Open-access A Linha que nos Divide: o teatro negro racializando a branquitude

La Ligne qui nous Divise: théâtre noir racialisant la blancheur

Resumo:

Um fator comum entre as pessoas brancas é a negação de que são sujeitos racializados, de modo que se utilizam da fragilidade e da inocência branca como estratégias para a proteção e usufruto do privilégio e da superioridade racial. Em contraponto, a arte decolonial é constituída por um conjunto de obras que ambicionam desvincular a produção artística dos não-europeus e não-brancos de uma suposta posição de inferioridade calcada na colonialidade. Assim, esta pesquisa buscou compreender como o teatro negro, entendido sob essa perspectiva decolonial, proporciona, ao espectador branco brasileiro e português, uma experiência racializadora. Os resultados permitiram explorar os entendimentos partilhados sobre a identidade branca, contribuindo para perceber o processo de racialização do espectador branco.

Palavras-chave:
Arte Decolonial; Branquitude; Espectador; Teatro Negro

Abstract:

A common factor among white people is the denial that they are racialized subjects, so that they use white fragility and innocence as strategies to protect and enjoy privilege and racial superiority. By the other hand, decolonial art is made up of a set of works that aim to separate the artistic production of non-Europeans and non-whites from a supposed position of inferiority based on coloniality. Thus, this research sought to understand how black theater, understood from this decolonial perspective, provides white Brazilian and Portuguese spectators with a racializing experience. The results allowed us to explore shared understandings about white identity, contributing to understanding the process of racialization of white spectators.

Keywords:
Decolonial Art; Whiteness; Spectator; Black Theater

Résumé:

Un facteur commun aux Blancs est le déni d’être des sujets racialisés, c’est pourquoi ils utilisent la fragilité et l’innocence des Blancs comme stratégies pour protéger et jouir des privilèges et de la supériorité raciale. En revanche, l’art décolonial est constitué d’un ensemble d’œuvres qui visent à séparer la production artistique des non-européens et des non-blancs d’une prétendue position d’infériorité fondée sur la colonialité. Ainsi, cette recherche cherchait à comprendre comment le théâtre noir, compris dans cette perspective décoloniale, offre aux spectateurs blancs brésiliens et portugais une expérience racialisante. Les résultats nous ont permis d’explorer des compréhensions communes sur l’identité blanche, contribuant ainsi à comprendre le processus de racialisation des spectateurs blancs.

Mots-clés:
Art Décolonial; Blancheur; Spectateur; Théâtre Noir

Introdução

Nos últimos anos, assistimos a um grande crescimento dos conteúdos dedicados à discussão sobre os legados do colonialismo, à violência policial e à desigualdade de oportunidades enfrentadas pela população negra no Brasil e no mundo. Conteúdos estes que, por vezes, possuem um foco nem sempre intencional de educar os brancos sobre os seus próprios privilégios em contraponto a essa realidade de opressões cotidianas. Seja nos formatos vinculados pela mídia, na produção acadêmica ou em obras de artes, e mais especificamente no teatro negro, é constante a exigência de que a população branca se engaje na luta antirracista e na educação de seus pares.

Contudo, a ação dos movimentos negros mundo afora não se efetiva sem uma ferrenha oposição que busca silenciar o pensamento crítico sobre raça e barrar políticas públicas que permitam a melhoria das condições de vida da população negra. No cerne dessa resistência encontra-se a insuspeita ideia de que os brancos não são brancos, são apenas pessoas, de modo que a aquisição de um vocabulário que permita identificar os privilégios materiais e simbólicos da branquitude passa, necessariamente, pela educação para uma nova consciência racial (DiAngelo, 2020; Schucman, 2012).

Nesse contexto, tomamos o teatro como um espaço fértil para a construção desses novos significados, bem como lugar de criação de novas perspectivas sobre o debate racial. Para isso, estabelecemos uma diferença fundamental entre brancura e branquitude: enquanto a brancura se refere ao conjunto de traços físicos que identificam uma pessoa como sendo branca, como pele clara, nariz afinado, tipo de cabelo e cor dos olhos, a branquitude faz referência à angariação de recursos e ferramentas que fazem com que os brancos usufruam de benesses e direitos sociais de forma desigual quando comparados a outros grupos raciais (Schucman, 2012). Assim, o que se entende é que a branquitude não é uma condição natural e inerente à brancura, mas sim uma construção histórica e social cuja origem encontra-se na ação colonizadora (Garner, 2006; Schucman, 2012).

Dessa maneira, neste estudo busca-se compreender e analisar de que forma o teatro negro proporciona ao espectador branco brasileiro e português uma experiência racializadora e, portanto, decolonizadora, por ser capaz de alterar as engrenagens da lógica colonial. Esse espaço da audiência foi construído a partir do contato com o espetáculo Contos Negreiros do Brasil (2017), uma obra de teatro documentário que, pedagogicamente, explora os impactos do racismo na vida de pessoas negras. Para a branquitude, ser espectadora permite que as vozes e as memórias de sujeitos subalternizados e silenciados pela colonialidade sejam sensivelmente ouvidas, de modo que o teatro, enquanto linguagem estética ao serviço de pensar os legados da colonialidade, torna-se locus da construção de discursos e simbologias que examinam criticamente as responsabilidades históricas (Khan, 2015).

Para percorrermos este caminho, ao longo deste artigo mapearemos o contexto no qual se desenhou a ideia de raça e que, posteriormente, fundamentou a construção da identidade branca, para, em seguida, analisarmos o papel da crítica decolonial nas artes. A partir desse contexto, estabeleceremos os principais recortes para a composição do público branco, de modo a analisarmos discursos que, por vezes, misturam no terreno da palavra ora a aquisição de um letramento racial, ora os funcionamentos mais básicos da fragilidade e da inocência branca (DiAngelo, 2020; Wekker, 2016), numa experiência potencialmente construtora de uma consciência capaz de nomear a branquitude e os privilégios por ela retidos.

