Open-access Programa de remediação com a nomeação rápida e leitura para escolares com dislexia: elaboração e significância clínica

RESUMO

Objetivo:  Elaborar um programa de remediação com a nomeação rápida e leitura, bem como verificar a significância clínica da aplicação do programa elaborado em escolares com dislexia.

Método:  Participaram cinco sujeitos do terceiro ao quinto ano do ensino fundamental, com idade de 8 a 11 anos, de ambos os sexos, com diagnóstico interdisciplinar de dislexia. Todos os escolares foram submetidos na pré e pós-testagem à aplicação das provas de habilidades metalinguísticas e de leitura, compreensão de leitura e da prova de nomeação automática rápida.

Resultados:  A análise foi realizada pelo Método JT, que permitiu verificar se houve mudança positiva ou negativa e significância clínica na pós-testagem. Os resultados mostraram ter havido significância clínica nas provas de identificação; adição e combinação de sílaba, de fonema final e medial, além de repetição de não palavras, leitura de palavras reais e pseudopalavras, compreensão leitora, além de nomeação automática rápida quando comparada a pré com a pós-testagem.

Conclusão:  O programa elaborado mostrou-se eficaz e com aplicabilidade, podendo ser utilizado instrumento de intervenção baseada em evidência científica para escolares com dislexia, pois ocorreu significância clínica para o desempenho em leitura.

Descritores: Aprendizagem; Leitura; Dislexia; Estudos de Intervenção; Avaliação

ABSTRACT

Purpose:  Elaborate a remediation program with rapid automatized naming and reading, as well as to verify the clinical significance of the elaborated program for students with dyslexia.

Method:  The study involved five students from 3rd to the 5th grade of elementary school, aged 8 to 12 years, of both genders, with an interdisciplinary diagnosis of dyslexia. All students were submitted to pre- and post-test application of metalinguistic skills and reading test, reading comprehension and rapid automatized naming test.

Results:  The analysis was performed using the JT method that allowed to verify positive or negative change and clinical significance in the post-testing. The results showed clinical significance in the tests of identification, syllable addition and combination, final and medial phoneme; in addition to nonwords repetition, real words and pseudowords reading, reading comprehension and rapid automatized naming test when comparing the pre- and post-testing.

Conclusion:  The elaborated program was efficient and applicable as an intervention instrument based on scientific evidence for students with dyslexia since it showed clinical significance for reading performance.

Keywords Learning; Reading; Dyslexia; Intervention Study; Evaluation

INTRODUÇÃO

Durante a realização da leitura, é necessário um processamento visual refinado dos sinais gráficos para que se dê a realização de varredura textual visando a identificação das partes constituintes da palavra (1,2).

Alguns autores (1,3,4) citaram que escolares que leem conforme o esperado para idade e escolaridade apresentaram melhor desempenho durante a realização da prova de nomeação automática rápida, quando comparados aos escolares disléxicos, demonstrando que tal habilidade pode ser considerada um pré-requisito para melhor desempenho em leitura.

A dislexia refere-se a diferenças e falhas nos processos cognitivos e nos processamentos fonológico e/ou visual, frequentemente caracterizados pelas dificuldades apresentadas no início da alfabetização que comprometem a aquisição da leitura, da escrita e da ortografia (5).

Os escolares com dislexia tendem a levar mais tempo na realização da prova de nomeação automática rápida, comparados com aqueles escolares que não apresentam alteração na leitura (6,7).

Um estudo internaciona ((l8)) desenvolveu um programa de remediação para escolares com dificuldades de leitura por meio de um treinamento da consciência fonológica e ensino explícito das regras de correspondência grafo-fonêmicas, utilizando a nomeação automática rápida como uma das medidas de pré e pós-intervenção, indicando ao final do estudo que a associação entre as habilidades metafonológicas favorece a realização da prova de nomeação automática rápida, melhorando assim a velocidade de acesso ao léxico e a fluência de leitura.

