabalho, ressalta Lukács que, ao longo do desenvolvimento social, aspectos como conteúdo, forma e interrelação entre esses polos se diversificam. A título de exemplo, pontua-se que, "no tempo presente (...) a individualidade domina (...) como se nem existisse uma generidade", mas ao mesmo tempo essa representação subjetiva não passa de "ilusionismo ontológico", até porque é no tempo presente que se verifica, objetivamente, a integração do gênero humano em grau de vastidão e multilateralidade mais elevado. Todavia, foi apenas do ser-em-si do gênero humano que houve efetiva aproximação11. Em outras palavras, na referida metáfora de Marx, trata-se da “pré-história” da humanidade, a ser superada com um segundo salto, desta vez em direção à generidade para-si. O primeiro salto ontológico não conduz necessariamente ao segundo, mas lhe coloca as condições, no sentido da possibilidade, tal como acima esboçado. Essa emancipação apenas pode se verificar
quando os dois polos do ser social, o indivíduo e a sociedade, cessarem de agir de modo espontaneamente antagônico um sobre o outro: quando a reprodução da sociedade promover o ser homem do homem, quando o indivíduo se realizar conscientemente em sua vida individual como membro do gênero. (LUKÁCS, 2013, p. 426)
Nessa verdadeira história da humanidade, “a - irrevogável - contraditoriedade entre indivíduo e totalidade social deixa de ter, no âmbito da generidade, um caráter antagônico” (LUKÁCS, 2013, p. 426 - grifamos).
O destaque suficiente para demonstrar a superioridade da concepção de Lukács sobre a de Pachukanis deve recair na constatada irrevogabilidade da contraditoriedade entre indivíduo e totalidade social. Em outros termos: para o húngaro, afirmar que, superado o capitalismo, a esfera individual possa, em vez de desefetivada pelos progressos da totalidade social, ser enriquecida por estes, não significa deixar de reconhecer sempre algum grau de contraditoriedade entre ambas. O prognóstico é que, pelo menos, não se estabeleça um antagonismo espontaneamente gerado e reproduzido pela estrutura social, que, tal como ainda hoje, é invariavelmente “resolvido” pela subordinação do indivíduo à totalidade - ainda que a ilusão ontológica impinja a representação de predominância da individualidade.
Na sociedade emancipada, não só objetivamente, como nos dias atuais, a generidade avançará de maneira integral, mas ela também será objeto de plena consciência. E, no que aqui mais importa, ela e a individualidade assumirão interrelação complementar, o que de maneira alguma se pode identificar como mera inversão, igualmente ilusória, das representações do tempo presente - ou seja, uma absorção da polo individual pelo genérico, como sugere Pachukanis.
Se nunca é, como visto, totalmente eliminável algum grau de contraditoriedade entre as esferas, é possível afirmar que, mesmo numa sociedade comunista, será sempre necessário lidar com ela. Se isso ocorrerá por algo que ainda pode ser considerado forma jurídica é outra questão; dificilmente, porém, os tensionamentos entre as esferas coletiva e individual serão compostos por uma espécie de decisão meramente “técnica” que, aliás, já pressuporia a inexistência de qualquer conflito significativo.
5) Postone e os modos de universalidade
Novamente, faz-se necessário um escorço breve sobre as teses centrais do historiador canadense Moishe Postone. Elas são construídas de modo a configurar, na linha do anteriormente sumarizado e ora retomado, uma crítica do trabalho no capitalismo, contrária, logo, à crítica do capitalismo do ponto de vista do trabalho, típica do marxismo tradicional12. O autor verifica que a relação de dominação essencial do capitalismo não é pessoal (ou de grupos/classes sociais13), mas abstrata, que consiste na verdade em uma lógica imperativa que recai sobre todos, e que pode materializar-se ainda que a burguesia seja eliminada, tal como verificado nos países do chamado socialismo real. Cuida-se da dinâmica compulsiva da valorização do valor: uma vez compreendido que a substância deste é o trabalho (abstrato), verifica-se que estamos diante, na verdade, de uma compulsão ao trabalho, própria da sociedade capitalista, em que as pessoas se confrontam não só como possuidores de mercadorias em relações de troca no mercado mas, num nível ainda mais fundamental, integram-se à sociedade apenas na qualidade de trabalhadores. E, ainda que ocupem a posição de capitalistas (ou melhor, de personificações do capital), a socialização se efetiva em função do trabalho14 . Em outras palavras, as relações sociais não são aqui diretamente travadas, mas mediadas pelo valor, isto é, pelo trabalho, cuja ampliação é um imperativo. Logo, o caminho da superação desse tipo de dominação deve passar pela abolição do trabalho proletário, e não por sua afirmação (POSTONE, 2014, passim).
Mais uma vez, tal qual fizemos em relação a Lukács, será necessário deixar de lado uma série de elaborações empreendidas por Postone a partir dessa concepção básica: as determinações temporais desse tipo de dominação abstrata, a constituição da subjetividade, a dinâmica direcional de história no capitalismo etc. É preciso atermo-nos a apenas dois desses desdobramentos, atinentes à riqueza social e à chamada dinâmica de transformação e reconstituição.