A colonialidade da raça e a colonialidade da arte

As teorias eugenistas do século XIX, ou o racismo científico, como também ficaram conhecidas, construíram a visão moderna de raça assente numa hipotética superioridade biológica dos brancos sobre os não-brancos. Contudo, o contexto que permitiu a emergência desse pensamento é mais antigo e remonta aos primórdios do processo colonial (Mignolo, 2003). De fato, a modernidade cunhou as noções de desenvolvimento, progresso e civilização, de tal forma que estes foram sempre entendidos como ideias circunscritas ao território europeu, de tal maneira que, em contraponto e complemento, a modernidade teorizou e imaginou os territórios externos à Europa como subdesenvolvidos, atrasados e selvagens. Assim, ao fabricar a modernidade, a Europa fabricou a colonialidade como sua face obscura, de modo que uma não pode ser conceitualizada ou entendida sem a outra (Mignolo, 2003; 2007; 2017; Quijano, 2005; Santos, 2002; 2009).

Essa nova lógica imperialista impôs as concepções europeias de trabalho, autoridade, gênero/sexualidade e subjetividade sobre as já existentes nos territórios colonizados, criando as condições para aquilo a que Aníbal Quijano (2005; 2009) nomeou de matriz colonial do poder. A operação dessa matriz foi sustentada por um novo dispositivo de diferenciação humana, criado especificamente no contexto colonial, que tem na escravidão indígena e africana a sua principal política econômica: a comparação de traços físicos, posteriormente definida como raça. É pela criação desse novo critério de hierarquias, somado a diferenciações já existentes, que se dará a exploração econômica de territórios externos à Europa e o seu consequente domínio e subalternização.

Como resultado, no seio da colonialidade, construiu-se a falácia da superioridade de uma raça sobre a outra, que as teorias eugenistas do século XIX buscaram validar como ciência, de forma a justificar e reiterar as relações de exploração e dominação que tomavam palco nas colônias. Uma classificação que, para além de inferiorizar todo o cabedal cultural e cognitivo de diversos povos ao redor do mundo, será a responsável por hierarquizar humanidades (Santos, 2002). Assim, desenha-se no mapa mundial uma linha invisível que dividirá, metaforicamente, o espaço do Norte (a metrópole colonial) como a morada da humanidade e do conhecimento relevante, o “este lado da linha”, e o espaço do Sul (a zona colonial) como o espaço onde habitam os conhecimentos e corpos subjugados, o “outro lado da linha”. Assim, Boaventura de Sousa Santos (2009, p. 23-24), ao formular a sua teoria das linhas abissais, define que:

A divisão é tal que ‘o outro lado da linha’ desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro. A característica fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade da co-presença dos dois lados da linha. Este lado da linha só prevalece na medida em que esgota o campo da realidade relevante. Para além dela há apenas inexistência, invisibilidade e ausência não-dialética.

No campo artístico, a inexistência do Sul como espaço culturalmente rico e relevante é atribuída à operacionalização da razão metonímica, cuja principal característica é a incapacidade de “aceitar que a compreensão do mundo é muito mais do que a compreensão ocidental do mundo” (Santos, 2002, p. 242). Dessa forma, todo conhecimento ou modo de vida que não seja entendido pela razão metonímica é invisibilizado, desconsiderado como importante ou aniquilado. Entre os modos de operação dessa racionalidade, capaz de fabricar ausências e apagar diversidades, a monocultura do saber e do rigor do saber se revela das mais primordiais, definida sob estes termos:

É o modo de produção de não-existência mais poderoso. Consiste na transformação da ciência moderna e da alta cultura em critérios únicos de verdade e de qualidade estética, respectivamente. A cumplicidade que une as ‘duas culturas’ reside no facto de ambas arrogarem ser, cada uma no seu campo, cânones exclusivos de produção de conhecimento ou de criação artística. Tudo o que o cânone não legitima ou reconhece é declarado inexistente. A não-existência assume aqui a forma de ignorância ou de incultura (Santos, 2002, p. 247).

Nesse contexto, a razão metonímica cria as bases para que se efetive a colonização da percepção sensorial humana (a aisthesis) pela teoria estética moderna e a sua compreensão única sobre o que é belo e o que é arte, fundada sobre os elementos da cultura grega, e que garante ser universal (Mignolo, 2010). Nas Artes Cênicas, o resultado é a subalternização de proposições cênicas e performativas que não estejam compreendidas pela definição europeia de teatralidade e representação.

Como contraponto a essa tendência, a crítica decolonial nas artes surge como forma de problematizar as relações de poder de um sistema que dita quem deve produzir arte e como deve fazê-lo para que essa produção seja reconhecida pelo público e pela crítica (Belém, 2016; Tlostanova, 2011). Assim, a arte decolonial emerge como “[decolonialidade] estética, [que] em sua tarefa analítica, ocupa-se de entender como a estética opera como um poderoso regime que, na distinção entre arte e não arte, esconde a classificação ontológica e a desumanização de outros seres humanos” (Vásquez; Zacarias, 2017, p. 46).

Os territórios da arte decolonial situam-se sobretudo nas periferias, em um movimento no qual os artistas desses espaços reapropriam-se do direito de escrever suas próprias histórias, questionando os legados da colonialidade e refletindo sobre o estereótipo de pobreza e violência que é a sua herança mais direta (Khan, 2021a; Ribeiro; Rodrigues, 2021; Vilar, 2020; 2021). Dessa forma, reparam subjetividades machucadas pela colonialidade, alterando relações e os posicionamentos desses elementos históricos. No Brasil, o teatro negro será um dos principais representantes da resistência à colonização estética e à subalternização dos corpos negros. Para Lima (2011, p. 82), o teatro negro define-se como “[...] o conjunto de manifestações espetaculares negro-mestiças originadas na Diáspora, que lança mão do repertório cultural e estético de matriz africana como meio de expressão, recuperação, resistência e afirmação da cultura negra”.

Assim, podemos observar que, por um lado, é na potência de artistas que criam na e a partir da periferia que o Sul emerge como realidade ontológica cujos grilhões da colonialidade já não exercem a força de outrora. Por outro lado, para os espectadores dessas obras descortina-se a possibilidade de valorizar vidas, experiências e belezas que resultam na cura dos complexos de inferioridade e de superioridade coloniais (Tlostanova, 2011). Um processo no qual questionar o funcionamento do padrão colonial permite construir novos imaginários que descolonizam mentes e espíritos (Khan, 2015; Vásquez; Zacarias, 2017), em um processo que abarca tanto aqueles que são vítimas da opressão e da violência colonial, os habitantes do “outro lado da linha”, quanto aqueles que, no seio da sua branquitude, (re)produzem a opressão sobre o outro (Mignolo, 2007; Santos, 2009).