Apesar de as literaturas nacional (9) e internacional (10,11) referirem estudos sobre intervenção fonoaudiológica com escolares com problemas na decodificação e fluência de leitura com foco nas habilidades metafonológicas, ainda são escassos os estudos que enfatizam o uso da nomeação automática rápida como estratégia de intervenção.

Este estudo está baseado na hipótese de que a fusão temporal rápida em sucessão (ou seja, o processo de focar a atenção ao estímulo, realizar os processos visuais - responsáveis pela discriminação -, identificar a letra, integrar as características visuais e a informação de padrão visual com a estocagem de representações ortográficas, integrar com representações fonológicas estocadas, acessar e recuperar as palavras, ativar e integrar informação semântica e conceitual e realizar a ativação motora para a articulação necessária para a realização da nomeação automática rápida) quando treinada em situação de intervenção, pode favorecer a melhora da fluência de leitura de escolares com dislexia.

Sendo assim, este estudo teve como objetivos elaborar um programa de remediação de velocidade de acesso ao léxico, utilizando como estratégias a nomeação rápida e leitura e verificar a significância clínica da aplicação do programa elaborado em escolares com dislexia.

MÉTODO

Esta pesquisa foi realizada após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Faculdade de Filosofia e Ciências - UNESP da cidade de Marília, São Paulo, sob o protocolo de nº 45213015.0.0000.5406. Todos os sujeitos submetidos a este estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Primeiramente foi realizada a elaboração do programa de remediação com a nomeação automática rápida e leitura e, em seguida, a análise da significância clínica do desempenho dos sujeitos submetidos ao programa de intervenção, do terceiro ao quinto ano, de ambos os gêneros e idade entre 8 e 11 anos, aplicado em um estudo-piloto.

Elaboração do programa de remediação com a nomeação automática rápida e leitura

O programa foi elaborado a partir da revisão da literatura. Nessa fase, foram escolhidos os estímulos visuais linguísticos (letras, palavras reais e pseudopalavras) e não linguísticos (cores e figuras), que foram agrupados em pranchas. As palavras reais e as figuras foram selecionadas do banco de palavras e do banco de figuras do Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem - LIDA, organizadas por extensão silábica, enquanto que as pseudopalavras foram retiradas e adaptadas de palavras de um procedimento utilizado para avaliação (12). O banco de palavras utilizado para selecionar os estímulos para compor as pranchas era inicialmente constituído por 600 palavras; entretanto, foram selecionados apenas os substantivos, pois podem ser representados por figuras. Dessa forma, primeiramente havia 35 palavras monossilábicas, 139 dissilábicas, 113 trissilábicas e 57 polissilábicas com 4 sílabas.

A seguir, foram selecionadas apenas as palavras em que o padrão silábico (CV, CCV) era de alta frequência de acordo com a faixa etária de 8 a 11 anos de idade.

As pranchas foram elaboradas com distribuição de cinco estímulos que se repetiam 50 vezes, organizados em 10 fileiras com 5 estímulos cada, seguindo o padrão da prova original de nomeação automática rápida (1). Dessa forma, as pranchas elaboradas foram assim constituídas:

  • - 3 por letras;

  • - 1 de figuras com estímulos monossilábicos;

  • - 3 de figuras com estímulos dissilábicos;

  • - 2 de figuras com estímulos trissilábicos;

  • - 1 de figuras com estímulos polissilábicos com quatro sílabas;

  • - 1 para cada padrão silábico de pseudopalavras (monossilábica, dissilábica, trissilábica e polissilábica com quatro sílabas);

  • - 3 de palavras reais monossilábicas;

  • - 3 de palavras reais dissilábicas;

  • - 2 de palavras reais trissilábicas;

  • - 1 de palavras reais polissilábicas com quatro sílabas.

