Resumo
Pesquisadores de movimentos sociais têm investigado os motivos que levam a ação coletiva a tomar determinada forma em determinado recorte espaçotemporal. Tal problema foi abordado pela literatura a partir de diferentes conceitos e debates. O artigo analisa três dessas ferramentas conceituais, revisando, ainda, sua apropriação pela literatura nacional sobre movimentos sociais: repertórios, escolhas táticas e performances. Os autores argumentam, em primeiro lugar, que cada um desses conceitos e debates está relacionado a uma perspectiva analítica distinta que direciona essa problemática geral a problemas de pesquisa específicos. Sugerem, em segundo lugar, que sua apropriação pela literatura nacional foi desigual, privilegiando o conceito de repertórios. Por fim, defendem a ideia de que sua articulação é capaz de fornecer uma resposta complexa a essa problemática geral, contribuindo para a superação de dicotomias teóricas e de obstáculos impostos por
Palavras-chave: Repertórios; táticas; performances; movimentos sociais; protestos
Abstract
Scholars of social movement have long investigated the reasons why collective action takes a certain form in each period of time and space. This problem has been approached by the literature through a number of different concepts and debates. In this paper, we analyse three of these conceptual tools, also reviewing their appropriation by the Brazilian literature on social movements: repertoires, tactical choices, and performances. First, we argue that each of these concepts and debates is related to a different analytical framework that redirects this general problem towards specific research questions. Second, we suggest that their appropriation by the Brazilian literature has unevenly favoured the concept of repertoires. Finally, we argue that the articulation of these concepts can provide a complex response to this general problem, helping us move beyond theoretical dichotomies and the obstacles imposed by their uneven appropriation in Brazil.
Keywords: Repertoires; tactics; performances; social movements; protests
Nos últimos anos no Brasil, movimentos sociais e protestos se tornaram protagonistas dos noticiários. Desde o ciclo de protestos de 2013, ativistas tomaram as ruas para protestar contra a Copa do Mundo da Fifa de 2014, ocuparam escolas e universidades se opondo a reformas no sistema educacional, voltaram às ruas a fim de se manifestar contra ou a favor do golpe/impeachment visando à presidenta Dilma Rousseff, para citar apenas alguns exemplos (Alonso, 2017; Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016; Romão, 2013; Tatagiba, 2014). Ao longo desse período, suas formas de ação foram intensamente debatidas, tendo sido criticadas e defendidas por especialistas, jornalistas e pela opinião pública.
Nossa experiência recente nos mostrou, em primeiro lugar, que as formas de ação dos movimentos sociais apresentam repetições regulares. Ano após ano, em maior ou menor medida, ativistas marcharam pelas ruas dos grandes centros urbanos brasileiros, e sindicatos mobilizaram greves reivindicando melhorias nas condições do trabalho ou se posicionando nos debates políticos mais amplos (Silva et al., 2015).
Em segundo lugar, ativistas disputaram concepções sobre quais táticas são as mais adequadas para alcançar seus objetivos. No ciclo de protestos de 2013, por exemplo, enquanto alguns criticaram o uso de táticas de depredação, buscando evitar uma cobertura negativa da mídia corporativa, outros o defendiam como forma de expressão de demandas e de indignação política (Barreira, 2014; Pinto, 2017).
Em terceiro lugar, grupos de ativistas deram sua própria cara às táticas mobilizadas, dramatizando-as de formas distintas e configurando diferentes estilos de ativismo. Por um lado, milhares de pessoas foram às ruas vestindo roupas nas cores verde e amarela, e outros símbolos nacionais, pedindo o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. Por outro lado, nas manifestações contra o golpe, predominavam as tradicionais camisetas vermelhas (vaiadas nos protestos pró-impeachment) e bandeiras representando movimentos sociais de esquerda, sindicatos de trabalhadores e partidos políticos (Alonso, 2017; Alonso & Mische, 2017).
A experiência brasileira recente, assim, nos impõe uma pergunta de difícil resposta: por que a ação coletiva dos movimentos sociais1 toma determinada forma em determinado recorte de espaço e tempo?2 Diversos conceitos e debates relacionados à abordagem teórica do confronto político (ou contentious politics) apresentam importantes contribuições para a análise dessa problemática. De forma geral, a abordagem do confronto político pode ser considerada uma reformulação autocrítica da teoria do processo político (TPP) a partir do diálogo estabelecido com outras perspectivas teóricas, tais como as teorias dos novos movimentos sociais (TNMS). A perspectiva do confronto político está baseada na noção de política contenciosa, assim definida:
A política contenciosa envolve interações nas quais atores apresentam demandas que afetam os interesses de outros atores, levando a esforços coordenados em defesa de interesses ou programas compartilhados, e nas quais governos estão envolvidos como alvos ou iniciadores de demandas ou, ainda, como terceiros interessados (Tilly & Tarrow, 2015, p.7).
Destacamos aqui duas contribuições da abordagem teórica do confronto político para o estudo dos movimentos sociais. Em primeiro lugar, essa perspectiva tem buscado aproximar discussões teóricas que foram historicamente apartadas no debate acadêmico - em especial, no contexto estadunidense -, tais como os debates sobre movimentos sociais, revoluções e violência política (McAdam, Tarrow & Tilly, 2009). Em segundo lugar, essa abordagem tem buscado superar o viés estruturalista inicialmente presente na TPP, incorporando pressupostos relacionais e culturalistas de análise, bem como uma ênfase na importância dos mecanismos causais para a explicação sociológica (McAdam, Tarrow & Tilly, 2001; Tilly & Tarrow, 2015).
No âmbito dessa perspectiva teórica e a partir de um diálogo crítico com algumas de suas proposições, diversos conceitos e debates acadêmicos estabeleceram como objeto de investigação a ação dos movimentos sociais e, portanto, podem contribuir para a análise da problemática geral anteriormente mencionada. Destacamos ao longo deste artigo as contribuições de três desses conceitos e debates: a) o conceito de repertórios formulado por Charles Tilly; b) os debates culturalistas sobre as escolhas táticas propostos por autores como Francesca Polletta e James Jasper; c) e o conceito de performances, tal como proposto por Charles Tilly, James Jasper e Ron Eyerman.
É importante ressaltar que os conceitos e debates sobre repertórios, táticas e performances têm um histórico mais amplo não só nas ciências sociais - como no debate marxista sobre tática e estratégia (Harnecker, 1986; Pazello & Ferreira, 2017) ou no debate do interacionismo simbólico sobre as performances e representações (Goffman, 2002; Gusfield, 2000) -, mas também em outras disciplinas, tais como história, música e teatro. Nesse sentido, delimitamos o escopo deste trabalho à sua análise no âmbito de seu diálogo com a perspectiva teórica do confronto político.
Estabelecemos aqui três objetivos relacionados a esses conceitos e debates: a) revisar e caracterizar seu histórico, suas definições e seus usos; b) examinar sua apropriação pela literatura nacional das ciências sociais sobre movimentos sociais em pesquisas empíricas; c) e explorar teoricamente as potencialidades de uma análise que os articule.
