Open-access Ruge a carta, corresponde o arado, ara o rugido: utopias de comunidade na literatura brasileira contemporânea

The letter roars, the plow corresponds, the roar plows: utopias of community in contemporary Brazilian literature

La letra ruge, el arado corresponde, ara el rugido: utopías de comunidad en la literatura brasileña contemporânea

Resumo

Concomitantemente ao recrudescimento do autoritarismo na política e à emergência de um período de desesperança marcado pelas consequências da pandemia da COVID-19, há um sintoma que pode ser detectado em vários romances da literatura brasileira contemporânea, a elaboração nos tecidos ficcionais de figurações de utopias de comunidade. No caso do corpus foco deste artigo — Carta à rainha louca, de Maria Valéria Rezende (2019), Torto arado, de Itamar Vieira Junior (2019), e O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk (2021) —, essa utopia projeta um futuro com direitos humanos preservados ao reconstruir o passado com base em outras perspectivas, sublinhando a denúncia da violência sistêmica contra marginalizados e da revolta latente, que demandam a reparação contra as violências sistêmicas da sociedade brasileira. Pela análise de aspectos textuais e extratextuais, sabendo que o limite entre esses domínios é poroso, o artigo perscruta dois desdobramentos desses aspectos: a constituição temática no enredo de eventos que figuram utopias de comunidade; e a elaboração das vozes de narradores que demarcam tensões entre representação e alteridade.

Palavras-chave: literatura e sociedade; utopias de comunidade; narrador; história a contrapelo e ficção

Abstract

Alongside the rise of authoritarianism in politics and the emergence of a period of hopelessness marked by the consequences of the COVID-19 pandemic, there is a symptom that can be detected in several novels of contemporary Brazilian literature, precisely the elaboration in the fictional tissues of figurations of community utopias. In the case of the corpus focused on in this article — Carta à rainha louca, by Maria Valéria Rezende (2019), Torto arado, by Itamar Vieira Junior (2019), and O som do rugido da onça, by Micheliny Verunschk (2021) — this utopia projects a future with human rights preserved by reconstructing the past from other perspectives, underlining the denunciation of systemic violence against the marginalized and the latent revolt that demands reparation against the systemic violence in Brazilian society. Based on the analysis of textual and extratextual aspects, knowing that the boundary between these domains is porous, the article examines two developments: the thematic constitution in the plot of events that figure utopian communities and the elaboration of the narrators’ voices, which outline tensions between representation and alterity.

Keywords: literature and society; utopian communities; narrator; history against the grain and fiction

Resumen

Junto al auge del autoritarismo en la política y al surgimiento de un período de desesperanza marcado por las consecuencias de la pandemia del COVID-19, hay un síntoma que puede detectarse en varias novelas de la literatura brasileña contemporánea, a saber: la elaboración en los tejidos ficcionales de figuraciones de utopías comunitarias. En el caso del corpus central de este artículo — Carta à rainha louca, de Maria Valéria Rezende (2019), Torto arado, de Itamar Vieira Junior (2019), y O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk (2021) —, esta utopía proyecta un futuro con los derechos humanos preservados reconstruyendo el pasado desde otras perspectivas, subrayando la denuncia de la violencia sistémica contra los marginados y la revuelta latente que exige reparaciones contra la violencia sistémica de la sociedad brasileña. Analizando aspectos textuales y extratextuales, sabiendo que la frontera entre estos dominios es porosa, el artículo examina dos desarrollos de estos aspectos: la constitución temática en la trama de acontecimientos que presentan utopías de comunidad; y la elaboración de las voces de los narradores, que demarcan tensiones entre representación y alteridad.

Palabras-clave: literatura y sociedad; utopías de comunidad; narrador; historia al revés y ficción

CONTEXTO

No Brasil, sobretudo após o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, é possível afirmar que grande parte das discussões na área de humanidades e em ambientes não acadêmicos passou a enfatizar as violências relacionadas às questões raciais, de gênero e dos povos originários. Como resposta à arbitrariedade legal evidenciada de maneira escandalosa pelo processo político, levantaram-se vozes de estudiosas e estudiosos da área de humanidades multiplicadas por causa, em grande parte, da democratização ao acesso às universidades públicas e comunitárias, no âmbito das políticas públicas que começaram nos anos anteriores. Não raramente, uma das tarefas dessas vozes era reescrever, em diferentes mídias, a história brasileira reencenando as vozes que foram caladas pela violência sistêmica do processo político e econômico e por uma narrativa oficial elitista — tarefa que já vinha sendo feita, mas que se intensificou1.

Neste ensaio, não busco fazer uma análise social desse fenômeno apoiando-me em dados exaustivos; aponto nesta introdução percepções de alguém que passou por esse momento como recém-egresso da pós-graduação e jovem professor universitário. São impressões cujo objetivo é formar um panorama do contexto de circulação dos bens culturais para refletir sobre o que parece ser um sintoma que pode ser lido em alguns romances da literatura brasileira atual. Não há como desenvolver essa tarefa desconsiderando que as preocupações das ciências humanas (e, por extensão, dos estudos literários) com os temas relacionados às minorias se amplificaram no Brasil no momento em que personagens antes representadas na literatura brasileira como vítimas de violências sociais se transformaram em leitores e atores de uma literatura contemporânea que circula entre o público com algum contato com a academia.

Ao mesmo tempo, a ameaça às conquistas sociais ou à esperança da continuidade de um projeto de social-democracia conduzia a um imaginário de falta de perspectiva de futuro associado às crises econômicas e à posição periférica da economia brasileira, vulnerável a arroubos neoliberais como a precarização das condições de trabalho, a subserviência tecnológica e a dependência da exportação predatória de commodities. Além disso, o crescimento dos fundamentalismos reacionários, saudosos pela volta de um regime autoritário, explicitava no plano discursivo o elogio aos dispositivos da necropolítica, que Achille Mbembe (2016, p. 146) atribui às “formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte”. Essas questões permaneceram pungentes com a vitória da extrema-direita nas eleições de 2018 e a chegada da pandemia em 2020. Nesse caso, ao elogio às armas de fogo, que são “implantadas no interesse da destruição máxima de pessoas e da criação de ‘mundos de morte’” (Mbembe, 2016, p. 146), somaram-se a letalidade do vírus da COVID-19 e o assumido negacionismo daquele governo em combater a epidemia.

Havia, no entanto, vozes resistentes e contrárias à apologia do signo da morte. A volta a uma utopia de comunidade, de vida em comum, era um desejo que aparecia como possibilidade de futuro em lives, comentários, redes sociais (ainda que houvesse lados opostos e outros lados) e alguns canais de televisão e veículos da imprensa. Essas vozes fizeram-se mais estridentes bem no tempo em que a assepsia e a separação dos corpos eram sinônimos de manutenção da vida. Ao lado de milhares de mortes, muitas negligenciadas pelos negacionismos, houve um movimento reivindicatório do espaço público que restava.

