RESUMO
Objetivo:
Identificar fatores relacionados à Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde para Crianças e Jovens (CIF-CJ) representativos de mais de uma categoria e verificar sua associação com aspectos sociodemográficos e clínico-assistenciais em um ambulatório de avaliação fonoaudiológica.
Método:
Trata-se de estudo observacional, analítico e transversal, com base em análise retrospectiva de dados secundários. Foram incluídos 180 prontuários de pacientes entre 5 e 16 anos, avaliados de 2010 a 2014. Após a leitura desses prontuários, foram identificados os aspectos sociodemográficos e clínico-assistenciais, bem como a presença de categorias dos componentes Funções do Corpo e Atividades e Participação da CIF-CJ. Foram realizadas análises de distribuição de frequência e medidas de tendência central e dispersão das variáveis, além da análise fatorial, visando criar indicadores representativos das categorias da CIF-CJ identificadas. Para análise de associações, foram utilizados os testes Mann-Whitney e Kruskal-Wallis e a correlação de Spearman, adotando o nível de significância de 5%.
Resultados:
Foram identificados dois fatores para as Funções do Corpo que apresentaram associações de relevância estatística com as variáveis sociodemográficas e clínico-assistenciais. Para as Atividades e Participação, três fatores foram identificados, cujas associações se deram predominantemente com variáveis clínico-assistenciais.
Conclusão:
Foi possível a identificação de itens representativos e suas respectivas cargas fatoriais das categorias das Funções do Corpo e Atividades e Participação, sendo verificadas associações estatisticamente significativas entre eles e as variáveis sociodemográficas e clínico-assistenciais analisadas.
Descritores:
Fonoaudiologia; Classificação Internacional de Funcionalidade; Incapacidade e Saúde; Assistência à Saúde; Fatores Socioeconômicos; Criança; Adolescente
ABSTRACT
Purpose:
Identify factors related to the International Classification of Functioning, Disability and Health for Children and Youth (ICF-CY) representing more than one category and verify their association with sociodemographic and health care aspects in a speech-language pathology (SLP) outpatient clinic.
Method:
This is an observational, analytical, cross-sectional study based on a retrospective analysis of secondary data. One hundred eighty medical records of patients aged 5-16 years evaluated between 2010 and 2014 were included in the study. Sociodemographic and health care aspects were identified in these records, as well as presence of the ICF-CY Body Functions and Activities and Participation component categories. Analyses of the frequency distribution and measures of central tendency and dispersion of the variables, as well as Factor Analysis were carried out to create representative indicators of the ICF-CY categories identified. The Mann-Whitney and Kruskal-Wallis tests and the Spearman’s correlation were used to analyze the associations, adopting a statistical significance level of 5%.
Results:
Two factors that presented statistically relevant associations with the sociodemographic and health care variables were identified for the Body Functions component. As for the Activities and Participation component, three factors predominantly associated with the health care variables were identified.
Conclusion:
Items representative of the ICF-CY Body Functions and Activities and Participation categories and their respective factorial loads were identified. Statistically significant associations were verified between them and the sociodemographic and health care variables analyzed.
Keywords:
Speech; Language and Hearing Sciences; International Classification of Functioning; Disability and Health; Delivery of Health Care; Socioeconomic Factors; Child; Adolescent
INTRODUÇÃO
A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e sua derivada, a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde para Crianças e Jovens (CIF-CJ), foram criadas em uma perspectiva biopsicossocial, por meio da qual se entende que a doença pode ser oriunda de alterações da funcionalidade, não sendo apenas a causa delas (11 Araújo ES. CIF: Uma Discussão sobre Linearidade no Modelo Biopsicossocial. Rev Fisioter S Fun. 2013;2(1):6-13.). Esse tipo de abordagem propõe que as incapacidades resultam da interação entre questões de caráter biológico e externas ao indivíduo, assim como uma mudança em um órgão ou sistema não determinará por si só quais incapacidades uma pessoa terá (11 Araújo ES. CIF: Uma Discussão sobre Linearidade no Modelo Biopsicossocial. Rev Fisioter S Fun. 2013;2(1):6-13.).
