RESUMO
Este texto trata do prazer de filmar e pesquisar, tendo como foco o documentário O fim e o princípio, de Eduardo Coutinho. Busca-se articular afirmações do diretor, sobre seu processo criativo, com cenas e depoimentos dos personagens do filme, a maioria com mais de 80 anos. Num diálogo com DidiHuberman, Foucault, Rancière e Marie José Mondzain, além de parceiros do cineasta, como Jordana Berg, João Moreira Salles e Consuelo Lins, discutem-se questões que remetem ao ofício do pesquisador, na área acadêmica: as relações entre verdade e montagem, real e imaginário, escuta do outro e poesia da palavra, imagem e compromisso ético.
Palavras-chave:
Eduardo Coutinho; Pesquisa; Escuta; Cinema; Documentário
RÉSUMÉ
Ce texte traite du plaisir de filmer et de rechercher, autour du documentaire La fin et le début, d'Eduardo Coutinho. L'objectif est d'articuler les discours du réalisateur sur son processus de création, avec des scènes et des témoignages de personnages du film, dont la plupart ont plus de 80 ans. En dialogue avec Didi-Huberman, Foucault, Rancière et Marie José Mondzain, ainsi qu'avec les partenaires du cinéaste, comme Jordana Berg, João Moreira Salles et Consuelo Lins, les questions liées au métier du chercheur, dans le domaine académique sont discutés: le rapport entre vérité et montage, réel et imaginaire, écoute de l'autre et poésie du mot, de l'image et de l'engagement éthique.
Mots-clés:
Eduardo Coutinho; Recherche; Écoute; Cinéma; Documentaire
ABSTRACT
This text discusses the pleasure of filming and researching, focusing on the documentary The End and the Beginning, by Eduardo Coutinho. The aim is to articulate affirmations by the director about his creative process, with scenes and statements from the people interviewed in the film, most of whom are over 80 years old. In dialogue with Didi-Huberman, Foucault, Rancière, and Marie José Mondzain, as well as partners of Coutinho such as Jordana Berg, João Moreira Salles, and Consuelo Lins, issues related to the craft of academic research are discussed: the relations between truth and montage, real and imaginary, listening to the other and poetry of the word, image and ethical commitment.
Keywords:
Eduardo Coutinho; Research; Listening; Cinema; Documentary.
“É um privilégio para mim filmar e viver”, diz Godard, pausadamente, em Histoire(s) du cinéma (1988HISTOIRES DU CINÉMA. Direção: Jean-Luc Godard. Produção: Gaumont. Intérpretes: Sabine Azéma; Serge Daney e Julie Delpy. Roteiro: Jean-Luc Godard. França, 1988. (266 min.).). Eu o replico. É um privilégio para mim escrever sobre cinema - o cinema de Eduardo Coutinho e as relações possíveis com a pesquisa acadêmica. Cenas da obra de Coutinho sempre retornam a mim. A memória é móvel, sabemos. Há o cone de Bergson, aquela ponta que não se fixa, que percorre um plano feito de presença - política, social, cultural, existencial - e que, nessa dança sem fim, mistura fragmentos de uma vida, janelas um dia abertas, rastros de sentidos, emoções atualizadas.
O convite vem hoje, no tempo de um corpo que irremediavelmente envelhece, testemunha de antigas e graves questões de um Brasil que insiste em ser partido. O convite chega também no turbilhão de inquietações acadêmicas, em meio a um processo lento de despedida (ou melhor, de mudança de rumos). Escrevo então sobre O fim e o princípio. Um documentário em que o diretor deixa-se conduzir por Rosa, não por mim, mas por Rosilene Batista, a alfabetizadora que lhe desenha o mapa de vidas, a dela e a de seus velhinhos, atuando como medianeira, guia de histórias, tradutora de sensações e linguajares, às vezes difíceis de decifrar.
No relato intitulado “Quase tudo monta”, Jordana Berg, que trabalhou durante anos com o diretor, conta que Coutinho, durante as filmagens de O fim e o princípio (2005O FIM E O PRINCÍPIO. Direção: Eduardo Coutinho. Produção: Eduardo Coutinho Intérpretes: Fernanda Torres e Marília Pêra. Roteiro: Eduardo Coutinho e Jacques Cheuiche. Brasil, 2005. (118 min.).), estava com a saúde já abalada, e no contato com personagens idosos de um vilarejo no sertão da Paraíba “ousava se aproximar do tema da morte”, tanto que “a edição foi perpassada por esse fantasma. O nome parecia dizer algo, um vaticínio, uma profecia, o fechamento do ciclo” (Berg, 2013BERG, Jordana. Quase tudo monta. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 348-356., p. 353).
É o último trabalho em que o diretor filma numa locação real - diferente de Jogo de cena (2007JOGO DE CENA. Direção: Eduardo Coutinho. Produção: Raquel Freira e Bia Almeida. Roteiro: Eduardo Coutinho. Brasil, 2007. (105 min.).) e As canções (2011AS CANÇÕES. Direção: Eduardo Coutinho. Produção: João Moreira Salles e Maurício Andrade Ramos. Roteiro: Eduardo Coutinho. Brasil, 2011. (90 min.).), por exemplo, em que havia o recurso a cenários e dramatizações, algo como dobras em relação aos trabalhos anteriores, nas palavras da estudiosa Consuelo Lins (2013LINS, Consuelo. O cinema de Eduardo Coutinho: entre o personagem fabulador e o espectador-montador. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 375-388., p. 376). Na busca aleatória por personagens, sem qualquer pesquisa prévia, o que importava era encontrar uma comunidade rural “de quem a gente goste e que nos aceite”, diz em off o diretor, logo nos primeiros minutos do filme. O que vem depois são fabulações de idosos, homens e mulheres, a maior parte deles com mais de 80 anos. Assistir ao filme é reencontrar o cineasta “em plena forma, ou seja, no exercício da dúvida, indagando-se pelos caminhos de um filme enquanto o realiza” - escrevem Cláudia Mesquita e Consuelo Lins (2014MESQUITA, Cláudia; LINS, Consuelo. O fim e o princípio: Entre o mundo e a cena. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 99, p. 49-63, jul. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-33002014000200003. Acesso em: 02 jul. 2023.
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, p. 53, grifo meu).
“O acaso, flor da realidade”. São palavras de Coutinho. Sim, o aleatório e o acaso não podem ser excluídos, são a matéria-prima por excelência de sua obra. Ele filma o imponderável, põe-se à escuta, sem ideias apriorísticas sobre o outro. Quer o acontecimento ele mesmo, vivo. Com sua equipe vinda da experiência urbana do Rio de Janeiro, percorre caminhos e moradias rústicas no Sítio do Araçás, em São João do Rio Peixe, no meio rural da Paraíba. E descobre sujeitos carismáticos, cada um a seu modo. Todo o empenho é escapar ao máximo da prática viscosa e fácil de um entrevistador em paz somente se obtiver a confirmação do que já sabia.
Visito mais uma vez o documentário O fim e o princípio, de Coutinho, e imagino articulações dos modos de trabalhar do cineasta com escolhas teóricas e metodológicas, que julgo bem-vindas ao métier de um pesquisador em artes e educação. Recorro a interlocutores como Didi-Huberman, Michel Foucault, Marie-José Mondzain, Jacques Rancière e Ismail Xavier, dentre outros, de modo a pensar questões relativas a tópicos como: verdade, montagem e invenção; real e imaginário; poesia, palavra e imagem; artes da pergunta; ética, compromisso político e criação; escrita (e fala) de si, cuidado com o outro. Quem pontua a discussão é a palavra do próprio diretor sobre seu trabalho, colhida em vários depoimentos, além da referência a cenas e personagens do filme escolhido.
Os infames de O fim e o princípio
Dona Zefinha, rezando Rosa, doente de olhado. Dona Mariquinha também rezadeira, a curar dores de cabeça e espinhela caída, a que teve marido violento. Seu Assis, o namorador que zelava a mulher. O casal Rita e Zequinha, cada um combinado com o outro. Seu Leocádio, leitor da Bíblia Sagrada e de Camões, inquiridor das palavras. Seu Vigário e o burrinho branco, marido de Dona Antônia, a mulher faceira. Maria Borges, a parteira, de bem com a vida. Zequinha Amador, poeta, feliz em declamar sonetos. Tia Dôra, que criou sozinha e na roça as três filhas. Seu Nato, o de alma agoniada, que tem confiança só mesmo na mãe. Dona Neném Grande e seu cigarro, balançando-se descansada na rede. Zé de Sousa, o homem surdo que pouco enxerga, a saber de gente que vai e vem no terreiro, sentado à sombra de uma árvore. Seu Chico Moisés, que se diz um homem dividido, quente-frio, feliz de filosofar com o diretor.