A resistência do “lado de cá”

A provocação realizada pela arte decolonial, e consequentemente pelo teatro negro, para que pessoas brancas criem novos imaginários e realidades não restringidos pela colonialidade e, consequentemente, pela ação da raça como sua estrutura básica, não acontece sem uma grande resistência. Para Robin DiAngelo (2020), as pessoas brancas aprendem que raça é algo que não deve e não pode ser discutido, e tal é a força dessa condicionante que nomear a branquitude é o primeiro dos obstáculos. O segundo é o conceito de individualidade, que preconiza a supremacia do indivíduo sobre o grupo e, portanto, determina que o sucesso e fracasso são resultados da ação individual, ignorando as condicionantes de gênero, raça e classe que podem pesar sobre o indivíduo. Já o terceiro é a objetividade, que defende que o indivíduo é capaz de expressar-se de forma completamente autônoma, sem a influência de nenhum tipo de ideologia. Desse modo, torna-se extremamente difícil para pessoas brancas compreenderem que fazem parte de um grupo maior, com um padrão de comportamento comum (DiAngelo, 2020).

Outro fator importante da incapacidade branca de nomear a própria raça e, portanto, de reconhecer a força do racismo na organização social, é a associação deste ao ódio intencional e direcionado a outros grupos raciais (DiAngelo, 2020). Em um mundo que ficou profundamente marcado pelo nazismo, a identidade do racista formou-se sob a caracterização do sujeito mau e imoral, que defende a supremacia dos brancos sobre os não-brancos e a segregação racial. Assim, aquele que não se define publicamente como supremacista passará a se definir como não-racista, de tal modo que apontar o comportamento racista será encarado como uma ofensa ainda mais grave do que o ato racista em si (Cardoso, 2008; 2010; Lentin, 2020).

Nessa associação do racismo ao ódio consciente, intencional e direcionado, fica por fazer a construção de um entendimento de que este é, em verdade, “[...] a combinação de preconceito e poder [...]. Neste sentido, o racismo é a supremacia branca. Os outros grupos racializados não podem ser nem racistas nem encenar o racismo, por não possuírem o poder” (Kilomba, 2019, p. 78). Esse poder é, sobretudo, o principal fator de manutenção dos espólios materiais e simbólicos do imperialismo e da colonização (DiAngelo, 2020). Espólios estes que deixam de ser vistos como resultados da ação colonial para serem encarados como a organização natural do mundo herdada por todo e qualquer ser humano ao nascer (Ahmed, 2007).

Para Bento (2002a; 2002b), a continuidade do privilégio branco é garantida através do pacto narcísico, isto é, de um acordo coletivo de silêncio essencial para que o grupo branco fortaleça a si próprio valorizando suas próprias características e recusando ações e pensamentos que estremeçam sua autoestima. Consequentemente, este torna-se um pacto de esquecimento, uma vez que, para a preservação de uma identidade que se julga moralmente boa e gentil, torna-se necessário o apagamento dos contextos de violência e exploração que fabricaram a própria branquitude. Nessa intrincada relação, as desigualdades raciais permanecem intactas, e a branquitude se estrutura como um poder que, sistematicamente, ocupa os principais lugares da hierarquia social sem que seja necessário destacá-los como a performance do poder racial (Schucman, 2012). Dessa forma, é possível produzir “um senso de alívio entre os brancos, que podem se isentar de qualquer responsabilidade pelos problemas sociais dos negros, mestiços e indígenas” (Schucman, 2012, p. 14), produzindo um discurso que, definido por Wekker (2016) como a atuação de uma certa inocência branca, caracteriza a sua identidade pessoal e nacional como hospitaleira, tolerante e antirracista por natureza. Como resultado, as pessoas brancas ressentem-se “[...] ante qualquer sugestão de que são beneficiárias de estruturas sociais e práticas institucionais que lhes provê dividendos com base em sua branquitude” (Parmar; Earle; Phillips, 2022, p. 12, tradução da autora).

Esse ressentimento, e as ações que dele são geradas, foram estudados por DiAngelo (2020, p. 26) e mapeados em suposições, alegações, comportamentos e sentimentos, como, por exemplo, chorar ou dizer “eu não fui racista, você que não me entendeu direito”. Esse conjunto de respostas foi nomeado pela autora sob o termo fragilidade branca, que, apesar da palavra usada, não indica uma fraqueza, mas antes “um meio de controle social e proteção da vantagem branca”. Dentro dessa perspectiva, o desconforto torna-se um importante indicador para o abalo do status quo racial, que protege indivíduos brancos de colocar a própria branquitude em pauta e, com isso, posicionarem-se de maneira contundente e justa no debate acerca dos problemas causados pelo racismo e pela colonialidade.

Apesar do que divulgam, as pessoas brancas não são totalmente ignorantes das diferenças entre as condições de vida de brancos e negros, o que ocorre é a harmonização entre essas diferenças e o discurso que predica que “somos todos iguais”. O racismo aversivo é a engrenagem dessa harmonia, que preserva a supremacia branca sem que seja preciso aludir a qualquer aspecto racial de maneira objetiva. Isto é, torna-se possível justificar a ausência de pessoas negras de postos de trabalho de alta qualificação, pois essas pessoas ‘não se candidatam a tais vagas’, ou referir-se aos locais predominantemente habitados por pessoas negras como bairros difíceis, problemáticos ou perigosos (Maeso, 2021; Raposo; Alves; Varela; Roldão, 2019). Dessa forma, o racismo aversivo bloqueia a raça como objeto de discussão, “[...] pois não podemos pôr em causa os nossos filtros racistas se não estivermos dispostos a considerar a possibilidade de os termos” (DiAngelo, 2020, p. 78). Àqueles que, entretanto, insistem em fazê-lo recairá a pecha de serem os “verdadeiros racistas”, os praticantes do racismo reverso, pois expõem os mecanismos raciais num contexto no qual a constatação do racismo é facilmente entendida como uma ‘conclusão precipitada’ (Lentin, 2020) por aqueles que, por vezes, no auge de sua raiva e frustração, enxergam-se como uma ‘maioria’ ostracizada e vitimizada pelas ‘minorias’ (Parmar; Earle; Phillips, 2022).