Para Postone, a riqueza social predominante no modo de produção capitalista não é, como antes dele foi nem após deve ser, a riqueza material, que se traduz em bens materiais (ainda que intangíveis) medidos em qualidade e quantidade, capazes de satisfazer as também potencialmente ilimitadas necessidades humanas. Esse tipo de riqueza social é concreto e variado, tal como o trabalho que a produz. Além disso, a riqueza material não é função apenas do dispêndio de trabalho, mas também de outros fatores, como quantidade e qualidade dos próprios elementos naturais que servem como objeto e instrumentos da atividade laborativa. Em suma, a riqueza material é, na terminologia usada por Marx para decompor os fatores da mercadoria, constituída por aquilo que os produtos do trabalho humano são em qualquer formação social: valores de uso.
No entanto, Marx também identifica que as mercadorias, cujo conjunto parece formar a riqueza no capitalismo, possuem um fator adicional que, na verdade, é o que de fato representa a riqueza social nessa formação: o valor. A substância deste é o trabalho abstrato, ou seja, o trabalho em desconsideração de todas as particularidades que fazem dele uma atividade específica para a produção de um valor de uso também específico: trabalho per se, portanto. Esse processo de abstração é necessário para que os produtos revistam-se da qualidade de mercadoria, isto é, de bens passíveis e, na verdade, já ab ovo produzidos para fins de troca no mercado. O trabalho abstrato é mensurado em termos temporais, pois o dispêndio de energia por determinado lapso de tempo é o único elemento comum a todas as distintas atividades laborativas concretas. Se é o gasto de tempo de trabalho, em última instância, o tipo de riqueza que predomina no modo de produção capitalista, ele subordina a riqueza material, de maneira que os valores de uso só importam enquanto corporificação de tempo de trabalho abstrato. É por isso que, em suma e como já mencionado, afirma-se que as relações sociais no capitalismo são mediadas pelo trabalho e por seus produtos, além de constatar-se a vigência aqui de uma lógica imperativa abstrata: se a riqueza socialmente dominante é trabalho, será mais rica a sociedade mais rica em que mais se trabalha.
Essa determinação fundamental instaura uma dinâmica própria do capitalismo: a compulsão à valorização do valor é acompanhada pelo impulso abstrato, também mandatório, de apropriar-se em escala maior possível da riqueza social - que, repita-se, traduz-se predominantemente em valor (mesmo que necessariamente cristalizado em valores de uso). A concorrência oferece o mecanismo para tanto: quando se consegue produzir mais valores de uso em menos tempo, fica possibilitada a materialização de menos valor em cada produto individual, ao mesmo tempo que, enquanto não generalizado o emprego do método que ensejou o referido aumento de produtividade, consegue-se vendê-los por preço superior ao valor, embora eventualmente até inferior à média de mercado. Durante esse período, portanto, o produtor obtém o chamado lucro extraordinário. Tal dinâmica converte-se em nova compulsão, qual seja, a de buscar sempre meios de elevar a produtividade, com vistas à maior apropriação da riqueza abstrata consistente no valor (POSTONE, 2014, pp. 330-335; em O Capital, essa dinâmica é abordada em seu nível mais elevado de abstração em MARX, 2013, p. 116-119).
Diante disso, verifica-se que uma contradição atravessa a sociabilidade regida por essa lógica: a riqueza social predominante é o valor, cuja substância é o trabalho abstrato, mas a mesma lógica também impõe, como meio para apropriar-se de maior parcela do valor produzido pela sociedade, uma redução do emprego de trabalho direto. Em outros termos, isso significa que, por um lado, ela suscita um revolucionamento constante das condições de produção no sentido da elevação da produtividade que, além de incidir reflexivamente em todos os demais âmbitos da vida social, implica uma espetacular e inédita abundância de valores de uso (riqueza material), passível de reversão em favor do atendimento pleno às necessidades da humanidade; por outro lado, a própria dinâmica nega as condições de sua superação, na medida em que repõe o valor como tipo de riqueza social predominante no capitalismo - apesar de seu anacronismo cada vez maior, que o impede de cumprir o papel de mediar os laços e constituir com alguma estabilidade o tecido social15. Afirma Postone:
Portanto, o valor, apesar da sua inadequação crescente como medida da riqueza material produzida, não é simplesmente suplantado por uma nova forma de riqueza (...). O que se torna “supérfluo” em um nível, continua “necessário” em outro: ou seja, o capitalismo de fato dá origem à possibilidade de sua própria negação, mas não evolui automaticamente para outra coisa. (POSTONE, 2014, p. 51)