Para examinar do ponto de vista quantitativo sua apropriação pela literatura nacional das ciências sociais em pesquisas empíricas, realizamos buscas no portal Scielo utilizando sua ferramenta de pesquisa avançada e, como palavras-chave, combinações de “repertórios”, “táticas” ou “performances” e “movimentos sociais” ou “protestos” (tanto no singular quanto no plural). Primeiramente, filtramos os resultados obtidos nessas buscas selecionando apenas periódicos brasileiros da área temática ciências humanas da Scielo e artigos escritos em português, com ao menos uma autora ou autor brasileiro e publicados até 2017. Em uma segunda etapa, do material encontrado excluímos resenhas e revisões de literatura, bem como artigos que não se relacionam aos conceitos e debates específicos aqui tratados.3 Os resultados dessas buscas estão resumidos no Quadro 1 (página seguinte).
Lista de artigos científicos que mobilizam conceitos e debates sobre repertórios, escolhas táticas e performances em diálogo com a perspectiva do confronto político em pesquisas empíricas, publicados na área das ciências humanas em periódicos brasileiros por autoras e autores brasileiros, escritos em português até 2017 e encontrados por busca no portal Scielo
Cabe ressaltar, porém, que esse não é um levantamento exaustivo da apropriação desses conceitos e debates pela literatura brasileira, posto que ignora artigos indisponíveis na plataforma Scielo, os publicados em anais de eventos científicos, bem como livros, teses e dissertações, por exemplo. De fato, a revisão dessa literatura, apresentada a seguir, não se limita aos artigos listados no Quadro 1, incluindo outros trabalhos selecionados de forma não sistemática. Acreditamos, porém, que tal levantamento sistemático indica, desde já, sua apropriação desigual pela literatura nacional das ciências sociais, favorecendo o conceito de repertórios.
Após essa delimitação de seus objetivos e de seu escopo, cabe indicar que este trabalho está assim organizado: em suas três primeiras seções, revisamos o histórico, as principais definições e as aplicações desses conceitos e debates, bem como sua apropriação pela literatura nacional das ciências sociais em pesquisas empíricas. Argumentamos que cada um desses conceitos e debates está relacionado a uma abordagem analítica distinta que direciona a problemática geral aqui apresentada para problemas de pesquisa específicos.
Na quarta seção, argumentamos que esses conceitos, debates, problemas e abordagens analíticas são complementares e que sua articulação permite elaborar uma resposta complexa à problemática geral aqui proposta, avançando na superação de dicotomias como as que opõem estrutura e ação, indivíduo e sociedade, reprodução e mudança e os níveis macro, meso e micro de análise. Por fim, abordamos as possíveis consequências negativas da apropriação desigual dos debates em torno dos conceitos de repertórios, escolhas táticas e performances para a literatura nacional das ciências sociais sobre movimentos sociais.
REPERTÓRIOS
O conceito de repertórios tem como origem as formulações da sociologia histórica de Charles Tilly sobre a ação coletiva.4 Em seu livro clássico From mobilization to revolution, Tilly (1978: 50) parte de uma problemática cara à tradição marxista de pensamento, buscando investigar “como grandes mudanças estruturais afetam os padrões dominantes de ação coletiva”. O autor procura explicações para dois fenômenos distintos: a emergência e a forma da ação coletiva. O conceito de repertórios surge relacionado ao segundo desses fenômenos.
Tilly (1978) identifica que, ao longo da história, as formas de apresentação de demandas coletivas (collective claims-making) se modificam acompanhando transformações sociais, culturais, políticas, econômicas e demográficas.5 O direcionamento cada vez maior de demandas ao parlamento nas sociedades europeias entre o século XVIII e XIX (Tilly, 1997) e o surgimento de novas táticas de ação entre determinados atores, como a greve (Tilly, 1978), são exemplos de mudanças históricas nas formas de apresentação de demandas coletivas analisadas pelo autor. Tilly identifica, portanto, que as formas concebíveis de ação coletiva para uma determinada sociedade ou determinado grupo social variam historicamente.
Os repertórios de ação são, portanto, vistos como os conjuntos historicamente limitados de formas de ação conhecidas e consideradas legítimas por indivíduos e grupos em determinado momento no tempo e no espaço, assim se tornando rotineiras. Nas palavras do autor, são “formas pelas quais as pessoas agem juntas em busca de interesses compartilhados” (Tilly, 1995: 41). Tilly (1978) argumenta que os repertórios de ação podem ser compreendidos como as línguas, conhecidas de forma tácita e tidas como óbvias por aqueles que as compartilham em dado recorte espaçotemporal. Atores sociais tenderiam, portanto, a agir de acordo com essas formas de ação disponíveis, estando apenas eventualmente abertos a inovações.
O conceito de repertórios se tornou central para a literatura sobre movimentos sociais, tendo sido modificado e adaptado por outras pesquisadoras dessa área a problemas de pesquisa diversos, passando a se referir não apenas a formas de ação historicamente estruturadas, mas também a formas de organização, interação e interpretação.6 Em seu estudo sobre organizações de mulheres na virada do século XX, por exemplo, Clemens (2010), propõe o conceito de repertórios organizacionais, que representa um conjunto de modelos organizacionais cultural e historicamente disponíveis. Por sua vez, Abers, Serafim e Tatagiba (2014) apresentam o conceito de repertórios de interação para caracterizar os padrões de interação entre sociedade e Estado que, segundo as autoras, se transformaram nos últimos anos no Brasil com a entrada do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo federal. Por fim, Alonso (2000) utiliza o conceito de repertório político-intelectual para definir as obras produzidas pelo movimento reformista da geração de 1870 como formas de intervenção política.
Em sua versão original, o conceito de repertórios é marcado por uma perspectiva “estruturalista histórica” (Alonso, 2012a), situando-se, assim, em um nível macro-histórico de análise.7 Esse conceito sugere que “as formas de ação presentes se inventaram ao curso de conflitos políticos passados” (Alonso, 2012a: 24) e que as possibilidades de ação coletiva em determinado momento histórico são estruturalmente delimitadas. Ou seja, que, em determinado recorte espaçotemporal, ativistas de movimentos sociais contam com um número limitado de formas de ação coletiva consideradas plausíveis, possíveis e legítimas para defender suas demandas e se engajar em confrontos políticos.
Assim, o conceito de repertórios, tal como mobilizado originalmente por Charles Tilly, possibilita a formulação de problemas de pesquisa específicos, vinculados a uma análise histórica e estruturante. Que conjunto de formas de ação, organização e interação se apresenta para determinado conjunto de atores em determinado recorte espaçotemporal? Por que tais repertórios se modificam ao longo do tempo? Como certas formas de ação se incorporam aos repertórios de dado grupo? Por que tais modificações imprimem características específicas aos repertórios, como a maior recorrência de ações de negociação ou de ruptura e, no limite, de violência e de revolução?
Conforme sugerido pelo levantamento apresentado no Quadro 1, dos conceitos e debates aqui analisados, o de repertórios é aquele que tem alcançado mais repercussão na literatura brasileira das ciências sociais sobre movimentos sociais, tendo sido utilizado em pesquisas que buscam responder a problemáticas variadas. Um primeiro conjunto desses trabalhos visa compreender a incorporação ou a manutenção de algumas formas de ação nos repertórios de determinados grupos em dado momento histórico no Brasil, bem como as consequências desses processos.