As pranchas elaboradas foram distribuídas em seis sessões de intervenção, de maneira que a cada duas sessões a constituição das pranchas era a mesma, ou seja, os mesmos critérios eram trabalhados, porém aumentando o grau de complexidade dos estímulos (em relação à extensão e constituição dos estímulos das pranchas). Portanto, as sessões foram assim formadas:

  • - Sessões 1 e 2: constituídas por oito pranchas (letras, palavras reais, pseudopalavras e figuras monossilábicas e dissilábicas);

  • - Sessões 3 e 4: constituídas por 11 pranchas (letras, cores, palavras reais, pseudopalavras e figuras monossilábicas, dissilábicas e trissilábicas);

  • - Sessões 5 e 6: constituídas por 14 pranchas (letras, cores, palavras reais, pseudopalavras e figuras monossilábicas, dissilábicas, trissilábicas e polissilábicas com quatro sílabas).

O programa foi composto por 6 sessões ao total de aproximadamente 50 minutos cada, sendo necessárias duas sessões antes e após as seis para realização da pré-testagem e da pós-testagem a fim de verificar a eficácia do programa, totalizando 10 encontros.

A intervenção foi realizada com a seguinte estrutura: reconhecimento dos estímulos de cada prancha que deveriam ser nomeados pelo sujeito para ser realizada a primeira tomada de tempo. Em seguida, o sujeito era orientado a iniciar o procedimento de nomeação rápida dos estímulos em sucessão e este primeiro tempo, anotado pela pesquisadora, foi chamado de T1.

Logo após essa etapa, foi realizada a intervenção com o sujeito de forma que ele identificasse, reconhecesse, decodificasse e memorizasse aqueles estímulos que não foram reconhecidos em um primeiro momento a critério do terapeuta, pois cada sujeito apresentou diferentes tipos de dificuldades de nomeação. Desta forma, foi necessário realizar estratégias para cada tipo de erro que o escolar apresentava, por exemplo, quando o escolar pulava linhas, não reconhecia algum estímulo, cometia erros por substituição de fonema nas pranchas de leitura de palavras e não palavras, ou substituía estímulos. Por fim, o sujeito foi orientado a realizar novamente a nomeação rápida dos estímulos em sucessão e o tempo era novamente anotado, desta vez, chamado de T2. (13)

Participantes

Participaram deste estudo 5 escolares do terceiro ao quinto ano do ensino fundamental, com idade entre 8 e 11 anos de idade, sendo 3 do sexo masculino e 2 do sexo feminino, com diagnóstico interdisciplinar de dislexia.

O diagnóstico de dislexia foi realizado por meio da avaliação específica de equipe multidisciplinar composta por fonoaudiólogo, neuropsicóloga e terapeuta ocupacional.

Todos os escolares que participaram deste estudo foram submetidos à pré-testagem, intervenção e pós-testagem. Para a pré e pós-testagem, foram utilizados os seguintes procedimentos:

  1. Protocolo de Provas de Habilidades Metalinguísticas e de Leitura - Prohmele (12). Esse protocolo é composto pelas seguintes provas: provas de identificação silábica e fonêmica; provas de manipulação silábica e fonêmica; provas de leitura de palavras reais e leitura de pseudopalavras; prova de repetição de não palavras.

  2. Protocolo de Avaliação da Compreensão de Leitura - Procomle (14). Esse procedimento é composto por quatro textos: dois narrativos e dois expositivos. Nesse caso, apenas dois textos foram utilizados, sendo um narrativo (N1) e um expositivo (E1). Os textos são constituídos de oito questões de múltipla escolha que foram respondidas pelo escolar após a leitura.

  3. Prova de Nomeação Automática Rápida (1). Constituída por quatro pranchas com estímulos de letras, cores, dígitos e objetos. O escolar deve realizar a nomeação de cada um o mais rápido que conseguir.

