Resumo
Ao criar uma literatura enraizada nas experiências dos afro-brasileiros que vivem nas comunidades periféricas de São Paulo, o escritor Allan da Rosa articula um espaço imaginativo para moradores negros marginalizados como forma de escapar da pobreza e do racismo. Neste artigo, enquadro minha análise das obras literárias Zagaia (2007) e Da Cabula (2008), de Allan da Rosa, pelo eixo teórico desenvolvido por Robin D. G. Kelley (2003)KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press. da imaginação radical negra para examinar como os espaços liminares encontrados na periferia urbana de São Paulo se tornam o ímpeto para a mudança social. A imaginação como prática social desempenha papel fundamental na esfera pública negra, pois as comunidades afrodescendentes buscam em outros tempos historicamente imaginados inspiração para conceber um futuro enraizado na liberdade. Com base nessas duas obras literárias, este artigo analisa a imaginação na esfera pública negra da qual emergem os discursos de Allan da Rosa em termos de como seus protagonistas habitam espaços liminares que oscilam continuamente entre a realidade da vida urbana e a metafísica. O objetivo deste artigo, portanto, foi demonstrar por meio de Zagaia e Da Cabula que o autor pertence a essa tradição de se engajar na imaginação radical negra como estratégia política que não apenas resiste à desigualdade racial e social, mas busca soluções para empoderar afrodescendentes comunidades por intermédio de estratégias criativas de afirmação cultural e de mobilização social.
Palavras-chave:
Allan da Rosa; imaginação radical negra; esfera pública negra; literatura afro-brasileira; periferia
Abstract
By creating a literature rooted in the experiences of Afro-Brazilians living in São Paulo's peripheral communities, writer Allan da Rosa articulates an imaginative space for marginalized black residents as a way to escape poverty and racism. This article frames the author's analysis of Allan da Rosa's literary works Zagaia (2007) and Da Cabula (2008) through the lens of Robin D. G. Kelley's concept (2003) of the Black radical imagination to examine how liminal spaces found in São Paulo's urban periphery become the impetus for social change. Imagination as a social practice plays a key role in the black public sphere, as Afro-descendent communities look to other historically imagined times for inspiration to conceive a future rooted in freedom. Based on these two literary works, this article analyzes the role of the imagination in the black public sphere from which Allan da Rosa's discourses emerge in terms of how his protagonists inhabit liminal spaces that continually fluctuate between the reality of urban life and the metaphysical. The purpose of this article, therefore, was to demonstrate through Zagaia and Da Cabula that the author belongs to this tradition of engaging in the Black radical imagination as a political strategy that not only resists racial and social inequity but seeks out solutions to empower afro-descendent communities through creative strategies of cultural affirmation and social mobilization.
Keywords:
Allan da Rosa; Black radical imagination; Black public sphere; Afro-Brazilian literature; periphery
Resumen
Al crear una literatura arraigada en las experiencias de los afrobrasileños que viven en las comunidades periféricas de São Paulo, el escritor Allan da Rosa articula un espacio imaginativo para los residentes negros marginados como una forma de escapar de la pobreza y del racismo. Este artículo enmarca los análisis del autor sobre las obras literarias Zagaia (2007) y Da Cabula (2008), de Allan da Rosa, por el eje teórico desarrollado por Robin D. G. Kelley (2003)KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press. de Black Radical Imagination para examinar cómo los espacios liminales que se encuentran en la periferia urbana de São Paulo se convierten en el ímpetu del cambio social. La imaginación como práctica social cumple un papel fundamental en la esfera pública negra, ya que las comunidades afrodescendientes miran hacia otros tiempos históricamente imaginados en busca de inspiración para concebir un futuro arraigado en la libertad. A partir de estas dos obras literarias, este artículo analiza el imaginario en la esfera pública negra del que emergen los discursos de Allan da Rosa en términos de cómo sus protagonistas habitan espacios liminales que oscilan continuamente entre la realidad de la vida urbana y la metafísica. El propósito de este artículo, por lo tanto, es demostrar a través de Zagaia y Da Cabula que el autor pertenece a esta tradición de comprometerse a la imaginación radical negra como una estrategia política que no solo resiste la desigualdad racial y social, sino que busca soluciones para empoderar a las comunidades afrodescendientes a través de estrategias creativas de afirmación cultural y movilización social.
Palabras clave:
Alla da Rosa; imaginación radical negra; esfera pública negra; literatura afro-brasileña; periferia
No começo do século XXI, um movimento literário comumente conhecido como literatura periférica apareceu nas periferias de São Paulo, mais especificamente nas comunidades da classe trabalhadora e majoritariamente habitada por afrodescendentes, para usar a produção literária como uma ferramenta de crítica à desigualdade social e valorização de sua cultura. Um escritor afro-brasileiro que faz parte desse fenômeno literário, Allan da Rosa, desenvolveu uma estética única em suas obras literárias sobre vidas na periferia de São Paulo. Tais obras não enfocam apenas a violência e a pobreza da sua comunidade, mas também esses ambientes precários como um ponto de partida para explorar como seus protagonistas lidam com a opressão racial, oscilando entre espaços marginalizados e lugares metafísicos. Numa entrevista para a revista Darandina, da Universidade Federal de Juiz de Fora, publicada em julho de 2011, o autor falou sobre a ideia de as margens não serem um estado de exclusão, mas sim um espaço que existe entrelugares. Ele dá o exemplo da sarjeta, que está entre a calçada e a rua, e as possibilidades infinitas que resultam em termos de como alguém se movimenta pelo mundo ou por espaços urbanos marginalizados, no seu caso a periferia de São Paulo. Essa ideia do entrelugar se torna mais clara quando Allan define os conceitos da fresta e da fratura:
Eu acho que abrir um livro é abrir uma fresta. Abrir uma roda de Capoeira Angola é abrir a fresta no tempo, tem um tempo próprio. É jogo, né? Você sai do tempo, mergulhando nele, pra voltar mais dentro do tempo. É a festa na fresta, fartura na fratura… E essa fratura da palavra, eu acho que é uma dádiva dela para a gente. Quebrar o osso dela, comer o tutano, o ossobuco. Eu boto muita fé na possibilidade que a palavra em si tem (apud Faria, 2011FARIA, Alexandre (2011). A parabélum e o passarinho: entrevista com Allan da Rosa. Darandina. Disponível em: http://www.ufjf.br/darandina/files/2011/07/Entrevista-Allan-da-Rosa.pdf. Acesso em: 4 jun. 2018.
http://www.ufjf.br/darandina/files/2011/... , p. 14).
Segundo o escritor, a literatura tem esse poder de fazer uma abertura para novas realidades, novas possibilidades. Isso podemos ver no uso da palavra fartura, que denota uma abundância, ou seja, um infinito número de possibilidades que vai além dos limites da nossa realidade atual. Então as frestas e as fraturas que vêm pela imaginação gerada por produções literárias enraizadas em tradições afrodiaspóricas funcionam como uma forma de empoderamento para comunidades e indivíduos negros que fornece oportunidades para livrar-se, mesmo que temporariamente, da desigualdade racial e socioeconômica.