Acompanho cada um dos personagens de Coutinho, e de pronto lembro da paixão de Foucault por pessoas anônimas, registrada num de seus mais belos textos, “A vida dos homens infames”. Tanto Foucault, como Bourdieu e, aqui, Eduardo Coutinho tiveram um carinho especial por pessoas e assuntos menos nobres1 1 Bourdieu é inclusive lembrado por Coutinho em uma de suas entrevistas, ci-tando o livro A miséria do mundo, em que o sociólogo escreve sobre a técnica da entrevista, afirmando a necessidade de se colocar no lugar do outro, de não estabelecer julgamentos e de respeitar de fato aquela singularidade (cfe. Coutinho, 2013f, p. 277-278). . Imagino que o diretor de O fim e o princípio viveu de fato um secreto prazer ao escutar aquelas histórias, “uma emoção, o riso, a surpresa, um certo assombro” (Foucault, 2010FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber: Ditos & Escritos IV. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 203-222., p. 203) - sentimentos que por certo o espectador do filme partilha com o cineasta.
Penso que os infames captados por Coutinho, em suas casas pobres e despojadas, testemunham trajetórias sem qualquer consolação ou heroísmo, em imagens que se fazem maiores, capazes de produzir “grandes poemas subversivos e líricos” - escreve Didi-Huberman (2018DIDI-HUBERMAN, Georges. Olhos livres da história. Revista Ícone, Recife, v. 16, n. 2, p. 161-172, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/icone/article/view/238900/pdf. Acesso em: 29 jun. 2023.
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, p. 170, grifo do autor), referindo-se a documentos da barbárie nazista É como se Eduardo Coutinho remontasse para o espectador imagens de sofrimento e pobreza de imensas populações do meio rural nordestino, convocando a um olhar que ultrapassa individualidades e se faz mergulhado na história.
Não se trata apenas do conteúdo representativo da trajetória de Dona Mariquinhas ou de Seu Chico e todos eles, mas de cada detalhe de um gesto, um olhar, um enquadramento, um instante de interrogação tensa entre Coutinho e seu entrevistado. Todos esses detalhes da linguagem cinematográfica reforçam que “fazer uma imagem é, fundamentalmente, fazer um gesto que transforma o tempo” (Didi-Huberman, 2018DIDI-HUBERMAN, Georges. Olhos livres da história. Revista Ícone, Recife, v. 16, n. 2, p. 161-172, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/icone/article/view/238900/pdf. Acesso em: 29 jun. 2023.
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, p. 170, grifos do autor). É possível deter o olhar por alguns segundos ou minutos em cada um daqueles rostos, escolhendo um frame aqui, outro ali, como fiz várias vezes, concordando com Roland Barthes (1999) que um terceiro sentido, errático e obtuso, me toma. Não posso me desprender da imagem de Dona Mariquinha, rindo entre nervosa e feliz e cobrindo o rosto com as mãos, ao mesmo tempo que diz: “Nóis gosta de prosa...”.
De que verdade trata uma pesquisa? De que verdade se faz um documentário?
Coutinho prefere falar da verdade da filmagem, e não da verdade supostamente dita e mostrada. O convite que ele faz é à genuína atenção ao aleatório, a tudo aquilo que pode acontecer: “um telefone que toca, um cachorro que entra, uma pessoa que protesta por não querer mais ser filmada” (Coutinho, 2013eCOUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. (Depoimento no Seminário “Ética e história oral”, Projeto História, n. 15, PUC-SP, abr. 1997). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013e. p. 20-47., p. 23). O mugido de uma vaca. O cocoricó de um galo.
Ou ainda a própria sensação dele, diretor, diante de situações que não lhe agradam, e que o levam a abandonar um caminho, como acontece ao ouvir os primeiros personagens apresentados por Rosa, pessoas com quem teve uma conversa que “não ia além das relações de trabalho, não criavam intimidade” - ele diz aos 9’ do filme.
Independentemente de Coutinho pontuar que filmar não é fazer ciência, penso que também numa pesquisa acadêmica não estaremos atrás da verdade que supostamente nos vem de um entrevistado, de uma cena teatral, de um estudo teórico ou da análise de imagens. Difícil lidar com isto: que a verdade da coisa talvez não tenha a menor importância... O que vale é a verdade da filmagem. Eu diria: a verdade da pesquisa, a verdade do pesquisador em ato.
Então, de que modo corresponder à confiança dos entrevistados, e como afirmar que desejamos a verdade do processo, se sempre e de alguma forma será feita uma montagem, uma edição? Coutinho responde: “Toda montagem supõe uma narrativa, todo filme sendo uma narrativa pressupõe um elemento forte de ficção, e isso também acontece na História” (Coutinho, 2013eCOUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. (Depoimento no Seminário “Ética e história oral”, Projeto História, n. 15, PUC-SP, abr. 1997). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013e. p. 20-47., p. 27). A ideia é assumir, portanto, que ficcionalizamos. Ao selecionar o que será buscado, com quem falaremos, quando e onde - nós construímos, fazemos um tipo de ficção. E enfrentaremos algo da mesma ordem, chegado o momento de narrar. Mas volta a pergunta: qual o compromisso com a verdade que aqui se defende?
Em outra entrevista (para a revista Sexta-feira), Coutinho amplia a discussão, falando de relatos extraordinários que alguns entrevistados lhe fazem, sobre fatos de suas vidas privadas e inclusive da história do País; não importa a ele serem cenas inventadas: “a pessoa se projeta no papel que não teve, e que a memória construiu”, o que não é completamente fictício, pois tem uma base no real. A ideia é que o filme possa mostrar esse movimento, que vai e volta, do imaginário ao vivido de fato e vice-versa (cfe. Coutinho, 2013gCOUTINHO, Eduardo. Para Sexta-Feira. Entrevista. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013g. p. 222-231., p. 229).
Como em outros tantos depoimentos, o cineasta volta à questão: “Não existe um cinema de documentário que seja o real”. A abertura ao outro captado pela câmera significa a acolhida do que ele diz, não como atestado de uma suposta verdade, mas como partilha de uma experiência: “é a memória que tem hoje de toda a sua vida, com inserções do que ele leu, do que ele viu, do que ele ouviu; e que é uma verdade, ao mesmo tempo que é o imaginário”. E arremata: “Não estou preocupado com a verdade pedestre das coisas, por isso a palavra dele me interessa” (Coutinho, 2013gCOUTINHO, Eduardo. Para Sexta-Feira. Entrevista. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013g. p. 222-231., p. 223). Sem citar teóricos, o cineasta acaba por exemplificar em poucas palavras aspectos fundamentais da teoria bergsoniana da memória2 2 Em Matéria e memória, Henri Bergson escreve sobre a memória sensível do presente como inseparável da memória do passado. Seu desenho do cone da memória é bem conhecido. A partir dele Bergson conclui que “é do presente que parte o apelo ao qual a lembrança responde, e é dos elementos sensóriomotores da ação presente que a lembrança retira o calor que lhe confere vida” (Bergson, 1999, p. 179). . Verdade pedestre, uma verdade que, definitivamente, ele não quer - prefere o encontro, o calor da ação presente, a qual aciona o passado e confere vida às memórias.
Isso não impede que recorra, por vezes, a metáforas ou citações, como em O fio da memória (1991O FIO DA MEMÓRIA. Direção: Eduardo Coutinho. Produção: Sagres Cinema Televisão e Video; CineFilmes e Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro (FUNARJ). Intérpretes: Benedita da Silva; Ferreira Gullar e Milton Gonçalves. Roteiro: Eduardo Coutinho. Brasil, 1991. (120 min.).), em que homenageia Walter Benjamin e a alegoria do anjo de Paul Klee sobre a ruína3 3 No filme O fio da memória, há uma cena no cemitério mostrando o saco de ossos do personagem Gabriel e a figura de um anjo: “Colocar aquele anjo olhando para os ossos de Gabriel foi uma forma de alegorizar a destruição do passado dele e dos negros. Como o anjo voltado para as ruínas, em que o passado é uma catástrofe de ruínas e o vento do progresso arrebata o anjo” (Coutinho, 2013e, p. 226). . Coutinho diz achar fascinante a poética do descontínuo nessa e em tantas outras passagens do filósofo alemão. Como escreve seu amigo João Moreira Salles, a “ideia de um passado em estilhaços viraria uma obsessão para Coutinho”; mas, diferente do anjo de Paul Klee, arrastado para longe e impedido de deter-se sobre as ruínas, “aos homens que chegam depois do vendaval é dada a possibilidade de ir aos sobreviventes para ouvir o que eles têm a dizer” (Salles, 2013SALLES, João Moreira. Morrer e nascer. Duas passagens na vida de Eduardo Coutinho. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 364-375., p. 368).