Análise da significância clínica do programa de remediação com a nomeação automática rápida e leitura

Para analisar a significância clínica do programa de remediação com a nomeação automática rápida e leitura, foi utilizado o Método JT (15,16) para análise de caso único. Esse método prevê uma análise comparativa entre escores pré e pós-intervenção com o objetivo de decidir se as diferenças entre eles representam mudanças confiáveis e se são clinicamente relevantes. Esse método implica dois processos complementares: (a) cálculo da confiabilidade das alterações ocorridas entre a pré-avaliação e a avaliação pós-intervenção, descrita em termos de um Índice de Mudança Confiável (IMC); e (b) análise do significado clínico dessas alterações. A diferença é calculada com base na divergência entre pré e pós-teste dividida pelo erro-padrão da diferença. Dessa forma, a mudança da pré para a pós-testagem pode ser positiva confiável (quando há melhora); negativa confiável (quando há piora); com significância clínica (que faz ou fará diferença no âmbito clínico); podendo também haver ausência de mudança (15,16).

Ainda de acordo com autores (15), os testes de significância estatísticos são limitados para a avaliação da eficácia de um tratamento, pois, segundo os autores, estes testes não fornecem informações suficientes sobre a variabilidade da resposta dentro de uma determinada amostra, ou seja, mostram a forma como o grupo reagiu ao tratamento, mas não como reagiu cada indivíduo em particular. Além disso, há diferença no efeito de um tratamento de um ponto de vista estatístico para o ponto de vista clínico, independentemente do número de sujeitos (17). Além do mais, há poucos dados na literatura que notificam a necessidade de alterações no método JT, portanto, esse método é eficaz para verificar a significância clínica e controle de mudança comparando o sujeito com ele mesmo (18).

RESULTADOS

Por meio do Método JT, foram analisadas as mudanças entre a pré e a pós-testagem de cada habilidade testada neste estudo em cada um dos cinco sujeitos que serão chamados de Sujeito 1, Sujeito 2, Sujeito 3, Sujeito 4 e Sujeito 5, apresentadas nas tabelas a seguir.

Na Tabela 1, podemos verificar a confiabilidade da mudança nas provas silábicas e fonêmicas do Prohmele, uma vez que nessas o Sujeito 1 apresentou mudança positiva confiável na habilidade de substituição fonêmica; o Sujeito 2, na habilidade de substituição silábica e, no caso desse sujeito, a mudança também foi considerada com significância clínica. O Sujeito 3 foi o que apresentou maior ganho pós-intervenção nessas provas, pois houve quatro mudanças positivas confiáveis, nas habilidades de identificação de sílaba inicial, identificação de sílaba medial, combinação silábica e identificação de fonema medial. O Sujeito 4 apresentou duas mudanças positivas confiáveis, sendo uma na habilidade de identificação de fonema final e a outra na habilidade de adição silábica, classificada também como significância clínica. O Sujeito 5 não apresentou alteração, tanto positiva quanto negativa, acontecendo assim o que o método chama de ausência de mudança confiável.

Tabela 1
Confiabilidade de mudança e significância clínica após intervenção nas provas silábicas e fonêmicas do Prohmele em escolares com dislexia

De acordo com a Tabela 2, na prova de repetição de não palavras, o Sujeito 1 apresentou mudança negativa confiável na prova de não palavras polissilábicas com quatro e seis sílabas e ausência de mudança nas demais não palavras. O Sujeito 2 apresentou ausência de mudança pós-intervenção. Já os Sujeitos 3 e 4 apresentaram mudança positiva confiável na prova de repetição de não palavras polissilábicas com quatro sílabas, e o Sujeito 5, mudança positiva confiável em repetição de não palavras trissilábicas.

Tabela 2
Confiabilidade de mudança e significância clínica após intervenção na prova de repetição de não palavras do Prohmele em escolares com dislexia

Na nomeação automática rápida, conforme descrito na Tabela 3, apenas o Sujeito 3 apresentou mudança positiva confiável na prancha de cores e na prancha de dígitos, tendo havido também significância clínica.