Tal como preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com a CIF, fatores contextuais do indivíduo ganharam destaque na análise das deficiências, limitações e restrições. Esse contexto é formado pelos fatores ambientais e pessoais, demonstrando que a incapacidade não é somente um atributo biológico, mas engloba as circunstâncias que envolvem o indivíduo (22 Sampaio RF, Luz MT. Human functioning and disability: exploring the scope of the World Health Organization's international classification. Cad. Saúde Pública. 2009;25(3):475-83. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500030017.
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) e decorrem da interação entre as condições de saúde, ambientais e pessoais (33 Araujo ES, Buchalla CM. The use of the International Classification of Functioning, Disability and Health in health surveys: a reflexion on its limits and possibilities. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(3): 720-24. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500030017.
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).
Em 2012, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) determinou a inserção da CIF no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive na Saúde Suplementar, e ela vem ocorrendo de forma gradual e em pequenas experiências. Seu uso como norteadora da formulação de inquéritos populacionais (33 Araujo ES, Buchalla CM. The use of the International Classification of Functioning, Disability and Health in health surveys: a reflexion on its limits and possibilities. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(3): 720-24. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500030017.
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) e de outros sistemas de informação em saúde (44 Biz MCP. Workshops on the incorporation of the International Classification of Functioning, Disability and Health, CIF/OMS, into the health information system: Resolution 452/12 of the National Health Council as the guiding principle of the discussion. Revista Científica CIF Brasil. 2016;6(6):43-51. https://doi.org/10.5007/1980-0037.2018v20n2p229.
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), principalmente na atenção básica (55 Araujo ES. CIF-WIN-S 2017. Revista Científica CIF Brasil. 2016;6(6):2-5.), está sendo cada vez mais estimulado, uma vez que pode contribuir como uma ferramenta de coleta de dados mais completa (33 Araujo ES, Buchalla CM. The use of the International Classification of Functioning, Disability and Health in health surveys: a reflexion on its limits and possibilities. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(3): 720-24. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500030017.
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).
Entre as questões relativas ao uso da CIF está também a discussão sobre quais outros dados, sociodemográficos e assistências, coletados conjuntamente àqueles utilizados para estabelecer a própria classificação, seriam relevantes (44 Biz MCP. Workshops on the incorporation of the International Classification of Functioning, Disability and Health, CIF/OMS, into the health information system: Resolution 452/12 of the National Health Council as the guiding principle of the discussion. Revista Científica CIF Brasil. 2016;6(6):43-51. https://doi.org/10.5007/1980-0037.2018v20n2p229.
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). Diante das interferências que o contexto promove nas questões de funcionalidade do indivíduo, esses dados poderiam auxiliar na construção de indicadores no processo de planejamento em saúde (55 Araujo ES. CIF-WIN-S 2017. Revista Científica CIF Brasil. 2016;6(6):2-5.).
Em relação à assistência, pela complexidade que ainda abrange o uso da CIF, a literatura propõe a utilização de um modelo inicial resumido que possa ser adotado por toda a equipe de saúde (66 Araujo ES, Maggi LE, Reichert TT. ICF in Health Systems of the Cities. Revista Científica CIF Brasil. 2015;3(3):49-61.). Outra possibilidade é a criação de Core sets, reduzindo o número de categorias para facilitar sua utilização. Embora haja críticas aos Core sets com base em situações de saúde existentes, a possibilidade de gerar instrumentos de acordo com a área ou profissão (11 Araújo ES. CIF: Uma Discussão sobre Linearidade no Modelo Biopsicossocial. Rev Fisioter S Fun. 2013;2(1):6-13.) mostra-se um caminho possível para maior divulgação, conhecimento e uso da classificação. No Brasil, algumas profissões já introduziram a CIF em sua rotina clínica de avaliação e acompanhamento. A Fonoaudiologia, entretanto, ainda inicia esse percurso (77 Morettin M, Bevilacqua MC, Cardoso MRA. A aplicação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) na Audiologia. Distúrb Comun. 2008;20(3):395-402. https://doi.org/10.1590/S2317-17822013000300005.
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,88 Morettin M, Cardoso MRA, Delamura AM, Zabeu JS, Amantini RCB, Bevilacqua MC. Use of the International Classification of Functioning, Disability and Health for monitoring patients using Cochlear Implants. CoDAS. 2013;25(3):216-23. https://doi.org/10.1590/S2317-17822013000300005.
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).
