RESUMO
Objetivo analisar a ocorrência do diagnóstico psiquiátrico e o uso de psicotrópicos em sujeitos com queixas vestibulares e relacionar a presença dessas condições aos resultados da vestibulometria.
Método estudo quantitativo, observacional, transversal, com 131 pacientes, atendidos em um hospital universitário. Foram submetidos à anamnese, inspeção visual do meato acústico externo, provas de equilíbrio estático e dinâmico, Posturografia dinâmica foam laser e vectoeletronistagmografia computadorizada.
Resultados amostra composta por 109 mulheres e 22 homens, com média de idade de 55 anos e nove meses. O tipo de tontura mais frequente foi vertigem, com presença de sintomas neurovegetativos. Observou-se expressiva porcentagem de queixa/diagnóstico psiquiátrico, bem como uso de psicotrópicos, sendo principalmente inibidores seletivos da recaptação da serotonina, seguidos dos benzodiazepínicos. Houve relação entre a presença de condições psiquiátricas e mulheres, alterações do equilíbrio estático e alterações nas posições III e VI do Teste de Organização Sensorial. Na vectoeletronistagmografia, houve relação entre a idade e a presença de nistagmo espontâneo de olhos fechados.
Conclusão Constatou-se alta ocorrência de condições psiquiátricas entre pacientes com tontura, com uso de psicotrópicos maior que na população geral. Destaca-se a associação entre ansiedade/depressão e alterações nas posições de sobrecarga visual da posturografia dinâmica foam laser. No entanto, não foi observada relação entre essas condições e alterações nas provas da vectoeletronistagmografia.
Descritores Tontura; Testes de Função Vestibular; Equilíbrio Postural; Transtornos do Humor; Psicotrópicos
ABSTRACT
Purpose to analyze the occurrence of psychiatric diagnosis and the use of psychotropics medications in subjects with vestibular complaints and to relate the presence of these conditions to the results of vestibulometry.
Methods quantitative, observational, cross-sectional study with 131 patients, treated in a university hospital. They were submitted to anamnesis, visual inspection of the external ear canal, static and dynamic balance tests, Foam laser dynamic posturography and Computerized Vectoelectronystagmography.
Results sample composed of 109 women and 22 men, with average age of 55 years and nine months. The most common type of dizziness was vertigo, with the presence of neurovegetative signals. A significant percentage of psychiatric complaint/diagnosis was observed, as well as the use of psychotropic medications, mainly serotonin uptake inhibitors, followed by benzodiazepines. There was a relation between the presence of psychiatric complaints with the female gender, alterations of the static balance and alterations in the Sensorial Organization Test positions III and VI. In the Vectoelectronystagmography, there was a relation between age and the presence of spontaneous nystagmus.
Conclusion There was a high occurrence of psychiatric complaint/diagnosis among patients with dizziness, with use of psychotropic medications substantially greater than the general population. The evaluation of postural balance revealed an association between anxiety/depression and alterations visual overload positions in the foam laser dynamic posturography. However, no relationship was found between these conditions and alterations in the Vectoelectronystagmography tests.
Keywords Dizziness; Vestibular Function Tests; Postural Balance; Mood Disorders; Psychotropic Drugs
INTRODUÇÃO
O sistema vestibular tem três funções principais: manter o equilíbrio através dos reflexos vestibuloespinhais, estabilizar a visão através do Reflexo Vestíbulo-Ocular (RVO) e contribuir para a percepção e orientação espacial(1). A desintegração sensorial poderá gerar a tontura, sintoma comum na prática médica, relatada pela população em geral, resultante de disfunções vestibulares e não vestibulares(2). Possui etiologia variada, podendo ser periférica ou central, com grande variação quanto à duração dos sintomas e às circunstâncias que os produzem(1).
Os sintomas vestibulares podem ser classificados em 1) vertigens, 2) tonturas ortostáticas (ou produzidas por sons e imagens), 3) sintomas vestibulovisuais, como a oscilopsia e 4) sintomas posturais, como desequilíbrio e instabilidade(3). A vertigem tem, geralmente, uma origem vestibular, enquanto que a segunda pode refletir uma queda do fluxo sanguíneo cerebral; os sintomas vestibulovisuais envolvem o reflexo vestíbulo-ocular ou ainda a motricidade ocular; os sintomas posturais podem indicar um distúrbio neurológico(4).