Nessa linha, por exemplo, Da Ros (2009) argumenta que utilização de barreiras para impedir a realização de vistorias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em grandes propriedades rurais se incorporou ao repertório do patronato rural gaúcho na década de 1990 em resposta ao aumento de assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nesse estado. Também analisando a incorporação de táticas a repertórios de movimentos sociais, Losekann (2013) defende a ideia de que a tática do uso de ações civis públicas passou a integrar o repertório do movimento ambientalista no Brasil devido à autonomia do Ministério Público, à construção de redes entre ativistas, promotores e procuradores, bem como em decorrência da ineficácia atribuída pelos ativistas às instituições participativas.
Tais instituições são o foco analítico de Lüchmann (2011), que sugere a possibilidade de a incorporação da representação coletiva institucional em conselhos de políticas públicas aos repertórios de movimentos sociais no Brasil ter como consequência a criação de uma sobrecarga aos movimentos sociais, gerando tensões entre os princípios de participação e representação. Fontes e Macedo (2017), por sua vez, descrevem a manutenção dos piquetes como importante tática do sindicalismo brasileiro entre as décadas de 1960 e 1980, o que teria ocorrido a partir da articulação entre lideranças sindicais organizadas e redes sociais informais dos bairros operários.
Um segundo conjunto de pesquisas se dedica à análise das características e da transformação dos repertórios de movimentos sociais no Brasil. Uma parte desses trabalhos tem caráter descritivo, limitando-se a relatar, empírica e detalhadamente pelo levantamento sistemático de dados, as características e transformações ocorridas em determinados repertórios, como o do movimento indígena brasileiro entre 2009 e 2016 (Soares, 2017), o de movimentos e organizações envolvidos em conflitos relacionados a megaeventos esportivos no Brasil (Amaral et al., 2014) e o de apresentação pública de demandas coletivas no Rio Grande do Sul entre 1970 e 2010 (Silva et al., 2015).
Outra parte desse segundo conjunto de trabalhos apresenta caráter analítico mais aprofundado, investigando os processos que dão origem a essas transformações. Nessa linha, Alonso (2000, 2012b, 2014, 2015) analisa o repertório do movimento abolicionista brasileiro ao longo do século XIX, sugerindo, em primeiro lugar, que o repertório de ação abolicionista brasileiro se originou na adaptação de formas de ação coletiva utilizadas em experiências abolicionistas de outros países ao contexto local, cujas características facilitaram a incorporação de algumas dessas formas de ação, mas foram obstáculos para a incorporação de outras. Em segundo lugar, Alonso (2015) demonstra como mudanças político-institucionais − como a força de aliados do movimento abolicionista no Legislativo federal e a existência de repressão governamental às atividades desse movimento − geraram mudanças nas ênfases que o movimento atribuiu aos elementos desse repertório ao longo de sua história.
Marques (2017) também investiga a transformação de repertórios de ação no Brasil a partir de influências de movimentos estrangeiros, focalizando a esquerda brasileira nas décadas de 1960 e 1970, e argumenta que o exílio de ativistas foi um dos responsáveis por esse processo. Sugere que os exilados encontraram em cada país de destino oportunidades políticas, redes de ativismo e repertórios de ação locais particulares que influenciaram seu próprio repertório, direcionando-o, no final desse período, para formas de ação não violentas, como passeatas, conferências e o uso do ativismo judicial.
A transformação de repertórios em direção a nível mais elevado de institucionalidade é o foco do estudo de Cruz (2017), que argumenta que as eleições de 1982 se constituíram como um momento de transição importante para que o então chamado movimento homossexual direcionasse seu repertório mais fortemente para as instituições políticas. As oportunidades abertas pela reforma partidária de 1979, pela fundação do PT e pela circulação de ativistas desse movimento nas redes desse partido teriam possibilitado o lançamento de candidaturas de alguns ativistas nas eleições de 1982. Cruz (2017) sugere que essa experiência de mobilização eleitoral teria em grande medida nos anos seguintes encaminhado o repertório desse movimento para um caráter mais institucional.
A alternância entre repertórios de mais e de menos institucionalidade também é o tema abordado por Tatagiba e Blikstad (2011), que analisam a participação do movimento de moradia em São Paulo no Conselho Municipal de Habitação. Argumentam as autoras que ativistas se engajam em processos eleitorais no âmbito dessa instituição participativa a partir de repertórios de ação utilizados em experiências prévias de participação em eleições para o Legislativo municipal. Também sugerem que a participação no conselho se tornou mais atrativa para os ativistas quando tal instituição se tornou um recurso importante para disputas organizacionais e quando ativistas encontraram oportunidades políticas favoráveis, tais como a presença de um partido aliado na chefia do Executivo municipal.
Por fim, Losekann (2016) analisa a construção e a transformação dos repertórios de movimentos de atingidos pelo extrativismo na América Latina. Segundo a autora, esse processo ocorreu a partir da articulação entre, por um lado, processos institucionais de violação ou retirada de direitos (como por meio da repressão e da criação de novos códigos ambientais) e, por outro lado, características das trajetórias biográficas dos ativistas e mecanismos emocionais que lhes possibilitaram enquadrar essas mudanças políticas como ameaças.
Um terceiro tópico de estudo tratado pela literatura nacional nesse tema é o da relação entre repertórios e ciclos de protestos. Estudando o ciclo de protestos de junho de 2013 no Brasil, Alonso e Mische (2017) sugerem que suas performances tiveram como base a articulação e o conflito entre três repertórios com trajetórias e características distintas. Apesar de historicamente central para movimentos sociais da esquerda brasileira, o repertório socialista (apoiado em demonstrações públicas de organização coletiva) perdeu força nesse ciclo de protestos, dando espaço para outros dois repertórios associados a campos opositores. Fortaleceram-se então, por um lado, o repertório autonomista (com base na articulação entre formas de ação não violentas e violentas) e, por outro lado, o repertório patriótico (assentado no uso de símbolos nacionais e de marchas grandiosas e festivas, bem como em demandas relacionadas ao combate à corrupção). Tais repertórios - em especial, o patriótico - se mantiveram relevantes ao longo de ciclos de protestos subsequentes no Brasil, como aqueles relacionados à Operação Lava-Jato e ao impeachment da presidenta Dilma (Alonso, 2017).
Por fim, outra utilização do conceito de repertórios pela literatura brasileira destaca os sentidos e significados das ações do movimento para os ativistas que o compõem. Nessa perspectiva, ao caracterizar o repertório do movimento de moradia de São Paulo, Tatagiba, Paterniani e Trindade (2012) incluem não apenas as táticas da ocupação de imóveis ociosos e da participação institucional, mas também os sentidos e valores vinculados a essas práticas. Por seu turno, Gomes (2017) argumenta que práticas corporais e emocionais são elementos essenciais para o processo de transmissão de significados por repertórios feministas, aliando o conceito de repertórios ao de performatividade, de Judith Butler. Analisando a Marcha das Vadias, a autora aponta que corpos e emoções são mobilizados nesse evento de protesto de forma a transmitir enquadramentos e negociar identidades coletivas.