Diante disso, novas pesquisas relacionando a CIF às questões fonoaudiológicas justificam-se pela relevância de ampliar o seu entendimento e demonstrar os benefícios da sua adoção clinicamente. Ademais, são fundamentais pela necessidade de se estabelecer uma avaliação mais simplificada, mas ainda suficiente para captar todos os constructos propostos. Torna-se importante também que seja observada a existência de associações entre a CIF e suas derivadas com os fatores que compõem a vida do indivíduo com queixas e diagnósticos de alterações comunicativas confirmados. Por isso, os objetivos deste estudo foram identificar fatores relacionados à CIF-CJ representativos de mais de uma categoria ao mesmo tempo, por meio de análise psicométrica, e verificar sua associação com aspectos sociodemográficos e clínico-assistenciais em um ambulatório de avaliação fonoaudiológica.
MÉTODO
Trata-se de estudo observacional, analítico e transversal, com base em análise retrospectiva de dados secundários coletados em prontuários de um serviço fonoaudiológico ambulatorial, integrante de um hospital de ensino da rede pública e que tem como objetivo realizar avaliação e diagnóstico.
Foram incluídos 180 prontuários de pacientes de 5 a 16 anos que fizeram avaliação fonoaudiológica completa entre março de 2010 e dezembro de 2014. Todos os relatórios de anamnese e avaliação disponíveis de forma integral para consulta nesse período foram analisados. Foram excluídos os prontuários pertencentes a pacientes que não realizaram a avaliação auditiva previamente ou durante o período avaliativo e aqueles com suspeita ou confirmação dos diagnósticos de perda auditiva, deficiência intelectual ou Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), pois poderiam tornar o grupo de análise muito heterogêneo.
Foram coletados dados que estruturaram as variáveis explicativas sociodemográficas categóricas quanto ao gênero, à escolaridade do paciente, à escolaridade materna e paterna e ao local de residência, além de outros que estruturaram as variáveis sociodemográficas quantitativas, referentes à idade, ao número de cômodos e de pessoas em domicílio, ao número de irmãos e à renda familiar (em salários mínimos). Foram também obtidas informações que definiram as variáveis explicativas clínico-assistenciais categóricas: intercorrências prévias na infância, responsável pela queixa, profissional que encaminhou o paciente, quais eram as queixas, as hipóteses diagnósticas fonoaudiológicas e as possibilidades de condutas adotadas. Foram realizadas análises de distribuição de frequência para as variáveis categóricas e de medidas de tendência central e variabilidade para as variáveis quantitativas.
Para estruturação das variáveis-resposta, por meio de leitura prévia da CIF-CJ (99 [OMS] Organização Mundial de Saúde. CIF-CJ: A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde: versão para Crianças e Jovens. [Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para a Família de Classificações Internacionais, org.; coordenação da tradução Heloisa Ventura Dinubila]. São Paulo: Editora da universidade de São Paulo - EDUSP; 2011.) e por consenso entre as autoras, foram pré-selecionadas categorias dos componentes Funções do Corpo e Atividades e Participação que pudessem ser utilizadas para descrever aspectos da funcionalidade das condições de saúde em Fonoaudiologia. Nos relatórios, foram identificados conteúdos compatíveis com essas categorias. O uso dos qualificadores, no presente estudo, restringiu-se a .0 para ausência de alteração e .8 para presença de alteração, sem especificação do grau. Foram excluídos os dados que não estavam descritos nos relatórios, assim como as categorias que não se aplicaram aos prontuários analisados. Após essa etapa, foram identificadas 47 categorias: 13 do componente Funções do Corpo e 34 do componente Atividades e Participação. Neste último componente, foi feita a opção por manter a possibilidade do uso dos qualificadores distintos de Desempenho e Capacidade. Foi realizada análise descritiva das categorias identificadas por meio da distribuição de frequências.