Desconstruir o racismo, suspeitar da branquitude

Construir uma escuta sensível à verdade do Outro exige dos brancos um longo processo, no qual a negação e a culpa da violência colonial sejam ultrapassadas por um estágio que permite à branquitude ser enfim analisada sob uma perspectiva crítica, e não mais sob aquela que a construiu como sempre positiva. O conflito dessas perspectivas permite ao sujeito branco experienciar a vergonha, que o conduz, por sua vez, ao reconhecimento da sua própria branquitude e do racismo que (re)produz. Para Grada Kilomba (2019, p. 43), nesse estágio a “[...] questão deixa ser como eu gostaria de ser visto, mas quem sou; não o que eu gostaria que os Outros fossem, mas quem os outros realmente são”, o que resulta no rompimento dos pactos narcísicos da branquitude (Bento, 2002a; 2002b) e à renúncia de privilégios, modificando os meios pelos quais o racismo perdura.

O indivíduo branco, que adquire um olhar racializado sobre o próprio corpo (Quijano, 2005), aprende a observar a realidade concreta que o cerca sob uma lente que leva em conta a operação do mecanismo racial, tanto nas suas configurações de ordem coletiva quanto pessoal. Essa nova forma de lidar com a realidade foi decodificada por Twine (2004) e Twine e Steinbugler (2006) sob o termo letramento racial, e se caracteriza por:

[...] um reconhecimento do valor simbólico e material da branquitude; 2) a definição de racismo como um problema social atual ao invés de um legado histórico; 3) um entendimento de que identidades raciais são aprendidas e resultado de práticas sociais; 4) a possessão de uma gramática racial e vocabulário que facilitam a discussão sobre raça, racismo e antirracismo; 5) a habilidade de traduzir (interpretar) códigos raciais e práticas racializadas; e 6) uma análise de como raça é mediada por desigualdades de classe, hierarquias de gênero e heteronormatividade (Twine; Steinbugler, 2006, p. 344, tradução da autora).

Assim, e apesar de neste trabalho considerarmos que o racismo é resultado de um legado histórico, em contraponto ao formulado pelas autoras, é possível constatar que o processo de construção do letramento racial é longo e nem sempre linear, e se dá nos muitos contextos nos quais a vida se desenrola e cujos disparadores podem ser tanto relações interpessoais quanto o contato com conteúdos artísticos ou midiáticos produzidos por pessoas negras. Nos próximos parágrafos, trataremos de perceber a potência que o teatro negro possui em construir esta nova etapa, de uma vivência branca já não sufocada pela culpa e pela negação do racismo (Kilomba, 2019), e, principalmente, já não reprodutora de fragilidades e inocências (DiAngelo, 2020; Wekker, 2016).

Contos Negreiros do Brasil e o público branco

Lia Schucman (2012), ao estudar a sobrevivência das teorias racistas do século XIX na branquitude paulistana, concluiu que, por vezes, é o contato com a cultura negra que permite aos brancos a construção de uma consciência efetiva acerca das diferenças que contrapõem as experiências brancas e negras na cidade de São Paulo. Partindo da provocação suscitada por seu trabalho, e adotando também um procedimento exploratório qualitativo, buscamos entender a operação da racialização de pessoas brancas em contato com o teatro negro, num movimento que abala os fundamentos da matriz colonial do poder e, portanto, descoloniza corpos e mentes. Para construir a experiência de recepção teatral, Contos Negreiros do Brasil1 (2017) foi o espetáculo escolhido para ser apresentado aos participantes desta pesquisa.

Elaborada a partir dos contos do livro Contos Negreiros (2005), de Marcelino Freire, a peça constrói-se a partir da linguagem documental, privilegiando um tom pedagógico que explica à plateia os profundos impactos do racismo na sociedade brasileira. Uma aula-espetáculo construída por intermédio da costura das histórias de cada personagem com as estatísticas que desmascaram a realidade violenta e excludente à qual mais da metade da população do país se encontra submetida. Dessa forma, ao espectador é descortinada a possibilidade de humanizar os números, relacionando-os aos nomes, corpos e vidas aos quais fazem referência. A cena torna-se histórica e as estatísticas são enquadradas como produtos de um mecanismo social que regula as atitudes e as escolhas dos personagens (Desgranges, 2015).

O que se observa nessa peça é também a exploração da íntima relação entre o colonialismo e o racismo como seu legado mais direto (Khan, 2015; 2021b; 2021c; Kilomba, 2019; Meneses, 2020; Quijano, 2005; 2009), humanizando e restituindo dignidades subalternizadas pela violência colonial, produzindo novas formas de ser e de saber que resistem à força da colonialidade (Maldonado-Torres, 2007; 2008; Santos, 2002; 2009). Assim, pela clareza da discussão que apresenta, por sua construção pedagógica e documental, e pela composição do elenco, totalmente negro, Contos Negreiros do Brasil foi escolhido como espetáculo a ser apresentado aos selecionados para este estudo.

Essa seleção foi efetuada através de um recorte que levou em conta a raça, a nacionalidade e a residência dos entrevistados. Para ser elegível, seria necessário ser branco, brasileiro ou português e viver em Portugal. Gênero, escolaridade e faixa etária foram considerados como critérios de heterogeneidade, ainda que se tenha buscado um equilíbrio desses aspectos na seleção dos entrevistados. Os dados foram recolhidos com recurso a grupos focais e entrevistas individuais, sendo que, do total de vinte entrevistados, metade era constituída por brasileiros (cinco no grupo focal e outros cinco entrevistados individualmente), e a outra metade portuguesa (três no grupo focal e outros sete entrevistados individualmente).

Figura 1
Cena do espetáculo Contos Negreiros do Brasil. Fonte: Foto de Rene Dsouza e Manuela Leite. Divulgação. Reprodução da internet.