É possível observar nesta revisão dos usos da noção de repertórios pela literatura nacional das ciências sociais que tal conceito tem sido em geral apropriado por pesquisadoras e pesquisadores brasileiros em nível mesoanalítico − e, nos últimos dois casos apresentados, até mesmo em nível microanalítico −, contrariando sua formulação inicial de caráter macroanalítico. Como consequência, com frequência, em seu uso e adaptação, o conceito de repertórios se confunde com o de táticas. Alguns dos artigos analisados fazem referência, por exemplo, ao repertório das greves, ao repertório dos piquetes ou ao repertório da mobilização legal. Nesses casos, perde-se a distinção entre os conceitos de repertórios e de táticas, e, assim, é ignorado um fértil debate sobre escolhas táticas proposto por teóricos culturalistas em diálogo crítico com a perspectiva do confronto político.
ESCOLHAS TÁTICAS
O conceito de repertórios sugere que, em determinado momento histórico, atores têm disponível um número limitado de formas de ação para defender suas demandas. Podemos definir tais formas de ação como as táticas dos movimentos sociais, ou seja, as “formas de ação que foram deliberadamente escolhidas com o objetivo de influenciar ou coagir um ou mais oponentes, o público em geral, e ativistas companheiros de movimento” (Doherty, 2013). Em uma visão mais ampla, táticas podem referir não apenas formas de ação propriamente ditas, como marchas, greves e ocupações, mas também as táticas de enquadramento interpretativo (Benford & Snow, 2000; Silva, Cotanda & Pereira, 2017) ou até mesmo táticas organizativas (Polletta, 1997).
Repertórios, portanto, apresentam aos movimentos sociais, em determinado momento histórico, um cardápio plural, porém limitado, de táticas disponíveis para sua ação, do qual os ativistas devem escolher suas táticas de ação. Um fértil debate acadêmico se estabeleceu sobre esse processo de “escolha tática” a partir das primeiras formulações da TPP e da abordagem do confronto político buscando compreender quais critérios e motivações regem tal processo.
Uma primeira abordagem teórica destaca a importância de considerações estratégicas8 dos ativistas de movimentos sociais ao escolher suas táticas, ou seja, suas preocupações em escolher as linhas de ação que lhes pareçam ser os melhores meios para o alcance dos objetivos que estipularam (Jasper, 2013). Esse é o argumento implícito de abordagens que conectam a mudança nas táticas dos movimentos às oportunidades e ameaças apresentadas pelas instituições políticas, típicas da TPP, sugerindo que movimentos sociais se adaptariam estrategicamente às possibilidades do cenário político em que atuam.
Estudos sugerem, por exemplo, que ativistas desenvolvem novas táticas de ação ao se adaptar à repressão policial realizada sobre uma tática antiga, buscando atingir seus objetivos pela inovação (McAdam, 1983). Ativistas podem também escolher agir em arenas nas quais esperam que suas táticas sejam mais efetivas. McAdam (1999) argumenta, por exemplo, que o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos escolheu estrategicamente cidades em que esperava maior repressão estatal para a utilização da tática da desobediência civil, o que tornaria possível acentuar a violência do Estado frente aos manifestantes pacíficos. Essa explicação estratégica para as escolhas táticas também está implícita em boa parte dos usos do conceito de enquadramento interpretativo, que sugere que ativistas adaptam suas mensagens de acordo com as características de seus interlocutores visando alcançar maior ressonância (Snow & Benford, 1988; Snow et al., 1986).
Abordagens culturalistas no estudo de movimentos sociais, no entanto, desafiam essa perspectiva. Argumentam que as táticas não são meros meios neutros utilizados para a obtenção dos fins estipulados pelos movimentos. Pelo contrário, elas “representam importantes rotinas emocional e moralmente relevantes para a vida das pessoas” (Jasper, 1997: 237). Abordagens culturalistas levantam ainda a seguinte questão: mesmo que ativistas tenham preocupações estratégicas, a partir de quais critérios um ator define que dada ação é estratégica? Segundo esses autores, a oposição dicotômica entre estratégia e cultura não permite compreender que, por trás de ações aparentemente apenas racionais e estratégicas, há valores e crenças importantes para os atores (Polletta, 1997, 2004, 2012).
Nesse sentido, Jasper (1997) propõe o conceito de gostos por táticas. Argumenta que movimentos e organizações9 têm culturas internas que criam julgamentos implícitos de natureza moral, emocional e cognitiva sobre as táticas disponíveis e, a partir de tais culturas, definem o que é uma ação moral e estratégica, escolhendo suas táticas. O conceito soluciona, assim, problemas que abordagens estratégicas não puderam solucionar. Por exemplo, por que embora inseridos em um mesmo contexto político (que favorece de forma estável determinadas táticas e não outras) e militando em um mesmo movimento social, organizações e ativistas optam por táticas distintas? E por que, apesar da eventual variação em tais incentivos ao longo do tempo, alguns ativistas preferem manter suas escolhas táticas, ainda que elas se tenham tornado menos eficazes? A resposta oferecida pelo conceito de gostos por táticas sugere que não apenas os incentivos externos à escolha tática são relevantes por sua importância estratégica, mas também as culturas internas dos movimentos e das organizações são decisivas para essa escolha (Jasper, 1997).
Diversos elementos compõem essa cultura interna que conforma os gostos por táticas. Em primeiro lugar, pesquisadoras têm destacado a importância das identidades coletivas. No nível organizacional, grupos formam diferentes identidades coletivas em suas interações. Tais identidades são não só marcadas pela relação com a causa e com os adversários, mas também construídas a partir daquilo que nós fazemos (Polletta & Jasper, 2001; Smithey, 2009). No nível individual, ativistas de movimentos sociais não constroem suas identidades apenas com referência a sua trajetória e ao movimento, mas também a partir das táticas que costumam adotar. Se definem, por exemplo, como moderados ou radicais não apenas pelas causas que defendem, mas também pelas táticas que utilizam (Polletta & Jasper, 2001; Jasper, 1997).
Outros estudos sugerem ainda que a familiaridade é um aspecto importante para a escolha tática. Pesquisadoras inspiradas pelo conceito de esquemas institucionais, de Sewell Jr. (1992), argumentam que ativistas desenvolvem e escolhem suas táticas ao transpor linhas de ação que lhes pareçam efetivas em outras esferas institucionais de sua vida para seus esforços de contestação política (Polletta & Gardner, 2015; Polletta & Ho, 2006). Young (2002: 661), por exemplo, argumenta que novos estilos de protesto surgiram nos Estados Unidos na primeira metade do século IX influenciados pela lógica de ação da Igreja protestante baseada na “confissão pública” dos “pecados especiais da nação”.
Por fim, Polletta (2005, 2006, 2012) observa que ativistas e organizações de movimentos sociais criam associações metonímicas - relações imaginadas e implícitas de proximidade ou até mesmo equivalência entre elementos - entre táticas, valores, grupos sociais, eventos e processos. Por exemplo, ativistas de movimentos sociais podem escolher suas táticas porque conectam implicitamente essas linhas de ação a valores que defendem - tais como liberdade e autonomia - e rejeitar outras táticas porque as associam a valores ou grupos opositores. Em sua análise do movimento dos direitos civis estadunidense, a autora argumenta que, enquanto formas de organização menos hierárquicas foram vistas como sinônimos de autonomia, elas foram escolhidas por organizações desse movimento. Já quando tais formas de organização passaram a ser associadas ao ativismo branco, foram preteridas frente a modelos mais hierarquizados (Polletta, 1997, 2005, 2006, 2012).