Neste artigo, eu enquadro minha análise das obras literárias de Allan da Rosa Zagaia (2007) e Da Cabula (2008) no conceito de imaginação radical negra desenvolvido por Robin D. G. Kelley (2003)KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press. a fim de examinar como espaços liminais encontrados em comunidades marginalizadas como a periferia de São Paulo se tornam os instrumentos para engajamento social e afirmação positiva do patrimônio afro-brasileiro.
Robin D. G. Kelley (2003KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press., p. 2), em seu livro Freedom dreams: the black radical imagination, argumenta que movimentos sociais e culturais eficazes logram fazer o que literatura e poesia boa fazem: transportar pessoas para outro lugar, onde se pode imaginar uma nova sociedade e realidade. Para o autor, a imaginação radical negra tem sua raiz em movimentos políticos e literários da diáspora africana no século XX, movimentos esses que desejaram uma transformação total da sociedade e um futuro diferente do legado colonial, com sua violência institucional e hierarquia racial. Ou seja, trata-se da habilidade de poder imaginar o que viria depois de uma revolução hipotética e criar um mundo no qual todos seriam livres e iguais — em suma, ter uma visão utópica (Kelley, 2003KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press., p. 4-6).
No contexto brasileiro, esse engajamento social de imaginar um futuro diferente pela prática de tradições culturais negras evoca a noção de quilombolas culturais. Os afro-brasileiros, especificamente a mais nova geração de escritores, pertencem a “um quilombo sem fronteiras, porque seus esforços, quaisquer que sejam, são enfocados para a liberdade — seja mental, inovadora-artística, sociopolítica ou ideológica” (Afolabi, 2009AFOLABI, Niyi (2009). Afro-Brazilians: cultural production in a racial democracy. Rochester: University of Rochester Press., p. 303). Os conceitos de Robin D. G. Kelley (2003)KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press. e Niyi Afolabi (2009)AFOLABI, Niyi (2009). Afro-Brazilians: cultural production in a racial democracy. Rochester: University of Rochester Press., portanto, podem contribuir para a criação do que poderia ser classificado como uma imaginação radical afro-brasileira. As frestas e fraturas que aparecem com frequência nas obras de Allan da Rosa, quando seus protagonistas habitam esse espaço entre a realidade da periferia e um estado de sonho, fazem parte dessa longa tradição de usar a imaginação não apenas como ato criativo, mas também como engajamento social para mudar a condição desigual de sua comunidade.
Esse trabalho da imaginação radical negra pode ser encontrado nas obras de Allan da Rosa, de maneira particular em Zagaia, publicada em 2007, e Da Cabula, publicada primeiramente em 2006 pela editora criada por Allan da Rosa, Edições Toró, e depois em 2008, pela editora Global. Zagaia, uma obra infantojuvenil escrita na tradição da literatura de cordel, com estrofes de seis linhas, conta a história de um jovem negro com o epônimo de Zagaia que migra com a família para Diadema, cidade na periferia de São Paulo, em busca de uma vida melhor1 1 A literatura de cordel é uma tradição oral da região nordestina brasileira com raízes portuguesas e africanas. Começou no século XIX e continua até hoje, com uma presença forte na periferia de São Paulo. A literatura de cordel é escrita em forma de um poema épico de estrofes de quatro, seis, sete, ou 10 linhas, com a sextilha (seis linhas) sendo a mais comum hoje em dia. O nome literatura de cordel vem da prática de pendurar os panfletos publicados com os poemas em cordas, para serem vendidos em lugares públicos. Além de escrever literatura de cordel, Allan da Rosa organiza oficinas sobre o gênero literário para ensinar a outros a tradição. . Da Cabula, uma obra teatral, apresenta a vida de uma mulher negra, Filomena da Cabula, que larga seu trabalho como doméstica para morar sozinha numa quitinete na periferia paulistana e trabalhar como camelô numa banca. Ambas as obras apresentam os desafios diários dos moradores da periferia, porém o que faz suas histórias interessantes é a busca contínua além de seu ambiente imediato para dar sentido a suas vidas. O resultado é a aparição de momentos liminais conectados à cosmologia afro-brasileira para introduzir novas possibilidades num mundo metafísico paralelo.
As duas personagens, no começo de suas histórias, estão à procura de algo que pode dar propósito à sua vida, simbolizando a busca e a eventual criação de espaços territoriais e epistemológicos alternativos para o povo afro-brasileiro (Hanchard, 1995HANCHARD, Michael (1995). Black Cinderella?: race and the public sphere in Brazil. In: BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 169-189., p. 180). Para Zagaia, é o desejo de encontrar algo mais do que o dinheiro e o poder enquanto ele atravessa a cidade à procura de como ajudar sua família, após migrar para a periferia de São Paulo. Durante sua jornada, ele encontra-se com pessoas que prometem caminhos diferentes para riqueza e poder:
Crime é caminho fácil
Da rua para o ringue
Vem garruchas e metrancas
No lugar do estilingue
Da fantasia pro fatal
Às vezes nem se distingue…
Falsetes causam vertigem
Alegrias de araque
Propagandas vem rasante
Como porres de conhaque
Fazem passar por sublime
Cada tosco badulaque
(Rosa, 2007DA ROSA, Allan (2007). Zagaia. São Paulo: Difusão Cultural do Livro., p. 11).
Para um jovem negro como Zagaia, a vida do crime oferece a ilusão de poder com armas e dinheiro imediato, por meio do tráfico de drogas e da violência. Alba Zaluar (1985)ZALUAR, Alba (1985). A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo: Brasiliense. observa essa trajetória para muitos jovens das comunidades marginalizadas em seu estudo A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza, no qual ela examina por que alguns escolhem o banditismo para lidar com a desigualdade socioeconômica.
É nesse ambiente cheio de pobreza e de falsas promessas do capitalismo que uma fresta se abre para o protagonista e oferece um espaço alternativo para buscar o empoderamento por meio da arte e da cultura negra:
Sorrisos tão maquiados
Não combinam com marmita
Zagaia logo percebe
Noutras artes acredita
Dança, rima e berimbau
Chispam sua alma que grita…
Doces tambores no peito
Onde fogueira ardia
Na cabeça só miragens
Pensamento ventania
Seu querer era brilhoso
Como sol do meio-dia
(Rosa, 2007DA ROSA, Allan (2007). Zagaia. São Paulo: Difusão Cultural do Livro., p. 12-13).