Nesse contexto, entre os anos 2016 e 2022, tornou-se notável um sintoma que pode ser vislumbrado em pelo menos três romances da literatura brasileira atual, a elaboração nos tecidos ficcionais de figurações de utopias de comunidade. Uso o termo utopia, em sentido amplo, não com a pretensão de fazer referência exclusiva ao gênero literário com esse nome iniciado por Thomas Morus (Baldick, 2001, p. 269), mas para descrever a imaginação, criada no enredo, que projeta alguma esperança de futuro diferente do presente2. No caso do conjunto de livros que tenho como foco, Carta à rainha louca, de Maria Valéria Rezende (2019), Torto arado, de Itamar Vieira Junior (2019), e O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk (2021), poderia pensar que a diferença se relacionaria àquilo que se convencionou chamar de direitos humanos, ou seja, um porvir sem violência contra as minorias (mulheres, negros, população LGBT), um futuro respirável3 e com possibilidade de esperança não asfixiada, mas também um futuro forjado pela luta ou mesmo pela possibilidade de revolta e reparação contra as violências sistêmicas da sociedade brasileira. Por meio da análise de aspectos textuais e extratextuais, sabendo que o limite entre esses domínios é poroso, aponto como hipótese desdobramentos de dois desses aspectos: a constituição temática no enredo de eventos que figuram utopias de comunidade; e a elaboração das vozes de narradores que demarcam tensões entre representação e alteridade.

UTOPIAS DE COMUNIDADE

Para pensar sobre as utopias de comunidade, é necessário delimitar quais sentidos a expressão comunidade pode assumir no decorrer deste ensaio. Como lembra Julie Brugier (2023), Ferdinand Tönnies foi quem ainda no século XIX estabeleceu a dicotomia entre sociedade e comunidade. Enquanto aquela seria regida pelas regras estabelecidas pelos sistemas políticos baseados no poder capitalista, nesta, por se tratar de uma organização tipicamente pré-capitalista, a organização se daria por meio de regras consuetudinárias. No fim do século XIX e início do XX, portanto, a utopia de comunidade poderia ser imaginada como a negação da organização da sociedade capitalista em prol de um retorno à comunidade, no entanto não é a essa dicotomia que nos referimos. Jean-Luc Nancy (1990), aliás, critica essa dicotomia apontando para a possibilidade de totalitarismo de comunidades unicamente identitárias, quando se consideram unidas por meio de uma origem comum idealizada.

Voltando ao escopo deste artigo, é necessário dizer que, nos romances supracitados, a construção de uma utopia de futuro não se baseia na ideia de que a retomada de raízes idealizadas poderia, ao reconstituir um caráter primordial, consolidar uma comunidade coesa e infalível. Não é disso que se trata.

Pensando nas comunidades imaginadas no tecido ficcional e como aparecem nessas figurações tensões que afetam o ato da leitura, seria interessante para melhor definir esses arranjos comunitários se referir às metáforas de comunidade presentes em Roberto Esposito (2010). Justapondo seu paradigma de imunidade à biopolítica de Foucault, Esposito (2010) volta às raízes etimológicas das palavras comunidade (communitas) e imunidade (immunitas) explicando que esta segunda revelaria a forma negativa ou privativa da primeira. Assim, se a communitas estabeleceria uma relação que, “vinculando os seus membros a um objetivo de doação recíproca, põe em perigo a identidade individual”, a immunitas seria uma condição de “dispensa dessas obrigações e por conseguinte de defesa ante os seus esforços expropietários” (Esposito, 2010, p. 80). A immunitas, portanto, protegeria quem dela é portador de contatos arriscados com o comum. Se o mecanismo da immunitas implicaria uma “substituição ou contraposição pelos modelos privatísticos ou individualistas de uma forma de organização de tipo comunitário”, então seria evidente a conexão estrutural com os processos de modernização (Esposito, 2010, p. 80).

Retomando o campo semântico biológico no qual as expressões se inscrevem, a imunidade (immunitas) teria como par antagônico a comunidade (communitas). Se a imersão absoluta na comunidade levaria à dissolução do indivíduo no coletivo, a imunidade seria a instância que o conservaria fora do arranjo comunitário, ou seja, aquilo que o tornaria indiviso. Para Esposito (2010), seria a relação dialética entre immunitas e communitas que estabeleceria o equilíbrio, possibilitando a vida em comunidade. Ao sujeito, seria possibilitada a proteção da vida em conjunto a partir do momento em que, em contato com o antígeno, conseguisse imunizar-se produzindo anticorpos. Portanto, o contato com o antígeno, o outro, seria necessário para que houvesse a imunização e se garantisse a comunidade, equilibrando tanto o excesso do que é individual quanto o excesso do que é comunitário. Ao tratar de Lucio Cardoso e Clarice Lispector, Raul Antelo (2017, p. 235) desdobra o par comunidade/imunidade em uma “idenditad trilemática: es, no, es, así como es y no es, todo simultaneamente”.

Em certo aspecto, a relação que o Estado moderno estabelece com os sujeitos deixaria ao código escrito e à força a regulação do equilíbrio que antes era mantido por outros arranjos como aqueles da dádiva na comunidade4. Assim, a relação consuetudinária passaria a ser regulada e o sujeito, assujeitado pelo Estado, mas detentor de sua própria intimidade reconhecida como bem pelas leis, em vez de submeter-se ao costume e ao contato com os antígenos, passaria a sujeitar-se ao que está determinado pela lei.

Esposito (2010) prevê que a immunitas tomada como regra, controlada por uma força externa, seja ela o Estado, seja o mercado, poderia levar a tal falta de contato do indivíduo com o antígeno (o outro), o que acabaria por provocar uma completa falta de percepção da comunidade, como em uma doença autoimune. O imperativo da segurança dos controles sociais contemporâneos levaria, assim, a uma completa negatividade em relação ao outro. Essa relação entre comunidade e imunidade parece ser a mesma que estamos afirmando a respeito dos enredos de literatura contemporânea, porque, de certa forma, dá pistas sobre narradores/enredo, enredo/leitores, autores/leitores e a necessidade de se proporem enredos em que estejam figuradas utopias de comunidades, sobretudo numa lógica em que o poder de justiça do Estado é débil e está em prol da política do privilégio e da necropolítica.