Importa-nos alertar que neste trabalho efetuamos uma análise dos discursos produzidos, afastando-nos de julgamentos moralizantes sobre se esses entrevistados são boas ou más pessoas, para nos aproximarmos de uma discussão centrada na racialidade branca e nos seus mecanismos de proteção. Ainda, a branquitude é uma identidade racial de caráter transversal e coletivo e, mesmo que possa mudar de acordo com o contexto (Schucman, 2012), está sempre intrinsecamente ligada à performance do poder. Desse modo, abstemo-nos de fazer quadros comparativos entre a branquitude brasileira e a portuguesa, ainda que reconheçamos as suas diferenças.

A racialização do espectador branco

No contexto em que a vida e a arte periférica são sistematicamente excluídas da representação midiática e, consequentemente, do imaginário comum (Vilar, 2020; 2021), Contos Negreiros do Brasil sinaliza não apenas a constatação estatística de uma realidade apagada, como também inaugura um espaço de sensibilização para o espectador branco. Desse modo, os discursos produzidos pela audiência branca não são de uma identificação com a representação na qual se encontram as similaridades entre a própria experiência e aquela apresentada no espetáculo. As estatísticas ajudam a ilustrar os efeitos nocivos do racismo e, os laços formados entre atores e público, constroem afinidades, como lemos a seguir:

Gostei muito da maneira como foi montada, mostrada, dá um teor de realidade quando se apresenta uma história, alguém falando de si, alguém falando do que viveu, alguém falando de um pai, de uma mãe, traz uma proximidade com o público que está ouvindo (André, brasileiro, entrevista individual).

Eu fiquei um pouco impactada, na verdade, com o espetáculo. Gostei dessa parte didática também, acho que é muito importante trazer os números e a partir da arte tentar fazer com que esses números façam sentido para a gente (Alice, grupo focal brasileiro).

A articulação da estatística, como documento cênico, e dos contos de Marcelino Freire cria o substrato que nutre a perspectiva decolonial que o espetáculo promove, permitindo a criação de uma conexão entre público e atores que encurta as distâncias abissais entre brancos e negros, de forma que se possibilita o (re)conhecimento das realidades desconhecidas para a branquitude, destes que viveram sempre ao lado (Khan, 2015). Contudo, é preciso considerar que a partilha dessas reflexões durante as entrevistas é mediada também pelo grau de à vontade com que se discutem temáticas raciais e, portanto, pelo modo como se lida com a quebra do conforto branco. Dito de outro modo, Contos Negreiros do Brasil, ao romper silêncios em torno da raça e do racismo (Maeso, 2019), traz de maneira reparadora e sem rodeios uma discussão aprofundada sobre o tema. Por essa razão, representa uma ferramenta de acionar a fragilidade branca como forma de lidar com o equilíbrio perdido, de tal modo que, ao mesmo tempo em que se reconhece a relevância e a atualidade do assunto, é possível colocar o racismo sob suspeita, questionando a realidade retratada, conforme se observa nos discursos abaixo:

Eu gostei de todas as cenas porque todos eles deram uma perspectiva muito pessoal, muito genuína daquilo que são, daquilo que foi o seu processo de crescimento dentro deste mundo multicultural, mas do qual há claramente [...] uma predominância da classe branca que ainda discrimina os negros [...]. Mas não sei, eu quero acreditar que já não é tão vincado. E, portanto, aquele espetáculo se fosse feito com jovens, talvez eles já não sintam isso. Quero acreditar que já se sintam mais integrados, mais incluídos (Marta, portuguesa, entrevista individual).

Eu não concordo muito no final quando [a atriz] coloca assim que o problema do racismo é um problema só do branco, eu acho que não, eu acho que é o problema da humanidade também. A humanidade é racista [...]. Então eu acho que há racismo no branco, no negro, no amarelo, índio, há em todos. Agora, não há em todas as pessoas, o que eu acho que é interessante também é que muitos brancos não são racistas, muitos brancos conseguem entender esta humanidade que há em todos (André, brasileiro, entrevista individual).

O discurso de Marta expõe a potencialidade que o espetáculo possui em conduzir o pensamento do espectador à constatação de que o racismo é um problema atual, cuja responsabilidade passada e presente é, principalmente, do sujeito branco. Os encontros com essa obra são repletos de relações criativas do público, criando espaços para a consolidação do letramento racial (Desgranges, 2015; Twine, 2004; Twine; Steinbugler, 2006). Após essa análise, no entanto, fica-nos claro que a convicção de que o racismo é um problema de fácil solução (um dos pressupostos da fragilidade branca) opera em favor das políticas de integração (Araújo; Maeso, 2013; Maeso, 2019; Pires, 2021), como forma de enfrentar as situações descritas pela peça. Com isso, a experiência negra é menosprezada e mitigada por uma visão de mundo branca, que, em simultâneo, vem em defesa da consolidação dessa ingenuidade branca, ao afirmar: em primeiro lugar, a ideia de que as gerações mais jovens são menos racistas, e, em segundo lugar, colocar-se ao lado de uma convicção segundo a qual essa geração negra sofre agora menos racismo.

A fala de André, por sua vez, ajuda-nos a compreender que o que está posto em risco pelo espetáculo é a transposição do conceito de individualidade tão querido à branquitude (DiAngelo, 2020) para uma efetiva conjunção dos brancos como grupo social, o que resulta no questionamento da imagem humanista, integradora e não racista que construíram sobre si próprios. Desse modo, é preciso distanciar-se do espetáculo, operar a fragilidade branca que assume que já tudo se sabe sobre o racismo (DiAngelo, 2020), para evitar a conclusão desse processo de tornar-se grupo e não indivíduo. Assim, Contos Negreiros do Brasil rompe com a lógica da irrelevância racial ao expor as consequências do racismo estrutural e estabelece a exigência de que o espectador branco assuma um papel ativo na desconstrução do racismo, tal como referido pela atriz na peça. Desafio este que ora é aceito pela audiência branca, ora é negado através da recusa em validar as realidades retratadas, isentando o público branco de sua responsabilidade de reparar injustiças históricas (Hall, 2018; Hasian Jr.; Paliewicz, 2020).

Eu (não) sou branco

Como resposta à necessidade explícita de se entenderem como brancos ao serem perguntados se em algum momento do espetáculo se viram como sendo uma pessoa branca, o silêncio assoma como o primeiro indicador do desconforto generalizado que essa pergunta gera em basicamente todos os grupos de entrevistados. O silêncio, aqui, é tensão, censura. E em sua materialidade carrega as relações de poder que gerenciam o que pode ou não ser dito (Orlandi, 1999).