A experiência de Zagaia de encontrar-se de repente com músicos negros e capoeiristas representa como as práticas culturais afro-brasileiras podem abrir uma fresta ou fratura: “Abrir uma roda de Capoeira Angola é abrir a fresta no tempo, tem um tempo próprio. É jogo, né? Você sai do tempo, mergulhando nele, pra voltar mais dentro do tempo” (apud Faria, 2011FARIA, Alexandre (2011). A parabélum e o passarinho: entrevista com Allan da Rosa. Darandina. Disponível em: http://www.ufjf.br/darandina/files/2011/07/Entrevista-Allan-da-Rosa.pdf. Acesso em: 4 jun. 2018.
http://www.ufjf.br/darandina/files/2011/...
, p. 14). O encontro de Zagaia com as práticas culturais afro-brasileiras na rua então o deixa entrar em espaços metafísicos, onde ele pode não somente ter um sentido diferente do tempo, mas também a oportunidade de refletir sobre sua identidade como um jovem negro.
Filomena tem uma experiência semelhante de abrir uma fresta na vida cotidiana da periferia, por meio da educação, quando ela larga seu trabalho como doméstica para começar a trabalhar por si mesma como camelô, o que a leva ao desejo de saber ler e escrever. Numa aula de alfabetização que faz à noite, depois do horário de trabalho, passa a conhecer aspectos importantes da história de seus antepassados com relação ao legado da escravidão:
Filomena — Anteontem a professora ditou sobre as negras forras: saíam da coleira do dono, compravam a própria liberdade e depois a alforria do marido e da filharada. Falou que elas tramavam quilombos na rua, vendendo tudo quanto é coisa, comida no tabuleiro… Eu sou uma negra forra?… É, pelo menos já larguei a íngua daquela casa-grande… (Rosa, 2008DA ROSA, Allan (2008). Da Cabula. São Paulo: Global., p. 35).
Mediante a educação e o conhecimento de sua história, Filomena consegue estabelecer paralelos entre sua experiência de livrar-se da vida como uma doméstica para ser camelô e suas antepassadas escravizadas que conseguiram comprar a própria liberdade, vislumbrando uma vida livre das desigualdades sociais e raciais. A experiência de Filomena representa o que Paulo Roberto Tonani do Patrocínio (2013TONANI DO PATROCÍNIO, Paulo Roberto (2013). Escritos à margem: a presença de autores de periferia na cena literária brasileira. Rio de Janeiro: 7Letras., p. 190-191) identifica como o poder da ancestralidade negra, o poder de aprender com os ancestrais e de sair do presente para refletir sobre o passado ou outro tempo fora da atualidade, resultando na visualização de um futuro que desvia das possibilidades limitadas existentes na periferia. Assim, a personagem reconhece que está presa num ciclo contínuo de pobreza e discriminação racial. Isso vai ao encontro das reflexões de Michael Hanchard (1995HANCHARD, Michael (1995). Black Cinderella?: race and the public sphere in Brazil. In: BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 169-189., p. 181), pois, segundo o cientista político afro-americano, o negro precisa usar práticas e produções culturais como um princípio de guia contra a opressão racial e como ferramentas para a construção e enunciação de identidades marginalizadas. Essa mobilização tem êxito em criar espaços e valores que são distintos das instituições hegemônicas, como a cultura da massa e os mercados capitalistas.
As rupturas que acontecem nas vidas de Zagaia e Filomena possibilitam a habitação de um espaço-tempo fora dos desafios da vida periférica. O contexto da periferia paulistana é usado não para enfatizar a miséria e os desafios da vida cotidiana, mas sim para ser um ponto de partida capaz de indagar questões mais profundas sobre a existência social e política de afro-brasileiros. A interrupção da vida cotidiana ocorre pelo uso do fantástico, que resulta numa experiência ambígua entre o mundo real e o utópico, o qual Robin D. G. Kelley (2003KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press., p. 191) observa por intermédio de sua análise dos escritores afro-americanos Richard Wright e Ralph Ellison de que se trata de um uso literário comum nas comunidades não ocidentais, especificamente entre os escritores e artistas afrodescendentes nas Américas. Alexandre Faria (2015)FARIA, Alexandre (2015). A margem como utopia: a ginga na poesia de Allan da Rosa. In: FARIA, Alexandre; PENA, João Camillo; PATROCÍNIO, Paulo Roberto Tonani do (org.). Modos da margem: figurações da marginalidade na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Aeroplano. p. 482-502., em seu estudo sobre Allan da Rosa, levanta importantes observações sobre a centralidade do espaço da margem em seus trabalhos, haja vista sua posição como escritor na periferia:
A formulação enunciativa desde a margem, longe de se compreender pelo processo opositivo com a ideia do centro, ou cânone, está a serviço da constituição de um topo mais complexo, para o qual confluem forças estéticas, éticas e políticas, que, para além de configurarem um lugar a partir do qual se pode contestar o status quo, promove a ampliação de uma zona fronteiriça, de convivência tensa entre instâncias distintas da formação cultural brasileira e permite compreender essa margem como um lugar a se construir, ou como enunciamos no título, uma utopia (Faria, 2015FARIA, Alexandre (2015). A margem como utopia: a ginga na poesia de Allan da Rosa. In: FARIA, Alexandre; PENA, João Camillo; PATROCÍNIO, Paulo Roberto Tonani do (org.). Modos da margem: figurações da marginalidade na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Aeroplano. p. 482-502., p. 482-83).
É nessas fronteiras que existem em oposição à formação cultural hegemônica do Brasil que espaços liminais podem se desenvolver, introduzindo a possibilidade da imaginação da utopia, ou seja, a emergência no espaço da periferia de uma nova política de organização e empoderamento enraizados na subjetivação não somente do sujeito periférico, mas também do ser negro marginalizado2 2 Para a ideia da liminaridade, eu estou usando o conceito desenvolvido por Victor Turner (1994). Ele argumenta que momentos liminais ocorrem durante rituais no qual o iniciante entra num espaço-tempo temporário fora do mundo atual. No contexto do Allan da Rosa, se relaciona com a ideia da fresta e da fratura, de poder sair do tempo para poder refletir e experimentar uma existência diferente. . O autor não dedica tanto de seus escritos à denúncia social como outros escritores da periferia paulistana, como Ferréz e Alessandro Buzo, para poder dedicar a maioria de sua obra à construção da identidade do protagonista com base num modelo de resistência ancestral (Tonani do Patrocínio, 2013TONANI DO PATROCÍNIO, Paulo Roberto (2013). Escritos à margem: a presença de autores de periferia na cena literária brasileira. Rio de Janeiro: 7Letras., p. 196). Então, a teoria da imaginação radical negra pode ampliar a análise de Faria (2015)FARIA, Alexandre (2015). A margem como utopia: a ginga na poesia de Allan da Rosa. In: FARIA, Alexandre; PENA, João Camillo; PATROCÍNIO, Paulo Roberto Tonani do (org.). Modos da margem: figurações da marginalidade na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Aeroplano. p. 482-502. sobre a ideia da margem e de Tonani do Patrocínio (2013)TONANI DO PATROCÍNIO, Paulo Roberto (2013). Escritos à margem: a presença de autores de periferia na cena literária brasileira. Rio de Janeiro: 7Letras. a respeito da valorização da cultura negra, a fim de mostrar como os protagonistas Zagaia e Filomena fazem parte de uma tradição maior de resistência cultural e mobilização política encontrada nas comunidades contemporâneas afrodescendentes.