O debate sobre escolhas táticas estabelecido em torno da perspectiva do confronto político se situa, assim, em um nível mesoanalítico, focalizando o modo como ativistas e organizações constroem preferências por determinada forma de ação contemplada por dado repertório. Indica que suas escolhas são motivadas por critérios múltiplos - estratégicos e simbólicos - que se conectam a suas relações e suas trajetórias biográficas e organizacionais. Ativistas consideram os efeitos que as táticas terão sobre os oponentes e espectadores, bem como sobre seus companheiros de militância.
Essa multiplicidade de critérios de escolha tática pode gerar relevantes dilemas para os ativistas. Afinal, uma tática compatível com suas identidades coletivas - que pode, assim, reforçar seus laços com o movimento - nem sempre é aquela que produz mais facilmente o impacto desejado sobre seus alvos. Táticas que são bem recebidas pela opinião pública nem sempre são as mais efetivas ou nem sempre são compatíveis com as identidades dos ativistas. Assim, a escolha tática em geral envolve importantes dilemas, implicando perdas e ganhos, e provocando disputas nos movimentos sociais.
Estudos a respeito de escolhas táticas, portanto, se dirigem a perguntas distintas daquelas sobre as quais se constrói a agenda de pesquisa relativa a repertórios de ação. Busca-se compreender por que certas organizações e ativistas de movimentos sociais optam por determinadas táticas. Por que organizações de um mesmo movimento, com objetivos similares, usam táticas distintas para os alcançar? Como conflitos táticos surgem no interior de movimentos sociais e quais são suas consequências? Por que algumas organizações optam por táticas mais ou menos violentas? Por que e como organizações mudam suas preferências táticas ao longo do tempo? Ou, pelo contrário, por que elas se mantêm fiéis a uma tática mesmo quando as circunstâncias a tornam menos efetiva?
Conforme indicado pelo levantamento apresentado no Quadro 1, dos conceitos e debates aqui revisados, a discussão em torno das escolhas táticas proposta por pesquisadoras e pesquisadores culturalistas em diálogo com a perspectiva do confronto político foi a que recebeu menos atenção da literatura nacional sobre movimentos sociais. Somando esse levantamento a uma busca não sistemática na literatura, encontramos um exemplo de mobilização desse debate de forma indireta na pesquisa em que Pereira e Silva (2017) buscam compreender as motivações de ativistas de direitos animais em suas escolhas por distintas táticas de enquadramento.
Escolhidas as táticas, elas são postas em ação. Sabemos, porém, que passeatas, por exemplo, não são sempre iguais. Em primeiro lugar, ativistas dramatizam de formas diferentes suas marchas. Seguindo o exemplo dado no início deste artigo, enquanto alguns vestem verde e amarelo, outros preferem o vermelho para sair às ruas. Em segundo lugar, organizações perdem parte do controle sobre suas táticas uma vez que elas são postas em prática em interação com ativistas menos socializados no movimento e com atores como as forças policiais, por exemplo. Uma passeata planejada para ser pacífica pode se transformar, assim, em um conflito violento. O conceito de performances nos ajuda a compreender esses processos.
PERFORMANCES
Os debates acadêmicos sobre movimentos sociais realizados em torno da perspectiva do confronto político mobilizaram o conceito de performances a partir de duas abordagens analíticas principais. Na primeira, as performances são vistas como processos de aplicação de roteiros táticos estabelecidos que, por se basear em processos interativos contingentes, implicam imprevistos, adaptações e inovações (Tilly, 2008; Snow & Moss, 2014). A segunda destaca que, em suas performances, ativistas comunicam significados e emoções ao dramatizar suas demandas e identidades coletivas por meio de ações, palavras, objetos e outros instrumentos (Benford & Hunt, 1992; Eyerman, 2006; Jasper, 2016).
A primeira dessas abordagens analíticas se relaciona ao conceito de performances desenvolvido por Tilly em resposta às críticas lançadas ao estruturalismo de seu conceito de repertórios, bem como à sua dificuldade em responder a questões relacionadas ao surgimento de inovações nas formas de ação. Assim, uma das direções que a teoria tillyana tomou em sua agenda de pesquisa foi a do estudo das performances, ou seja, as investigações sobre “como a experiência presente, os sentidos e usos dos agentes em suas interações confrontacionais, transforma os repertórios” (Alonso, 2012a: 32).
Tilly desenvolve a noção de performance em seu modelo teórico visando especificamente abrir mais espaço para a agência. Assim, sendo a performance a unidade de um repertório, um conjunto de performances compõe um repertório de ação (Tilly, 2006; 2008). Segundo o autor, ativistas expressam suas reivindicações ao criar improvisos a partir de roteiros compartilhados de ação. Para definir essa ideia, Tilly (2006) elabora uma comparação da ação contenciosa com o jazz, estilo no qual os músicos seguem um script estabelecido, sendo o improviso, entretanto, também essencial. Essa metáfora chama atenção para o caráter agrupado, aprendido e ainda improvisado da interação entre os atores sociais (Tilly, 2008).
Dessa forma, se, por um lado, existe um conjunto historicamente determinado de possibilidades de ação (o repertório), por outro lado, durante a interação, é possível que ocorram situações inesperadas, trazendo implicações a esse conjunto de possibilidades. Ainda que, em um dado recorte temporal, ativistas tenham como base um repertório limitado de performances − em sua maioria suficientemente familiares para que os participantes saibam como se comportar (e o que esperar dos outros) −, tais performances se modificam continuamente e jamais se igualam perfeitamente (Tilly, 2008).
Segundo Tilly (2008), em suas performances os ativistas improvisam constantemente de duas formas: adaptam as rotinas disponíveis para expressar demandas atuais e respondem a ações de outras pessoas enquanto expressam suas demandas. Para criar novas linhas de ação, buscam de forma pouco planejada soluções em sua experiência pessoal passada (Snow & Moss, 2014). Assim, durante o processo de interação com outros participantes, espectadores, alvos, adversários e autoridades, ativistas introduzem inovações às formas estabelecidas, embora elas costumem desaparecer quando os eventos acabam. Apenas algumas dessas inovações permanecem ao longo do tempo. Dessa forma, apesar de haver uma conformidade com as regras implícitas da interação, performances envolvem um processo incessante de inovação por todos os participantes (McAdam, Tarrow & Tilly, 2001).
Enquanto a abordagem analítica de Tilly enfatiza o caráter contingente, interativo e potencialmente inovador das performances, outras abordagens analíticas acentuam seu caráter dramático. James Jasper (2007, 2016) entende as performances como portadoras de significados (como a música, o ambiente, os livros, por exemplo). Segundo o autor, os ativistas coreografam seus eventos, definindo quem se movimenta, quando e onde. Assim, afirma que “estamos sempre, até certo ponto, fazendo performances. Nossas posturas, nossos gestos, nossos olhares, todos eles ‘falam’ com nossos públicos” (Jasper, 2016: 70). Um exemplo de performance, sugere o autor, é o uso de máscaras ou fantasias, que ajudam ativistas a expressar suas mensagens.