Ainda se consideram aqueles sintomas que não se enquadram em nenhuma das categorias citadas. Denominada apenas por tontura, engloba os casos de etiologia multifatorial, como a metabólica e a psiquiátrica(4). De acordo com Eckhardt-Henn(5), em 55% dos casos de tontura, os transtornos psiquiátricos parecem exercer uma influência importante no curso da doença, sendo que a origem orgânica representa a menor parte comparada às causas psicogênicas.
A associação entre os transtornos do humor e a tontura é bem conhecida na literatura(6). Ambas as condições podem gerar queixas não específicas, tais como mudanças nos padrões de sono, aumento do tônus muscular, irritabilidade, medo, agitação e preocupação. Alguns autores explicam parte dessa relação ao compartilhamento de vias neurais(7).
O uso de psicotrópicos como tratamento para os transtornos do humor tem aumentado durante os últimos anos. Estudos realizados na Europa, nos anos 2000, indicam que sua prevalência, por um período de 12 meses, foi de 19,2% na França, 15,5% na Espanha, 13,7% na Itália, 13,2% na Bélgica, 7,4% na Irlanda e 5,9% na Alemanha(8). No Brasil, entre 2008 e 2009, a prevalência de aquisição de psicotrópicos foi de 5,2%(9).
Pacientes com depressão podem apresentar sintomas somáticos, dentre eles a tontura, e, nesses casos, os antivertiginosos são substituídos por drogas psicotrópicas(10). Entre a população de indivíduos com alterações do equilíbrio, o uso de psicofármacos é recorrente, entretanto não há na literatura ampla exploração desses fatores. Os níveis de angústia aumentados em pacientes com sintomas crônicos sugerem que o estado emocional destes contribui para o prolongamento dos sintomas de tonturas da fase aguda(11).
A relação entre os transtornos do humor e a tontura ainda carece de explicações em determinadas perspectivas, por exemplo, que aspectos da manutenção do equilíbrio postural a condição psiquiátrica afeta?. Assim, este estudo tem como objetivos analisar a ocorrência do diagnóstico psiquiátrico e o uso de psicotrópicos em sujeitos com queixas vestibulares e, posteriormente, relacionar essas condições aos resultados da vestibulometria.
MÉTODO
Trata-se de um estudo observacional, transversal, retrospectivo, de análise quantitativa, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob o número CAAE 16728013.0.0000.5346.
As variáveis estudadas foram obtidas pela revisão de um banco de dados composto por 342 prontuários de pacientes com tontura, homens e mulheres, encaminhados para o Ambulatório de Otoneurologia – Setor de Equilíbrio – de um hospital universitário no período de 2012 a 2016. Os critérios de inclusão foram: ter como queixa principal a tontura (origem vestibular ou extravestibular); ter 18 anos ou mais; ter realizado toda a bateria de exames proposta neste estudo; ter passado por avaliação otorrinolaringológica; e, para os sujeitos com perfil psicossocial, a avaliação psiquiátrica.
Os critérios de exclusão adotados foram: ter histórico de infecções de orelha média ou interna, patologia neurológica ou visual, estar em tratamento oncológico ou uso frequente de álcool; não ter dados no prontuário sobre avaliação psiquiátrica para aqueles com perfil psicossocial indicando psicopatologia. Atendendo a esses critérios, foram selecionados 131 exames para compor a amostra. Por este estudo fazer parte de um projeto mãe, todos os sujeitos envolvidos assinaram, previamente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Após a seleção, os exames foram separados em dois grupos: sujeitos sem diagnóstico psiquiátrico ou qualquer histórico de transtornos do humor e o grupo dos sujeitos com diagnóstico psiquiátrico (com e sem uso de psicotrópicos).
Procedimentos
Os dias e horários das avaliações foram pré-agendados; os sujeitos participantes da pesquisa receberam um preparo prévio indispensável para a realização do exame: 1) abster-se do uso de estimulantes labirínticos (cafeína, chocolate, bebidas alcoólicas) e/ou narcóticos, por um período de 24 horas antes do exame; 2) abster-se de medicamentos depressores do Sistema Nervoso Central por 48 horas; 3) realizar uma refeição leve três horas antes do exame, evitando o jejum; 4) evitar a utilização de lentes de contato; 5) evitar maquiagens e cremes para facilitar a condutividade elétrica(12).