Nesse contexto, os dados recolhidos revelam que, posicionar-se diante da realidade do Outro racializado, promove, em um primeiro grupo, composto pelo grupo focal brasileiro e por alguns participantes das entrevistas individuais, a sensação de distanciar-se da sua própria vivência, estranhando, desse modo, o seu cotidiano. Isso porque, ao assumir a sua racialidade diante do espetáculo, o confronto entre a experiência particular e aquela apresentada em Contos Negreiros do Brasil expõe uma diferença que torna clara a constante operação da raça, como se verifica nos excertos reproduzidos abaixo:

Sim, sim, eu percebi [que sou branca] porque eu estou a assistir a um espetáculo feito por atores negros. Isso foi claro para mim. E a partir da primeira intervenção do ator que faz a ponte com todos os casos, eu percebi que estava a assistir a um espetáculo na primeira pessoa, que me estava a transmitir uma mensagem de uma realidade que não era a minha. Portanto, [...] eu percebi que havia uma linha que separava um espectador branco da mensagem que o ator está a transmitir (Marta, portuguesa, entrevista individual).

E pelo fato também de ser caucasiano/branco, sim, a partir de todo o momento durante o espetáculo me senti branco e senti que muitas daquelas coisas não me diziam respeito, como se fosse algo à parte. Não a parte da realidade, mas algo que não consegue me dizer respeito (Henrique, grupo focal brasileiro).

Segundo Vilar (2021, p. 6), a quebra da hegemonia branca pela “voz literária [negra e periférica] permite fazer existir como Sujeito pessoas cujas histórias foram eliminadas de uma narrativa”, reduzindo a sua humanidade à condição de escravo. Nesse contexto, esses entrevistados ajudam-nos a perceber que, para o espectador branco, a quebra dessa hegemonia significa o conhecimento dessas histórias, às quais de outro modo não teriam acesso. Histórias marcadas por um cotidiano de pequenas e grandes violências, sendo que é a partir desse fator que os sujeitos brancos percebem os seus privilégios, pois notam, com base no espetáculo, uma série de práticas sistemáticas que não incidem sobre o corpo Sujeito-branco. Se no palco as narrativas de vidas das atrizes e atores explicitam as engrenagens do racismo, no lado da plateia o espectador “[...] entrecruza a história que está sendo contada com a sua, em um movimento de compreensão e ordenação do imaginário que lhe está sendo proposto. Estabelece assim, uma relação entre a história narrada e a sua, experimentada em seu cotidiano” (Desgranges, 2015, p. 132-133). Desse modo, acesso à educação, ao trabalho e um cotidiano livre de violência policial são as marcas de uma racialidade que situa o indivíduo branco em uma posição social claramente distinta. Recursos que fundamentam estradas, um ter ‘a vida toda pela frente’ que exclui dessa caminhada aqueles que não herdam da branquitude os privilégios por ela construídos.

É preciso ter-se em conta, porém, que a relação entre a negação da raça, do racismo e do benefício racial nem sempre são constantes. Em um aspecto geral, os dados revelaram a prevista relação de continuidade entre a identificação da branquitude e o reconhecimento de que esse grupo racial angaria benefícios, o que poderíamos resumir sob a fórmula “sou branco e tenho privilégios”, mas essa não é uma regra universal. Para alguns participantes, é possível uma desassociação entre raça e vantagem racial, em um processo ambíguo. Por um lado, é possível assumir-se branco e negar que existam vantagens sociais ancoradas a essa dimensão da cor, nesse caso o que se sugere é uma associação da branquitude a um privilégio, tomado como natural e historicamente legitimado. Por outro lado, é possível negar-se como branco e ao mesmo tempo reconhecer que existem benefícios atribuídos a esse grupo, assim podemos caracterizar esses discursos como “sou branco, mas não tenho privilégios” e “não sou branco, mas tenho privilégios”. Nesse último conjunto, a capacidade para perceber que as condições de vida e história, apresentadas em Contos Negreiros do Brasil, não encontram correspondentes em suas próprias vivências, possibilita o confronto entre essa constatação e a reação mais imediata de negar que sejam sujeitos racializados. É esse momento fundamental, da racialização do espectador branco, que podemos observar nos seguintes fragmentos de entrevista:

Na verdade, não me senti uma pessoa branca, mas senti o privilégio branco. Não uma pessoa branca, pronto, mas senti o privilégio de ser branca, isto é que acaba por ser contraditório. A minha resposta é contraditória (Sônia, grupo focal português).

Eu acho que eu tive essa mesma sensação [de que o espetáculo não me dizia respeito]. Eu não me senti exatamente branca, mas eu me senti num patamar de privilégio em relação ao que estava sendo dito ali. E, se isso é ser branco, ok [...]. Porque eu realmente me senti…. eu não estou achando palavra ainda para isso, mas o espetáculo mexeu demais comigo (Alice, grupo focal brasileiro).

Esta primeira dificuldade, para entender-se como sujeito racializado, exemplificada por essas duas entrevistadas, conduz-nos o olhar sobre os dados produzidos acerca do que significa ser branco. Para Cardoso (2008; 2010) e DiAngelo (2020), a branquitude está intimamente ligada à defesa da supremacia racial, de modo que considerar-se um sujeito sem racialidade definida permite que a branquitude seja transferida para o Outro, que, por sua vez, é identificado como explicitamente racista. Dessa forma, “branco” e “racista” surgem como termos indissociáveis: “E não acho que é sentir branco, porque aí sim se me sentisse branco, talvez estivesse a ser racista. No sentido de ‘Ah, ok, pronto, realmente sou superior’” (Rubem, grupo focal português).