É nessa dinâmica contraditória própria da sociabilidade do capital que Postone, embora não com tal terminologia, vislumbra a possibilidade de um vir-a-ser outro, no sentido da digressão de Lukács acima abordada. Sobre a superação dessas formas sociais compulsivas, uma das reflexões do historiador refere-se aos os modos de universalidade engendrados pelo modo de produção capitalista. Ele parte da mercadoria como forma estruturante dessa formação social. Se a mercadoria é a corporificação do valor, cuja substância é o trabalho per se - tornado homogêneo pela abstração de todas as suas especificidades concretas16-, é facilmente visualizável que o tipo de universalidade por ela engendrada ostenta também um caráter abstrato e homogeneizador. Ela também é totalizante, na medida em que as partes são qualitativamente desconsideradas, na medida em que só contam como integrantes do todo. Apesar de - eis aqui o mencionado aspecto civilizatório - seu potencial para suscitar uma igualdade universal, essa forma de universalidade, diz Postone (2014, p. 425), “é abstraída da especificidade qualitativa de indivíduos e grupos particulares; a forma-mercadoria gera uma oposição entre uma forma de universalidade abstrata e homogênea e uma forma de particularidade concreta que exclui a universalidade”. Ou seja, trata-se de identificar, agora sob o aspecto específico da crítica do valor e da forma-mercadoria, o diagnóstico lukácsiano de que a sociabilidade do capital gera um antagonismo espontâneo entre indivíduo e sociedade, pelo qual afirmar a particularidade significa necessariamente excluir a universalidade (e vice-versa). Como o momento estruturante nessa formação é abstrato e homogêneo, no modo de produção capitalista o indivíduo é sempre desefetivado, subordinado pelo imperativo geral de valorização do valor. Não se pode deixar de já verificar que, nesse ponto, a proposta de Pachukanis de subsunção do indivíduo à coletividade não difere do que Postone e Lukács identificam, na verdade, ocorrer já como determinação essencial do capitalismo.
Para Postone, porém, a análise marxiana da decomposição da mercadoria nos fatores do valor e do valor de uso inclui a possibilidade de dissociação de ambos, e consequentemente da constituição de uma forma de universalidade não totalizante, e que não se coloque em oposição à particularidade. Essa generalidade própria de uma sociedade emancipada das determinações da forma-mercadoria não é homogênea, “não é uma totalidade, mas um todo, feito de particulares” (POSTONE, 2014, p. 426). A dissociação entre valor de uso e valor, com a superação do tipo de dominação impessoal estruturado por este, e mesmo considerando que este “seja constituído sob forma alienada”, pode ensejar o surgimento de “uma forma (...) relacionada ao desenvolvimento de um novo conceito de humanidade como geral e, ainda assim, variada” (POSTONE, 2014, p. 426)17.
Como última palavra sobre a concepção de Postone, merece destaque a ressalva, contida na passagem acima citada, de ter sido o valor de uso, na imposição histórica da sociabilidade produtora de mercadorias, constituído alienadamente, ou seja, em subordinação ao valor estabelecido como riqueza social predominante e elemento principal de mediação social. É por conta disso que, apesar de a superação da sociabilidade estruturada pela forma-mercadoria depender da dissociação entre as dimensões do valor e do valor de uso, não se trata de ver neste o ponto de apoio para encontrar uma saída da dominação abstrata daquele. Uma tal proposta simplificadora é impossível pelo simples fato de que a separação entre valor e valor de uso é puramente analítica. Como adverte Postone (2014, p. 408): “a forma na qual a dimensão do valor de uso foi constituída historicamente não é independente do capital e não deveria ser vista como o locus da emancipação”. Vê-la dessa maneira equivaleria a entender que a exigência contida na crítica de Marx, por exemplo, é a realização das promessas não cumpridas da sociedade burguesa: na verdade, ele demonstrou que, historicamente, liberdade, igualdade e fraternidade são ideais na origem indissociáveis de Bentham (MARX, 2013, pp. 250-251). E, para os fins que aqui nos interessam, também não é o caso de afirmar, simplesmente, o direito à particularidade incluído no sujeito de direito contra a abstração que ele também encerra. A tarefa, portanto, é bastante mais complexa, pois exige pensar e, sobretudo, praticar toda uma nova sociabilidade, por fora das determinações do valor que estão na base desse conceito de sujeito.
A imensa dificuldade, porém, não pode impedir de esforçarmo-nos por teorizações mais acuradas, que consigam ir além da concepção pachukaniana de uma sociedade emancipada.