Todos foram submetidos à anamnese estruturada para obtenção da história clínica pregressa e atual, com questões sobre presença e características da tontura, da saúde otológica, antecedentes de saúde no geral e tratamentos medicamentosos, bem como possíveis comorbidades e tratamentos terapêuticos prévios.
Foi realizada a inspeção visual do meato acústico externo e da membrana timpânica com o otoscópio da marca Heidji, para verificar a integridade das estruturas e impedimentos que inviabilizassem a realização da prova calórica à água na Vectoeletronistagmografia computadorizada (VENG).
Testes de Equilíbrio estático e dinâmico
As provas de equilíbrio estático e dinâmico foram: 1) Teste de Romberg: paciente em posição ortostática com os braços ao longo do corpo; 2) Teste de Babinski-Weil: caminhar num percurso de aproximadamente 1,5 m (cinco passos para frente e cinco passos para trás); 4) Teste de Unterberger: marchar elevando os joelhos aproximadamente 45° sem deslocar-se, executando 60 passos (1/s) com os braços estendidos para a frente. Todas as provas foram realizadas de olhos abertos e depois fechados, com duração de 60 segundos. Para maior fidedignidade dos resultados, as avaliações foram realizadas em sala com fontes de luz e sonora controladas, evitando orientação(12).
Avaliação posturográfica
A Posturografia dinâmica Foam Laser(13) foi realizada através da análise dos resultados das seis posições do Teste de Organização Sensorial (TOS) (Figura 1), no qual verificaram-se os desvios anteroposteriores pelo cálculo das medidas de cada TOS, por meio de programa Excel. A análise das preferências das funções visual, somatossensorial e vestibular foram analisadas conforme as médias dos TOS de acordo com as seguintes fórmulas: Função somatossensorial: TOS II/TOS I; Função visual: TOS IV/ TOS I; Função vestibular: TOS V/ TOS I; Índice de equilíbrio: (TOS III + TOS VI) / (TOS II + TOS IV). Os valores de normalidade para os TOS são: TOS I (90%), TOS II (83%), TOS III (82%), TOS IV (79%), TOS V (60%), TOS VI (54%).
Fórmula matemática para o cálculo do ângulo de oscilação corporal proposta pela técnica da posturografia dinâmica foam laser e as seis posições do Teste de Organização Sensorial(14)
Vectoeletronistagmografia computadorizada (VENG)
Foi utilizado o sistema computadorizado de Vectoeletronistagmografia (VENG), da marca Contronic, modelo SCV, versão 5.0, em sala com aterramento elétrico para evitar a interferência na corrente elétrica.
A barra de leds foi posicionada a 1 m de distância do sujeito avaliado, na direção da linha média dos olhos, para fins de padronização. Realizou-se o exame em sala silenciosa e luminosidade controlada. Inicialmente, a pele do sujeito foi limpa, seguida da afixação de quatro eletrodos, com pasta eletrolítica e fita adesiva (micropore), em região periocular no canto lateral, direito e esquerdo, outro na região frontal (terra) e o último, dois centímetros acima da glabela (ativo), permitindo o registro dos movimentos horizontais, verticais e oblíquos dos olhos.
Em seguida, foram realizadas as provas oculomotoras: 1) Calibração dos movimentos oculares horizontal e vertical: deslocamento de dois pontos de luz, alternantes, a 10° de desvio angular dos olhos, na velocidade de 10 mm/s; 2) Nistagmo Espontâneo (NE) com olhos abertos, e depois fechados; 3) Nistagmo Semiespontâneo (NSE) direito, esquerdo, inferior e superior; 4) rastreio pendular: acompanhamento visual do movimento pendular de um ponto luminoso, resultando em uma curva sinusoidal da movimentação ocular; 5) Nistagmo Optocinético (NO): acompanhamento visual de pontos luminosos em movimento para a direita e, posteriormente, para a esquerda.
Em seguida, foram realizadas as provas na cadeira de Barany: 1) Prova Rotatória Pendular Decrescente (PRPD), para avaliação do sinergismo dos canais semicirculares laterais, colocando a cabeça na posição de 30° anterior, com olhos fechados, durante o pendular da cadeira no sentido horário e anti-horário; 2) Prova calórica, com estímulo água (240 ml), por 40 segundos nas temperaturas de 44 °C e 30 °C, na seguinte sequência: 44 ºC – orelha direita (OD), 44 °C – orelha esquerda (OE), 30 °C – OE e 30 °C – OD; com intervalo de três minutos entre as provas(12). Os sujeitos foram posicionados de modo a manter-se em decúbito dorsal, em inclinação de 30° em relação ao plano horizontal (I posição de Brunnings) (canais laterais verticalizados)(12).