A análise fatorial foi realizada com o objetivo de reduzir o número daquelas selecionadas em fatores capazes de representar de forma válida mais de uma categoria ao mesmo tempo, além de definir as variáveis-resposta. O número de fatores selecionados se deu de acordo com o critério da análise paralela, realizada com rotação Varimax, e com o método de extração das componentes principais pela matriz de correlação tetracórica, que é adequada a dados categóricos. Para analisar a qualidade e a validade dos indicadores, foram verificadas a confiabilidade e a validade convergente, considerando a Variância Média Extraída (VME) superior a 50%. Para mensurar a confiabilidade do constructo, foram utilizados o Alfa de Cronbach (AC) e a Confiabilidade Composta (CC) maiores que 0,70. Por fim, foi empregada a medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) maior ou igual a 0,50, que indica se a proporção da variância dos dados pode ser considerada comum a todas as variáveis. Cada fator foi composto de um escore, padronizado de forma a oscilar de 0 a 1 e capaz de avaliar se as categorias dos componentes Funções do Corpo e Atividades e Participação representaram uma deficiência ou não, ou uma dificuldade ou não. Quanto maior o valor do escore, ou seja, mais próximo de 1, maior a quantidade de funções em que há deficiência ou maior a dificuldade existente. Vale ressaltar que as categorias da CIF-CJ (99 [OMS] Organização Mundial de Saúde. CIF-CJ: A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde: versão para Crianças e Jovens. [Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para a Família de Classificações Internacionais, org.; coordenação da tradução Heloisa Ventura Dinubila]. São Paulo: Editora da universidade de São Paulo - EDUSP; 2011.) que apresentaram percentual de dados faltantes maior que 10% na análise de frequência não foram utilizadas nas análises multivariadas.
Para verificar a existência de associações entre as variáveis-resposta (fatores criados para representar as dimensões dos componentes Funções do Corpo e Atividades e Participação) e as variáveis explicativas (sociodemográficas e clínico-assistenciais), foram utilizados os testes estatísticos Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, além da correlação de Spearman. O nível de significância adotado foi de 5%.
Todos os dados foram digitados em planilha no Excel criada pelas pesquisadoras e analisados utilizando o software R (versão 3.3.1). Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sob o parecer nº 1.174.646, tendo sido igualmente aprovada a solicitação de dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para sua realização.
RESULTADOS
Na construção dos indicadores do componente Funções do Corpo, as categorias de funções da memória, da percepção, cognitivas básicas, mentais da linguagem, auditivas, da voz, da articulação, respiratórias e de ingestão foram utilizadas, visto que as demais apresentaram mais de 10% de dados ausentes. Além disso, os prontuários com dados faltantes também foram retirados da amostra. Portanto, foram utilizados aqueles pertencentes a 148 pacientes.
Para o componente Atividades e Participação, a análise da distribuição de frequência foi realizada em categorias que apresentaram os qualificadores de Capacidade e de Desempenho. Para ambos, as categorias com mais de 10% de dados faltantes, com número de indivíduos com ou sem dificuldade menor que 5, ou seja, com uma baixíssima variabilidade, ou com homogeneidade entre os participantes, inviabilizando os resultados, não foram utilizadas nas análises multivariadas. Dessa forma, as variáveis selecionadas no qualificador Capacidade foram: adquirir conceitos e gerenciar o próprio comportamento. Já no qualificador Desempenho, foram selecionadas as seguintes variáveis: gerenciar o próprio comportamento, interações interpessoais complexas, relacionamentos sociais informais, relacionamentos familiares e educação escolar. A amostra para análise foi, então, constituída de 141 prontuários.
De acordo com o critério da análise paralela, duas dimensões no componente Funções do Corpo foram evidenciadas e dois fatores na análise fatorial foram retidos. O Fator 1, denominado Linguagem/fala/audição, foi formado pelas funções da memória, da percepção, da articulação, cognitivas básicas, mentais da linguagem e auditivas. Já o Fator 2, referente a MO/voz, foi formado pelas funções da voz, de ingestão e respiratórias (Tabela 1).
Para o componente Atividades e Participação, foram evidenciados e retidos três fatores. O Fator 1, nomeado de Socialização por causa do processo de desenvolvimento pelo qual as crianças aprendem a obedecer às normas da sociedade e a se comportar de maneira socialmente aceitável (1010 Belsky J. Infância: Desenvolvimento Socioemocional. In: Belsky J. Desenvolvimento Humano - Experenciando o ciclo da vida. Porto Alegre: Artmed, 2010. p.135-63.), foi formado por gerenciar o próprio comportamento (Capacidade e Desempenho), interações interpessoais complexas (Desempenho) e relacionamentos sociais informais (Desempenho). O Fator 2 foi formado apenas pela capacidade de adquirir conceitos, tendo seu nome permanecido Aquisição de conceitos. E o Fator 3, Família/escola, foi constituído de desempenho em relacionamentos familiares e na educação escolar (Tabela 1).