6) Considerações finais: Pachukanis - entre o marxismo tradicional e uma leitura inovadora de Marx
O pequeno grande livro de Pachukanis, inobstante não consista em obra inteiramente sistematizada, pode ser considerado como teorização que contém, em vários pontos, uma série de argumentos que apontam para uma leitura verdadeiramente renovada da teoria marxista, capaz, portanto, de fornecer ferramentas analíticas precisas e sofisticadas para a construção de uma crítica do capitalismo. Não só no que se refere à crítica da teoria do direito stricto sensu, área em que Pachukanis tinha sólida formação, mas em diversos setores ele foi capaz de trilhar rumos mais do que somente interessantes: justamente por conta de seu enfoque mais na forma do que no conteúdo dos fenômenos jurídico-políticos, ele é tido, por exemplo, como um dos precursores da chamada teoria da derivação do Estado, que floresceu sobretudo na Alemanha Ocidental na década de 1970 (sobre ela, cf. HIRSCH, 2010; MASCARO, 2013). Ao lado disso, também sua percepção, ainda que incipiente, do valor enquanto categoria determinante da vida social no modo de produção capitalista, fez com que Ingo Elbe, por exemplo, o elenque entre os predecessores da dita Nova Leitura de Marx (2010, p. 29)18.
Por outro lado, encontram-se também nele diversos momentos que o aproximam, à luz da já esboçada categorização de Moishe Postone, do chamado marxismo tradicional, cujos postulados se assemelham tanto às concepções teóricas positivistas da II Internacional quanto às posições oficiais dos partidos comunistas alinhados às diretrizes dos países do socialismo realmente existente. Muitas vezes, os argumentos de Pachukanis insistem em acentuar desproporcionalmente a esfera da circulação enquanto locus da dominação específica do modo de produção capitalista, bem como a luta de classes e a exploração como momentos não apenas relevantes, mas cruciais para a análise da dinâmica fundamental dessa formação social. Tais acentos levam a que se tenham como estratégias decisivas para a superação do capitalismo um planejamento centralizado que elimine a relação de concorrência no mercado e a realização plena do trabalho proletário mediante vitória revolucionária sobre a burguesia e transformação de todos em trabalhadores. Sem dúvida, nesses pontos sua visão constitui não uma crítica do trabalho no capitalismo mas uma crítica do capitalismo do ponto de vista do trabalho, ou seja, uma crítica que pretende afirmá-lo. Se, como visto, o trabalho é a substância do valor corporificado nas mercadorias, e se o valor é o princípio estruturante da sociedade do capital e da dominação abstrata que lhe é particular, consegue-se compreender como a teorização de Pachukanis pode ensejar resultados desastrosos. No campo da ética isso fica bastante visível pois, para o jurista, a já mencionada fusão entre eu individual e coletividade vai mais além de uma mera adaptação do imperativo moral kantiano ao interesse do proletariado, que propugnaria agir “de modo a extrair a máxima utilidade para a classe” (PACHUKANIS, 2017, pp. 159-160). Na verdade, então, o que está em vista é uma ditadura do trabalho em detrimento da individualidade, não tão distinto do professado pela doutrina moral tanto do capitalismo quanto do socialismo real19.
Aliás, deve-se tecer um comentário a respeito da relação entre o marxismo tradicional de Pachukanis e sua aludida concepção de abolição da esfera da ética sob o comunismo. Já foi dito que Lukács pretendia elaborar justamente uma ética marxista, o que aparentemente constituiria para Pachukanis uma contradição em termos. Ocorre que, na realidade, a esfera da moralidade é absolutamente indissociável da humanidade: é sobre a base da necessidade de decidir entre as alternativas colocadas pelo ato de trabalho, fundante do ser social, e de avaliar constantemente os resultados do pôr teleológico que se estrutura o complexo da ética, pelo qual se julga um comportamento humano como de valor ou adverso ao valor20. É, portanto, impossível abolir a esfera ética sem abolir a própria humanidade. Uma vez que o marxismo pode até constituir uma teoria social produzida a partir da constatação do trabalho como fundante do ser social, mas de forma alguma aponta para uma sociedade do trabalho e dos trabalhadores, é necessário que a ética dele derivada não seja balizada pela perspectiva de classe. Como acertadamente afirma Antonino Infranca, que ainda sublinha o reconhecimento de Lukács justamente a Kant - cuja teoria moral é criticada por Pachukanis (2017, p. 156) como “típica da sociedade de produção mercantil” e simultaneamente representante da “forma mais pura e acabada da ética em geral” - pela intenção de universalidade de sua ética:
Se Lukács houvesse definido uma ética marxista sem antes definir o sujeito ao qual tal ética se referia, só restaria à sua concepção ser interpretada como uma ética classista, ou seja, uma ética do proletariado. Essa definição seria posteriormente empregada como instrumento para uma contraposição frontal entre uma ética do proletariado e uma ética da burguesia. Lukács cairia no equívoco, típico do stalinismo, de seguir adiante por meio de contradições incapazes de ser superadas através de sínteses, mas cristalizadas em eternas contraposições. O ser social, sujeito da ética, é universal na medida em que se baseia em uma categoria também universal, a saber, o trabalho. Esse novo sujeito social, por ser universal, não apresenta mais características de classe: não existe um ser social burguês ou proletário. A ética lukacsiana mostra-se tão universal quanto a kantiana, ainda que não seja categórica. Lukács assinala a indispensável relação com Kant para qualquer um que se proponha a definir uma nova ética. (...) Dessa maneira, Lukács consegue superar todas as divisões sociais para chegar a um In-dividuuum que é universal em sua condição. (INFRANCA, 2014, p. 17-18)
É sintomático que seja precisamente esse pensamento “cristalizado em eternas contradições” de classe, típico do marxismo tradicional, o que impede mesmo profundos conhecedores e entusiastas da obra de Pachukanis de vislumbrar em sua ideia de sociedade emancipada nada além de um “limite” de sua posição teórica, como avalia Márcio Naves. Passando ao largo de qualquer problematização da fusão do eu individual com a coletividade, o autor entende que o dito limite estaria situado na proposta de regulamentação social apenas pelas “regras técnicas”, justo pela impossibilidade de se pensar um “’espaço’ recortado e subtraído à luta de classes” (NAVES, 2008, p. 121).