É necessário ainda sublinhar que a palavra comunidade se refere igualmente a uma instância extradiegética, formada pelos atores do campo literário — autores, leitores e demais agentes. Para Benedict Anderson (2008), a cultura impressa foi a condição que possibilitou imaginar uma comunidade com base no critério nacional, uma vez que jornais e romances teriam construído a simultaneidade em um tempo homogêneo, permitindo que os habitantes de uma nação compartilhassem um sentimento de vida comum. Se na cultura do impresso dos séculos XIX e XX a imprensa e o romance tiveram papel incontornável para forjar a ideia de comunidade nacional imaginada, na nossa cultura da convergência5 é possível apenas afirmar que o romance contemporâneo participa juntamente com outras tantas instâncias da criação dessa utopia de comunidade futura imaginável.

As práticas de leitura que se estabelecem entre leitores, romances e autores na sociedade hiperconectada são complexas, pois nesta a leitura envolve a convergência entre mídias tradicionais, como os livros impressos, e novas mídias, como as redes digitais. Assim, as práticas convergentes de leitura de ficção, bem como o sucesso no mercado editorial de romances marcados pela porosidade entre os limiares autobiográficos e ficcionais, confluem para a constituição de sociabilidades pautadas na impressão de contato próximo, via predominantemente redes sociais, entre comunidades de leitores e autores.

Nesse sentido, a leitura é movida por interesses, conscientes ou não, que oscilam entre o querer levar-se pelo entretenimento e/ou pela fruição, o querer identificar-se com o ângulo como a narrativa é contada ou com a situação das personagens, o querer comungar da mobilização crítica em relação a problemas sociais pulsantes na sociedade, o querer encontrar coerência entre a posição política predominante no romance e a persona do autor — que circula na internet e em outras mídias. Ainda que não seja extenso, esse rol de quereres do leitor leva o pesquisador de literatura contemporânea a perceber que os julgamentos em torno de determinado romance envolvem muitas perspectivas que atravessam questões morais, éticas e estéticas, sem que seja possível isolá-las, pois funcionam simultaneamente e porque ele mesmo, o pesquisador, está nelas imbricado.

Regina Dalcastagnè (2011) observa que na literatura brasileira se constatava que o “silêncio dos grupos marginalizados — entendidos [...] como todos aqueles que vivenciam uma identidade coletiva que recebe valoração negativa da cultura dominante” (Dalcastagnè, 2011, p. 15-16) — era coberto por vozes que se sobrepunham a eles. Assim, era constante a tensão entre “autenticidade do depoimento” e a “legitimidade (socialmente construída)” (Dalcastagnè, 2011, p. 15-16) para narrar. Embora o panorama tenha se alterado desde 2011, ano em que o estudo foi publicado, uma vez que vozes de autores que provêm dos grupos marginalizados vieram à tona mesmo nas grandes editoras, a tensão ainda continua. Inseridos nesse contexto, em Carta à rainha louca, Torto arado e O som do rugido da onça, pode-se dizer que o convívio com as tensões leva os autores a criarem mecanismos narrativos que se propõem a lidar com a diferença entre as posições sociais e temporais das personagens que performam a narrativa e as dos autores.

Isso porque em Carta à rainha louca há uma remetente escrevendo a uma destinatária no fim do século XVIII; em Torto arado há uma narrativa constituída de maneira polifônica, com três narradoras — duas irmãs quilombolas e uma entidade do jarê, religião de matriz africana —; e em O som do rugido da onça aparece uma narradora que empresta sua voz para desdobrar-se na experiência de uma criança que viveu no século XIX, de uma jovem que vive no mundo contemporâneo e de uma onça. Se Maria Valéria Rezende é professora, freira, em Carta à rainha louca foi na pesquisa em arquivos em Portugal que encontrou a personagem que escreve a missiva de seu livro. Itamar Vieira Júnior é geógrafo, servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e doutorou-se estudando os povos quilombolas do interior da Bahia. Do estudo desse Brasil profundo, vem a matéria de Torto arado. Já Micheliny Verunschk é historiadora e dá pistas das fontes de sua pesquisa no fim do livro.

Esse aspecto transforma as autoras e o autor em narradores experientes, mas a escolha narrativa não possibilita confusão entre autores e personagens. Nesse sentido, em vez de um suposto egotismo da autorreferência — de que são acusados alguns relatos autobiográficos ou autoficcionais6 —, a forma narrativa escolhida coloca seus livros no olho da crise da necessidade de performar uma ideia de comunidade e defendê-la, provocando leituras em disputa que, ao discutirem a autenticidade da relação entre representação romanesca e constituição social dos autores, dos narradores e das personagens, revelam a heterogeneidade das dissidências entre a comunidade de leitores desses livros.

Para além desses aspectos, nesses três romances, a figuração de um passado recontado acaba por criar em parte do público leitor um conforto de porvir utópico, no desconforto da leitura das violências das relações históricas brasileiras, de um passado compartilhado, recontado a partir de um ponto de vista descolonizado.

Em Carta à rainha louca, o enredo trata de uma missiva escrita entre 1789 e 1791 cuja remetente é Isabel, uma mulher branca, nem escravizada, nem senhora, que serve de ama a uma moça rica. A destinatária da carta é D. Maria I, conhecida como a rainha louca. Isabel lhe escreve porque fora condenada à prisão em um convento por ter sido considerada louca, como a rainha, e ter se aventurado a abrir uma comunidade religiosa feminina sem autorização da Coroa ou do Vaticano. O longo período de elaboração da carta faz a remetente contar os percalços que dificultaram a continuidade da escrita e os hiatos desse processo. Além disso, narra como foi sua vida, parte dela com a sua senhora, Blandina, e como a sorte das duas mulheres esteve atrelada a decisões de homens, mesmo quando estes eram mal-intencionados — de um homem sedutor que engravidou Blandina e fugiu, passando pelo pai de sua senhora, que separou mãe e bebê, enviando a filha para encarceramento em um convento, onde ela acabou padecendo, até perseguições e aprisionamento de Isabel por ela travestir-se de homem para sobreviver trabalhando como escrivão.

Foi o conhecimento dessa Vossa bondade [da rainha] que me incitou a escrever-Vos para que, sabendo como sofrem as mulheres encerradas à força nos conventos desta colônia usados como calabouços para elas em razão de crimes que não cometeram, queirais fazer valer Vosso poder para salvá-las (Rezende, 2019, p. 18).

A menção à bondade da destinatária revela a estratégia de emulação do tom encomiástico da carta, escrita supostamente há mais de 200 anos. Isabel roga à sua correspondente o perdão da pena que recebera, pois quer se livrar da prisão no convento e conquistar a cumplicidade da rainha, a qual, assim como a remetente, sabia que as mulheres eram consideradas loucas quando superavam as expectativas de submissão conferidas a elas pelos homens que detinham o poder, sem direito a viver em liberdade. Quando Isabel se dirige à rainha em busca de sororidade, está dirigindo-se às leitoras contemporâneas do livro, a quem também busca conquistar.