Um cinema que pergunta, um pesquisador que deseja saber
Há um passado trágico na história do Brasil. Um passado em ruínas que ainda arde, nas imagens de moradores de rua das grandes cidades. Um passado em ruínas que arde nas moradias dos personagens encontrados por Coutinho no vilarejo do Araçás, na Paraíba. Ali há pessoas como Dona Mariquinha, Seu Assis, Rita e Zequinha, anos de vida trabalhando na roça, sujeitos que carregam nas mãos e na pele as marcas sobreviventes de um país partido. E é vital, para o cineasta, ouvir o que elas têm a dizer. Ir até elas a partir de uma ideia-mestra: propor perguntas, mas não apenas perguntas de entrevistador; perguntas para toda a equipe, para ele mesmo, questões que terão ressonância no espectador. Perguntas das mais simples (“Como foi sua infância?”; “Casou? Como foi o casamento?”) até aquelas de maior intensidade (“Você tem esperança, tem fé?”) - todas repercutem no espectador, que possivelmente as ampliará em outras suas, de ordem filosófica, sociológica e mesmo existencial.
A emoção de Dona Mariquinha ao final da entrevista, dizendo “Nóis gosta de prosa”; Seu Zé de Sousa, feliz na despedida: “foi bom a palestra pra mim”; Seu Chico, divertido com a própria desenvoltura: “Se deixar, vou longe”; “Fiquei feliz agora, falar com homem sabido!”. As imagens registram o que diz Eduardo Coutinho, em entrevista sobre Edifício Master: “Não tem impulso maior no ser humano que o interesse em ser reconhecido e escutado”. E acrescenta algo, para mim, inestimável: “eu preciso que eles falem” (Coutinho, 2013hCOUTINHO, Eduardo. Sobre Edifício Master. (Entrevista à revista Contracampo). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013h. p. 283-297., p. 286, grifo meu). Ou seja, o diretor (e o pesquisador) mostra-se ao mundo como um sujeito de desejo, alguém que assume uma urgência existencial: alguém que, genuinamente, quer escutar e sobretudo quer saber. Não lhe interessam grandiosidades, mas temas como a solidão humana, as saudades e melancolias, os empecilhos, as alegrias e dores da comunicação entre as pessoas, marido e mulher, pais e filhos. Quer as coisas inacabadas, os vazios, as pequenezas da vida. Filma as lacunas jamais preenchidas. E que, talvez por isso mesmo, tornam-se belas, carregadas de um outro tipo de grandeza. “Tenho de tentar encontrar o normal no singular e o singular no normal. No fundo, é preciso estar desesperado para ter esperança” (Coutinho, 2013hCOUTINHO, Eduardo. Sobre Edifício Master. (Entrevista à revista Contracampo). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013h. p. 283-297., p. 286).
Coutinho diz que “quanto mais aberto o documentário for, melhor. A ficção é exatamente igual, a boa ficção é a que propõe perguntas, que propõe questões e deixa a coisa aberta; então, nesse aspecto, eles são iguais, com mecanismos diferentes” (Coutinho, 2013eCOUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. (Depoimento no Seminário “Ética e história oral”, Projeto História, n. 15, PUC-SP, abr. 1997). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013e. p. 20-47., p. 40). O cineasta fala sobre a maldição do documentário, de que ele existiria para ensinar, para ser pedagógico, educativo, um produto feito para dizer a verdade. Defende justamente o contrário: um cinema que rompa com esse esquema, que trabalhe com o imaginário e as subjetividades. E que, principalmente, proponha perguntas. “Eu faço coisas que estão longe de mim, sobre aquilo que não conheço” (Coutinho, 2013cCOUTINHO, Eduardo. Há um céu especial para os cinéfilos. (Depoimento ao projeto Os filmes da minha vida, v. 4). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013c. p. 169-180., p. 175).
Em O fim e o princípio, esse método é levado às últimas consequências, a ponto de mostrar o momento em que personagens como Leocádio, Chico Moisés e Mariquinha se põem a provocar o diretor, devolvendo-lhe a palavra e questionando-o sobre a dimensão da vida após a morte ou sobre alguma questão ética. Dona Mariquinha: “Reza não se vende (pausa). Vende?”. “Tenho muito medo [da morte]. O senhor não tem?”. Seu Leocádio: “O senhor crê em Deus?” (“Complicado”, responde Coutinho); “O senhor acha que crer em Deus é ilusão?”. Seu Chico Moisés, aconselhado por Coutinho a ter fé e se cuidar: “Fé?” (olhar desafiador e uma risada cheia de ironia).
Então, percebe-se que o sentido do político ganha contornos muito próprios no cinema de Coutinho, exatamente pelo modo de indagar as pessoas e deixar-se também indagar por elas. Como não se comover com estas cenas? Seu Zé de Sousa falando que não tem mais nada a dizer, sabe poucas coisas, e a vida dele é mesmo sentir, da sua cadeira sob a árvore, que pessoas vão e vêm, algumas que ele nem sabe quem são. Seu Chico Moisés interrompendo o diretor (que lhe perguntou “Você tem sonhos?”): “Em que significado de sonho?”. Zequinha Amador erguendo os braços, orgulhoso de sua memória, a homenagear em seus versos as mulheres - “Hei de louvá-las sempre!”. Seu Leocádio, numa expressão doce e saudosa, contando que lia poetas como Camões: “um livro tão bonito...”. Seu Vigário dizendo que não sabe o que é raiva, “nem me maldizo”. Dona Maria Borges, descrevendo um cotidiano singelo de paz, com os netinhos por perto, e fazendo só o que quer: “Quando eu quero fico aqui na cadeira; quando não quero boto o travesseiro ali no chão e drumo”. À noite, faz a jantinha e vê uma novela: “Dispareço tanto...”. Ouvimos palavras novas, torções na linguagem dita culta, e nem por isso deixamos de acolhê-las. Entendemos perfeitamente bem que Seu Leocádio não pode dar entrevista, no primeiro contato feito pela equipe: “Hoje tô sem pontuação pra nada”.
Com suas questões tão individuais e únicas, as cenas com esses personagens acabam por produzir a chegada ao político por uma via muito particular.
O que eu quero não são respostas, quero perguntas. Não quero falar do paraíso. Quero falar do mundo que existe. Não quero saber como o mundo é, mas como está, recolher fragmentos do mundo como ele existe [...] A pureza e a perfeição são as únicas coisas que me revoltam. A pureza e a perfeição são fascistas (Coutinho, 2013dCOUTINHO, Eduardo. Não quero saber como o mundo é, mas como está. (Entrevista a María Campaña Ramia). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013d. p. 307-322., p. 321).
Ao contrário de completudes e paraísos, Coutinho reivindica as breves utopias, encontradas em pessoas que tecem histórias individuais, modos próprios de enfrentar as durezas da vida. A singularidade de desconhecidos nos filmes de Coutinho entra numa relação complexa com algo maior, mostra muito do Brasil de hoje, mas sempre sem a pretensão de representar sociologicamente grupos ou movimentos sociais.
As escolhas do documentarista (e, penso, de qualquer pesquisador) passam inevitavelmente por decisões éticas. “Você tem de ser dono do acaso. Tem de julgar se ele interessa ou não para a dignidade da pessoa e para a dramaturgia” (Coutinho, 2013hCOUTINHO, Eduardo. Sobre Edifício Master. (Entrevista à revista Contracampo). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013h. p. 283-297., p. 288). Seus filmes são como que um manifesto contra a arrogância e a prepotência do diretor (não valeria também para o pesquisador e o intelectual?). “Você tem que criar um vazio para aprender no contato” - isso é de uma sabedoria maravilhosa. Dar um tempo, pausar, esperar, e entregar-se ao outro. “E vamos ver no que vai dar esse encontro” (Coutinho, 2013hCOUTINHO, Eduardo. Sobre Edifício Master. (Entrevista à revista Contracampo). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013h. p. 283-297., p. 290).
Eu não saberia imaginar algo mais sábio. Ao pesquisar, mesmo que seja um estudo ensaístico ou teórico, e especialmente se tratar-se de uma investigação empírica, com pessoas sendo entrevistadas, a ideia é suspender a arrogância do já sabemos, da confirmação do que se sabia de antemão, e deixar-se por instantes num vácuo, num silêncio necessário para enfim disporse ao outro (um outro que pode ser um teórico, um livro, um texto; a voz de uma mulher, um homem, uma criança; quem sabe um vídeo, um filme, uma cena teatral; ou uma canção, talvez uma obra de arte).