Nesse sentido, Benford e Hunt (1992) sugerem uma análise dramatúrgica para pesquisar o modo como os movimentos constroem e comunicam o poder. Os autores demonstram de que forma os ativistas definem, redefinem e articulam o poder a partir do que chamam de quatro técnicas dramáticas: scripting, staging, performing e interpreting. O que nos interessa neste artigo diz respeito ao performing.10 Segundo os autores, o ato de performar envolve, além da demonstração, a afirmação do poder. Ou seja, concretiza as ideias sobre a luta entre protagonistas e antagonistas, revelando as formas que podem ser alcançadas ou preservadas nas relações de poder. Os autores também sugerem que performances geram empoderamento, pois nelas os ativistas vivem uma experiência de transformação do self ao passar de quem sofre a ação de forças externas a quem molda ativamente a cena (Benford & Hunt, 1992).
Assimilando-se à proposta de Benford e Hunt (1992), Ron Eyerman (2006, 2005) propõe combinar a performance theory ao campo de estudos de movimentos sociais. O autor se baseia no modelo teórico de Jeffrey Alexander sobre as performances. Nesse modelo, a performance é vista como um processo pelo qual atores demonstram aos outros o significado de sua situação social, desejando que eles acreditem nesse significado. Para que essa demonstração seja efetiva, os atores devem realizar uma performance compreensiva que leve as pessoas às quais “seus atos e gestos se direcionam a aceitar seus motivos e explicações como descrições razoáveis” (Alexander, 2011: 28). Em relação aos movimentos sociais, Alexander (2017) sugere que, para conquistar o poder, é necessário antes conquistar o imaginário coletivo, “exibindo dramas no palco da vida social capazes de retratar o triunfo da justiça, vinculando-se tão fortemente com públicos distantes, que uma grave insurreição se torna legítima” (Alexander, 2017: 239).
Eyerman (2006) defende a ideia de que a apropriação da performance theory para o campo de estudos de movimentos sociais oferece uma nova dimensão de análise da ação coletiva ao conectar enquadramentos cognitivos, narrativas e discursos com a prática da mobilização. Essa abordagem chama atenção para a corporalidade, a presença, a ação e a encenação, bem como para o papel do drama e do simbólico na atividade do movimento. Também implica conferir centralidade à performance de oposição e ao caráter estético do movimento, à coreografia do protesto, assim como aos aspectos morais e emocionais da mobilização. Se a manifestação de rua é uma tática escolhida pelos ativistas para reivindicar suas demandas, ela só se efetiva quando é performada. Ou seja, “marchas, hoje em dia, são aceitas como formas de ação política … No entanto, marchas não falam por si … devem ser ensaiadas e colocadas em prática, bem como ser vistas e interpretadas (Eyerman, 2006: 197).
Em ambas as abordagens, o conceito de performances, tal como mobilizado pela literatura relacionada à perspectiva do confronto político, se situa, portanto, em um nível microanalítico, possibilitando conferir atenção às dinâmicas das interações sociais em seu aspecto contingente e dramático. Possibilita, portanto, conferir atenção às formas pelas quais os ativistas empregam suas táticas em interação com adversários, apoiadores e espectadores em processos de negociação de sentido. As performances permitem enxergar as táticas em ação e, mais que isso, compreender como interações tornam possíveis eventuais inovações que podem originar novas formas de contestação.
Esse conceito, portanto, dá origem a questões distintas daquelas propostas pelos conceitos e debates antes analisados. Por exemplo, como ativistas colocam suas táticas em ação de forma a dramatizar e comunicar suas demandas e suas identidades coletivas? Como as dinâmicas contingentes das interações estabelecidas entre ativistas, opositores, forças policiais e espectadores moldam a ação dos ativistas ao longo da própria aplicação de uma tática? Como tais processos dão origem a inovações incrementais nas táticas e como serão elas utilizadas ou não pelos ativistas em ações futuras?
Conforme indicado pelo levantamento apresentado no Quadro 1, o conceito de performances tem encontrado repercussão ainda limitada na literatura brasileira sobre movimentos sociais. Somando os resultados dessa busca a um levantamento não sistemático da literatura nacional das ciências sociais sobre o tema, concluímos que pesquisadoras brasileiras mobilizaram esse conceito, principalmente, em análises sobre o ciclo de protestos de 2013 (Dowbor & Szwako, 2013; Silva, 2016; Silva & Fernandes, 2017; Barreira, 2014; Tatagiba, 2014). Tais pesquisas ressaltam a interação, a dramaticidade e a construção da inovação nesses protestos, destacando o papel da violência nessas performances.
Comparando os protestos de 2013 com os de 1984 e 1991, Tatagiba (2014) busca compreender quais são as rupturas e continuidades entre esses ciclos. Sua análise indica a continuidade da descontração como um elemento das performances (as festas-comício em 1984, os jovens com suas caras pintadas de verde e amarelo em 1991, e diversas imagens semelhantes acentuando a alegria em 2013). Sugere, ainda, que a principal mudança nas performances deste último ciclo se refere à presença de imagens de violência.
Silva e Fernandes (2017) também indicam que as performances violentas foram novidades nesse ciclo quando comparadas a protestos anteriores em que o objeto de reivindicação foi o transporte público. Após demonstrar esse caráter de novidade, as autoras analisam como o jornal gaúcho Zero Hora abordou tais performances na construção de seu enquadramento sobre esse ciclo de protestos em Porto Alegre. Apontam que o jornal se utilizou de esquemas interpretativos já consolidados para a cobertura da criminalidade individual na qual a violência não é identificada como performance de contestação que configura uma tática de ação, mas como uma ação isolada e criminosa.
Ativistas envolvidos nesse ciclo, por sua vez, também afirmaram significados a partir de performances de violência. Dowbor e Szwako (2013) indicam que a dramatização da violência por esses atores foi central para a emergência do ciclo de protestos de 2013. Assim, a violência, enquanto recurso cênico, também pode ser mobilizada pelos ativistas a seu favor, demarcando personagens emblemáticos como heróis, vilões e vítimas. A importância de performances de violência como forma de expressão nesse ciclo de protestos também é enfatizada por Barreira (2014), embora nesse caso, o conceito de repertórios ganhe mais destaque ao longo do texto.
Por fim, a partir do estudo de eventos de protesto relacionados ao tema do transporte público, Silva (2016) analisa como se conformou uma tendência de produção de inovações nos repertórios de contestação relacionados a esse objeto a partir das performances do ciclo de 2013. Sua pesquisa indica a existência de três mecanismos de inovação nas performances: adaptação, experimentação interativa (para explicação da emergência das performances) e rotinização (para explicação da incorporação no repertório). Assim, a autora sugere que a entrada de novos atores no processo de mobilização foi essencial para o surgimento de novas performances em 2013.
INTEGRANDO PERSPECTIVAS
Os conceitos de repertórios e performances tal como mobilizados em estudos que dialogam com a perspectiva teórica do confronto político e o debate sobre escolhas táticas estabelecido em torno dessa mesma abordagem teórica oferecem, assim, perspectivas analíticas distintas em relação a nossa indagação inicial: por que a ação coletiva dos movimentos sociais toma determinada forma em determinado recorte de espaço e tempo? Direcionam, assim, essa problemática geral para questões de pesquisa específicas. O Quadro 2 resume as diferenças entre esses conceitos e debates apontadas nas seções anteriores do artigo.