Logo, não seria exagero dizer que a cumplicidade de leitoras e leitores constitui uma ideia de convívio. É com essa comunidade de leitoras e leitores, por meio da Carta, que a autora, incorporada na narradora, passa a compartilhar o conhecimento do passado histórico de mulheres cujas histórias foram apagadas e do processo da remetente, cuja fonte são os arquivos ultramarinos de Lisboa7, onde Maria Valéria Rezende encontrou a carta de defesa irônica de uma mulher acusada de criar um convento clandestino, que foi mote para o livro.

Dada a distância no tempo que o livro se propõe a explorar, a proximidade com leitoras e leitores não se constitui sem reconhecer-se certo estranhamento. Isabel das Santas Virgens escreve em uma língua que faz pastiche do português do século XVIII. Isso pode provocar algum espanto ou dificuldade de leitura, mas nem tanto a ponto de afastar o leitor atual, mesmo porque aparecem no corpo do texto subterfúgios utilizados para conferir verossimilhança à carta. “Se a carta foi escrita em meio a tantos percalços, como Isabel teria conseguido acesso a tinta e papel?”, poderia pensar o leitor. A narradora então conta a saga para conseguir papel clandestino e fazer tinta às vezes com seu próprio sangue. Outra pergunta poderia ser: “Como o discurso de Isabel pode ser tão crítico à sua sociedade e parecer-se tanto com as críticas atuais ao machismo estrutural?”. Para essa pergunta, vemos trechos rasurados (Figura 1) que afirmam o que ela gostaria sinceramente de dizer, se não tivesse de manter o decoro de escrever uma carta à rainha e de calar-se diante da violência.

Figura 1
Exemplo de rasuras tipográficas no livro Carta à rainha louca.

Além disso, para que o leitor reconheça com maior verossimilhança o passado, são incluídos na narrativa da carta lugares-comuns sobre personagens como Padre Antônio Vieira e Gregório de Matos — nesse caso, as informações não são detalhes biográficos raros, mas informações facilmente reconhecíveis pelo leitor atual que tenha ouvido falar do sermonista e do poeta talvez durante as aulas de literatura no ensino médio. O processo da leitura vai se constituindo pelo reconhecimento do familiar, ao mesmo tempo que os episódios não reconhecidos são acumulados como novos capítulos de uma história até então desconhecida. O efeito do atravessamento de temporalidades que a estrutura narrativa proporciona em Carta à rainha louca é interacional, configurando-se em dispositivo que, pela relação entre identificação e estranhamento, oferece uma esperança de futuro não machista. Daí o sentido da utopia e a geração da sensação, ainda que efêmera, de pertencimento a uma comunidade de leitores.

Embora não recorra ao híbrido entre romance e gênero epistolar, Torto arado coloca diante do leitor a articulação entre várias temporalidades e diversas vozes narrativas. Aliás, trata-se de um livro que conquistou uma quantidade espantosa de leitores para o contexto brasileiro, dados a repercussão que alcançou na mídia tradicional e nas redes sociais, os prêmios que venceu — Leya (2018, Portugal), Jabuti e Oceanos (Brasil, 2020) e Montluc Résistance et Liberté (França, 2024) — e os mais de 800 mil exemplares vendidos no Brasil, tendo alcançado sua 29ª reimpressão.

Rejane Pivetta de Oliveira e Claudia Luiza Caimi (2022) já chamaram a atenção para o fato de que, em Torto Arado, “a narrativa articula temporalidades e imaginários culturais, fazendo confluir práticas e experiências vinculadas a memórias ancestrais de cosmologias africanas e indígenas” (Oliveira; Caimi, 2022, p. 2), possibilitando “a reivindicação de uma outra história na voz dos vencidos” (Oliveira; Caimi, 2022, p. 2), em cujas frestas fulguram utopias do porvir. Este estudo segue caminho paralelo, tratando menos dos sentidos profundos da presença das cosmologias africanas e indígenas, o que as duas autoras muito bem analisam, e mais da potência que as estratégias narrativas provocam na leitura.

Em Torto arado, quem narra a primeira parte, “Fio de Corte”, é Bibiana; a segunda, “Torto Arado”, é Belonísia; e a terceira, “Rio de Sangue”, é a entidade Santa Rita Pescadeira. A escolha de três narradoras distintas não só move as perspectivas de narração do romance, mas provoca aproximação do leitor com os sentimentos dessas narradoras, pelo menos no caso de Belonísia e Bibiana, e de uma voz que está autorizada a desvendar racismos, machismos e desigualdades econômicas estruturais, no caso de Santa Rita Pescadeira. Embora haja indícios temporais que localizam o presente da narrativa entre a década de 1960 e os anos 19908, as memórias contadas pelas irmãs e o uso de uma entidade como voz narrativa — “com o poder de viajar no tempo e no espaço, a entidade tem a visão da história como uma imagem constelar que conecta passado, presente e futuro” (Oliveira; Caimi, 2022, p. 5) — fazem o enredo remontar ao início da escravidão no Brasil, dada a maneira como presentifica a temática da ancestralidade afro-brasileira e indígena.

Já no início do livro, o punhal, com brilho encantador que atrai as duas irmãs, irrompe como elemento de coesão cujos sentidos revelarão paulatinamente o mistério da narrativa, conjugando silêncio e expressão. Nessa cena impactante, Bibiana lacera a boca, e Belonísia corta parte da língua. Por isso, nunca mais conseguirá produzir fala audível nem compreensível. A mudez anunciada de Belonísia, que acaba ligando as irmãs por dez anos, contrasta com as funções das vozes das duas narradoras no enredo: contar a história da família desde os ancestrais conhecidos e da terra onde com sua comunidade tinham morada, mas não posse. É esse contraste que o título do livro, que ressoa no subtítulo da segunda parte, também chamada “Torto arado”, potencializa. Belonísia revela que “torto arado” era a descrição do som que lhe saiu da boca quando tentou proferir a palavra arado:

O som que deixou minha boca era uma aberração, uma desordem, como se no lugar do pedaço perdido da língua tivesse um ovo quente. Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal forma a deixá-la infértil, destruída, dilacerada. [...] Como se o arado velho e retorcido percorresse minhas entranhas, lacerando minha carne. Se esvaía toda a coragem de que tentei me investir para viver naquela terra hostil de sol perene e chuva eventual, de maus-tratos, onde gente morria sem assistência, onde vivíamos como gado, trabalhando sem ter nada em troca, nem mesmo o descanso, e as únicas coisas a que tínhamos direito era morar lá até quando os senhores quisessem e a cova que nos esperava fosse cavada na Viração, caso não deixássemos Água Negra (Vieira Junior, 2019, p. 126-127).