Tabela 3
Confiabilidade de mudança e significância clínica após intervenção na prova de nomeação automática rápida em escolares com dislexia

De acordo com a Tabela 4, nas provas de leitura de palavras reais e de pseudopalavras, apenas o Sujeito 1 não apresentou mudança confiável, tendo sido apresentada na prova de leitura de palavras reais uma mudança negativa confiável, ou seja, houve piora pós-intervenção. Os Sujeitos 3 e 4 apresentaram mudança positiva confiável tanto na prova de leitura de palavras reais quanto na de leitura de pseudopalavras. O Sujeito 5 apresentou mudança positiva confiável na leitura de palavras reais e ausência de mudança na leitura de pseudopalavras.

Tabela 4
Reliability of change and clinical significance after intervention in the Prohmele real words and pseudowords reading tests in students with dyslexia

Conforme descrito na Tabela 5, na avaliação de compreensão de leitura realizada por meio de um texto narrativo e um texto expositivo, o Sujeito 1 apresentou mudança positiva confiável tanto na compreensão do texto narrativo quanto na do expositivo, tendo havido também na compreensão do texto narrativo significância clínica. O Sujeito 3 apresentou mudança positiva confiável no texto expositivo e o Sujeito 4, no texto narrativo. Os Sujeitos 2 e 5 apresentaram mudança negativa confiável na compreensão do texto narrativo e positiva confiável para o texto expositivo, tendo o Sujeito 2 apresentado, além de mudança confiável, a significância clínica no texto expositivo.

Tabela 5
Confiabilidade de mudança e significância clínica após intervenção na prova de compreensão de leitura do Procomle para texto narrativo e expositivo em escolares com dislexia

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo, analisados por meio do Método JT, possibilitaram a verificação da análise da eficácia do procedimento elaborado. Por meio do índice da confiabilidade de mudança das pranchas trabalhadas, houve a possibilidade de verificar diminuição do tempo despendido para a nomeação das pranchas correspondendo à melhora do comportamento dos sujeitos submetidos à intervenção com a nomeação automática rápida e leitura.

Os escolares com dislexia que participaram deste estudo apresentaram melhora nas provas de leitura de palavras e pseudopalavras, memória operacional fonológica e provas de identificação e manipulação fonêmica, corroborando outros estudos (19,20).

A melhora nas habilidades metafonológicas que foram avaliadas em situação de pré e pós-testagem podem ter ocorrido mesmo sem a estimulação de forma direta dessas habilidades, pois, de acordo com a teoria de duplo déficit (11), a nomeação rápida e a consciência fonológica apresentam contribuições diferentes para as habilidades de leitura. Assim, as dificuldades que os escolares com dislexia apresentam estariam relacionadas tanto com o déficit do processamento fonológico quanto do visual, de forma que, uma vez trabalhada as habilidades de leitura por meio da remediação com a nomeação automática rápida, as habilidades metafonológicas foram favorecidas.

De acordo com a literatura, há uma relação significativa entre as habilidades metafonológicas e a leitura de palavras reais, pois, para uma leitura ser classificada como boa, parte-se do princípio de que, ativando a representação morfológica e fonológica da palavra, há a sua decodificação precisa. Sendo assim, se o escolar não apresenta a capacidade de representação e um bom desempenho na identificação e manipulação dos sons da fala, ele poderá expor problemas que vão de uma decodificação ineficiente até o prejuízo na compreensão de leitura em um segundo momento (21,22).

Um estudo realizado (23) confirmou que a alteração de desempenho em provas de consciência fonológica, memória operacional fonológica e nomeação seriada rápida consistem nos principais fatores de risco para a dislexia, o que corrobora este estudo, no qual os sujeitos com dislexia obtiveram melhora em provas de consciência fonológica, memória operacional fonológica e nomeação rápida que estavam alteradas em situação de pré-testagem devido ao diagnóstico de dislexia destes escolares.