Em suma, argumentamos que o conceito de repertórios tal como definido por Charles Tilly apresenta abordagem macro-histórica e estruturante, e nos leva a questionar por que utilizamos recorrentemente formas de ação tão semelhantes para protestar e por que elas variam historicamente. Já o debate sobre as escolhas táticas proposto por teóricos culturalistas em diálogo com a abordagem do confronto político focaliza as escolhas organizacionais e biográficas por dadas formas de ação e ajuda-nos a indagar por que e como ativistas escolhem táticas diferentes e constroem disputas ao redor desse tema. Por fim, o conceito de performances tal como definido por Charles Tilly, James Jasper e Ron Eyerman confere atenção aos contextos microinterativos, nos quais ativistas dramática e criativamente põem em prática suas táticas, e ajuda-nos a questionar como ativistas agem de forma a transmitir significados e se adaptar às contingências da interação social, porventura criando novas formas de ação.
Sugerimos aqui que essas diferenças não significam incompatibilidade analítica. Pelo contrário, defendemos que cada um desses conceitos e debates destaca um componente importante da problemática geral em questão e que, portanto, sua articulação é capaz de fornecer uma resposta complexa a esse problema, contribuindo para o avanço da superação de dicotomias como as que opõem estrutura e ação, indivíduo e sociedade, reprodução e mudança e os níveis macro, meso e micro de análise.
Se seguirmos a metáfora de Tilly que inclui as performances e o jazz, podemos pensar que a ação dos ativistas e movimentos sociais é, em certa medida, semelhante ao trabalho de um músico. Um músico brasileiro na década de 2010, por exemplo, conhece um número grande, porém limitado, de canções. Provavelmente, está familiarizado com os artistas da MPB, os hits nacionais e internacionais de sucesso e até mesmo com algumas sinfonias dos séculos anteriores. É possível, no entanto, que não tenha conhecimento das músicas que estão sendo produzidas agora mesmo por artistas no Oriente Médio, na Europa Oriental ou até mesmo em outros países latino-americanos. Não saberia nomear, ainda, compositores clássicos que não foram eternizados, como Beethoven e Mozart.
Algo semelhante ocorre com ativistas e movimentos sociais, como indica o conceito de repertórios de Charles Tilly. Ativistas conhecem um número limitado de táticas de expressão de demandas coletivas. Táticas antes comuns ou comuns em outros contextos são pouco plausíveis e legítimas a seus olhos, poucos factíveis em seu contexto político ou nem ao menos são conhecidas. Enquanto para alguns grupos determinadas táticas são óbvias, para outros seu uso pode ser quase impensável. Em resumo, ativistas e movimentos sociais em cada recorte espaçotemporal tendem a ter um repertório de ação coletiva distinto. Suas ações estão, portanto, estruturadas pelo contexto cultural e histórico no qual se situam.
De seu repertório de músicas conhecidas, cada músico escolhe apenas um número limitado de canções para aprender e executar para seu público, de acordo com suas preferências. Escolhe-as e estabelece tais preferências por diversos critérios. Em primeiro lugar, simplesmente, porque gosta das canções. Elas lhe soam familiares, parecem combinar com e até mesmo constituir sua própria identidade. Em segundo lugar, porque são vendáveis e agradam ao público, lhe possibilitam lotar seus shows e ganhar muito likes nas redes sociais. Em uma banda, músicos podem divergir em relação a quais músicas devem ser escolhidas, uma vez que dificilmente há unanimidade na escolha, gerando conflitos de difícil resolução dentro do grupo.
No caso de movimentos sociais, como sugere o debate sobre escolhas táticas estabelecido em torno da perspectiva do confronto político, frente a um repertório de ação historicamente disponível, ativistas e organizações também escolhem suas táticas e estabelecem preferências a partir de critérios múltiplos. Primeiro, porque buscam efetividade em suas ações e, ao analisar o contexto no qual se inserem, acreditam que a tática escolhida seja a melhor para obter os resultados desejados. Ativistas e organizações, entretanto, também têm gostos por táticas. Algumas táticas os ajudam a construir e reforçar suas identidades coletivas, são associadas a valores caros aos movimentos e lhes são familiares. Ainda, suas noções do que é uma ação estratégica pode variar de organização para organização. As escolhas táticas também envolvem dilemas de difícil resolução que podem gerar disputas entre os ativistas. Assim, frente a uma estrutura histórica de possibilidades de ação, ativistas e organizações de movimentos sociais criam preferências táticas − e, eventualmente, entram em disputas em relação a tais preferências − de acordo com as relações que estabelecem com os demais atores e com suas trajetórias biográficas e organizacionais.
Por fim, uma vez montada sua setlist, músicos vão ao palco para mostrá- la ao público. Sabem, porém, que cada show é um show. Os responsáveis pelo figurino irão cuidadosamente selecionar suas roupas para que a imagem desejada pela equipe de marketing seja transmitida ao público. Quando em país estrangeiro, sua produção lhes ensinará uma ou outra palavra no idioma local (talvez “boa noite” ou “obrigado”). Mesmo com tudo isso planejado, a plateia pode inesperadamente responder com vaias ou até mesmo invadir o palco. O cantor pode ficar sem voz, e um equipamento técnico pode não funcionar. Logo, músicos e produção terão que improvisar soluções para dar continuidade à apresentação sem causar prejuízos à sua imagem, ainda que tais ações contrariem o previamente planejado ou as preferências dos artistas. Eventualmente, os improvisos podem gerar um resultado tão satisfatório, que serão incorporados pelos músicos em suas próximas apresentações.
Como sugere o conceito de performances, tal como definido por Charles Tilly, James Jasper e Ron Eyerman, ativistas também precisam colocar suas táticas em prática. Eles irão às ruas com roupas e bandeiras que reforcem a transmissão dos significados desejados, adaptando seus slogans aos últimos acontecimentos políticos. Mesmo após negociações com os participantes e com as forças policiais a respeito do roteiro de sua ação, fatos inesperados podem ocorrer. Ativistas contrários a suas lideranças podem mudar os rumos da marcha ou utilizar táticas não previstas. Policiais podem subitamente lançar bombas de gás lacrimogêneo sobre os manifestantes. Nessas situações, todos terão que criar novas linhas de ação frente às contingências da interação, inovando a partir de suas experiências anteriores. As inovações podem ser posteriormente repetidas em outros protestos caso sejam avaliadas positivamente. Assim, ainda que sua ação seja historicamente estruturada e que, mediante sua capacidade dramática e criativa, tenham criado preferências por dadas linhas de ação, ativistas podem inovar, transformando a própria estrutura que condicionou sua ação.
A articulação entre esses conceitos e debates permite, assim, conceber a ação concomitante dos movimentos sociais nos níveis macro, meso e micro de análise. Ela é simultaneamente estruturada e criativa, socialmente condicionada e transformada pelos indivíduos e grupos sociais. Pode, portanto, se reproduzir ao longo do tempo pela força dos repertórios estruturantes, sendo, porém, suscetível a mudanças incrementais que resultam das disputas entre ativistas, de sua criatividade e das contingências das interações sociais.