Imagens que perduram
Aprender no contato, não temer os vazios e lacunas, dispor-se a confrontos. Isso tem a ver com a convivência de arte e política, relação que aprendemos com o filósofo Jacques Rancière. Ambas estão vivas nos menores registros de dissensos, o que ocorre em várias cenas do filme, como as citadas com os personagens Chico Moisés e Mariquinha. O espectador acompanha sem julgamentos um homem como Seu Nato dizer que “Toda mulher é mulher, mas mãe é que é bom, [porque] mãe não trai filho”. Também participa de diálogos que misturam tensão e afetividade, especialmente em torno de questões envolvendo religião: Seu Leocádio pergunta a Coutinho se “existe Deus no céu”. E a resposta é “Não sei, queria saber”. Leocádio conclui: “Reza é quase uma poesia”, e a gente ouve em off a voz do diretor: “Reza?...”. Pode-se dizer que Coutinho exerce uma política da estética, ao nos ofertar tantas e tão novas formas de fazer circular palavra e afetos em sua ficção documental.
Ficção não é criação de um mundo imaginário oposto ao mundo real. É o trabalho que realiza dissensos, que muda os modos de apresentação sensível e as formas de enunciação, mudando quadros, escalas ou ritmos, construindo relações novas entre a aparência e a realidade, o singular e o comum, o visível e sua significação (Rancière, 2014RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2014., p. 64, grifo do autor).
Ao escolher o filme O fim e o princípio, percebo em mim uma espécie do resto diurno ao olhar-me no espelho e dizer, “bem, tenho 73 anos”, o que me move a pensar de um modo um pouco mais grave sobre a inevitabilidade do tempo que passa. Mas não é só isso que está em jogo. Percebo como espectadora que há um imenso desconhecido, o mais imponderável de todos, nos rostos e nas vozes daqueles moradores da comunidade do Sítio paraibano, que falam da proximidade da morte. E isso me comove. Como o diretor, eu também não sei. Eu não conheço. A câmera de Coutinho capta o que não sei. E então entro em conversa com os textos de Didi-Huberman e sua paixão por Aby Warburg, questionando a mim mesma a respeito dos chamados ciclos de vida e morte. E descubro que o encanto propiciado pelos velhinhos do Araçás não tem exatamente a ver com nascimento-vida-emorte, mas com tempos que se exprimem em complexidades específicas, sobrevivências, reaparições, “traços de evidência e traços de irreflexão” (Didi-Huberman, 2013DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013., p. 25)4 4 Em A imagem sobrevivente, Didi-Huberman (2013) trata da obra do historiador alemão Aby Warburg, sobre história da arte, imagem e memória, dentre outros temas. Interessa-me aqui um modo de tratar as artes visuais que me ajudam a pensar não só no filme em si mas na relação que vou estabelecendo com essa obra de Coutinho. .
Há como que condensações de estados híbridos de dor, saudade, alegrias, temores e desejos, particulares e ao mesmo tempo históricos, nas figuras e nas falas daquelas pessoas. Seu Vigário e a esposa Antônia se aceitam como são (“Eu já sabia que ele bebia”) e ela nem por isso deixa de se enfeitar, arear os pés e vestir roupa bonita. Dona Neném Grande discorre sobre o fim do mundo, que será com fogo, “aí não fica mais ninguém”. Seu Nato aconselha: “Ninguém nunca pensa que vai morrer. Mas é bom que reze”. Rita e Zequinha discordam a respeito de pensar sobre a morte: ela diz que não, não tem necessidade, porque é “aquilo que a gente tem certeza”; o marido discorda, trocam olhares sérios: ele pensa, sim, porque “tudo no mundo a gente tem que pensar, tem que pensar um pouco”. Os exemplos, como se vê, são mesmo muitos. Encontro ali intensidades.
“O que nos cativa empaticamente em toda imagem - ‘livre’, ‘artística’ ou ‘moderna’ - seria uma força de atração vinda de sua própria obscuridade, ou seja, da perduração dos símbolos que trabalham nela” (Didi-Huberman, 2013DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013., p. 357, grifo do autor). As rugas, as palavras por vezes inaudíveis ou indecifráveis das figuras humanas do Sítio do Araçás, o ruído das panelas nas cozinhas, a cantoria de mulheres cruzando os caminhos a entoar “Ave, Ave, Ave Maria”, o brilho emocionado nos olhos de quem rememora ou de quem se despede - todas essas imagens visuais e sonoras vão compondo um mundo enigmático e ao mesmo tempo delicado aos olhos do espectador.
“Se você não se surpreender com o que faz, é melhor não fazer” (Coutinho, 2013eCOUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. (Depoimento no Seminário “Ética e história oral”, Projeto História, n. 15, PUC-SP, abr. 1997). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013e. p. 20-47., p. 25). É disso que se trata. Como já registrei em outro texto, sobre a escrita acadêmica (Fischer, 2005FISCHER, Rosa Maria Bueno. Escrita acadêmica: a arte de assinar o que se lê. In: COSTA, Marisa Vorraber; BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Caminhos investigativos III. Riscos e possibilidades de pesquisar nas fronteiras. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 117-140.), também eu quero a coisa viva, vibrante, de um certo maravilhamento com o que descubro, sem romantizar; desejo descobrir-me encantada com o olhar de um interlocutor, curiosa com sua vida, sua história. A alegria de Coutinho com Seu Chico, o prazer mútuo na troca de afetos, mesmo que fugaz - tudo isso é captado pelo espectador. Anos depois de ter feito o filme, Coutinho fala de um jeito entusiasmado e comovente daquele encontro - “um sujeito extraordinário, absolutamente incrível”.
Chico tem uma inteligência agudíssima e não está pensando em cinema, não está pensando na câmera. Está pensando no diálogo com uma pessoa de fora - que poderia ser um antropólogo, alguém interessado em história oral, uma pessoa sem câmera - e de repente, muito lacônico, começa a traçar teorias sobre o mundo pelo fato de estar doente e de que vai morrer (Coutinho, 2013dCOUTINHO, Eduardo. Não quero saber como o mundo é, mas como está. (Entrevista a María Campaña Ramia). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013d. p. 307-322., p. 313).
Rememorar encontros vividos na feitura dos filmes muitas vezes leva o diretor a esse indescritível estado de felicidade; e é disso que se trata quando reivindico aqui o vínculo de uma pesquisa à alegria de pensar e criar. O diretor conta do prazer absoluto que teve, por exemplo, ao filmar As canções, ou quando personagens seus se punham a cantar diante da câmera, como uma das senhoras do Edifício Master (2002EDIFÍCIO MASTER. Direção: Eduardo Coutinho. Intérprete: Eduardo Coutinho e Fernando José. Roteiro: Eduardo Coutinho e Jacques Cheuiche. Brasil, 2002. (110 min.).). “Sem banda, sem guitarra, sem nada: aquela era a voz humana. Voz humana! É absolutamente maravilhoso” (Coutinho, 2013dCOUTINHO, Eduardo. Não quero saber como o mundo é, mas como está. (Entrevista a María Campaña Ramia). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013d. p. 307-322., p. 319). Os corpos, a voz e a palavra, em todas as suas variações - é precisamente isso que importa.
Em O fim e o princípio, lembro as palavras de Seu Chico: “Não se pode dizer tudo o que se sabe. Tudo é segredo”. Dona Vermelha tão velhinha na rede, lembrando da amiga Dôra - “Ela tá velha, num tá?”. Tia Dôra lembrando o filho que morreu de “atacação das presa”. Seu Leocádio discorrendo sobre a “palavra certa”, de dicionário, em oposição à “palavra comum”, e “tanta palavra escrita, em vão”. São ditos que às vezes emergem de um inquietante silêncio, ou que rememoram um poema; ditos enigmáticos jamais decifrados, sotaques e gírias, a palavra abrigando “subtextos que pulsam nas entrelinhas de uma boa conversa”, como escreve Maria Campaña Ramia (Coutinho, 2013dCOUTINHO, Eduardo. Não quero saber como o mundo é, mas como está. (Entrevista a María Campaña Ramia). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013d. p. 307-322., p. 308).
Talvez se possa dizer que, na orientação de estudantes de mestrado, iniciação científica ou doutorado, esse encantamento com o outro também faça parte de um processo mais amplo de transmissão, no sentido benjaminiano da palavra. Ou seja, as histórias acadêmicas e as subjetivas de um e outro se enlaçam, estão sempre numa troca mútua, em que cada um importa, nas buscas de saber, nos desejos pessoais e profissionais, nas paixões teóricas.
Aliás, Walter Benjamin é uma presença constante, não só nos depoimentos do diretor como na sua concepção sobre tempo vivido e tempo narrado. O diretor nos diz: “O tempo vivido é mais pobre porque o que alguém conta depois de vinte anos agrega a mentira, a verdade, as lembranças se cruzam, o que poderia ter sido e não foi. É uma construção” (Coutinho, 2013dCOUTINHO, Eduardo. Não quero saber como o mundo é, mas como está. (Entrevista a María Campaña Ramia). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013d. p. 307-322., p. 316). Ocorre-me que, ao escutar a memória das pessoas, lembranças de uma origem e de um passado, Coutinho registra um verdadeiro acontecimento, uma experiência, e as coisas ditas se convertem em algo mais. É a arte. A arte como incêndio que “nasce daquilo que queima” - como ouvimos Godard poetar em suas Histoires du cinéma (Godard, 2022GODARD, Jean-Luc. História(s) do cinema. São Paulo: Círculo de poemas, 2022., p. 61).