A participação de Zagaia em atividades performativas enfocadas na cultura afro-brasileira, como a capoeira, e o desejo de Filomena de poder ler e ganhar mais conhecimento sobre a história negra simbolizam a necessidade da comunidade negra periférica de estabelecer seus próprios espaços, nos quais podem reunir-se para criar as condições para seu próprio empoderamento. A busca de espaços onde o indivíduo pode explorar sua identidade racial e cultural e refletir acerca dela corresponde ao afastamento de comunidades negras da esfera pública hegemônica para espaços alternativos, onde são permitidas “a luta pública e a inovação política de grupos marginalizados que se encontram fora de espaços públicos tradicionais ou sancionados pelo estado e de discursos convencionais” (Squires, 2002SQUIRES, Catherine R. (2002). Rethinking the black public sphere: an alternative vocabulary for multiple public spheres. Communication Theory, v. 12, n. 4, p. 446-468. https://doi.org/10.1111/j.1468-2885.2002.tb00278.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-2885.2002...
, p. 446)3
3
A noção de uma esfera pública idealizada foi desenvolvida por Jürgen Habermas (1991) em seu trabalho importante The structural transformation of the public sphere: an inquiry into a category of bourgeois society. Ele afirma que os cidadãos de uma sociedade poderiam se congregar em uma esfera pública única em que seriam capazes de dialogar sobre suas necessidades e seus interesses para chegar a um consenso natural.
. Então, espaços seguros requerem a manutenção de redes escondidas de comunicação e memória coletiva para proteger-se contra a publicidade indesejada de suas opiniões, ideais e táticas de sobrevivência (Squires, 2002SQUIRES, Catherine R. (2002). Rethinking the black public sphere: an alternative vocabulary for multiple public spheres. Communication Theory, v. 12, n. 4, p. 446-468. https://doi.org/10.1111/j.1468-2885.2002.tb00278.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-2885.2002...
, p. 458).
Essa ideia de espaços alternativos amplia o argumento de Jane Mansbridge (1996MANSBRIDGE, Jane (1996). Using power/fighting power: the polity. In: BENHABIB, Seyla (org.). Democracy and difference: contesting the boundaries of the political. Princeton: Princeton University Press. p. 46-66., p. 56) de que as democracias precisam de espaços seguros para grupos desfavorecidos, em que eles podem abertamente abordar os assuntos, as necessidades e as histórias que se relacionam às suas realidades e experiências. A busca por lugares nos quais Filomena pode alfabetizar-se e Zagaia familiarizar-se com as tradições culturais negras corresponde, conforme a perspectiva deste trabalho, ao encontro ou à criação de esferas públicas alternativas. Tais espaços possibilitam não somente maior conhecimento da cultura negra, porém o começo do trabalho social de uma imaginação contradiscursiva que promove ação política.
Essas entradas em espaços alternativos da cultura reforçam no indivíduo o poder de imaginar outras possibilidades que vão mais além do presente atual. Allan da Rosa efetua isso por meio da inserção de espaços liminais na periferia para Zagaia e Filomena. O uso do fantástico na citação a seguir pelo autor se relaciona com o que Niyi Afolabi (2009AFOLABI, Niyi (2009). Afro-Brazilians: cultural production in a racial democracy. Rochester: University of Rochester Press., p. 303) identifica como o uso de estratégias criativas, por parte de autores negros, para escapar da opressão política e econômica e liberar a mente para uma realidade desejável, porém ainda não atingível. A entrada na fresta ocorre para Zagaia na beira de um córrego, quando começa a escutar música:
Nessa febre de passagem
Por um corguinho lixento
Uma música subia
Da lama do rio cinzento
Foi a centelha de gana
Vibrando seu sentimento
A semente de estima
No cordão se alucinou
Em casca de nozes se fez
Zagaia aí se aninhou
Como num colo materno
Que pro fundo o transportou
Rimas, hortas, medicina
Liberdade e arrelia
Cidade sem cativeiro
Bem lá embaixo havia
Sem vampiros, sem flagelos,
Sem penúria ou desmaia
(Rosa, 2007DA ROSA, Allan (2007). Zagaia. São Paulo: Difusão Cultural do Livro., p. 33-34).
Zagaia ocupa um espaço que não é do nosso mundo, mas que tem aspectos familiares a ele. Filomena também é transportada várias vezes a um espaço liminar cada vez que começa a escrever ao final do dia e não consegue ficar acordada, entrando em um mundo de sonhos. Uma entidade chamada Flores Vermelhas aparece e lê o caderno com os textos de Filomena:
Mulheres de leveza majestosa, briosas. Braceletes esplendorosas. Brincos de contas, de penas. Missangas retocavam tornozelos. Búzios torneavam pulsos negros. Colares vermelhos louvaram. Femininas noites estreladas. Flores e trancas adoçavam na cabeça um altar da Beleza. Panos das costas esvoaçavam, carinhavam a curva dos ombros soberanos (Rosa, 2008DA ROSA, Allan (2008). Da Cabula. São Paulo: Global., p. 41).
Filomena passa quatro vezes por essa experiência de dormir e Flores Vermelhas ler o seu caderno, cada vez mais refletindo sobre sua vida e o que poderia ser. A ocupação desses espaços liminais, segundo Victor Turner (1994)TURNER, Victor (1994). Betwixt and between: the liminal period in rites of passage. In: MAHDI, Louise Carus; FOSTER, Steven; LITTLE, Meredith (org.). Betwixt and between: patterns of masculine and feminine initiation. Chicago: Open Court Publishing Company. p. 3-19., pode ser vista como um processo de “se tornar… uma transformação” (Turner, 1994TURNER, Victor (1994). Betwixt and between: the liminal period in rites of passage. In: MAHDI, Louise Carus; FOSTER, Steven; LITTLE, Meredith (org.). Betwixt and between: patterns of masculine and feminine initiation. Chicago: Open Court Publishing Company. p. 3-19., p. 4). Paul Gilroy (1993GILROY, Paul (1993). The Black Atlantic: modernity and double-consciousness. Cambridge: Harvard University Press., p. 37-38) diria que não é somente um processo, mas uma política de transfiguração, na qual as necessidades da comunidade e os desejos utópicos são invocados de maneira opaca para subverter o opressor, permitindo no entanto transcender a modernidade, construindo simultaneamente um passado imaginário antimoderno e um pós-modernismo porvir.