Superar a perspectiva estrita da luta de classes para elucubrar, a partir das possibilidades efetivamente contidas no modo de produção capitalista realmente existente, algo a respeito de uma sociedade pós-capitalista, é pressuposto para não incorrer em estratégias que, ao contrário do pretendido, em essência aprofundem, ainda que sob outro formato, o tipo de dominação abstrata estruturado pela forma-mercadoria. É a superação dessa perspectiva que faz com que as propostas de Lukács, a partir de sua pretensão de fundar uma ética marxista com base na ontologia do ser social, e de Postone, com sua insistência na necessidade de crítica do valor, sejam superiores à visão de Pachukanis.
7) Adendo: uma hipótese sobre a base das insuficiências de Pachukanis
Se considerarmos que Pachukanis, logo na introdução de sua obra (2017, p. 79), anuncie “Estado e Revolução”, conhecida obra de Lênin, como uma das influências de sua base teórica, pode-se supor que aí se encontra uma das origens dos momentos mais tradicionais de seu marxismo. Com efeito, as formulações do herói revolucionário soviético, que têm esteio sobretudo em Engels, constituem o corpus essencial a partir do qual se desenvolveram os primados do marxismo oficial que caracterizou os regimes do dito socialismo real (ARAUJO, 2018; para uma demonstração específica de que, no geral, o próprio Pachukanis entende o Estado e o direito de maneira mais sofisticada que Lênin, cf. ELBE, 2006 21). O prognóstico da fusão de indivíduo e coletividade, com a consequente pouca atenção à permanência de algum tipo de tensão e conflito social no comunismo é um eco da conhecida imagem um tanto ingênua de Lênin, ao imaginar que se haveria de lidar apenas com excessos pontuais e desimportantes, reprimidos espontaneamente pela coletividade “tão simplesmente, tão facilmente, como uma multidão civilizada, na sociedade atual, aparta uma briga ou se opõe a um estupro” (LÊNIN, 2011, p. 139).
Por outro lado, pode causar espécie que, no mesmo trecho inicial de sua obra, Pachukanis invoque também A Crítica do Programa de Gotha. É possível indagar, portanto, em que medida a referência ao próprio Marx pode alicerçar leituras tradicionais que conduzam para um sentido contrário ao cerne de sua crítica. Tal inquietação pode ser aplacada por meio de uma análise adequada do processo de maturação intelectual de Marx. Se, por um lado, é de se afastar a tese althusseriana que identifica um rompimento epistemológico nessa trajetória, por outro, não se deve entendê-la como absolutamente linear e isenta de contradições. É correta, portanto, a premissa mais ampla da Nova Leitura de Marx, pela qual é possível nele, para usar a mesma terminologia empregada no Teorias da Mais-valia em relação a Smith (MARX, 1980, p. 537), vislumbrar momentos exotéricos e esotéricos. No interior desse tipo de recepção da produção de Marx, destaca-se a tese de Michael Heinrich, para quem não sucedeu súbita e imediatamente a radical revolução científica representada pela ruptura com o campo teórico da economia política do qual Marx sempre se pôs como crítico: na verdade, ele mesmo apresentava déficits de autocompreensão em relação a sua própria teoria e ao campo teórico que ela inaugurou, o que se manifesta em ambivalências em seu próprio discurso (HEINRICH, 2014, p. 30).
Tais ambivalências e momentos exotéricos - ou seja, que se afastam do núcleo da crítica - verificam-se não apenas na obra da juventude. Tanto é assim que Heinrich identifica exatamente na mencionada Crítica ao Programa de Gotha fragilidades teóricas notáveis. Não é o caso de enfrentá-las aqui, mas Marx, nesse texto, em sintonia com o que Engels viria a sustentar em seu Anti-Dühring, adota em suma uma teoria pré-monetária do valor contrária a sua própria concepção, e considera que são conhecidas e imediatamente comparáveis as quantidades de trabalho para a produção dos bens, de modo que o foco recai na eliminação do mercado enquanto instância mediadora da igualdade das atividades laborais (HEINRICH, 2014, pp. 389-392). Essa ênfase foi levada às últimas consequências exatamente pelo socialismo real, que supunha poder construir o socialismo, como defendia Pachukanis, pelo planejamento centralizado da produção.