Alguns escolares deste estudo apresentaram mudança positiva confiável, ou seja, melhora na prova de repetição de não palavras.Isso pode ser atribuído ao fato de que escolares com dislexia apresentam maior dificuldade ao realizar tarefas que envolvem componentes verbais e, neste caso, quando treinada a fusão temporal rápida em sucessão oralmente, pode ter causado uma melhora ao repetir não palavras com maior extensão silábica (24).

A aprendizagem da leitura consiste em criar um mecanismo capaz de identificar todas as palavras escritas, já que a identificação da palavra é considerada como a atividade central da leitura, que se desenvolve de forma automática e inconsciente em um bom leitor. Os sujeitos disléxicos deste estudo apresentaram dificuldades na automatização de leitura devido às manifestações características do quadro. Foi possível observar por meio da aplicação do programa de remediação com a nomeação automática rápida e leitura que houve melhora no reconhecimento da palavra e na fluência de leitura por meio da fusão temporal rápida em sucessão treinada em intervenção (25).

O processamento fonológico é uma operação mental na qual se faz uso da informação fonológica durante o processamento da linguagem oral e escrita. Esse processamento é fundamental para o desenvolvimento e para a aprendizagem da leitura, pois aprender a ler por meio de um sistema alfabético pressupõe a capacidade de analisar as estruturas sonoras da fala; portanto, pode-se afirmar que, por meio da realização da intervenção com a nomeação automática rápida, houve melhora na leitura de palavras e pseudopalavras, desenvolvendo nos sujeitos submetidos ao programa não só a possibilidade de melhorar a fluência de leitura, mas também a capacidade de ler palavras novas, uma vez que se observou melhora no uso da rota fonológica (26,27).

Neste estudo, a melhora no desempenho de compreensão leitora também pode ser atribuída à automatização trabalhada na intervenção por meio da nomeação automática rápida e leitura, corroborando estudo (28) que mostrou que a nomeação automática correlaciona-se à compreensão de leitura, uma vez que ambas necessitam do reconhecimento adequado das palavras e da utilização dos conteúdos do processamento ortográfico e lexical.

Sendo assim, o programa elaborado neste estudo pode oferecer tanto ao fonoaudiólogo clínico como ao fonoaudiólogo educacional a possibilidade de um novo instrumento de intervenção com a nomeação automática rápida baseada em evidência científica, que auxilia no desenvolvimento da velocidade de acesso ao léxico, decodificação, fluência e consequentemente na compreensão de leitura de escolares com dislexia.

Pelo fato de o programa deste estudo ter sido elaborado visando a intervenção em 6 sessões, de forma que os escolares realizaram duas sessões de intervenções por semana, uma das limitações do estudo se encontra no reduzido tempo entre a pré-testagem e a pós-testagem de forma que se torna necessário um estudo que analise a eficácia do programa elaborado com um intervalo maior entre pré e pós-testagem. Outra limitação seria o reduzido número de participantes, sugerindo assim que para estudos posteriores seja aumentado o número de participantes do estudo.

CONCLUSÃO

O programa elaborado mostrou-se eficaz e com aplicabilidade, podendo ser utilizado como instrumento de intervenção baseada em evidência científica para escolares com dislexia, pois ocorreu significância clínica para o desempenho em leitura. Além disso, podemos concluir que a análise da significância clínica realizada para análise dos resultados do programa com a nomeação automática rápida elaborado para este estudo revelou que este programa gerou automatização e velocidade ao ser trabalhada a fusão temporal rápida em sucessão, além de melhora na compreensão de texto expositivo, pois houve mudanças positivas de resposta dos sujeitos quando comparado o desempenho em situação de pré e pós-testagem.

  • Trabalho realizado no Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem (LIDA), Departamento de Fonoaudiologia - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - FFC-Unesp - Marília (SP), Brasil.
  • Fontes de financiamento: Bolsa do Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia - Unesp - Marília (SP), Brasil. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2018
  • Aceito
    30 Jun 2019
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