Defendemos, portanto, a relevância da articulação desses três conceitos e debates para a elaboração de uma resposta complexa para a problemática geral apresentada, contrariando a tendência existente entre pesquisadores que dialogam com a perspectiva do confronto político a articular apenas dois deles, como fazem Tilly − unindo os repertórios às performances − e Jasper − unindo os repertórios ao debate sobre as escolhas táticas. Ao ignorar o conceito de repertórios, corremos o risco de não analisar os condicionantes históricos da ação social. Já quando o debate sobre escolhas táticas não é tomado em consideração, ignoramos que ativistas e organizações criam preferências táticas relevantes do ponto de vista estratégico e simbólico e estabelecem disputas em torno dessas preferências. Por fim, ignorando o conceito de performances, criamos uma imagem demasiadamente estruturada da ação social, nos tornando incapazes de explicar a transformação dos repertórios e a criatividade dramática dos atores sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, partimos da seguinte problemática geral: por que a ação coletiva dos movimentos sociais toma determinada forma em determinado recorte de espaço e tempo? Tendo em vista essa questão, revisamos as contribuições de três conceitos e debates relacionados à perspectiva teórica do confronto político: o conceito de repertórios formulado por Charles Tilly; os debates sobre escolhas táticas propostos por autores como Francesca Polletta e James Jasper; e o conceito de performances proposto por Charles Tilly, James Jasper e Ron Eyerman.
Em relação a tais conceitos e debates, consideramos que a principal contribuição do artigo para o campo de estudos de movimentos sociais está na defesa de sua complementariedade para uma análise multiescalar. Dessa forma, argumentamos que sua articulação permite construir uma resposta complexa à problemática geral anteriormente mencionada.
É importante ressaltar que não abordamos aqui outras problemáticas importantes relacionadas a esses conceitos e debates que, porém, não se conectam diretamente ao problema em análise neste artigo, como aquela relacionada às consequências das transformações dos repertórios, das escolhas táticas e das performances de contestação. Também não abordamos esses conceitos de debates fora do âmbito da perspectiva teórica do confronto político.
Ao analisar a literatura nacional das ciências sociais sobre movimentos sociais, concluímos que, desses conceitos e debates, o de repertórios é aquele que tem sido mais frequentemente utilizado por pesquisadoras dessa área. Investigações que analisam a transformação de repertórios no Brasil têm produzido resultados importantes, identificando como determinados movimentos sociais agregam novas táticas a seus repertórios ao longo do tempo; como diferentes repertórios são articulados em ciclos de protesto; como táticas utilizadas em outros países são adaptadas aos repertórios de movimentos brasileiros de acordo com as características do contexto político nacional; como mudanças em regimes e governos provocam mudanças nos padrões de ação coletiva; e como movimentos se dirigem a formas mais ou menos institucionais de ação.
Sugerimos aqui, porém, que resumir a ação dos movimentos sociais a esse conceito implica o risco de obscurecer uma série de debates significativos para a compreensão desse fenômeno. Afinal, por que determinadas organizações de movimentos sociais e ativistas optam preferencialmente por táticas mais − ou menos − violentas? Por que uns valorizam o uso de táticas institucionais, como a ocupação de cargos, e outros as criticam duramente como formas de cooptação do movimento, valorizando a organização de base e as táticas extrainstitucionais? Como ativistas se apropriam de símbolos - como cores, bandeiras nacionais ou de partidos políticos e canções de torcidas organizadas de futebol - para comunicar suas identidades e suas demandas? Que dinâmicas de interação são geradas pela ação da polícia militarizada brasileira em protestos de rua e como ativistas tendem a responder a essa ação? Argumentamos, portanto, que uma agenda de pesquisa que articule o conceito de repertórios ao debate sobre escolhas táticas e ao conceito de performances se mostra essencial para o desenvolvimento do campo de estudos de movimentos sociais no Brasil.
NOTAS
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1
Movimentos sociais podem ser definidos como “redes de interação informal entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organizações engajadas em um confronto político e/ou cultural tendo como base uma identidade coletiva compartilhada” (Diani, 1992, p. 3, nessa e nas demais citações de originais em idiomas estrangeiros a tradução é nossa).
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2
Ressaltamos que o objetivo deste artigo não é responder a essa pergunta nos casos específicos descritos no início do texto, mas sim examinar como determinados conceitos e debates podem contribuir para a análise dessa problemática como um todo. Nesse sentido, os casos descritos são mobilizados apenas a título de exemplo e contextualização dessa problemática geral.
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3
No caso do conceito de repertórios, descartamos artigos que o utilizam no sentido de repertório artístico ou repertório discursivo, por exemplo. No caso do debate sobre escolhas táticas, excluímos artigos que não dizem respeito ao debate culturalista aqui proposto, tal como textos que mencionam táticas cotidianas de resistência ou o debate marxista sobre táticas. Já no que se refere ao conceito de performances excluímos um grande número de artigos que utilizam esse termo como tradução para a palavra “desempenho” em seus resumos na língua inglesa, bem como aqueles que apenas mobilizam outros conceitos de performances, como o de Judith Butler, por exemplo.
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4
Para uma revisão crítica a obra de Tilly, ver Bringel (2012).
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5
Nos últimos anos, a literatura sobre o tema tem destacado a relação entre transformações nos repertórios de ação e mudanças nas características dos regimes ou contextos político-institucionais, em muitos casos resumidas pelo conceito de oportunidades políticas (McAdam, Tarrow & Tilly, 2001; Tarrow, 2009; Tilly & Tarrow, 2015).
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6
O conceito de repertórios também se transformou ao longo da trajetória intelectual de Tilly. Incorporando influências de perspectivas relacionais e culturalistas, transformou-se em repertórios de confronto em uma segunda versão e, em uma terceira versão, a ele foi acoplado o conceito de performances, aqui revisado (Alonso, 2012a).
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7
Tarrow (2009) chama atenção para o fato de que, sendo estrutural, o conceito de repertório tem simultaneamente caráter cultural, pois envolve não apenas o que as pessoas fazem, mas o que elas sabem sobre como fazer e o que os outros esperam que façam.
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8
Não nos referimos aqui ao debate marxista sobre estratégia e tática, no qual o conceito de estratégia se refere a uma orientação geral do caminho a ser seguido para que o objetivo final revolucionário seja alcançado, e o de tática se refere às ações efetivamente realizadas pelos revolucionários, adaptando-se às situações e correlações de força concretas de determinado contexto histórico (Harnecker, 1986; Pazello & Ferreira, 2017).
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9
Uma organização de movimentos sociais pode ser definida como “uma organização complexa ou formal cujas preferências se identificam às de um movimento social ou às de um contramovimento e que busca implementar esses objetivos” (McCarthy & Zald, 1977, p. 1218).
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10
Tal conceito se assemelha à proposta de Tilly (2006) de que movimentos sociais em suas performances devem demonstrar que são dignos, numerosos, que estão unificados em torno de valores comuns e comprometidos com a causa (WUNC - Worthiness, Unity, Numbers and Commitment) para ter sucesso.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Out 2020 -
Data do Fascículo
May-Aug 2020
Histórico
-
Recebido
21 Set 2018 -
Revisado
07 Jun 2019 -
Aceito
25 Fev 2020