Em defesa do jurista soviético, é preciso lançar algumas palavras finais. Se bem observarmos, os autores cujas formulações acerca da emancipação humana demonstramos ostentar superioridade analítica - Postone e o Lukács maduro - escreveram obras de cunho eminentemente teórico, e puderam em suas digressões manter elevado o nível de abstração nessa temática. Evitar descer a graus mais concretos na análise constitui, de fato, um requisito necessário para teorizar adequadamente acerca de uma sociedade ainda não existente. Por outro lado, já foi dito que Pachukanis tece considerações bastante válidas em vários pontos de sua obra, sobretudo quando sustentado nos momentos esotéricos da obra de Marx. Mas, além disso, é preciso notar que tanto ele quanto os outros autores cujas insuficiências apontamos - Lênin e o Marx da Crítica ao Programa de Gotha, por exemplo - estavam confrontados com a possibilidade de implementação do socialismo enquanto ordem imediata do dia, e respostas abstratas não seria suficientes para fazer frente às exigências da urgência histórica. Ainda assim, conseguiram tecer digressões em muitos aspectos relevantes. Apontar os necessários reparos como forma de potencializar a crítica que todos eles genuinamente perseguiam não anula, portanto, o aspecto valoroso das contribuições que apresentaram simultaneamente às ações revolucionárias a que concreta e corajosamente se lançaram. Afinal, se o marxismo é a teoria social e a crítica mais completa do capitalismo, ele não é um fim em si mesmo, mas presta-se justamente a mobilizar a prática social no sentido da emancipação humana.
Referências bibliográficas
- ARAUJO, P. H. F. De. Notas críticas à compreensão de Lênin sobre o Estado: revisitando “O Estado e a Revolução”. Revista da Soc. Bras. de Economia Política, 2018. v. 50, p. 114-141.
- ARNDT, A. Rechtsform gleich Warenform? Zur Methode in Paschukanis’ Allgemeine Rechtslehre und Marxismus. In: AG RECHTKRITIK (Org.). Rechts- und Staatskritik nach Marx und Paschukanis: Recht - Staat - Kritik. Berlim: Bertz + Fischer, 2017, p. 41-50.
- BHASKAR, R. Societies. In: ARCHER, M. et al. (Org.). Critical realism: essential readings. Londres e Nova Iorque: Routhledge, 1998, p. 206-257.
- ELBE, I. Paschukanis versus Lenin: Zwei Paradigmen marxistischer Staatskritik. In: THIEME, S.; SCHÄFGEN, K.; HERTZFELDT, H. (Org.). Recht im Diskurs: Rechtstheoretische und rechtspraltische Untersuchungen, dargestellt an internationalen Beispielen (VI DoktorandInnen Seminar). Berlim: Rosa-Luxemburg-Stiftung/Karl Dietz, 2006, p. 55-70.
- ______. Marx im Westen: die neue Marx-lektüre in der Bundesrepublik seit 1965. Berlim: Akademie, 2010.
-
______. Between Marx, Marxism, and Marxisms: ways of reading Marx’s theory. 2013. Disponível em: <https://libcom.org/library/between-marx-marxism-marxisms---ways-reading-marx’s-theory-ingo-elbe>.
» https://libcom.org/library/between-marx-marxism-marxisms---ways-reading-marx’s-theory-ingo-elbe - ______. Pachukanis versus Lênin: dois paradigmas da crítica marxista do Estado. Margem Esquerda, 2018. v. 30, p. 25-24.
- ______. Teoria Geral do Direito e Marxismo de Eugen Pachukanis. Revista Direito e Práxis, 2019. v. 10, n. 2, p. 1554-1582.
- HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio. V. 1. A ciência da lógica. São Paulo: Loyola, 1995.
- ______. Linhas fundamentais da filosofia do direito, ou Direito natural e ciência do estado em compêndio. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2010.
- HEINRICH, M. Die Wissenschaft vom Wert. Münster: Westfälisches Dampfboot, 2014.
- HIRSCH, J. Teoria materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010.
- INFRANCA, A. Trabalho, indivíduo, história: o conceito de trabalho em Lukács. São Paulo: Boitempo, 2014.
- KURZ, R. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial. São Paulo: Paz e Terra, 1993.
- LÊNIN, V. I. O Estado e a revolução. Campinas: FE/Unicamp, 2011.
- LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social I. São Paulo: Boitempo, 2012.
- ______. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Boitempo, 2013.
- MARX, K. Teorias da mais-valia: história crítica do pensamento econômico. V. 1. Livro 4 de O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
- ______. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
- ______. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011.
- ______. O capital: crítica da economia política. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.
- ______. O capital: o processo global de produção capitalista. Livro III. São Paulo: Boitempo, 2017.
- MASCARO, A. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.
- MEDEIROS, J. L. A crítica de Postone ao marxismo tradicional atinge Lukács? In: NEVES, R. (Org.). Trabalho, estranhamento e emancipação. São Paulo: Consequência, 2015, p. 27-50.