Na imagem do arado torto, Belonísia funde a dor que carregava pela mutilação à violência cometida contra sua gente, mas contando-nos a história que fertiliza o solo, porque narra as memórias não apenas suas, mas de sua comunidade. O torto arado é símbolo que fertiliza também a tomada de consciência da necessidade de reparação que anima o movimento de resistência daqueles que são descendentes dos primeiros moradores da Fazenda Água Negra e se opõem ao sistema de quase escravidão. O movimento é organizado e liderado por Severo, primo das irmãs que se casa com Bibiana. Na relação da história narrada com os leitores, a fertilidade de Torto arado se dá pela materialização como assunto narrativo da explicação histórica das condições sociais dos povos quilombolas, atingindo os objetivos de Belonísia ao narrar:

Se soubesse que tudo que se passa em meus pensamentos, essa procissão de lembranças enquanto meu cabelo vai se tornando branco, serviria de coisa valiosa para quem quer que fosse, teria me empenhado em escrever da melhor forma que pudesse [...]. Teria deixado a curiosidade que tive ao ver a faca com cabo de marfim se transformar na curiosidade pelo que poderia me tornar, porque de minha boca poderiam sair muitas histórias que serviriam de motivação para nosso povo, para nossas crianças, para que mudassem suas vidas. [...] É que esse fio, que tem sido meu pensamento, vai se fazendo trama. Nessas horas eu, que tomei raiva de homem, que nunca mais quis deitar ou casar com homem, talvez deitasse de novo só para ter filhos, para ter com quem sentar para desfiar essas histórias que não me abandonam (Vieira Junior, 2019, p. 170).

A digressão metalinguística desse trecho, evidenciando a metáfora empenhada do romance constituída desde o primeiro capítulo, em que estão presentes os polos do silêncio e da fala afiada, metaforiza uma possibilidade de recepção pelos leitores, pois, embora não escutem, leem a fala performada de Belonísia. Assim, desenvolve-se a dualidade complementar quando a narradora acena para a possibilidade de um porvir mais justo por meio da consciência das consequências do sistema escravista ainda nefastas e constitui a materialização da imagem da resistência contra o imaginário de resignação.

A passagem da resistência calada à revolta ativa se solidifica à medida que Bibiana e Belonísia expressam, por exemplo, a raiva que sentiam ao presenciarem o administrador da fazenda levando embora parte do que a família produzia em seu roçado ou então pela maneira como explicam as relações de exploração e testemunham a indignação crítica que a geração delas tinha em relação à aceitação calada da exploração.

Belonísia, no capítulo 21, afirma que um desses momentos tão marcantes que sempre viveriam em sua memória acontece quando Zezé, seu irmão, pergunta a Zeca o que é “viver de morada” (Vieira Junior, 2019, p. 185). O pai responde que se trata de quando alguém chega a uma terra vindo de um lugar onde não tinha trabalho e pede morada nessa nova terra, ou seja, trabalha quase tão somente para instalar-se naquele lugar, em um regime de servidão próximo ao da escravidão. Ele, percebendo o ar inconformado do filho, adverte que é necessário concentrar-se no trabalho, e não na posse da terra, ao que Zeca responde: “Não podemos mais viver assim. Temos direito à terra. Somos quilombolas” (Vieira Junior, 2019, p. 187). A tensão entre os jovens que desejam a reforma agrária e os antigos moradores que foram explorados vai se modelando na comunidade, assim como o reconhecimento das origens, da raça e da condição, pois se denominam quilombolas. Destaca-se, no percurso da tomada de consciência da exploração e no cultivo da resistência e da vingança em relação à estrutura, a reivindicação da necessidade de reparação contra o processo histórico calcado no racismo sistêmico.

Todavia, a figuração dessa comunidade é complexa, pois engloba as tensões das personagens quilombolas como indivíduos e, ao mesmo tempo, a necessidade de união para a superação das dificuldades, num movimento que faz pensar na dialética immunitas e communitas.

É possível constatar, por exemplo, o machismo das relações entre as personagens que fazem parte da comunidade, tanto quando aparece desabridamente no relato — a violência sexual de Tobias contra Belonísia; a violência física de Aparecido, que batia em Maria Cabocla, a qual por sua vez tinha medo de que Belonísia fosse espancada ao defendê-la, por ter “violado a regra de que não se deve meter em briga de marido e mulher” (Vieira Junior, 2019, p. 118) —; quanto quando é tácito — a falta de possibilidade de escolha para as mulheres da própria família de Zeca Chapéu Grande, como no caso de sua esposa, Salustiana, por exemplo, designada a fazer partos: “Meu pai, que era o parteiro até então, transferiu a responsabilidade para Salu” (Vieira Junior, 2019, p. 56), e a atender pessoas perturbadas que se instalavam em sua casa para tratamento espiritual com o esposo: “Minha mãe era a que mais sofria, porque precisava permanecer em casa, atenta aos horários dos remédios, acompanhando os parentes que também se acomodavam com o doente” (Vieira Junior, 2019, p. 33). Mesmo com essas tensões, Belonísia considera que a união da comunidade era o que possibilitava que sobrevivessem, diante do medo ao qual a comunidade era submetida devido à condição social:

O medo atravessou o tempo e fez parte de nossa história desde sempre. Era o medo de quem foi arrancado do seu chão. Medo de não resistir à travessia por mar e terra. Medo dos castigos, dos trabalhos, do sol escaldante, dos espíritos daquela gente. Medo de andar, medo de desagradar, medo de existir. Medo de que não gostassem de você, do que fazia, que não gostassem do seu cheiro, do seu cabelo, de sua cor. Que não gostassem de seus filhos, das cantigas, da nossa irmandade. Aonde quer que fôssemos, encontrávamos um parente, nunca estávamos sós. Quando não éramos parentes, nos fazíamos parentes. Foi a nossa valência poder se adaptar, poder construir essa irmandade, mesmo sendo alvos da vigilância dos que queriam nos enfraquecer. Por isso espalhavam o medo. Eu fui apanhando cada palavra da fala de Severo, das muitas vezes que o vi contar, para guardar em meu pensamento (Vieira Junior, 2019, p. 178-179).

A fala que a faca impediu ao decepar a língua é a mesma que torna possível a vingança do ponto de vista individual, bem como a revolta e a resistência do ponto de vista da comunidade. Esse movimento, que parece reiteradamente concordar com a metáfora da comunidade de Esposito (2010), está figurado na fala de Bibiana, explicando como passou a ser sua relação com Belonísia:

Para que essa simbiose ocorresse e produzisse um efeito duradouro, as disputas ficaram, naturalmente e por um tempo, de lado. Ocupávamos o tempo com as apreensões do corpo da outra. No começo foi difícil, muito difícil. Era necessário que se repetissem palavras, que se levantassem objetos, que se apontasse para as coisas que nos cercavam, tentando apreender a expressão desejada. Com o passar dos anos, esse gesto se tornou uma extensão das nossas expressões, até quase nos tornarmos uma a outra, sem perder a nossa essência (Vieira Junior, 2019, p. 24).