Os dois protagonistas estão entrando em espaços que evocam um passado imaginário livre do legado da escravidão, nos quais afrodescendentes habitam um lugar utópico na terra africana. Não é um escape frívolo dos problemas da sociedade, contudo uma oportunidade de transformar seu modo de ser para poder fazer algo diferente no mundo real. Esses espaços antimodernos e utópicos providenciam um esquema para um futuro alternativo não somente para Filomena e Zagaia, bem como para comunidades urbanas negras.
Os momentos de transfiguração que Zagaia e Filomena experimentam nesses espaços entre a realidade e o mundo metafísico mostram a importância do ritual na criação de períodos liminais. Nas obras de Allan da Rosa, os rituais associados à cosmologia afro-brasileira têm papel importante na vida dos protagonistas. O sobrenome de Filomena, Cabula, é o nome dado às confrarias do candomblé, cujos membros invocam os espíritos congos pela comunicação por meio da cambula, ou transe (Lopes, 2005LOPES, Nei (2005). Kitábu: o livro do saber e do espírito negro-africanos. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio., p. 248). Cada vez que Filomena começa a dormir quando estuda é como se ela estivesse entrando em um transe, chamando a entidade Flores Vermelhas. Nas religiões afro-brasileiras como a umbanda e o candomblé, flores vermelhas como a rosa representam os orixás femininas Oxum e Iansã — entidades independentes e com muito poder. Iansã, de maneira particular, representa o poder feminino, sendo a senhora das tempestades, de temperamento forte e independente. Os filhos de Iansã, isto é, as pessoas influenciadas por ela, repentinamente mudam o rumo de sua vida por um amor ou um ideal. Também uma súbita conversão espiritual, fazendo com que a pessoa mude completamente o eixo-base de sua vida, pode acontecer com os seguidores desse orixá. Talvez, essa primeira mudança radical tenha possibilitado a chegada do orixá à sua vida para proporcionar uma segunda transformação, dessa vez, por dentro.
Zagaia também se encontra com entidades místicas à véspera de sua transportação a um mundo metafísico e durante sua visita a esses lugares:
Em certa noite viçosa
Era calor no Agreste
Após a quinta estrela
Piscar no teto do leste
Surgiu um bicho gigante
Com panca de cafajeste
Um gato com boné xadrez
E de leveza no pisar
No ombro um saco lilás
Devagoroso a fumar
Numa pata a bituca
Noutra um taco de bilhar
(Rosa, 2007DA ROSA, Allan (2007). Zagaia. São Paulo: Difusão Cultural do Livro., p. 27).
A entidade do gato nas religiões afro-brasileiras é com frequência relacionada com o orixá Exu, o senhor das encruzilhadas e o mensageiro entre os outros orixás e o nosso mundo. A maneira como Allan da Rosa descreve o gato evoca a figura do malandro, que também é conectada a Exu, porque ele é uma entidade astuta e brincalhona. Por isso, a aparição repentina do animal tem função importante na vida de Zagaia. Victor Turner (1994)TURNER, Victor (1994). Betwixt and between: the liminal period in rites of passage. In: MAHDI, Louise Carus; FOSTER, Steven; LITTLE, Meredith (org.). Betwixt and between: patterns of masculine and feminine initiation. Chicago: Open Court Publishing Company. p. 3-19. observa como as máscaras, as fantasias e as figuras vinculadas aos rituais de iniciação têm características exageradas, quase como caricaturas. Ele argumenta que é um modo primordial de abstração que se transforma num objeto de reflexão. Então, o exagero das características “não é irracional, mas mentalmente provocantes” (Turner, 1994TURNER, Victor (1994). Betwixt and between: the liminal period in rites of passage. In: MAHDI, Louise Carus; FOSTER, Steven; LITTLE, Meredith (org.). Betwixt and between: patterns of masculine and feminine initiation. Chicago: Open Court Publishing Company. p. 3-19., p. 6) para o iniciante. Os encontros que Zagaia e Filomena têm com essas figuras dispõem a função de iniciar o processo de reflexão pela indefinição de limites entre o espaço da periferia e o espaço liminar do ritual.
O ato de escrever também serve como um portal para outros mundos por intermédio de elementos fantásticos ou surrealistas. Filomena, por exemplo, é sempre levada para um estado de sonho, ao produzir sua escritura:
O sono vem pesando em suas pálpebras. Filomena começa a cabecear, dar piscadas longas. Enquanto parece perder a consciência, a mão se mostra cada vez mais segura, o lápis manuseado com destreza passeia na brochura… Em cada linha, frases escritas em linda letra de mão. Surge a Entidade [Flores Vermelhas] (Rosa, 2008DA ROSA, Allan (2008). Da Cabula. São Paulo: Global., p. 40).
Ela apresenta dificuldade de escrever quando está acordada, por ser semianalfabeta, mas quando ela dorme ganha um dom especial de escrever palavras e frases bonitas. Robin D. G. Kelley (2003)KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press., falando do papel do surrealismo na literatura afro-diaspórica, classifica esse tipo de escritura como automatismo psíquico puro, ou escritura automática. Para ele,
o automatismo surrealista não é uma escritura de fluxo de consciência ou um tipo de escritura experimental e estranha, mas um estado de mente, um mergulho mais além da superfície da consciência. Uma luta contra a escravidão do racionalismo, da modernidade ocidental, um meio de deixar a imaginação correr livre (Kelley, 2003KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press., p. 160).
Ao começar a escrever em um estado de sonho, Filomena está entrando em um nível de consciência muito profundo no qual tem a liberdade para escrever seus pensamentos verdadeiros, que não estão moldados por limites da educação ou por um sistema racista que não a deixa se expressar por ser negra e da periferia. O que ela está fazendo com o ato de escrever é criar territórios alternativos, em que o ser negro brasileiro consegue viver em uma comunidade epistemológica na qual é permitido engajar-se em práticas culturais como proteção contra a opressão racial e conseguir as ferramentas socioculturais necessárias para construir e enunciar suas próprias identidades afro-brasileiras (Hanchard, 1995HANCHARD, Michael (1995). Black Cinderella?: race and the public sphere in Brazil. In: BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 169-189., p. 181-182).
As características surrealistas desses episódios de escrever enquanto dorme apresentam uma função muito importante: usar a imaginação como uma ferramenta que liberta e empodera sujeitos com pouco poder sobre suas vidas no mundo real da periferia urbana. A revolta negra sempre foi enraizada na revolução da mente. Não se trata de uma luta contra a condição de ser vítima, mas de liberar o potencial criativo para poder participar no trabalho da mudança social (Kelley, 2003KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press., p. 191-192). Cedric Robinson (1983)ROBINSON, Cedric (1983). Black marxism: the making of the black radical tradition. Chapel Hill: University of North Carolina Press., em seu trabalho sobre marxismo negro, argumenta que a revolta negra “sempre foi na estrutura da mente. Sua epistemologia concedeu supremacia à metafisica, não ao material” (Robinson, 1983ROBINSON, Cedric (1983). Black marxism: the making of the black radical tradition. Chapel Hill: University of North Carolina Press., p. 169). Esse trabalho da libertação da mente negra não se limita às obras literárias de Allan da Rosa4 4 Os trabalhos teóricos de Allan da Rosa, como Pedagoginga, autonomia e mocambagem (2013), focam no argumento de que o ensino de cultura e história de matriz africana pode ter efeito libertário nas comunidades periféricas e negras por intermédio da criação de um sistema alternativo de educação, o que volta à observação de Michael Hanchard (1995) de que afro-brasileiros podem estabelecer espaços alternativos epistemológicos que terão impacto duradouro. .