Diante da assunção de que ser branco é uma condição inerente a ser racista, a estratégia adotada para se desassociar dessa imagem é a adoção de uma visão daltônica, isto é: não enxergar cores, apenas pessoas (DiAngelo, 2020; Lentin, 2020). Nesse contexto, considerar a si mesmo como uma pessoa que transfere a identidade branca para o racista assumido é a tática de fuga da culpa, da responsabilidade, e do trauma de ver-se integrante de um grupo que promoveu, e ainda promove, a desumanização de outros (DiAngelo, 2020). Como resultado, o pensamento antirracista dá lugar a um pensamento antirracialista, legitimando que a resolução de qualquer discriminação passa por fingir que a raça não existe, o que desvincula o racismo do quadro mais geral da colonialidade e oferece resoluções simplistas para problemas pós-coloniais complexos (Araújo; Maeso, 2013; Maeso, 2019; Lentin, 2020; Ribeiro, 2021a).

Nesse sentido, Contos Negreiros do Brasil torna evidente a sobrevivência de lógicas coloniais que incidem sobre o corpo negro, assim, a exposição das consequências violentas da ação colonial, entendendo o racismo estrutural como o seu principal fruto, permite à branquitude entender os mecanismos de reprodução da sua própria racialidade e, consequentemente, da violência e exploração que impõe aos grupos que entende como racializados. Como resultado, inaugura-se para os brancos um novo lugar de herdeiros da colonialidade, que, por sua vez, implica a responsabilidade de reparar os erros cometidos no passado e no presente (Sousa; Khan; Pereira, 2022). Essa nova consciência surge caracterizada por um sentido de vergonha estruturante da relação construída com o passado colonial (Hall, 2018; Hasian Jr.; Paliewicz, 2020). É sobre esse sentimento que falam os entrevistados abaixo, quando contrapõem a experiência de recepção do espetáculo a essa consciência histórica:

E houve momentos, principalmente na parte final, daquela última rapariga, que me envergonhou como branca. Porque eu, de alguma forma enquanto espectadora, represento o opressor, [que tem] uma história de centenas de anos que carregamos às costas, porque pertencemos àqueles que foram os colonizadores, os que tinham aquela linha de pensamento, os que pensavam daquela forma, os que não consideravam que o ser humano é um ser humano independentemente da cor (Marta, portuguesa, entrevista individual).

Eu não queria ser branco porque sinto vergonha do branco, da forma como tratam o negro. E valorizo muito esses grupos que através ou do teatro ou da encenação vêm trazer a público o racismo que ainda existe em pleno século XXI. Sinto vergonha de ser branco quando um branco maltrata um negro (Antônio, português, entrevista individual).

Para esses entrevistados, de nacionalidade portuguesa, as memórias de um império que sempre se imaginou manso e pacífico, mas que é frequentemente evitado como objeto de estudo (Sousa; Khan; Pereira, 2022), podem ser finalmente investigadas a partir do contato com o espetáculo, fazendo-os deparar-se com os aspectos mais desagradáveis, feios e cruéis de uma história à qual a narrativa luso-tropical buscou sempre relativizar (Khan, 2015; 2021b; Ribeiro, 2021a; 2021b; Sousa; Khan; Pereira, 2022). Memórias que, contudo, encontram-se sempre ali, no substrato do que significa ser branco, negro, indígena, europeu, africano e americano, fabricando sentidos transmitidos pela cor da pele e que, na arte, são transformados em documento e matéria para a criação, imaginação e reflexão de um tempo-espaço-memória, ainda por ser povoado por novas obras (Ahmed, 2007; Khan, 2015; 2021a; Raposo; Alves; Varela; Roldão, 2019; Soler, 2015).

Para Martin (apud Giordano, 2013), o corpo do ator no teatro documentário é também documento cênico. Em Contos Negreiros do Brasil, esse corpo documento é o lugar primeiro e último no qual opera a colonialidade (Maldonado-Torres, 2007; 2008; Quijano, 2005), testemunho e resistência das violências e aflições que incidem sobre a população negra, traduzida nas narrativas reais e ficcionais. Assim, a cena, construída à imagem e semelhança do corpo negro protagonista, transforma-se num espelho para a branquitude e “o que se reflete é a morte” (Pires, 2021, p. 15). Uma diferença fundamental calcada na linha anteriormente mencionada por Marta, e à qual podemos chamar de abissal, que separa o espectador branco da mensagem transmitida (Santos, 2009). Em outras palavras, a formação de um encontro teatral que dispõe o espectador branco frente aos artistas negros no palco expõe o direito à humanidade preservado por aqueles que assistem e à desumanização enfrentada por aqueles que atuam.

O ato de ser e ocupar do espectador pode ser entendido como a ocupação de um lugar de escuta que pode revelar-se inteiramente novo para o público. A necessidade de ver-se como sujeito racializado desequilibra a inocência branca (Wekker, 2016), o que resulta na construção de um espaço de estranhamento e criação de novas perguntas, tal como coloca Alice, participante do grupo focal brasileiro, ao compartilhar sua experiência como espectadora:

E são temáticas que eu, como foi dito antes, eu realmente não me sinto muito à vontade para falar sobre isso, mas eu acho que foi essa a sensação que eu tive. Sabe, uma sensação de [...] ser colocada à parte, não que eu não pertencesse àquela comunidade, mas é tipo ‘olha, esses aqui são os nossos problemas e você nunca vivenciou isso, então senta aqui e fica quieta’. E mesmo essa sensação de ‘que merda, tipo, porque que isso está acontecendo? Por que é que eu nunca passei por essa ou essa situação?’ (Alice, grupo focal brasileiro).

Quando Alice partilha que o espetáculo ‘mexeu com ela’, não apenas faz referência aos sentimentos gerados pela peça. Mais do que isso, o seu posicionamento como espectadora branca ‘mexe’, simultaneamente, com as posições, por um lado, de quem é constantemente autorizado a falar (Spivak, 2010; Ribeiro, 2017) e, por outro lado, de quem frequentemente é remetido ao silêncio. A branquitude estranha de modo rebarbativo qualquer mudança nessas autorizações que raras vezes tornam o branco objeto de análise da pessoa negra (Cardoso, 2011), uma vez que guardam em si a autoridade e o poder de colocá-la em um lugar distanciado, no que diz respeito à falaciosa ideia de normalidade.