Por uma ética da arte: “o filme para mim é uma forma de viver”
Filmar o lixo, a pobreza, os amores, as saudades, a velhice. Filmar vidas que narram a si mesmas. Coutinho (2013eCOUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. (Depoimento no Seminário “Ética e história oral”, Projeto História, n. 15, PUC-SP, abr. 1997). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013e. p. 20-47., p. 26) parte da ideia de que é preciso chegar ao outro perguntando o que há de mais simples e prosaico, como fez para o documentário Boca de lixo (1992BOCA DE LIXO. Direção Eduardo Coutinho. Produção: Thereza Jessouroun. Intérpretes: Catadores de lixo. Roteiro: Eduardo Coutinho. Brasil, 1992 (48 min.).): “Como é viver no lixo? É bom ou ruim?” - perguntas talvez impensáveis para um documentarista tradicional, um cineasta de esquerda, ou para um pesquisador militante. Importa aqui registrar o gesto de chegar ao outro, sem amarras ideológicas, de modo que o entrevistado não se sinta previamente julgado, e muito menos penalizado por ser o que é. Trata-se de uma abertura ética, uma disposição de escuta que permita a alguém falar talvez mais livremente de um modo de existência específico, uma estratégia (ou uma tragédia) de vida. Coutinho (2013eCOUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. (Depoimento no Seminário “Ética e história oral”, Projeto História, n. 15, PUC-SP, abr. 1997). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013e. p. 20-47., p. 26) pergunta: “Será que aquilo, o lixo, é um inferno? Ou será que todo o Brasil não é um inferno para os excluídos, um inferno banalizado?”.
Seria uma enorme injustiça reduzir a obra de Coutinho a um cinema de denúncia, de mero apego aos pobres e oprimidos. Mas, tal qual Lanzmann e o célebre Shoah (1985SHOAH. Direção: Claude Lanzmann. Produção: Claude Lanzmann. Intérpretes: Abraham Bomba e outros. Roteiro: Séverine Olivier-Lacamp e Stella Quef. França, 1985. (566 min.).), um dos documentários mais belos e terríveis já produzidos, Coutinho não deixa de se associar a um grupo de artistas que se mostram politicamente decididos a afirmar em suas obras que o sensível, necessariamente, anda de mãos dadas com o crítico (cfe. DidiHuberman, 2018, p. 171).
O zelo e a sensibilidade com as pessoas do Araçás aliam-se a uma opção ética pela qual o cineasta busca uma igualdade, e que se faz justamente pela diferença. Guiado pela professora Rosa, Coutinho a trata como uma pessoa da equipe de filmagem, reconhecendo que sem ela não conseguiria realizar o filme. Se não entende uma fala, pergunta, repete, mas não insiste naquilo que o outro talvez queira manter em silêncio. Quis saber o que era atacação das presa, a dor e a febre dos últimos dentes, que tiraram a vida do filho mais velho de Tia Dôra. Rosa ajuda a intermediação de entrevistador e entrevistado. Mas a singularidade de ambos é preservada.
Quando falo com um nordestino, aparentemente não tenho nada a ver com ele. E essa diferença eu não procuro falsamente diminuir. É claro que eu uso uma linguagem coloquial, mas não tento fingir que sou igual. Eu não sou igual duplamente: porque estou atrás da câmera e porque não sou igual socialmente. É a partir dessa diferença assumida que certa igualdade pode se estabelecer (Coutinho, 2013gCOUTINHO, Eduardo. Para Sexta-Feira. Entrevista. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013g. p. 222-231., p. 224).
“Eu adoraria ter fé, adoraria crer, mas não creio” (Coutinho, 2013dCOUTINHO, Eduardo. Não quero saber como o mundo é, mas como está. (Entrevista a María Campaña Ramia). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013d. p. 307-322., p. 315). Mais de uma vez, em seus depoimentos, Coutinho faz referência ao fascínio que tem pelas pessoas que creem, pela religiosidade que manifestam, justamente porque talvez seja esse o ponto crucial da diferença entre ele e seus entrevistados. E, quanto mais distante daquelas pessoas, maior o desejo de escutá-las. E, escutando-as, eis que se dá o encontro. A igualdade na diferença. “Você acredita em Deus?” - muitas vezes ele faz essa pergunta. E, em alguns casos, como vimos, o entrevistado lhe devolve: “E você, acredita?”. É desse jeito que Coutinho escuta com respeito Seu Assis, confiante na metáfora inventada: “A vida é um parafuso, só quem distorce é Jesus, no dia de chegar a hora”.
Na base da ética de Coutinho, está o cuidado em ser digno da confiança nele depositada - o que se traduz em gestos como o de mostrar às pessoas a imagem captada pela câmera, durante as filmagens ou depois, com o filme já pronto. A imagem de Dona Mariquinha com seu cachimbo foi registrada em foto e ficou com ela de lembrança (“Eu nunca tinha visto isso, só na televisão”). Ou então na escolha de não falar em nome de grandes grupos (os nordestinos, os favelados), mas de pessoas que têm um nome: “Quando você tipifica uma pessoa, quando você a objetiva, você mata a singularidade da pessoa. É a destruição moral e cívica do indivíduo e da personagem” (Coutinho, 2013hCOUTINHO, Eduardo. Sobre Edifício Master. (Entrevista à revista Contracampo). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013h. p. 283-297., p. 283-284).
Como vários estudiosos nos ensinaram (Serge Daney, André Bazin, Alain Badiou), falar numa ética do cinema é falar, também, de uma arte heterogênea e impura, que inventa o tempo; é falar de uma arte dedicada a mostrar o imponderável da vida, arte do presente e simultaneamente das ausências. Nesse sentido, interessa a Coutinho o cinema que mostra um mundo efetivamente existente, mas que não pode ser exposto sem cuidado, de qualquer jeito. Isso, por si só, coloca em jogo uma questão moral - que nos faz lembrar da célebre afirmação de Godard: les travellings sont affaire de morale5 5 “Travellings são uma questão de moral”. Declaração de Jean-Luc Godard durante uma mesa-redonda em torno do filme Hiroshima mon amour de Alain Resnais. Texto publicado no Cahiers du Cinéma n. 97, jul. 1959. Para Godard, os recursos formais específicos do cinema têm sempre um uso social, seriam sempre uma escolha ética. .
Tal como os filósofos antigos pesquisados por Michel Foucault, Coutinho nos oferece um conjunto de obras que se tornaram para ele um verdadeiro “exercício espiritual”, “a coisa mais feliz que eu tenho na vida” (Coutinho, 2013bCOUTINHO, Eduardo. Fé na lucidez. (Entrevista a Cláudia Mesquita). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013b. p. 236-250., p. 246). “O filme para mim é uma forma de viver” (Coutinho, 2013bCOUTINHO, Eduardo. Fé na lucidez. (Entrevista a Cláudia Mesquita). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013b. p. 236-250., p. 250). Talvez uma forma de dar o máximo de brilho à própria existência, fazendo dela objeto de arte (cfe. Foucault, 2014FOUCAULT, Michel. Sobre a genealogia da ética: um resumo do trabalho em curso. In: FOUCAULT, Michel. Genealogia da ética, subjetividade e sexualidade. Ditos & Escritos IX. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 214-237.). Nesse exercício de vida, o cinema se tornou para Coutinho um trabalho ético de questionar os excessos, as redundâncias de palavras e imagens.
A força de seus filmes talvez resida no cuidado de não ficar mostrando literalmente o que é dito, de não aceitar imagens nem palavras desnecessárias, usando-as “seja de forma maneirista, seja na forma de evidências”, como ele diz (Coutinho, 2013fCOUTINHO, Eduardo. O vazio do quintal. (Entrevista a José Carlos Avelar). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013f. p. 250-283., p. 253). Imagens fixas que fazem a passagem de um entrevistado a outro, às vezes fachadas sem pintura de moradias que iremos adentrar junto com a câmera - esses são alguns dos recursos que o diretor usa, numa espécie de economia de linguagem, de simplicidade e convite ao olhar mais demorado do espectador. Lembro aqui o belo final de uma das entrevistas, depois de 60 minutos do filme: Coutinho filma o silêncio de Tia Dôra, segundos de uma linda luz de entardecer, uma parede e o espelho retangular, uma cortina cor de vinho e ela sentada na beirada da cama, elegante. Uma pausa. Um respiro.