Tal justaposição de elementos, que à primeira vista não parece ser relacionada à vida dura na periferia de São Paulo, com figuras e atos extraordinários, revela o poder social e político do fantástico e do surrealismo nas comunidades afrodescendentes. Para o escritor afro-americano Richard Wright, o povo negro não precisa procurar o surrealismo ou o real maravilhoso, pois suas vidas já são surreais (apud Kelley, 2003KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press., p. 183). Isso quer dizer que Filomena e Zagaia já experimentam no mundo real eventos que são extraordinários, que produzem uma maneira diferente de ver e entender o mundo. Essas condições precárias enfrentadas pelos dois protagonistas fazem mais possível a oportunidade de ver detalhes que o resto da sociedade talvez não possa ver e assim visualizar um caminho alternativo.
O escritor afro-americano Ralph Ellison entendeu isso quando escreveu sobre sua comunidade do Harlem: “Um mundo tão fluido e oscilante que frequentemente dentro da mente o real e o irreal se combinam, e o maravilhoso acena por trás da mesma realidade sórdida que nega sua existência” (Kelley, 2003KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press., p. 191). Como Ellison, Allan da Rosa explora esse entendimento em ambas as obras literárias, descrevendo o mundo áspero de sua comunidade na periferia paulistana para subvertê-lo pela aparição de acontecimentos fantásticos que somente os protagonistas conseguem ver por causa de sua condição subalterna. O enfoque não é a realidade social da periferia, mas o que se pode ver por trás dela, um mundo maravilhoso cheio de possibilidades jamais pensadas.
A ideia do conceito (conceit, em inglês) de Houston Baker (1995)BAKER JR., Houston A. (1995). Critical memory and the Black public sphere. In: THE BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 5-38. ajuda a entender melhor como a negociação entre os mundos metafísico e material tem papel importante nas vidas de Zagaia e Filomena, simbolizando o funcionamento da esfera pública negra. O conceito são o equilíbrio e a tensão entre o mental e o real. Os protagonistas experimentam essa tensão várias vezes ao longo de suas respectivas tramas, como Filomena com a figura imaginativa de Flores Vermelhas, quando sonha, ou Zagaia baixando para um mundo mágico onde os negros moram em harmonia sem o medo de opressão. Para Baker (1995BAKER JR., Houston A. (1995). Critical memory and the Black public sphere. In: THE BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 5-38., p. 18), o conceito é “a recriação do pensamento para tornar-se sentimento”. Portanto, as experiências de Zagaia e Filomena nesses mundos imaginários são eventualmente trazidas para o mundo físico, influenciando na forma como os dois se comportam e agem em suas vidas cotidianas.
Na última cena da peça teatral, Filomena incorpora no mundo real o que ela tem sonhado: “Filomena caminha pela sua rua, usando tranças e bata africana” (Rosa, 2008DA ROSA, Allan (2008). Da Cabula. São Paulo: Global., p. 84). Mesmo que pareça ser um detalhe no texto, é muito significativo, porque explica como ela agora está expressando fisicamente a transformação que ocorreu em sua mente. A bata africana é um símbolo de afirmação negra, de orgulho por suas raízes africanas e de protesto contra o desrespeito que comunidades afrodescendentes experimentam em sociedades ocidentais contemporâneas. O ato de mudar o estilo de seu cabelo para usar tranças também representa uma aceitação de sua herança africana e de orgulho em mostrá-la publicamente em uma sociedade na qual os traços negros são com frequência vistos como negativos ou inferiores à beleza branca. Houston Baker (1995)BAKER JR., Houston A. (1995). Critical memory and the Black public sphere. In: THE BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 5-38. bem explica como a ideia do conceito se manifesta como algo tangível, refletindo os pensamentos e sentimentos da comunidade negra: “O líder da banda [musical], faz com que o estilo cultural e suas implicações filosóficas sejam tão palpáveis como o cheiro da cozinha negra do Sul [dos Estados Unidos]” (Baker, 1995BAKER JR., Houston A. (1995). Critical memory and the Black public sphere. In: THE BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 5-38., p. 18). Em Da Cabula, as ideias e os pensamentos sobre negritude agora se manifestam fisicamente por meio da roupa e do estilo de cabelo que Filomena decide usar na cotidianidade de sua vida.
Zagaia também experimenta essa transição do mental para o material, quando tem de enfrentar a realidade da morte de sua mãe:
Dizia o escamoso
Que vinha de Diadema
Anestesia e doença
Era o tema do dilema
A mãe de Zagaia na cama
Respirando com problema
(Rosa, 2007DA ROSA, Allan (2007). Zagaia. São Paulo: Difusão Cultural do Livro., p. 36).
A figura de um peixe, que pode ser uma referência à orixá Iemanjá, diz para Zagaia que precisa voltar ao mundo físico para lidar com os problemas enfrentados pela sua família5 5 Iemanjá, também conhecida como a rainha do mar, é considerada a mãe dos peixes, divindade da fertilidade, da maternidade e da água. . Mesmo que sua mãe faleça, as experiências que Zagaia teve no mundo místico africano servem bem para enfrentar futuros problemas, o que Allan da Rosa comunica efetivamente nas últimas duas linhas do livro: “Sorriso de um curumim / A quem mira adiante” (Rosa, 2007DA ROSA, Allan (2007). Zagaia. São Paulo: Difusão Cultural do Livro., p. 39). Zagaia enfrentará qualquer desafio que venha e não desistirá de buscar meios para melhorar sua vida, a vida de sua família e de sua comunidade. O tempo que um indivíduo pode passar num espaço liminar tem limites bem curtos, e ele terá de voltar à sociedade secular, mas o que traz de volta são capacidades mais atentas e um conhecimento mais amplo (Turner, 1994TURNER, Victor (1994). Betwixt and between: the liminal period in rites of passage. In: MAHDI, Louise Carus; FOSTER, Steven; LITTLE, Meredith (org.). Betwixt and between: patterns of masculine and feminine initiation. Chicago: Open Court Publishing Company. p. 3-19., p. 15). Zagaia precisa retornar a uma vida difícil com a morte de sua mãe e com a pobreza e a insegurança social que experimenta na periferia, mas ele é transformado de maneira permanente em como vê e entende a si mesmo e sua comunidade.