- MENEGAT, M. A guerra civil no Brasil. In: ______. (Org.). Estudos sobre ruínas. Rio de Janeiro: Revan, 2012, p. 11-24.
- ______. O giro dos ponteiros do relógio no pulso de um morto. In: ______. (Org.). A crítica do capitalismo em tempos de barbárie: o giro dos ponteiros do relógio no pulso de um morto. Rio de Janeiro: Consequência, 2019, p. 11-57.
- NAVES, M. B. Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis. São Paulo: Boitempo, 2008.
- OLDRINI, G. Em busca das raízes da ontologia (marxista) de Lukács. In: COSTA, G.; ALCÂNTARA, N. (Org.). Anuário Lukács. São Paulo: Instituto Lukács, 2014, p. 31-60.
- PACHUKANIS, E. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017.
- POSTONE, M. Tempo, trabalho e dominação social. São Paulo: Boitempo, 2014.
- RUBIN, I. A teoria marxista do valor. São Paulo: Polis, 1987.
-
1
Cabe lembrar que, para Marx, a revolução comunista conduzirá à superação da pré-história e inauguração da verdadeira história da humanidade. (MARX, 2008, p. 48).
-
2
Ressalte-se que também serão deixadas de lado formulações específicas sobre a transição para uma sociedade pós-capitalista, a respeito da qual Pachukanis não só largamente teorizou, mas honestamente esforçou-se por tentar realizar, na qualidade de funcionário na administração soviética.
-
3
Chama atenção a semelhança entre o argumento de Pachukanis e o de Isaak Rubin, para quem, no capitalismo, constataríamos uma divisão técnica do trabalho (verificada no interior de uma empresa, por exemplo, em que os processos produtivos são estabelecidos por uma unidade de desígnios) e uma divisão social do trabalho (verificada entre as empresas concorrentes no mercado). O planejamento econômico seria capaz de conferir um caráter técnico às atividades produtivas gerais, como que se projetando para a sociedade como um todo os processos verificados no interior de uma fábrica. Cf. RUBIN, 1987, pp. 27-33.
-
4
Valor que Pachukanis, de modo razoavelmente adequado, conceitua como “um objeto por meio do qual a diversidade concreta de propriedades úteis se torna um simples invólucro da propriedade abstrata do valor, que se manifesta como a capacidade de ser trocada por outras mercadorias a uma proporção determinada”, ao que ainda se acresce: no capitalismo, “as relações sociais entre as pessoas no processo de produção adquirem aqui a forma reificada dos produtos do trabalho, que se relacionam uns com os outros pelo valor” (2017, p. 119). Mais à frente, quando introduzirmos o pensamento de Postone em nosso argumento, retornaremos a esse ponto.
-
5
Vale lembrar que Lukács, ao longo de sua ontologia, por diversas vezes menciona Hegel em referência a suas “intuições tantas vezes geniais”, sem deixar acrescentar, contudo, sempre alguma ressalva: tais intuições teriam amiúde sido “desfiguradas e falsificadas em consequência de sua logicização do ontológico” (LUKÁCS, 2013, p. 307). No volume 1 da obra, essa ambiguidade é objeto de consideração específica no capítulo em que discorre sobre duas ontologias em Hegel, uma falsa e outra autêntica. Voltaremos a esse ponto já no tópico seguinte, quando abordamos a concepção de Lukács.
-
6
A assertiva quanto à teoria de Lukács não se traduz em juízo de valor subjetivo. Ela apenas expressa que a análise lukácsiana conseguiu captar e exprimir categorialmente um maior número de determinações da sociabilidade humana, em especial sob o capitalismo e, com isso, pôde prognosticar mais adequadamente algumas determinações de uma sociedade pós-capitalista emancipada.
-
7
O filósofo da ciência Roy Bhaskar (1998) diria, em neologismo que pretende captar exatamente este movimento analítico: “retrodutivamente”. A proposta é exatamente a que Marx apresenta com sua conhecida analogia, referida expressa e repetidamente por Lukács em sua obra: “[a] anatomia do ser humano é uma chave para a anatomia do macaco” (MARX, 2011, p. 58).
-
8
A ilustração de Marx, retomada também algumas vezes por Lukács nos volumes de seu livro, expressa justo isso: “[f]ome é fome, mas a fome que se sacia com carne cozida, comida com garfo e faca, é uma fome diversa da fome que devora carne crua com mão, unha e dente” (MARX, 2011, p. 47).
-
9
A imagem de um salto pode induzir a erro, por sugerir uma dinâmica instantânea, quando na verdade se trata, obviamente, de um “longo processo de milênios” (LUKÁCS, 2013, p. 85).
-
10
É necessário advertir que Lukács acentua a presença e a importância da teleologia nos atos propriamente humanos e individuais, mas rechaça reiterada e decididamente que, de alguma forma, ela esteja presente em termos universais, ou seja, na dinâmica da reprodução da sociedade. Cf., p. ex., LUKÁCS, 2013, pp. 192-193.