Ainda que não seja possível neste artigo, dada sua extensão, analisar a terceira parte do livro, narrada por Santa Rita Pescadeira, faz-se importante dizer que é nela que se materializa a revolta contra a violência sistêmica. As três instâncias narrativas de Torto arado parecem dar conta da polivalência de pontos de vista narrativos, do estranhamento inicial diante da entidade que narra — e da potência do jarê para aquela comunidade — e de certa necessidade de encaminhar o leitor, de forma explicativa, às violências impostas à vida das comunidades quilombolas.

A escolha da voz que narra e o reconhecimento de que se trata de uma tentativa de emprestar a voz são imperativos para a narradora de O som do rugido da onça. Ela conta a história predominantemente em terceira pessoa, às vezes usando discurso indireto livre ou passando à primeira pessoa, ciosa em assumir que não se trata da voz de uma indígena.

Empresta-se para Iñe-e essa voz e essa língua, e mesmo essas letras, todas muito bem-arrumadas, dispostas umas atrás das outras, como um colar de formigas pelo chão, porque agora esse é o único meio disponível. O mais eficiente. E embora ela, essa língua, seja áspera, perfurante, há alguma liberdade sobre como pode ser utilizada, porque houve muito custo em apreendê-la. Assim, se há uma recusa em usar a palavra taxidermia e se escolhe usar a palavra desencantamento, há teimosia nisso. [...] Essa é a voz do morto, na língua do morto, nas letras do morto. Tudo eivado de imperfeição, é verdade, mas o que posso fazer senão contar, entre as rachaduras, esta história? Feito planta que rompe a dureza do tijolo, suas raízes caminhando pelo escuro, a força de suas folhas impondo nova paisagem, esta história procura o sol. Quando Iñe-e morreu ela estava com doze anos de idade. Então, essa é a voz da menina morta (Verunschk, 2021, p. 11).

Essa história, contada entre as rachaduras, porque a narradora busca um ponto de fuga impossível, mas desejado entre sua voz e a da indígena, deixa vir à tona um ponto de vista que foi silenciado num gesto de violência, tanto maior porque infringia o princípio vital da visão de mundo dos miranhas. No livro de Verunschk (2021), a escolha do foco narrativo parece também levar a uma necessidade maior de justificativas. Assim, explica que, embora não fosse a voz da indígena, é a voz da menina morta, aprendida — um exemplo consiste no uso da expressão animais desencantados em vez de taxidermia —, o que demonstra a tentativa de mediar dois mundos, o indígena e o do branco, representado aqui pela língua em que o texto está escrito.

No enredo, depois de ser entregue pelo próprio pai, o tuxaua, “cujas fibras embranqueciam a cada contato com os estrangeiros” (Verunschk, 2021, p. 14-15), a Spix e Martius na expedição que ambos fizeram entre 1817 e 1820 ao Brasil, a menina indígena Iñe-e é levada a Munique, na Alemanha, um lugar distante e cuja língua desconhecia. Seu companheiro de viagem, cuja língua também desconhecia, é um menino da etnia juri, trocado pelo tuxaua por pertencer a uma tribo inimiga. As duas crianças são transportadas para serem estudadas e expostas, como seres exóticos, na Europa, onde receberam os nomes de Isabella e Johann. Destituídos de seus mundos, Iñe-e e Juri não conseguem sobreviver por muito tempo e morrem.

O direito fundamental à palavra é extirpado de Iñe-e quando ela é levada para um lugar no qual não consegue comunicar-se verbalmente, impedimento terrível para os indígenas miranhas, conta-nos a narradora, misturando sua voz à de Iñe-e, pois acreditavam que não poderiam ser gente se não tivessem palavra: “Quem não tem a palavra está morto, foi o que Iñe-e e os outros aprenderam” (Verunschk, 2021, p. 23). A narrativa, portanto, é uma forma de restituir a palavra a Iñe-e, e, nesse aspecto, é comparável à possibilidade de contar que Belonísia performa em Torto arado, depois que a fala foi-lhe impossibilitada pela extirpação de parte da língua.

O conflito entre dois mundos — o de Iñe-e e o de Spix e Martius — é construído na narrativa pela apropriação de fontes de relatos de viajantes, ensaios históricos e textos literários, utilizados para, assim como em Carta à rainha louca, contar a história a contrapelo, para usar a expressão de Walter Benjamin (1985). Se na Carta as rasuras serviam para registrar como Isabel julgava as violências que sofria, em O som do rugido da onça a narradora destaca outro tipo de rasura, aquela que marca a tentativa de exculpação de Martius, talvez depois de ter presenciado a morte prematura de Iñe-e e Juri, por meio da escrita de várias versões sobre como encontrou os dois indígenas e os levou a Munique.

No capítulo VIII, a narradora mescla trechos dos vários relatos de Martius9, entre eles o diário do viajante, apontando como ele teria acrescentado e omitido informações para esconder o fato de que Spix não havia concordado com a atitude de levar os prisioneiros à Europa. Além disso, a narradora vai demonstrando como, para Martius, aproximar o comportamento dos indígenas a de animais selvagens não civilizados era um mecanismo de compensação pela violência do sequestro que transformou os dois adolescentes em peças vivas de gabinetes de curiosidade. Denuncia que esse procedimento deixou suas marcas mortais que, se não podem ser lidas por quem não domina a escrita, como os indígenas, podem ser farejadas: “Dizem que onça10 não tem faro igual ao de cachorro. Mas onça fareja a seu modo. Descobre resquício de passagem da presa. A presa é, em geral, inepta para encobrir o próprio rastro” (Verunschk, 2021, p. 29). A rasura e a edição são descritas, portanto, como formas de escamotear a violência:

Eu, afortunadamente, vim para Manacapuru, ali Juri, da família Comá-Tapüjaa, juntou-se a nossa tripulação, acompanhou-nos a Munique. [...] Martius escreve, coloca Iñe-e como prisioneira dos miranhas. Parece-lhe amoral, ao tomar essa decisão diante da folha em branco, o fato de ter aceitado como presente a filha de um tuxaua. Parece-lhe melhor ter salvado a menina de um horrível cativeiro. Parece-lhe melhor pintar o chefe como um demônio. Como não seria se oferecia a filha a um desconhecido? Palavras podem ser animais dóceis. [...] Martius esquece o que escreveu. Ou não esquece, mas quer esquecer. Deliberadamente, rasura. E a rasura também é um método. Agora contempla o retrato de Iñe-e gravado na pedra (Verunschk, 2021, p. 29-32).