O ato de Zagaia e Filomena de trazer as experiências do mundo da imaginação para o mundo físico de São Paulo simboliza como os contrapúblicos negros transmitem os discursos previamente ocultos para um público maior. Isso é uma demonstração de situações em que comunidades negras criam seus próprios discursos ocultos para abordar seus próprios interesses em espaços seguros em países ocidentais, durante épocas de extrema violência racial como o escravismo e a política de segregação racial no sul dos Estados Unidos (Squires, 2002SQUIRES, Catherine R. (2002). Rethinking the black public sphere: an alternative vocabulary for multiple public spheres. Communication Theory, v. 12, n. 4, p. 446-468. https://doi.org/10.1111/j.1468-2885.2002.tb00278.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-2885.2002...
, p. 458)6
6
A ideia de discursos ocultos (hidden transcripts) foi desenvolvida por James C. Scott (1990) em seu livro Domination and the arts of resistance: hidden transcripts. Ela argumenta que povos marginalizados historicamente usavam discursos ocultos entre si para subverter o sistema de poder. Além dos discursos ocultos, eles também usavam discursos públicos em certos contextos com indivíduos e institutos de poder para poder navegar contra a hierarquia social.
.
A entrada dos protagonistas de Allan da Rosa em espaços imaginários para livremente falar de ideais e explorar questões sobre sua história, cultura e identidade pode ser interpretada como um tipo de transcrição oculta, porque forja um espaço protegido da realidade do mundo urbano, em que eles não têm de se preocupar com julgamentos nem com violência do Estado. Após comunicar tais discursos internos que os beneficiam e os fortalecem, existem oportunidades, quando podem ser revelados na arena pública (Squires, 2002SQUIRES, Catherine R. (2002). Rethinking the black public sphere: an alternative vocabulary for multiple public spheres. Communication Theory, v. 12, n. 4, p. 446-468. https://doi.org/10.1111/j.1468-2885.2002.tb00278.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-2885.2002...
, p. 458). Zagaia e Filomena expressam ideias e pensamentos previamente circulados sobre o orgulho nas cultura e identidade negras entre pessoas e figuras místicas no mundo da mente para depois expressá-las para sua comunidade, na periferia de São Paulo, e para a sociedade brasileira. Poder explorar ideias e pensamentos num espaço metafísico livre de preconceito e desigualdade social oferece aos protagonistas a oportunidade de desenvolver a habilidade de engajar-se efetivamente em instituições de poder.
A autoafirmação pública de Zagaia e Filomena de sua identidade negra e de sua condição como residente da periferia no fim dos dois textos pode ser interpretada como uma representação do desenvolvimento de alternativas públicas negras que afirmam o valor de sua identidade e história em relação aos discursos dominantes eurocêntricos. Esse debate cria uma fricção social contra as forças públicas hegemônicas (Warner, 2005WARNER, Michael (2005). Publics and counterpublics. Nova York: Zone Books., p. 119-120). Os discursos afrocêntricos viajam fora dos espaços seguros para argumentar contra conceitos dominantes que os definem e para comunicar os interesses do grupo. Agora, os discursos ocultos, previamente comunicados nos enclaves étnicos, são comunicados para os públicos dominantes (Squires, 2002SQUIRES, Catherine R. (2002). Rethinking the black public sphere: an alternative vocabulary for multiple public spheres. Communication Theory, v. 12, n. 4, p. 446-468. https://doi.org/10.1111/j.1468-2885.2002.tb00278.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-2885.2002...
, p. 460).
Assim, Zagaia e Filomena afirmam a ideia de ter orgulho da história e da cultura afro-brasileira de uma maneira definida por eles e não pela esfera pública dominante, que somente aceita aspectos da cultura negra que não ameacem a ordem social brasileira, como o samba ou o carnaval. A decisão de Filomena de usar em público uma bata africana e de Zagaia de sorrir quando enfrenta dificuldades da vida reflete como indivíduos e organizações políticas afro-brasileiras levam suas práticas culturais e sociais para o público para combater o racismo e a discriminação socioeconômica (Hanchard, 1995HANCHARD, Michael (1995). Black Cinderella?: race and the public sphere in Brazil. In: BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 169-189., p. 181-182). Portanto, os discursos que saem dos contrapúblicos negros questionam discursos circulados na sociedade dominante como a democracia racial e a posição social inferior dada às comunidades negras em lugares como a periferia paulistana.
Para conceber soluções e oportunidades em espaços marcados pela violência do Estado e pelo racismo, a prática central da esfera pública negra precisa ser baseada na imaginação. Houston Baker (1995)BAKER JR., Houston A. (1995). Critical memory and the Black public sphere. In: THE BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 5-38., em seu estudo sobre a formação da esfera pública afro-americana, argumenta que a esfera pública negra precisa ser centrada na imaginação como prática social. Ele inclui o exemplo de Martin Luther King Jr. para ilustrar como o líder usou frequentemente no seu trabalho a imaginação na esfera pública do movimento de direitos civis para poder “transformar estruturalmente o Sul dos Estados Unidos” (Baker, 1995BAKER JR., Houston A. (1995). Critical memory and the Black public sphere. In: THE BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 5-38., p.12). Arjun Appadurai (1990)APPADURAI, Arjun (1990). Disjuncture and difference in the global cultural economy. Theory, Culture & Society, v. 7, n. 2-3, p. 295-310. https://doi.org/10.1177/026327690007002017
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explica com mais detalhes como funciona a imaginação como prática social:
A imagem, o imaginado, o imaginário — estes são termos que nos guiam a algo crítico e novo nos processos culturais globais: Não mais pura fantasia… não mais escape simples… não mais passatempo das elites… e não mais pura contemplação… a imaginação tem se tornado um campo organizado de práticas sociais, uma forma de trabalho… e uma forma de negociação entre sítios de agência e campos de possibilidade globalmente definidos (Appadurai, 1990APPADURAI, Arjun (1990). Disjuncture and difference in the global cultural economy. Theory, Culture & Society, v. 7, n. 2-3, p. 295-310. https://doi.org/10.1177/026327690007002017
https://doi.org/10.1177/0263276900070020... , p. 274).
A imaginação é trabalho social e política com a finalidade de fornecer novas maneiras de pensar como deve ser, ou, melhor, como pode ser a condição social de grupos com escassas opções. Ao considerar-se outras possibilidades muito além de sua situação atual, pode-se instigar uma ação concreta que causa mudanças na estrutura social existente. Voltando a Houston Baker (1995)BAKER JR., Houston A. (1995). Critical memory and the Black public sphere. In: THE BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 5-38., esse trabalho social da imaginação é importante para o intelectual negro, para quem o ativismo e a especulação (ou, no contexto de Allan da Rosa, o fantástico na literatura) são raramente separados um do outro. A especulação, segundo Baker (1995BAKER JR., Houston A. (1995). Critical memory and the Black public sphere. In: THE BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 5-38., p. 20-21), é para um fim de liberação social.