As análises de validação foram realizadas para todos os fatores, exceto o Fator 2 das Atividades e Participação, por ser formado apenas por uma categoria. Foi verificada validação convergente para aqueles analisados, visto que apresentaram VME superior a 0,40, valores de CC acima de 0,60 e de KMO superiores a 0,50, atingindo os níveis exigidos de confiabilidade e ajuste adequado. Cabe ressaltar que o agrupamento das variáveis em cada fator ocorreu por causa da correlação existente entre elas, de forma a sintetizá-las em uma única capaz de representar as características de todas (Tabela 1).
A Tabela 2 mostra os resultados da associação estatística considerando os dois fatores gerados segundo o componente Funções do Corpo e as variáveis sociodemográficas.
Comparação dos Fatores Linguagem/fala/audição e Motricidade/voz das Funções do Corpo com as variáveis explicativas sociodemográficas
Já a Tabela 3 indica os resultados da análise estatística de associação entre os indicadores e as variáveis clínico-assistenciais.
Comparação dos Fatores Linguagem/fala/audição e Motricidade/voz das Funções do Corpo com as variáveis explicativas clinico-assistenciais
Houve diferença estatisticamente significativa do Fator 1 das Funções do Corpo, Linguagem/fala/audição, em relação às variáveis sociodemográficas escolaridade do paciente, idade, número de irmãos, número de cômodos e de pessoas no domicílio. Quanto maior a idade (r = -0,29) e quanto mais cômodos na casa (r = -0,23), menor o número de funções com problema, tendo sido essas correlações muito fracas. E quanto maior o número de irmãos (r = 0,18) e de pessoas na casa (r = 0,17), maior tende a ser a pontuação do indicador, ou seja, maior o número de funções alteradas, também com correlações fracas (Tabela 2).
Em relação às variáveis clínico-assistenciais, houve diferença com significância estatística nas análises com queixa de alteração de fala, hipóteses diagnósticas de alterações de aquisição/desenvolvimento da linguagem oral, dos aspectos cognitivos da linguagem, de fala, do processamento auditivo e condutas de avaliação completa do processamento auditivo e de terapia fonoaudiológica (Tabela 3). Nas análises realizadas com o Fator 2, MO/Voz, foi verificada diferença estatisticamente significativa em relação apenas à variável sociodemográfica escolaridade paterna (Tabela 2). Quanto às variáveis clínico-assistenciais, foram associadas aos indicadores: queixas de alterações de MO e de interação social, hipóteses diagnósticas de alterações de MO e de voz e conduta de encaminhamento para acompanhamento com algum outro profissional (Tabela 3).
Os resultados da análise de associação realizada entre os três indicadores gerados pelas categorias do componente Atividades e Participação e as variáveis sociodemográficas estão apresentados na Tabela 4.
Comparação dos Fatores Socialização, Aquisição de conceitos e Família/escola das Atividades e Participação com as variáveis explicativas sociodemográficas
A análise de associação entre os indicadores e as variáveis explicativas clínico-assistenciais está apresentada na Tabela 5. A conduta de reavaliação não foi incluída na análise multifatorial por causa da homogeneidade nas respostas verificada nos 141 prontuários.
Comparação dos Fatores Socialização, Aquisição de Conceitos e Família/escola das Atividades e Participação com as variáveis explicativas clinico-assistenciais
Na análise de associação, foi constatado que houve diferença estatisticamente significativa do Fator 1 de Atividades e Participação, Socialização, em relação às variáveis queixa de interação social e hipótese diagnóstica de alterações dos aspectos cognitivos da linguagem. Para o Fator 2, Aquisição de conceitos, houve diferença com significância estatística para as variáveis queixas de alterações de fala e de interação social, hipóteses diagnósticas de alterações dos aspectos cognitivos da linguagem e alterações de MO. Finalmente, para o Fator 3, Família/escola, houve diferença estatisticamente significativa para as variáveis escolaridade do paciente, escolaridade parental, local de residência e idade. Quanto maior a idade (r = 0,27), maior tende a ser a pontuação do indicador, com correlação considerada fraca (Tabela 4). Em relação às variáveis clínico-assistenciais, houve associação com significância estatística com queixas de alterações nas questões de leitura e escrita/dificuldades escolares, ausência de alterações de fala, profissional que realizou o encaminhamento do paciente para avaliação fonoaudiológica e hipóteses diagnósticas de alterações nas questões de linguagem escrita e ausência de alterações de MO (Tabela 5).