Há outros deslocamentos do ponto de vista do narrador, por exemplo, para uma primeira pessoa que representa a voz do rio, quando se descreve a paisagem de Munique, para onde as crianças foram levadas. Há ainda a perspectiva de Josefa, mulher que saiu de Belém (PA), sua cidade natal, para São Paulo (SP), onde descobre as gravuras das duas crianças indígenas levadas por Spix e Martius numa exposição da coleção brasiliana de um centro cultural. Josefa identifica-se com o quadro de Iñe-e e decide pesquisar a vida dela, uma vez que também tem ascendência indígena, pois sua avó foi pega no laço11. Embora a narrativa continue em terceira pessoa, o discurso direto e o indireto livre invadem a cena e deixam vir à tona a voz de Josefa:

Eu sou exatamente igual a ela [Iñe-e]. Preciso ir embora, amanhã preciso acordar cedinho [...]. A minha bisavó materna foi pega a laço, sabia? Tenho um tanto de sangue kaiapó em mim. Mas o fato é que todo mundo tem uma avó pega a laço no Brasil, eu, você, o porteiro lá embaixo. Eu cresci com a outra avó, a mãe do meu pai, que me criou, uma colombiana turrona, que falava dessa minha ascendência sempre que alguma coisa ligada à minha índole lhe parecia maior que a sua capacidade de resolução. Era como se me dissesse que havia em mim uma força rebelde, incapaz de ser domesticada. Quando eu a escutava falar assim, parecia que o meu cabelo negro e liso ganharia vida própria, e era como se eu pudesse ver de fora de mim os meus olhos injetados de raiva e medo. O curioso é que essa minha avó colombiana como que crescia, se agigantava ao convocar o meu passado materno, como se estivesse ela mesma prestes a ganhar um novo corpo e novas feições, e que de sua estrutura delicada de ossos estivesse pronta para sair outra mulher, enorme, quase brutal. Então eu achava que uma mulher pega a laço era algo contagioso, e isso era para mim como um grande perigo, sabe?, uma coisa que arrebentava as regras, que eram muitas (Verunschk, 2021, p. 93).

A “força rebelde” que Josefa sente manifestar-se ao mergulhar em sua ancestralidade provocada pela gravura de Iñe-e parece projetar, de maneira ainda mais translúcida, a esperança utópica de um porvir menos fraturado, ao religar a personagem e a sua história familiar. Essa “outra mulher, enorme, quase brutal”, resiste e pode contagiar o futuro com justiça, o que parece involuntariamente dar certa gradação à utopia constituída pelos livros que apresentamos. Ao fim da história, há outro deslocamento que lembra procedimento usado em Torto arado, a voz da onça, que toma a narrativa, uma entidade da cosmogonia miranha que se apodera da voz. A voz é devolvida a alguém que faz parte, de alguma forma, da comunidade em questão. Entende-se agora a metáfora da onça que fareja os rastros da edição da história deixados por Martius — a onça incorpora também a vingança e a necessidade de reparação.

Começo a devolver a sua linguagem e a recuperar a minha. Arre! Precisei dos seus laços de fita, dos seus perfumes, da vidraria que se tem por preciosa pra poder chegar na sua boca. Precisei de mascar o seu cuspo junto do meu, com tabaco e coca, pra mó de contar essa história. O cuspo grosso da minha linguagem misturado no cuspo seu, fino, mas por demais adocicado. (Verunschk, 2021, p. 113).

No fim, a voz retorna à narradora, que, no processo, havia entrado em simbiose com a voz da onça. Trata-se de subterfúgio narrativo, pois é dada a essa entidade possibilidade de analisar a situação, apontando os problemas sociais sem exagerar numa representação com distância hierárquica entre narrador e personagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesses romances, a imaginação de futuro, que se encaixa bem à ideia de utopia, é contraditoriamente sustentada por revisões do passado de estrutura escravista, de reencenações das violências cometidas, por exemplo, por latifundiários contra quilombolas, mas — e talvez o aspecto mais importante — de testemunhos, na voz do subalterno12.

A pergunta de onde o ensaio partiu é: como essas vozes foram apresentadas? Buscou-se desenvolver que uma das estratégias narrativas dos romances é enfatizar contradições do gesto de narrar, provocando adensamento da complexidade das personagens. Em Carta à rainha louca, a remetente busca uma versão verossímil para seu relato, mas utiliza estratégias retóricas e persuasivas muito bem elaboradas, colocando muitas vezes a veracidade à prova; em Torto Arado, as duas irmãs contam suas versões das histórias que presenciaram com nuanças que mostram posicionamentos muitas vezes divergentes e contraditórios; e, em O som do rugido da onça, a narradora alerta para o empréstimo da voz, admitindo a presença das crianças indígenas, mas ao mesmo tempo a violência que apagou a voz delas.

Nesse enquadramento, a metáfora para a voz que falta, para a voz que falha, mas que não pode ser esquecida em sua agência, parece compor um posicionamento ético da literatura cujas construções narrativas parecem convidar a comunidade de leitoras e leitores espertas e espertos às violências estruturais a reações que vão do desconforto do deslocamento de posição, passando pelo conforto de certa identificação, à crítica aguda da insuficiência dos posicionamentos autorais13.

Além disso, podem animar leitoras e leitores, em Carta à rainha louca, a escrita da carta nunca entregue e a narradora, marcada como louca, que afeta leitoras e leitores contemporâneos; em Torto Arado, a pronúncia da palavra escrita por Belonísia, denunciando a permanência da escravidão; e, em O som do rugido da onça, a voz da menina indígena silenciada, cuja gravura serve de elo para a descoberta da ancestralidade. As histórias dessas personagens passam a operar uma possibilidade de futuro um tanto diferente da experiência histórica que levou o país em pouco mais dez anos de uma sensação de prosperidade à volta ao mapa da fome. Trata-se de utopias que projetam futuros de maior justiça, mediante a recriação do passado ao fazerem emergir vozes que estavam soterradas. É como se, para o presente tornar-se respirável, fosse necessário projetar também o passado, reconstituindo no próprio esforço da ação um gesto de comunidade.