Nem os excessos, jamais as totalidades - e sim a ideia das microrrealidades:
[...] a totalidade é o Brasil, eu escolho o Rio; a totalidade é o Rio, eu escolho uma favela; não é uma favela grande, é uma favela pequena. Quer dizer, eu estou reduzindo ao máximo, estou abolindo a totalidade como resposta, como universo que me interessa (Coutinho, 2013fCOUTINHO, Eduardo. O vazio do quintal. (Entrevista a José Carlos Avelar). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013f. p. 250-283., p. 274).
Em O fim e o princípio, logo no início o espectador tem acesso aos registros que levam a uma mudança de rumo daquela filmagem. Ou pelo menos à exposição de uma certa angústia: será que este documentário vai acontecer? A professora Rosa emerge como guia. Uma guia que não impede o mergulho em possibilidades não pensadas. Ou seja: ela, como um bom autor de referência na feitura de uma pesquisa, não significará o cerceamento, muito menos a prisão ao já sabido. Certamente Rosa é uma voz de autoridade, mas não a voz do especialista - uma voz que, sabiamente, propicia o encontro com o desconhecido. E pode até, delicada e amorosa, completar um dado perdido na memória de alguém, ou escrever num caderno as perguntas para Seu Zé de Sousa, que já não escuta.
Para Coutinho, o insuportável em qualquer documentário é a voz poderosa do narrador especialista, que “diz o sentido das coisas, aquela velha coisa de ser a voz de Deus. Esse narrador é insuportável, porque é ele que fecha as portas, no fundo é ele que abre e fecha as portas” (Coutinho, 2013fCOUTINHO, Eduardo. O vazio do quintal. (Entrevista a José Carlos Avelar). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013f. p. 250-283., p. 275). Talvez pudéssemos pensar que um pesquisador, ao recorrer à voz dos teóricos, é alguém que tem a fineza de não assassinar suas coleções - as falas de eventuais entrevistados, as elaborações de um pensador ou os registros de cenas e imagens. Importa, antes, é que essa voz seja incorporada de um modo vivo ao pensamento, produzido no processo do estudo.
Nos documentários de Coutinho, não há um narrador a organizar os dados para o espectador, reunindo artificiosamente as falas. Importante trazer aqui uma observação feita pelo ensaísta Mateus Araújo, a respeito da tensão entre a singularidade dos entrevistados de Coutinho e a seriação a que eles são submetidos. Em O fim e o princípio há uma comunidade de pessoas mais velhas, que habitam a mesma região, organizadas, portanto, numa série. Araújo sublinha que, nessa estruturação do filme, é como se “a singularidade dos personagens almejada pelo cineasta pudesse emergir com mais força, e não com menos”, justamente pelo modo como ele faz a escuta (Araújo, 2013, p. 442). E isso, ao mesmo tempo, não quer dizer que cada uma daquelas pessoas apareça como exclusiva.
Entendo que a arte de Coutinho consistiria numa capacidade de modulação e de nuance, de trânsito do particular ao mais amplo, vislumbrando, naquele conjunto de pessoas ouvidas, como diz Araújo, uma “comunidade de experiência” (Araújo, 2013, p. 443). Cada uma delas acaba aparecendo com seu estilo próprio, sem jamais estar ali como ilustração ou representação de um grupo. Isso, certamente, tem consequências importantes para nós, que desejamos aprender com o diretor um pouco de sua arte. Os dados de nossas pesquisas não ilustram nem representam. Eles são matéria viva de nossas coleções (uma espécie de comunidade que inventamos) e compõem algo a mais com os teóricos que elegemos como intercessores. O relato acadêmico é a nossa voz, tecida dessas outras vozes.
A devolutiva da pesquisa
“Devolver uma imagem” - é o título de um texto de Didi-Huberman, sobre o cineasta Harun Farocki. A questão posta pelo estudioso é: se existe o quê e o como da imagem, não deveríamos falar também do a quem? Afinal, pergunto, a quem se destinam as imagens de O fim e o princípio? Poderíamos talvez dizer que Eduardo Coutinho se alinharia ao posicionamento ético do artista Farocki - de filmar corpos e vozes, tomar conhecimento de lugares e pessoas, unicamente para dar a conhecer. Ele filma para fazer retornar as imagens “a quem de direito, quer dizer, ao bem público”. DidiHuberman (2015, p. 209) complementa: “Em suma, para emancipá-las”.
Penso que, no caso específico de O fim e o princípio, o jogo da restituição das imagens não existe apenas porque o diretor e sua equipe retornaram ao local das filmagens, um ano depois, para mostrar o trabalho pronto. Sim, há ali uma devolutiva aos moradores do Araçás, prática aliás desejável em pesquisas que se dedicaram a escutar e gravar histórias. Mas não se trata meramente de devolver algo que, então, se tornará propriedade ou aquisição por parte daquelas pessoas. Há algo mais. Há a generosidade e a modéstia de Coutinho, para além de simples virtudes morais.
Modéstia diante do trabalho e modéstia do trabalho - o trabalho da imagem ou do pensamento - na medida em que ele seria sempre trabalho sobre o trabalho de outro. Restituindo a esse título o trabalho humano em geral na esfera do bem comum, que não pertence propriamente a ninguém (DidiHuberman, 2015, p. 219).
Tal como avalia Didi-Huberman sobre Farocki, trata-se de um posicionamento político, de uma escolha quanto ao modo de conhecer (DidiHuberman, 2015, p. 212). Nesse sentido, colocar aquelas vidas narradas à disposição delas próprias e de um uso comum pelos espectadores é um modo de convocar a todos nós para irmos além do olhar meramente contemplativo das artes. Como já reivindicava Benjamin, o artista que assim age não teme com isso abrir mão do sucesso de uma carreira, mas o faz em nome de uma abertura a novas formas e espaços de restituição das imagens.
Talvez uma das surpresas maiores para mim tenha sido assistir aos extras do filme e perceber que aquelas pessoas, agora uma seleta plateia, vibravam exatamente com as mesas cenas que tanto me tocaram. Um ano após as filmagens, numa noite por certo inesquecível para aqueles moradores do Sítio do Araçás, eles estavam ali com seus familiares, alternando gargalhadas discretas e silêncios comovidos. Muita risada ao ver as arengas dos casais (a história do marido cachaceiro, a mulher dizendo que o marido era “munto nojento” mas gostava dele), e ao ouvir Seu Chico falando que gosta de gente fofoqueira como Coutinho. Por outro lado, muita emoção revendo um morador que morreu após as filmagens, Seu Zé de Sousa, aquele homem tão só, sentado no terreiro: “a gente chora, porque isso é forte”, diz Rosa, a professora-guia que sempre o visitava, tomava a bênção e escrevia pra ele no caderninho...
Um cinema erótico? Uma narrativa poética?
Eu acho que tudo o que é dito é expresso pelo corpo humano, que é basicamente composto pelo movimento dos braços e do rosto. Isso para mim é essencial; eu faço filmes sobre o corpo humano, sobre relações entre corpos humanos, no caso, eu e a equipe com os outros. Por isso são filmes eróticos em sentido amplo. No cinema o que me interessa é isso, eu vivo através disso. O que é uma fala em que eu não vejo o rosto de quem fala? Eu não sei quase nada sobre a pessoa depois disso. O corpo humano é absolutamente ligado, você não pode desligar isso. Cada ser humano é diferente um do outro, e o mistério humano é isso (Coutinho, 2013cCOUTINHO, Eduardo. Há um céu especial para os cinéfilos. (Depoimento ao projeto Os filmes da minha vida, v. 4). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013c. p. 169-180., p. 179-180).
Captar singularidades tem a ver com o gesto da escuta e principalmente do olhar. O verbal e o não verbal amalgamados, no registro de memórias, porque, afinal, “a linguagem está por toda parte”, ensina Barthes (2004BARTHES, Roland. O grão da voz - Entrevistas 1962-1980. São Paulo: Martins Fontes, 2004., p. 227.) “O verbal em si já é riquíssimo: você tem entonação, tem digressão, tem ritmo, palavras que enganam, lapsos, coisas incríveis. E o não verbal?
Pode estar aqui, na comissura do lábio, no olho. O olho é essencial” (Coutinho, 2013bCOUTINHO, Eduardo. Fé na lucidez. (Entrevista a Cláudia Mesquita). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013b. p. 236-250., p. 248). Talvez por isso nos comovam tanto os encontros com Dona Mariquinha e Seu Chico Moisés. Coutinho procura aqueles pares de olhos o tempo inteiro, deixando o fotógrafo se virar sozinho. E o espectador é presenteado com todo o tipo de movimento de gestos e olhares, sérios ou risonhos, mãos que batem num pá!, pontuando uma fala riquíssima em expressividade corporal.