DISCUSSÃO
O processo de avaliação fonoaudiológica deve contemplar a análise de associação entre a funcionalidade da comunicação e os fatores sociodemográficos e clínico-assistenciais, promovendo conhecimentos mais abrangentes em uma perspectiva biopsicossocial. Entre as análises realizadas, houve associações de relevância estatística para os fatores referentes às Funções do Corpo, tanto para variáveis sociodemográficas quanto para as clínico-assistenciais. Em relação ao componente Atividades e Participação, apenas o Fator 3, Escola/família, apresentou associação com variáveis sociodemográficas. Tal resultado pode se justificar pela maior influência que a escolaridade, parental e do indivíduo, associada aos contextos familiar e educacional, exerceu nas categorias da CIF-CJ.
A estruturação do Fator 1, Linguagem/fala/audição, das Funções do Corpo, justifica-se pelo fato de que os distúrbios da comunicação podem ser caracterizados como déficit na habilidade de aquisição ou organização de símbolos nos níveis de audição, linguagem, fala ou em quaisquer processos que estes envolvem (1111 Prates LPCS, Martins VO. Speech and language disorders in childhood. Revista Médica de Minas Gerais. 2011;21(4 Supl 1):S54-S60.).
Na análise de associação com as variáveis sociodemográficas, foram observadas maiores pontuações do Fator 1 entre os pacientes do ensino infantil e fundamental incompleto. Tais resultados podem estar relacionados à maior atenção dada durante os primeiros anos de inserção na escolarização formal ao desenvolvimento da linguagem e da fala e à investigação de possíveis dificuldades de audição (1212 César AM, Maksud SS. Characterizing the demand of speech-language pathology in the Municipal Public Service of Ribeirão das Neves - MG. Rev CEFAC. 2007;9(1):133-38. https://doi.org/10.1590/S1516-18462007000100017.
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) (Tabela 2). Também foi verificado que, quanto maior a idade e quanto mais cômodos na casa, menor tende a ser a pontuação do indicador ou menor o número de funções com deficiência. Estudos prévios demonstraram que crianças mais novas tiveram maiores chances de apresentar desordens de fala (1313 Goulart BNG, Chiari BM. Prevalence of speech disorders in schoolchildren and its associated factors. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):726-31. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000500006.
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) e alterações de linguagem oral em relação às mais velhas (1414 Rabelo ATV, Campos FR, Friche CP, da Silva BSV, Friche AAL, Alves CRL et al. Speech and language disorders in children from public schools in Belo Horizonte. Rev Paul Pediatr. 2015;33(4):453-59. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.02.004.
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). Estudos em Saúde Pública indicaram que o número de cômodos em domicílio se encontra intimamente ligado a questões familiares socioambientais e socioeconômicas (1515 Pinto KDBPC, Maggi RRS, Alves JGB. Analysis of social and environmental risk for pleural involvement in severe pneumonia in children younger than 5 years of age. Rev Panam Salud Publica. 2004;15(2):104-9. https://doi.org/10.1590/s1020-49892004000200005. PMid:15030655.
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), relacionando-se a um maior número de recursos disponíveis.
Foi observado que, quanto maior o número de irmãos e de pessoas na casa, maior tende a ser a pontuação do Fator 1 (Tabela 2). Resultado semelhante para a variável número de filhos foi observado em pesquisa que verificou escores médios de estimulação familiar mais altos para primeiro ou até segundo filho nascido e entre aqueles que não compartilhavam o ambiente familiar com crianças menores de 5 anos (1616 Andrade SA, Santos DN, Bastos AC, Pedromônico MRM, de Almeida-Filho N, Barreto ML. Family environment and child's cognitive development: an epidemiological approach. Rev Saúde Pública. 2005;39(4):606-11. https://doi.org/10.1590/s0034-89102005000400014. PMid:16113911.
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). Infere-se que haja menor atenção dispensada às crianças e aos adolescentes diante de um grande número de pessoas em ambiente domiciliar.