Para o registro do nistagmo pós-calórico, os sujeitos permaneceram com os olhos fechados e sob tarefa mental, a fim de maximizar as respostas do RVO. Após a obtenção do traçado, foram instruídos a abrir os olhos e fixá-los em um ponto à sua frente, para a observação da fixação ocular(12).
Os valores de normalidade foram: calibração dos movimentos oculares horizontal e vertical regular; nistagmo espontâneo de olhos abertos ausente e fechados com a Velocidade Angular da Componente Lenta (VACL) até 7°/s; nistagmo semiespontâneo vertical e horizontal ausentes, rastreio pendular horizontal e vertical (tipo I ou II); nistagmo optocinético (até 20%); PRPD 30% e prova calórica de 30% para predomínio labiríntico ou direcional do nistagmo; VACL inferior a 3º/s para hiporreflexia e superior a 50°/s para hiper-reflexia(12).
Análise dos dados
Os dados foram armazenados em planilha eletrônica do tipo Excel. Foi realizada uma análise descritiva dos dados qualitativos e os quantitativos foram analisados quanto à normalidade através dos valores propostos para a Posturografia Dinâmica Foam Laser e VENG. A análise inferencial comparativa entre os grupos com ou sem diagnóstico psiquiátrico e, posteriormente, com ou sem uso de psicotrópicos, ambos relacionados aos resultados das avaliações, foi realizada por meio do teste não paramétrico Qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher quando n<5. Para tal, utilizou-se o aplicativo computacional STATISTICA 9.1, com nível de significância considerado de 5% (α=0,05).
RESULTADOS
A amostra foi composta por 109 (83,21%) mulheres e 22 (16,79%) homens, com média de idade de 55 anos e nove meses (+ 15,67), variando de 18 a 85 anos.
O tipo de tontura mais frequente foi vertigem (55,73%), com presença de sintomas neurovegetativos (53,44%). Observou-se uma expressiva porcentagem de diagnóstico psiquiátrico (74-56,49%), classificado como ansiedade patológica e depressão (Gt+d). Ressalta-se que alguns sujeitos receberam diagnósticos múltiplos, tais como ansiedade+transtorno bipolar, depressão+transtornos de personalidade, no entanto todos aqueles considerados no grupo de diagnóstico psiquiátrico apresentaram ansiedade ou depressão.
Na amostra geral, o uso de psicotrópicos foi identificado em 51 sujeitos - 38,93% - (Gt+p), dos quais apenas um estava em tratamento com o psicotrópico especificamente para a tontura sem o diagnóstico psiquiátrico. Todos os pacientes em uso de psicotrópicos o faziam por, pelo menos, 30 dias antes da avaliação otoneurológica. Houve relação entre o diagnóstico psiquiátrico e as mulheres, mas não quanto ao uso de psicotrópicos (Tabela 1). Os tipos de psicotrópicos mais utilizados foram Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS), seguidos dos benzodiazepínicos, destacando-se o uso combinado de dois ou mais tipos (Figura 2).
Distribuição e relação entre o diagnóstico psiquiátrico e uso de psicotrópicos e o gênero (n=131)
Distribuição dos medicamentos por tipo, utilizados pelos sujeitos com diagnóstico psiquiátrico (n = 51)
Vestibulometria
Da amostra total, 30 sujeitos (22,90%) apresentaram alteração de equilíbrio estático e 94 (71,76%) de equilíbrio dinâmico. Entre aqueles sem diagnóstico psiquiátrico (n=57), 19 (14,50%) apresentaram alteração de equilíbrio estático e 17 (12,98%) de equilíbrio dinâmico. Entre os sujeitos com diagnóstico psiquiátrico (n=74), 56 (75,68%) apresentaram alteração de equilíbrio dinâmico e 11 (8,40%) de equilíbrio estático sendo significativa a relação destes (Tabela 2).