O trabalho da imaginação não tem o objetivo de ser mera contemplação individual, senão de tomar conta da ação e mudar a atual condição social de sujeitos marginalizados. Então, Appadurai (1990)APPADURAI, Arjun (1990). Disjuncture and difference in the global cultural economy. Theory, Culture & Society, v. 7, n. 2-3, p. 295-310. https://doi.org/10.1177/026327690007002017
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observa que o trabalho da imaginação não é apenas um escape simples, mas uma prática social. Dessa maneira, o ato de se retirar para poder refletir e imaginar outras possibilidades, além do presente, propicia a mobilização de indivíduos e grupos marginalizados para enfrentar os sistemas de poder. Isso ocorre com as comunidades afrodescendentes, que se retiram para suas próprias esferas públicas, nas quais podem refletir e discutir livremente sobre novas ideias e lidar com a realidade de suas comunidades. Esse trabalho de preparação resulta na afirmação de sua identidade e interesses sociais por meio da criação de discursos que contestam as categorias sobre raça e classe social encontrados na esfera pública hegemônica (Squires, 2002SQUIRES, Catherine R. (2002). Rethinking the black public sphere: an alternative vocabulary for multiple public spheres. Communication Theory, v. 12, n. 4, p. 446-468. https://doi.org/10.1111/j.1468-2885.2002.tb00278.x
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, p. 460). Em tal caso, o que foi inicialmente imaginado agora pode entrar na arena pública para tornar-se uma realidade para povos marginalizados. Isso não quer dizer que fenômenos sobrenaturais vão materializar-se, porém que possibilidades nunca imaginadas serão produzidas, como o empoderamento de cidadãos negros periféricos e realidades sociais não racistas e mais justas.
Zagaia e Dona Filomena não podem permanecer interminavelmente nos espaços liminais de sua imaginação, contudo as experiências que eles têm nesses nenhum-lugares — que vêm do termo nowhere, de Robin D. G. Kelley (2003KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press., p. 2) — gera impacto duradouro em suas vidas, resultando em ação política. Os dois protagonistas representam a formação de contrapúblicos negros nas periferias brasileiras (em organizações ou eventos culturais, políticos e sociais) que usam estratégias criativas para poder imaginar uma realidade alternativa na qual há oportunidades para formar e enunciar identidades previamente estigmatizadas ou silenciadas.
A contextualização do trabalho literário de Allan da Rosa no esquema teórico da imaginação radical negra contribui para discussões maiores sobre como a literatura afro-brasileira contemporânea, que faz parte de uma tradição de produções literárias e culturais afro-diaspóricas, possibilita o uso da imaginação como uma prática política libertadora. Os estudos de Paul Gilroy (1993)GILROY, Paul (1993). The Black Atlantic: modernity and double-consciousness. Cambridge: Harvard University Press. e Robin D. G. Kelley (2003)KELLEY, Robin D. G. (2003). Freedom dreams: the black radical imagination. Boston: Beacon Press. enfocam no trabalho criativo de comunidades negras nos Estados Unidos, na Europa e no Caribe, mas os paralelos que existem entre aqueles escritores e artistas e escritores afro-brasileiros como Allan da Rosa revelam que os elos entre eles representam uma experiência social em comum, baseada na história do sistema escravagista transatlântico e na opressão social relacionada à condição negra. Então, Allan da Rosa usa essas estratégias para enfrentar tal violência racial e social, como, por exemplo: o uso da imaginação não somente para escapar dos problemas da sociedade, mas como uma ferramenta para gerar ideias e pensamentos alternativos à realidade atual. Isso permite também a circulação de discursos que afirmam práticas culturais afrodescendentes e questionam discursos hegemônicos baseados na diferença racial e social.
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A literatura de cordel é uma tradição oral da região nordestina brasileira com raízes portuguesas e africanas. Começou no século XIX e continua até hoje, com uma presença forte na periferia de São Paulo. A literatura de cordel é escrita em forma de um poema épico de estrofes de quatro, seis, sete, ou 10 linhas, com a sextilha (seis linhas) sendo a mais comum hoje em dia. O nome literatura de cordel vem da prática de pendurar os panfletos publicados com os poemas em cordas, para serem vendidos em lugares públicos. Além de escrever literatura de cordel, Allan da Rosa organiza oficinas sobre o gênero literário para ensinar a outros a tradição.
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2
Para a ideia da liminaridade, eu estou usando o conceito desenvolvido por Victor Turner (1994)TURNER, Victor (1994). Betwixt and between: the liminal period in rites of passage. In: MAHDI, Louise Carus; FOSTER, Steven; LITTLE, Meredith (org.). Betwixt and between: patterns of masculine and feminine initiation. Chicago: Open Court Publishing Company. p. 3-19.. Ele argumenta que momentos liminais ocorrem durante rituais no qual o iniciante entra num espaço-tempo temporário fora do mundo atual. No contexto do Allan da Rosa, se relaciona com a ideia da fresta e da fratura, de poder sair do tempo para poder refletir e experimentar uma existência diferente.
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3
A noção de uma esfera pública idealizada foi desenvolvida por Jürgen Habermas (1991)HABERMAS, Jürgen (1991). The structural transformation of the public sphere: an inquiry into a category of bourgeois society. Cambridge: MIT Press. em seu trabalho importante The structural transformation of the public sphere: an inquiry into a category of bourgeois society. Ele afirma que os cidadãos de uma sociedade poderiam se congregar em uma esfera pública única em que seriam capazes de dialogar sobre suas necessidades e seus interesses para chegar a um consenso natural.
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Os trabalhos teóricos de Allan da Rosa, como Pedagoginga, autonomia e mocambagem (2013), focam no argumento de que o ensino de cultura e história de matriz africana pode ter efeito libertário nas comunidades periféricas e negras por intermédio da criação de um sistema alternativo de educação, o que volta à observação de Michael Hanchard (1995)HANCHARD, Michael (1995). Black Cinderella?: race and the public sphere in Brazil. In: BLACK PUBLIC SPHERE COLLECTIVE (org.). The Black public sphere: a public culture book. Chicago: University of Chicago Press. p. 169-189. de que afro-brasileiros podem estabelecer espaços alternativos epistemológicos que terão impacto duradouro.
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Iemanjá, também conhecida como a rainha do mar, é considerada a mãe dos peixes, divindade da fertilidade, da maternidade e da água.
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A ideia de discursos ocultos (hidden transcripts) foi desenvolvida por James C. Scott (1990)SCOTT, James C. (1990). Domination and the arts of resistance: hidden transcripts. New Haven: Yale University Press. em seu livro Domination and the arts of resistance: hidden transcripts. Ela argumenta que povos marginalizados historicamente usavam discursos ocultos entre si para subverter o sistema de poder. Além dos discursos ocultos, eles também usavam discursos públicos em certos contextos com indivíduos e institutos de poder para poder navegar contra a hierarquia social.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Maio 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
25 Jul 2022 -
Aceito
13 Mar 2023