-
11
Esse caráter gradual é explicado por traços próprios dos momentos de objetivação e alientação. Esta se caracteriza por consistir, por assim dizer, em processo súbito: no exemplo de Lukács (2013, p. 408), uma pedra rudimentarmente lascada já abandona tão imediata e definitivamente a mera naturalidade quanto a mais sofisticada maquinaria. Já pelo lado do sujeito, sua alienação - isto é, a expressão no produto de uma existência humana ou, em outros termos, a objetivação de uma subjetividade - se traduz num processo mais longo. É sob o prisma do processo não instantâneo de alienação que se observa que o salto ontológico opera, de fato, a ultrapassagem da mudez do gênero, própria da natureza. Mas tal ultrapassagem, justo por ser processual, apenas inaugura um primeiro estágio do devir humano do ser humano.
-
12
Tais teses são compatíveis com as de Lukács. Afinal, na Ontologia sustenta-se exatamente que o ser humano, cuja esfera própria da socialidade se inaugura pelo trabalho, desenvolve tendencialmente formas de práxis que têm o trabalho apenas como modelo, de maneira que a mencionada tendência significa, portanto, que o desenvolvimento social enseja justamente a progressiva - embora nunca completa - redução da necessidade de trabalho, com criação de tempo livre para atividades cada vez mais propriamente sociais (arte, filosofia, ciência etc.). Cf. MEDEIROS, 2015.
-
13
Merece destaque o adjetivo essencial por nós empregado: definitivamente não se trata de negar que existam relações de dominação de diversas ordens no modo de produção capitalista, inclusive pessoal ou de grupos (gênero, raça, classe/exploração etc.), nem que elas assumam extrema gravidade em diversos casos. Afirma-se apenas que, nessa sociedade, a dominação fundamental, que subordina e inclusive muitas vezes confere novos formatos e potencializa as demais, é de natureza abstrata, impessoal, caracterizada por uma lógica de valorização automovente e expansiva.
-
14
Aqui são imediatamente importantes pelo menos duas lições de Marx. Primeiro, o trabalho aparece na origem do capital, na medida em que a acumulação primitiva fundada no trabalho próprio, na tradição de Smith, é desvendada como mito no Livro I de O Capital por Marx quando constata, na verdade, a violência que se encontra na base da dita acumulação e que instaura a dinâmica da contínua transformação do mais-valor em capital (MARX, 2013, p. 655 e ss.); depois, o capital já desenvolvido e diferenciado na forma de capital portador de juros opera uma cisão entre juro e ganho empresarial, de modo que este aparece como produto do processo produtivo e aquele como oriundo de fora deste processo, de maneira que o capitalista funcionante é contraposto ao capital portador de juros e aparece remunerado pelo ganho como se fosse um trabalhador assalariado (MARX, 2017, p. 431).
-
15
Relacionado a isso está o limitado cunho civilizatório da sociedade do capital - experimentado em alguns rincões de prosperidade por determinados períodos - que, como aponta por exemplo Marildo Menegat (2012, pp. 15-16; 2019, pp. 13-20), está estrutural e irreversivelmente esgotado.
-
16
Não se trata de uma abstração meramente subjetiva e conscientemente efetuada pelos atores sociais, mas de uma abstração real, produzida pelo próprio movimento de circulação das mercadorias.
-
17
A proposição de Postone de dissociação entre as determinações de valor e valor de uso pode comportar um paralelo - que aqui não cabe ser explorado - com a crítica de Arndt acima esboçada, pela qual o conceito de pessoa na concepção de direito em Hegel comporta, além do possuidor de mercadorias (dimensão do valor), também um espaço de liberdade para afirmação da particularidade individual (dimensão do valor de uso).
-
18
Uma tradução inglesa do primeiro capítulo do livro em questão está disponível na internet na forma de artigo autônomo, em cujo fim encontra-se a tabela ora citada (ELBE, 2013).
-
19
Para uma aproximação de ambas as formações enquanto tipos próprios de sociedades produtoras de mercadorias e, portanto, submetidas à lógica do valor, cf. KURZ, 1993. Na obra também se resgata como a glorificação do trabalho sucedeu na União Soviética inclusive simbolicamente, na figura por exemplo do mítico e incansável operário Alexej Stachanov (p. 23-24).
-
20
Atente-se para que a acepção de “valor” aqui é a de critério para julgamentos morais, e não a anteriormente utilizada (fator da mercadoria cuja substância é o trabalho abstrato).
-
21
Este artigo teve a tradução de sua segunda parte publicada na revista Margem Esquerda (ELBE, 2018). A primeira parte, que versa sobre Lênin, encontra-se disponível online em <https://bit.ly/3fmEkfT> (acesso em 29.03.2021).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Mar 2023 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2023
Histórico
-
Recebido
01 Out 2021 -
Aceito
10 Out 2021