Assim, o caminho percorrido até o momento nos ajuda a compreender que Contos Negreiros do Brasil opera como uma transposição de uma ideia de normalidade branca para uma nova concepção de excepcionalidade branca, por pertencer ao gênero denominado Teatro Negro. Percebida como uma obra de destacada relevância, imbui-se da decolonialidade que a estrutura e fundamenta (Lima, 2011; Martins, 2005; Mignolo, 2003; Tlostanova, 2011), criando espaço para que vozes sempre marginalizadas possam, finalmente, falar, e ouvidos desacostumados a escutar possam, enfim, aprender com estes Outros esquecidos e rasurados de uma história hegemônica, que os anula como seres humanos e sujeitos de dignidade e de reparação histórica.

Em conclusão, para os espectadores que, por um lado, tendencialmente definem o racismo como ação de violência direcionada, o espetáculo aciona os mecanismos de defesa da fragilidade branca como modo de negar a raça e, com isso, os benefícios a ela atribuídos. Por outro, para aqueles que se revelam detentores de variados graus de letramento racial (Twine, 2004; Twine; Steinbugler, 2006), esse processo permite perceber que características fenotípicas, concretas ou imaginadas são traduzidas em categorias sociais que criam distinções entre um e outro grupo, resultando nas ideias de raça e racismo. O resultado mais explícito dessa distinção é a angariação de recursos simbólicos e materiais que definem possibilidades de existência (Quijano, 2005; Schucman, 2012), às quais outros grupos raciais não possuem igual acesso.

Considerações Finais

Para finalizar o percurso desenvolvido até aqui, retornamos à provocação que deu início a este trabalho: como separar a brancura da branquitude? Como fazer com que traços fenotípicos associados a pessoas brancas (pele e olhos claros, cabelos lisos e traços finos) deixem de significar o exercício de poder sobre outros grupos racializados? Essa inquietação surgiu do trabalho de Schucman (2012), que identifica, ainda, a estreita relação entre o contato com a cultura negra e a construção de uma mentalidade antirracista por parte dos sujeitos brancos. E foi isso que pretendemos investigar, a hipótese que conduziu esta pesquisa foi a de que o Teatro Negro pudesse provocar no espectador branco a experiência da racialização.

A experiência de recepção teatral revelou que o aspecto documental de Contos Negreiros do Brasil provocou um efeito de aproximação com a realidade retratada no palco e de distanciamento com a sua própria vivência. Ao verificar a veracidade dos fatos narrados em cena, fundamentados pelos dados estatísticos, foi aberta aos espectadores brancos a possibilidade de refletirem a raça como fator estruturante de seu próprio cotidiano. Esse processo, contudo, não é homogêneo, sendo marcado pela fragilidade branca e pela associação da racialidade branca à imagem do supremacista, o que, por sua vez, permite a emergência de um processo ambíguo em que há uma cisão entre essa identidade racial e a consciência do privilégio que se usufrui. Assim sendo, observou-se que, em todas as entrevistas analisadas, o processo de racialização do espectador branco era mediado pela fragilidade branca e pelo letramento racial previamente constituídos. Dessa forma, apreende-se também que nomear-se como branco por si só não é o suficiente se não acompanhado de uma reflexão que aprofunde o entendimento das relações de poder que fundamentam essa identidade racial (Marcinik; Mattos, 2021). E, nesse sentido, Contos Negreiros do Brasil é elemento subversivo dessa ordem por ser um locus formador de letramento ao dar a conhecer ao espectador branco os efeitos presentes do racismo e da colonialidade.

Esta investigação encontrou alguns desafios à sua realização. Em primeiro lugar, a falta de acesso a uma produção teórica que interseccione os processos de recepção teatral e os estudos críticos da branquitude, e, ainda, a própria dificuldade em localizar participantes brancos que estivessem disponíveis a conversar sobre um tema que, para a branquitude, é terreno de imenso desconforto, mas que urge ser ainda mais explorado. Nesse sentido, este trabalho nos permite fabricar novas perguntas que descortinam caminhos futuros de pesquisa, entre elas: quais as fricções que se revelam, a nível comparativo, entre a construção da identidade racial branca brasileira e branca portuguesa? Que novas reflexões podem ser tecidas sobre o espectador branco a partir de obras de outras linguagens e vertentes estéticas?

Este trabalho tomou pessoas brancas como objeto de estudo e, inserindo-se dentro do campo dos estudos críticos da branquitude, é uma resposta à demanda do movimento negro para que pessoas brancas estudem sobre a sua própria raça (Ribeiro, 2017). Colocar a branquitude em questão (Schucman, 2012), falar sobre o racismo nosso de cada dia, constitui um importante fator na quebra dos fundamentos do racismo e da colonialidade do poder (Quijano, 2005; 2009). É esta a nossa proposição, tocar nas feridas da branquitude, transformar uma identidade que não é tão boa e nem tão humana quanto se quer crer em um grupo que, antes de neutro e universal, entende-se como parte constituinte da diversidade do mundo (Santos, 2009). E, ainda que o processo seja longo, a arte revela-se como uma importante ferramenta para a proposição desse processo reflexivo e transformador.

Nota

  • 1
    Sinopse: Um espetáculo documentário sobre a condição real e atual da negra e do negro no Brasil; seja o jovem estudante, o gay negro, a negra hiperssexualizada pela sociedade, o menor infrator, a prostituta, e a idosa. Os personagens veem as cenas por meio das estatísticas apresentadas pelo sociólogo e filósofo Rodrigo França, dados atuais que são expostos para a plateia. Os atores Aline Borges, Milton Filho [e Valéria Monã] interpretam todos os personagens contidos no livro de Marcelino Freire, Contos Negreiros. O espetáculo Contos Negreiros do Brasil leva o público a presentificar índices estatísticos, contextualizados com cenas que reproduzem dores, paixões, medos, alegrias e angústias. A carne negra é exposta em suas dimensões e experiências reais, sociais e culturais. Um espetáculo de Li Borges, Fernando Philbert, Milton Filho e Rodrigo França. Elenco: Li Borges, Milton Filho, Rodrigo França [e Valéria Monã]. Direção musical: Maíra Freitas. Produção: Sérgio Canizio. Assistente de direção: Mery Delmond. Disponível em: https://www.facebook.com/contosnegreirosdobrasil/about/?ref=page_internal. Acesso em: 01 ago. 2021.

Disponibilidade dos dados da pesquisa:

o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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  • Editora responsável: Celina Nunes de Alcântara

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2023
  • Aceito
    27 Jun 2024
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