Distribuição do p-valor, na relação entre o grupo com tontura apenas (Gt), tontura e diagnóstico psiquiátrico (Gt+d) e tontura e uso de psicotrópicos (Gt+p) com as alterações nas provas de equilíbrio estático e dinâmico e posturografia dinâmica foam laser (n = 131)
Quanto à avaliação posturográfica, 128 sujeitos (97,71%) apresentaram alteração em uma posição, pelo menos, com relação significativa entre o diagnóstico psiquiátrico e valores inferiores nas posições III e VI do TOS (preferência visual) e relação entre o grupo usuário de psicotrópicos com valores inferiores nas posições III, V e VI do TOS (Tabela 2).
Pode-se perceber uma prevalência de resultados dentro dos padrões de referência nas provas da VENG nos grupos com a condição psiquiátrica bem como entre aqueles em tratamento com psicotrópicos, não sendo observada relação significativa entre essas variáveis (Tabela 3).
Distribuição do p-valor na relação entre o grupo com tontura (Gt), diagnóstico psiquiátrico (Gt+d) e uso de psicotrópicos (Gt+p) com alterações na VENG (n=131)
Na prova calórica, prevaleceu o resultado de normorreflexia (79,39%), ou seja, função vestibular dentro dos padrões de referência, seguida do predomínio labiríntico (7,63%), hiper-reflexia (5,34%), hiporreflexia (4,58%) e predomínio direcional do nistagmo (3,05%).
DISCUSSÃO
A presença elevada de ansiedade patológica e diagnóstico de depressão, constatada neste estudo, corrobora estudos anteriores, que indicam consistentes associações entre alterações vestibulares e maior risco de comorbidades psiquiátricas, sobretudo entre mulheres(13,15). A tontura, na faixa etária a partir dos 50 anos (média do presente estudo), pode sofrer influência dos fatores hormonais na mulher, os quais podem causar mudanças fisiológicas, físicas e/ou emocionais(16).
Segundo alguns autores, entre pacientes com alto escore no questionário Dizziness Handicap Inventory (DHI), há maior propensão a alterações no instrumento que avalia a presença de ansiedade e depressão (Hospital Anxiety and Depression Scale – HADS). Da mesma forma, pacientes com ansiedade e depressão tendem a maior escore de DHI(17,18). Além disso, comorbidades psiquiátricas são um importante fator para o início da tontura(15). Esses resultados, independentemente do fator desencadeante, revelam ação intensificadora entre ansiedade/depressão e a tontura.
O uso de psicotrópicos por esta amostra foi expressivamente maior comparado aos estudos sobre uso de psicotrópicos na população brasileira geral, sendo 3,3% para uso de benzodiazepínicos(19), 5% ou 5,2% para uso sem especificação por tipo(9). Esses dados indicam um importante foco para a epidemiologia em relação à população de sujeitos com queixas vestibulares.
Houve relação significativa entre o uso de psicotrópicos e maior alteração na posição V do TOS, na qual o principal sistema avaliado é o vestibular. Esta relação suscita algumas explicações, tais como os sujeitos em uso de psicotrópicos já apresentarem mais sintomas, dentre os quais a tontura, e, por isso, o tratamento medicamentoso ou ainda efeitos da própria medicação.
Na prática clínica, é comum o paciente com tontura relatar não seguir o tratamento prescrito, ou seja, redução da dose ou suspensão após diminuição dos sintomas. Em relação aos efeitos colaterais de tratamentos com antidepressivos, pode ser observada a presença de tontura entre os usuários que praticam maior descontinuidade do tratamento(20).
Na presente amostra, observou-se a relação entre o diagnóstico psiquiátrico e alteração nas provas de equilíbrio estático, mas essa relação não foi observada nas provas de equilíbrio dinâmico. A presença da queixa também teve associação com as posições III e VI do TOS na Posturografia Dinâmica Foam Laser, nas quais a visão é avaliada em uma condição de sobrecarga sensorial. A maior parte da amostra não apresentou alterações da função vestíbulo-oculomotora, observáveis pela VENG, o que reforça dados da literatura sobre as causas não vestibulares nessa população(5).
Ao não identificar alterações dos reflexos e motricidade ocular nas provas oculomotoras da VENG, mas sim em uma avaliação comportamental (posturografia), inclina-se para explicações relacionadas ao processamento visual da informação, como a desestabilização à sobrecarga visual. Poderíamos considerar a possibilidade de ser um efeito colateral dos psicotrópicos, no entanto, dos 74 sujeitos com diagnóstico, 24 não estavam fazendo uso da medicação e também apresentaram valores inferiores nas posições III e VI, ou seja, na preferência visual.