A relação afetiva com o tema, com as buscas e as pessoas com as quais interage é percebida a cada momento nos documentários de Coutinho. Ele está ali num mundo que não é o seu; é alguém que chega de fora e também tem algo a fazer e a dizer, algo diferente do que faz o cara de dentro. Numa escolha técnica e sobretudo ética, Coutinho afirma a necessidade de construir com antecedência uma bagagem de saberes e vivências que lhe possibilitem ver a coisa, mesmo que de fora.
Mas o que me parece mais relevante no processo de pesquisa e de criação artística do diretor é o que ele fala sobre as escolhas de pessoas e lugares a filmar: “Na hora em que eu filmo uma pessoa, eu a amo mais que a qualquer outra [...] quando eu ligo a câmera e selo os olhos na pessoa, é isso que vale a pena para mim” (Coutinho, 2013gCOUTINHO, Eduardo. Para Sexta-Feira. Entrevista. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013g. p. 222-231., p. 229). O método da entrevista, assim, tem a ver com uma profunda abertura à individualidade das pessoas, o que não significa a busca de uma intimidade ou até de amizade com elas. Pode-se dizer que uma onda de afeto circula nas filmagens, porque ele se coloca ali como um mediador, entre a câmera e as pessoas: “é como se elas olhassem para mim, sentissem a onda magnética, o interesse no olhar, mas como se eu fosse transparente” (Coutinho apud Mesquita; Saraiva, 2013MESQUITA, Cláudia; SARAIVA, Leandro. O cinema de Eduardo Coutinho - Notas sobre método e variações. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 388-399., p. 389).
Aprendo a cada filme, a cada depoimento de Coutinho, que chegar de fora em um autor, em uma obra de arte, em um texto literário, num grupo de pessoas, num entrevistado, num lugar ou documento histórico - isso requer preparo, estudo. Mas, especialmente, requer o desejo, a entrega amorosa a uma temática e, ao mesmo tempo, a disposição a um certo desaparecimento de si. Meu apaixonamento por Michel Foucault e por Eduardo Coutinho me leva a imaginar parentescos éticos e estéticos entre os dois. Tanto a escrita (Foucault) como um filme (Coutinho) só fazem sentido se, ao realizá-los, acabem encontrando o que não sabiam. É esse o prazer de estarem vivos. Porque deixam-se surpreender, tornam-se outros, transformam-se.
O método de criação, para ambos, vai ocorrendo em processo, no movimento da mão que escreve, do pensamento em ato, do olhar e da escuta de corpos em sua expressividade e memória. Por outro lado, aprendemos com eles a pensar sobre o apagamento de si, da figura do autor, não por alguma pretensa modéstia, mas em virtude de uma posição existencialmente assumida: o filósofo nos diz que, desde o século passado, “o sujeito que escreve não para de desaparecer”, e que “a marca do escritor não é mais do que a singularidade de sua ausência” (Foucault, 2009FOUCAULT, Michel. O que é um autor? In: FOUCAULT, Michel. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Ditos & Escritos III. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 264-298., p. 268-269); já Coutinho não se cansa de afirmar o esvanecimento do diretor, por mais presente que ele próprio esteja nas filmagens. Esses dois artistas parecem obedecer a uma lei, à obrigação de fazer algo que se impõe a eles, de escrever ou de fazer filmes, pois a vida ao redor, afinal, não é tão bonita assim, é cheia de problemas, dores e tédio. Como diz Foucault, em entrevista a Claude Bonnefoy, escreve-se “para não se ter mais rosto”, assumindo uma fragilidade e a “mortificação de si na passagem aos signos” (Foucault, 2016FOUCAULT, Michel. O belo perigo. Conversa com Claude Bonnefoy. Belo Horizonte: Autêntica, 2016., p. 66-67).
Muito se tem escrito sobre o texto acadêmico, sobretudo na área das artes e das ciências humanas e sociais, discutindo a possibilidade de incluir, nos artigos e teses, não só o relato em primeira pessoa, mas um olhar poético e até literário. Mais uma vez a complexidade da função de autoria, junto à separação insidiosa e insistente ainda hoje entre ciência e vida, arte e cotidiano, ficção e realidade. Coutinho, respondendo a uma questão sobre Santo forte (1999SANTO FORTE. Direção: Eduardo Coutinho. Produção: Cristiana Grumbach. Intérpretes: Sônia Guedes. Roteiro: Eduardo Coutinho. Brasil, 1999. (80 min.).), diz que o artístico que lhe interessa é o que está na fala dos personagens. Ele busca “tratar do prosaico poeticamente e do poético prosaicamente” (Coutinho, 2013aCOUTINHO, Eduardo. A cultura do transe. (Entrevista a Inácio Araújo e José Geraldo Couto). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013a. p. 231-236., p. 234).
Assim, para o diretor, não faria sentido inventar recursos especiais para uma fala que, ela mesma, já se mostra poética. “A poesia vem do que dizem os personagens, não da filmagem” (Coutinho, 2013aCOUTINHO, Eduardo. A cultura do transe. (Entrevista a Inácio Araújo e José Geraldo Couto). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013a. p. 231-236.). Ele identifica, em todos os trabalhos realizados, uma constante nas figuras humanas que encontrou: trata-se sempre, de alguma forma, da presença de questões existenciais, éticas, de relação com os limites de vida e morte, de magia e sonhos, de religiosidade, de afetos. A magia dos depoimentos está relacionada à intensidade do processo criativo que se instaura entre o diretor, a câmera e o sujeito convidado a falar: cada uma daquelas pessoas, ao entrar no jogo dramático proposto, inventa para si um personagem, como o filósofo do Araçás, Chico Moisés, ou a parteira Maria Borges, “muito cobiçada pra esse negócio de namoro”. Interessa nessa dinâmica o encontro com uma singularidade, com alguém que se mostra como é, único. Pessoas simples, pessoas do Araçás, poéticas e eróticas - por que não?
O espectador: um sujeito imaginante
Considero importante, finalmente, incluir nestas considerações sobre o cinema de Eduardo Coutinho a figura do espectador, esse outro, igualmente único, que também participa do processo criativo do filme como um todo. Costumo repetir em seminários e orientações, inspirada em Bourdieu, que pesquisar é estabelecer relações. E que imagem é relação - um filme só existe na medida em que há um corpo, um olhar, uma disposição física de ver e entregar-se à história narrada. Poderia dizer-se que aqueles que veem e ouvem as palavras dos entrevistados de Coutinho, justamente por estarem diante de uma narrativa aberta e despojada, entram num jogo, como o proposto por Jacques Rancière, do espectador emancipado. Haveria como que uma igualdade de inteligências, na relação de Coutinho com seus personagens, e que se multiplica na figura do espectador.
Todos estão simultaneamente numa posição de ignorância, num trabalho genuíno de tradução de signos, comunicação e construção de hipóteses um sobre o outro, numa aventura de “compreender o que outra inteligência se esforça por comunicar-lhe” (Rancière, 2014RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2014., p. 15). “Esse trabalho poético de tradução está no cerne de toda aprendizagem” (Rancière, 2014RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2014.). É como se Coutinho assumisse de fato a figura do mestre ignorante, percorrendo o caminho de um saber assumido a um saber ignorado, partilhado com seus personagens e com o espectador. Nesse sentido, estão suspensas ao menos temporariamente as fronteiras e a fixidez das posições de sujeito, características das relações de preconceitos de classe, gênero, condição social, ainda mais num país partido como o Brasil.
As vidas filmadas por Coutinho existem por elas mesmas, e a melhor maneira de olhar essas imagens, seguindo Didi-Huberman e Jacques Rancière, seria “saber observá-las sem comprometer a sua liberdade de movimento; por isso, observá-las não seria guardá-las para si mesmo, mas ao contrário, deixá-las serem” (Didi-Huberman, 2018DIDI-HUBERMAN, Georges. Olhos livres da história. Revista Ícone, Recife, v. 16, n. 2, p. 161-172, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/icone/article/view/238900/pdf. Acesso em: 29 jun. 2023.
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, p. 163, grifos do autor). A ideia é emancipar as imagens da vontade de saber, o desejo quase desenfreado de uma suposta visão integral, totalizante. Os personagens de O fim e o princípio não são um grupo representativo de determinada classificação sociológica. Ao exercitar a aceitação de uma incompletude das imagens, cenas e diálogos, que resiste a qualquer padronização, também o espectador poderá emancipar-se. Como sujeito da visão, ele se entregará a um trabalho que lhe exige abandonar a vontade de poder sobre as imagens. Cada detalhe dos olhares, dos cenários, da articulação da voz e das respostas dadas a Coutinho será um convite a deixar para trás qualquer regra de significação ou interpretação das imagens fílmicas. Falo aqui de um convite a não nos entregarmos às fáceis inteligibilidades.