Notas

  • 1
    Além dessa circunstância, ressalta-se que a possibilidade de histórias e não apenas de uma história está presente nas discussões das viradas ética e memorialística na historiografia. De acordo com Julio Bentivoglio (2019, p. 12), pelo menos nos anos 1990, “da história problema até os debates narrativistas contemporâneos e à crítica feita pela nova filosofia da história vinculada ao legado de Hayden White, viveu-se um período intenso de reflexão sobre o fazer histórico. Desde então, investigar o passado começou a implicar na abertura de muitos passados incontroláveis ou possíveis e, ademais, na contradição entre diferentes passados, que pareciam colocar em risco algumas certezas do conhecimento histórico, em especial uma possível verdade única sobre os eventos”.
  • 2
    O termo aproxima-se ao uso que Fernando Arenas (2005) faz do conceito quando afirma que, desapontados com os grandes projetos utópicos do século XX, no fim desse século e início do XXI, teria “vindo a surgir pequenos imaginários utópicos que, sem desejarem transformar de modo absolutamente radical as macroestruturas sociais, tentam abordar questões existenciais e sociais a nível mais local que dizem respeito à sobrevivência da humanidade, tanto na esfera individual como colectiva” (Arenas, 2005, p. 120).
  • 3
    Ainda que não desenvolva o aspecto ecológico da palavra respirável como faz Marielle Macé (2023) em Respire, a utopia de um futuro respirável se aproxima ao que a autora propõe como a possibilidade de vida em comunidade. De acordo com ela, “o direito à respiração não é ‘unicamente’ o direito para cada um de respirar em ambiente despoluído; não, é o direito a uma vida respirável, ou seja, desejável, uma vida que valha à pena, uma vida a que se possa prender. É o direito de esperar muito da vida (a vida com, perto, junto): a esperança de fraternizar a respiração, a esperança de desintoxicar nossos cotidianos e de respirar enfim com os outros. Respirar com, ‘conspirar’, se quiserem” (Macé, 2023, p. 12, tradução livre).
  • 4
    Nas palavras de Raul Antelo (2017, p. 234), “la comunidade descansa así em la donación; la inmuidad em la danação”.
  • 5
    Nesse caso, uso o termo convergência de maneira semelhante à de Jenkins (2009, p. 29-30), para referir-me ao processo em que o espectador, aqui o leitor, tem agência ao acessar, enquanto lê um livro impresso, outras mídias em busca de informações ou outros tipos de interação.
  • 6
    Manuel Alberca (2013), por exemplo, em El pacto ambiguo: de la novela autobiográfica a la autoficción, embora admitindo que a autoficção sobretudo, mais que a autobiografia, possibilita a multiplicação das personalidades do autor, o que coloca o gênero como produto do mundo pós-moderno, por causa da impossibilidade de definir-se uma unidade para o sujeito, não demonstra otimismo em relação à autoficção. Afirma que, apesar dessa consciência sobre a impossibilidade de reconstituir em sua totalidade o real, por meio de uma narrativa, a diferença entre autoficção e autobiografia está no fato de que nesta última o autor parte do pressuposto de que sua narrativa não é apenas ficção. Alberca (2013, posição 4001), baseado nas reflexões de Lipovetsky, afirma que a autoficção se situa na narcisista falta de compromisso do sujeito contemporâneo em preocupar-se com a edificação de seu próprio ego (que, como sabe, é impreciso e móvel). Assim, para Alberca (2013), na autoficção, a preocupação está somente em “una estrategia creativa que fluctúa entre lo inventado y lo real, entre lo novelesco y lo autobiográfico, en la que poder seguir el ego” (Alberca, 2013, posição 4001).
  • 7
    “Entre muitas coisas que encontrei estava um processo incompleto nos documentos não organizados e ele continha três cartas. Duas de visitadores, o padre que o bispo mandava para verificar uma denúncia de que havia uma mulher criando um convento clandestino na região das Minas. E tinha carta dela, de próprio punho, em que ela, com muita ironia, ia se defendendo. Em vez de ser levada para falar na corte, ela escreve uma carta de autodefesa, cheia de ironia. Ela dizia que de nada servia escrever, mas que escrevia porque era a ordem. Era raro uma mulher escrever no século 18”, entrevista de Maria Valéria Rezende ao Correio Braziliense (Maciel, 2019).
  • 8
    De acordo com indícios dados, a ação narrativa das duas primeiras partes se estende do fim dos anos 1950/60 até o fim dos anos 1980/meados dos 1990. Isso porque as duas meninas foram levadas para o hospital em um utilitário Rural Willys, que foi fabricado no Brasil entre 1958 e 1977. Belonísia tinha então 6 anos, e Bibiana, 7. Quando Zeca Chapéu Grande está moribundo, Belonísia grita pensando que poderia tê-lo derrubado e afirma que a família se espantou porque se passaram 30 anos desde que a haviam escutado pela última vez. Também somos informados de que Zeca morreu perto de um ou um pouco depois de um ano bissexto. Poderíamos pensar que morreu entre 1988 e 1996, portanto. Itamar Vieira Junior (2021) comenta as referências temporais sem desvendá-las completamente em entrevista concedida ao programa Roda Viva.
  • 9
    Maria de Fátima Costa (2019) explica que, no relatório para o rei, a primeira versão do relato de como os indígenas foram levados do Brasil para a Baviera, Spix e Martius contam que adquiriram os indígenas de um tuxana miranha que havia feito uma incursão com o propósito de capturar prisioneiros para entregá-los aos viajantes. Porém, nas versões posteriores do livro Viagem pelo Brasil e no passe-partout dos retratos de Iñe-e e Juri, trecho de autoria atribuída a Martius, é omitida a informação de que os indígenas foram encomendados e acrescentada a de que teriam sido trazidos por receio de que fossem assassinados pelo tuxana. Em O som do rugido da onça, a narradora concentra-se na versão encontrada no diário de Martius.
  • 10
    A onça, protagonista deste livro, aparece em Torto arado. Donana pressente uma onça perto de Zeca Chapéu Grande e depois perto de Fusco, cachorro de estimação da família.
  • 11
    A história das indígenas que foram violentamente sequestradas aparece em Torto arado: “Só naquele momento vi de forma mais clara o rosto de Maria Cabocla, com sua pele acobreada de índia. Nas vezes em que a encontrei para pedir fogo ou lavar roupa na beira do rio, me contava sua história, sua travessia, e não havia observado seus traços com a profundidade com que fazia naquele instante. De Maria guardava, sobretudo, as histórias das muitas fazendas por onde havia andado. Da avó que havia sido pega no mato a dente de cachorro” (Vieira Junior, 2019, p. 119).
  • 12
    É necessário dizer que uso o termo subalterno na esteira do texto Pode o subalterno falar?, de Gayatri Spivak (2010).
  • 13
    Um estudo detalhado das reações dos leitores é tema indispensável para futuras pesquisas.

Referências

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  • Editor:
    Paulo César Thomaz
  • Editora convidada:
    Cimara Valim de Melo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2024
  • Aceito
    20 Jun 2024
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Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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