A organização do sistema vestibular pode ser subdividida em três grupos funcionais principais: controle sensório-motor reflexivo do olhar e do equilíbrio – tronco encefálico/cerebelo; percepção de automovimento e controle sensório-motor do equilíbrio voluntário – nível cortical/subcortical; e funções vestibulares superiores em que há envolvimento da cognição ou dos sentidos não visuais(21). Alguns pesquisadores sugerem que o nível de ansiedade não influencia os reflexos vestibulares relacionados à coordenação olho-cabeça. Além disso, eles afirmam que a percepção de autorrotação, baseada em informação vestibular, não é modificada por traços de ansiedade. No entanto, eles indicam uma estratégia diferente para a orientação espacial, sugerindo que o uso da informação vestibular e sua integração com representação do próprio corpo no espaço é afetada pela ansiedade(22).
Por outro lado, Halberstadt e Balaban(23) relataram que os mesmos neurônios no núcleo dorsal da rafe, que liberam serotonina, enviam projeções para a amígdala, bem como o núcleo vestibular do tronco encefálico. Este resultado sugere que alterações emocionais podem influenciar diretamente o processamento da informação vestibular.
Em pacientes com tontura, a ansiedade pode afetar, possivelmente, a interação entre a informação visual e as informações vestibular e somatossensorial durante a manutenção do equilíbrio postural, levando a maior instabilidade axial anteroposterior(24). Esse evento também é observado entre pacientes com síndrome do pânico, nos quais o aumento do conflito sensorial pode impedir o funcionamento do sistema vestibular levando a alterações na manutenção do equilíbrio postural(25).
Em pesquisa pregressa, com população semelhante ao presente estudo, dados mostram que o aumento da ansiedade causa instabilidade; tal condição é abolida de olhos fechados. Portanto, a ansiedade pode afetar o processamento da informação visual e influenciar a integração sensorial para o controle postural(26). Ademais, o sistema vestibular apresenta múltipla conexão com regiões do córtex cerebral, hipocampo e amígdala. A perda de aferências vestibulares pode levar a comprometimentos nesses circuitos cognitivos, os quais também são relacionados à emoção e afetividade(13).
A importância da investigação e acompanhamento dos sintomas psiquiátricos foi explorada em estudo com pacientes que sofrem de tontura crônica, o qual relata uma redução sustentada nos sintomas vertiginosos em 78% da amostra através de uma abordagem otoneurológica com reabilitação vestibular coordenada à psicoterapêutica(27). Além disso, pacientes depressivos podem sentir-se mais gravemente incapacitados pela tontura e instabilidade do que pacientes sem depressão(28).
Dessa forma, é imprescindível compreender a depressão ou a ansiedade em sujeitos com tontura, uma vez que estes estados psicológicos podem exacerbar os sintomas. Além da terapia farmacológica, a terapia comportamental, como a reabilitação vestibular, é uma alternativa que pode ser de grande relevância no tratamento dessa população(29).
A relação de causalidade entre as condições psiquiátricas e a tontura necessita de futuros estudos, sobretudo longitudinais, que identifiquem a influência da medicação no equilíbrio corporal a longo prazo, os mecanismos da tontura, sua relação de comorbidade, além de fomentar novas hipóteses científicas acerca de etiologias e o desenvolvimento de novas terapias.
Este estudo apresenta limitações. Na amostra, há grande diferença entre o número de mulheres e homens, o que fragiliza a análise inferencial a partir do gênero.
CONCLUSÃO
Por meio deste estudo, constatou-se alta ocorrência da condição psiquiátrica entre os sujeitos com tontura. O uso de psicotrópicos na presente amostra de sujeitos com tontura superou substancialmente o da população geral, o que reforça a associação entre a queixa psiquiátrica e a vestibular. A avaliação do equilíbrio postural revelou uma relação entre as variáveis ansiedade/depressão e maior percentual de alterações na posturografia dinâmica foam laser nas posições relacionadas à preferência visual. No entanto, não foi observada relação entre essas condições e alterações nas provas da VENG.
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Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Santa Maria – UFMS - Santa Maria (RS), Brasil.
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Fonte de financiamento: nada a declarar.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
27 Jun 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
-
Recebido
26 Maio 2018 -
Aceito
14 Nov 2018