“O espectador é o sujeito da igualdade”, escreve Marie José Mondzain (2013MONDZAIN, Marie José. Homo spectator. Voir, fair voir. Montrouge (França): Bayard, 2013., p. 65, tradução minha). Contra qualquer lógica do embrutecimento, os filmes de Coutinho, a meu ver, convidam o espectador a uma espécie de novo nascimento, uma nova vida, a partir da experiência com imagens e depoimentos que lhe permitem partilhar um vínculo com sujeitos desejantes e falantes, imaginadores e imaginantes, questionadores de um mundo voltado para as desigualdades e dominado pelo medo. Mais uma vez Godard (2002, p. 83): fazer filmes é fazer poesia, “e a poesia é antes de mais nada resistência”. Dona Mariquinhas, Seu Leocádio, Seu Chico são personagens investidos de poesia, são existências postas em arte. E o espectador resiste. Resiste porque nasce de novo com eles. Porque as imagens são férteis, escreve Didi-Huberman.
Em suas descontinuidades, as imagens visuais e sonoras de O fim e o princípio são remetidas constantemente a redes de contextualidades temporais e espaciais. São os olhos da história e os olhos do espectador. Olhos que gritam, resistem, levantam-se, contra o intolerável - no dizer do autor de O que vemos, o que nos olha -, porque os olhos da história não são apenas órgãos perceptivos. São olhos que endereçam perguntas à imagem, olhos de observador, como escreve Ismail Xavier, que nos remetem incessantemente do campo do visível ao que está fora da moldura e vice-versa. “A montagem sugere, nós deduzimos” (Xavier, 2003XAVIER, Ismail. O olhar e a cena. São Paulo: Cosac&Naify, 2003., p. 33). Entram em jogo múltiplas questões, convites ao espectador para ele também entrar em cena.
Não se trata de militâncias nem de bandeiras ideológicas. Trata-se, antes, da coragem de um sujeito desejante, o criador de imagens (visuais, literárias, teatrais ou cinematográficas), de inventar e propiciar uma forma de liberdade para aquele a quem se endereça. Do contrário, “quando a imagem é aniquilada na sua força igualitária e geradora, é o espectador que pode morrer” (Mondzain, 2013MONDZAIN, Marie José. Homo spectator. Voir, fair voir. Montrouge (França): Bayard, 2013., p. 66, tradução minha). E não é isso, evidentemente, que Eduardo Coutinho deseja. “Eu acho que se você ainda conseguir pensar no filme no dia seguinte já é maravilhoso. É por isso que nós fazemos cinema” (Coutinho, 2013cCOUTINHO, Eduardo. Há um céu especial para os cinéfilos. (Depoimento ao projeto Os filmes da minha vida, v. 4). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013c. p. 169-180., p. 176).
Se é verdade que as imagens participam de um gesto, encarnado e histórico, aquele que se dedica a ver um filme de Eduardo Coutinho, como O fim e o princípio, entra nessa roda de signos e também é testemunha de um passado, agora presente. Faz-se partícipe de um lugar, de um tempo, de conflitos e luminosidades, de amores e perdas, de restos de um mundo tão brasileiro, de algo que seguramente esse espectador nunca viu como tais, em suas particularidades, mas que nos detalhes minúsculos daquelas vidas precárias encontra algo de liberdade, de recusa e de desejo. Voluntariamente ou não, as imagens de Coutinho são políticas. E, sobretudo, convidam ao gesto solidário.
Imagino que um pesquisador possa trabalhar em suas investigações de um modo atento e crítico, como Coutinho e seus adoráveis personagens. A ideia é construir uma posição inventiva diante do olhar e da escuta, tanto na apreensão das coisas lidas em autores que amamos, como principalmente na elaboração de nossas coleções, os chamados materiais empíricos. Uma posição móvel, jamais unívoca. Uma posição dialética, não padronizada, distante de todas as sínteses consoladoras: uma “dialética inquieta, infinita, inatingível, irreconciliável” (Didi-Huberman, 2018DIDI-HUBERMAN, Georges. Olhos livres da história. Revista Ícone, Recife, v. 16, n. 2, p. 161-172, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/icone/article/view/238900/pdf. Acesso em: 29 jun. 2023.
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, p. 164-165). E inquietude é o que não falta a Eduardo Coutinho e aos velhinhos de O fim e o princípio.
Disponibilidade de dados da pesquisa:
o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.
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Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
Notas
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1
Bourdieu é inclusive lembrado por Coutinho em uma de suas entrevistas, ci-tando o livro A miséria do mundo, em que o sociólogo escreve sobre a técnica da entrevista, afirmando a necessidade de se colocar no lugar do outro, de não estabelecer julgamentos e de respeitar de fato aquela singularidade (cfe. Coutinho, 2013fCOUTINHO, Eduardo. O vazio do quintal. (Entrevista a José Carlos Avelar). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013f. p. 250-283., p. 277-278).
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2
Em Matéria e memória, Henri Bergson escreve sobre a memória sensível do presente como inseparável da memória do passado. Seu desenho do cone da memória é bem conhecido. A partir dele Bergson conclui que “é do presente que parte o apelo ao qual a lembrança responde, e é dos elementos sensóriomotores da ação presente que a lembrança retira o calor que lhe confere vida” (Bergson, 1999BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999., p. 179).
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3
No filme O fio da memória, há uma cena no cemitério mostrando o saco de ossos do personagem Gabriel e a figura de um anjo: “Colocar aquele anjo olhando para os ossos de Gabriel foi uma forma de alegorizar a destruição do passado dele e dos negros. Como o anjo voltado para as ruínas, em que o passado é uma catástrofe de ruínas e o vento do progresso arrebata o anjo” (Coutinho, 2013eCOUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. (Depoimento no Seminário “Ética e história oral”, Projeto História, n. 15, PUC-SP, abr. 1997). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013e. p. 20-47., p. 226).
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4
Em A imagem sobrevivente, Didi-Huberman (2013)DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. trata da obra do historiador alemão Aby Warburg, sobre história da arte, imagem e memória, dentre outros temas. Interessa-me aqui um modo de tratar as artes visuais que me ajudam a pensar não só no filme em si mas na relação que vou estabelecendo com essa obra de Coutinho.
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5
“Travellings são uma questão de moral”. Declaração de Jean-Luc Godard durante uma mesa-redonda em torno do filme Hiroshima mon amour de Alain Resnais. Texto publicado no Cahiers du Cinéma n. 97, jul. 1959. Para Godard, os recursos formais específicos do cinema têm sempre um uso social, seriam sempre uma escolha ética.
Referências
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- BARTHES, Roland. O grão da voz - Entrevistas 1962-1980. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
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- BERG, Jordana. Quase tudo monta. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 348-356.
- BERGSON, Henri. Matéria e memória São Paulo: Martins Fontes, 1999.
- BOCA DE LIXO. Direção Eduardo Coutinho. Produção: Thereza Jessouroun. Intérpretes: Catadores de lixo. Roteiro: Eduardo Coutinho. Brasil, 1992 (48 min.).
- COUTINHO, Eduardo. A cultura do transe. (Entrevista a Inácio Araújo e José Geraldo Couto). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho São Paulo: Cosac Naify, 2013a. p. 231-236.
- COUTINHO, Eduardo. Fé na lucidez. (Entrevista a Cláudia Mesquita). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho São Paulo: Cosac Naify, 2013b. p. 236-250.
- COUTINHO, Eduardo. Há um céu especial para os cinéfilos. (Depoimento ao projeto Os filmes da minha vida, v. 4). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho São Paulo: Cosac Naify, 2013c. p. 169-180.
- COUTINHO, Eduardo. Não quero saber como o mundo é, mas como está. (Entrevista a María Campaña Ramia). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho São Paulo: Cosac Naify, 2013d. p. 307-322.
- COUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. (Depoimento no Seminário “Ética e história oral”, Projeto História, n. 15, PUC-SP, abr. 1997). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho São Paulo: Cosac Naify, 2013e. p. 20-47.
- COUTINHO, Eduardo. O vazio do quintal. (Entrevista a José Carlos Avelar). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho São Paulo: Cosac Naify, 2013f. p. 250-283.
- COUTINHO, Eduardo. Para Sexta-Feira Entrevista. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho São Paulo: Cosac Naify, 2013g. p. 222-231.
- COUTINHO, Eduardo. Sobre Edifício Master (Entrevista à revista Contracampo). In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho São Paulo: Cosac Naify, 2013h. p. 283-297.
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» https://doi.org/10.1590/S0101-33002014000200003 - MESQUITA, Cláudia; SARAIVA, Leandro. O cinema de Eduardo Coutinho - Notas sobre método e variações. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 388-399.
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- XAVIER, Ismail. O olhar e a cena São Paulo: Cosac&Naify, 2003.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Dez 2023 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
04 Jun 2023 -
Aceito
16 Ago 2023