Para as variáveis clínico-assistenciais, o Fator 1, formado por categorias referentes à Linguagem/fala/audição, apresentou associações com queixas e hipóteses diagnósticas semelhantes a elas: queixas de alterações de fala e hipóteses de alterações de aquisição/desenvolvimento da linguagem oral nos aspectos cognitivos da linguagem e na fala. A linguagem é a troca de informações (recepção e emissão) de forma efetiva, e a fala refere-se à articulação dos sons, incluindo os aspectos de produção vocal e fluência. Para que esses dois processos ocorram, é necessária uma função auditiva íntegra, viabilizando o acesso à linguagem oral (1111 Prates LPCS, Martins VO. Speech and language disorders in childhood. Revista Médica de Minas Gerais. 2011;21(4 Supl 1):S54-S60.). Tal resultado reflete a inter-relação dos aspectos de linguagem, fala, audição, cognição e outros, visando a uma comunicação efetiva (Tabela 3). Foi verificada também a associação do Fator 1 com a existência de hipóteses diagnósticas de alterações do processamento auditivo e com a conduta de encaminhamento para avaliação completa. Uma revisão sistemática de 2016 observou que os estudos analisados mostraram existência de ligações entre alterações do processamento auditivo e de linguagem (1717 Souza MA, Passaglio NJS, Lemos SMA. Language and auditory processing disorders: Literature review. Rev. CEFAC. 2016;18(2):513-19. https://doi.org/10.1044/0161-1461(2010/10-0013). PMid: 20844275.
https://doi.org/10.1044/0161-1461(2010/1...
). Diante desses achados, é justificada a conduta de realização da avaliação completa do processamento auditivo (Tabela 3). A terapia fonoaudiológica como conduta também se mostra válida nos casos em que a funcionalidade da comunicação se encontra prejudicada, sendo grandes os benefícios quando indivíduos são comparados antes da intervenção e após ela (1818 Gahyva DLC, Hage SRV. Phonological intervention for children with specific language impairment within a psycholinguistic model. Rev. CEFAC. 2010;12(1):152-60. https://doi.org/10.1590/S1516-18462009005000057.
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).
Em relação ao Fator 2 do componente Funções do Corpo, MO/voz, foi verificada associação com a escolaridade paterna de ensino superior, o que se justifica pelo fato de que pais com um maior nível escolar podem buscar avaliação para alterações específicas de MO e voz, as quais talvez se destaquem menos em detrimento de outras, como de fala ou linguagem. Resultado diferente foi verificado em estudo que não encontrou associação entre esses fatores, ainda que, em sua amostra, a maior porcentagem de pacientes com alterações de MO também tenha sido verificada em filhos de pais com ensino superior. Os autores relataram que tal resultado pode ter ocorrido por causa da homogeneidade de sua amostra (1919 Angst OVM, Liberalesso KP, Wiethan FM, Mota HB. Prevalence of speech-language disorders in kindergarten children of public schools and the social indicators. Rev. CEFAC. 2015;17(3):727-33. https://doi.org/10.1590/1982-0216201516114.
https://doi.org/10.1590/1982-02162015161...
). As maiores pontuações associadas a indivíduos com queixas de interação social refletem a influência que alterações de MO/voz, ou outras relativas à comunicação, podem exercer nas relações com o meio, influenciando aspectos como inclusão e ascensão social (1313 Goulart BNG, Chiari BM. Prevalence of speech disorders in schoolchildren and its associated factors. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):726-31. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000500006.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200700...
). A associação entre o Fator MO/voz com queixas e hipóteses diagnósticas de MO e voz se justifica pela complementariedade dessas áreas (2020 Rehder MI. Inter-relações entre voz e motricidade oral. In: Fernandes FDM, Mender BCA, Navas ALPGP (Org.). Tratado de fonoaudiologia. 2. Ed. São Paulo: Roca, 2010. p.813-26.) (Tabela 5). Os sons produzidos pelas pregas vocais são articulados pelos órgãos fonoarticulatórios dentro de um processo de fonte e filtro (2020 Rehder MI. Inter-relações entre voz e motricidade oral. In: Fernandes FDM, Mender BCA, Navas ALPGP (Org.). Tratado de fonoaudiologia. 2. Ed. São Paulo: Roca, 2010. p.813-26.), propiciando uma comunicação efetiva (1414 Rabelo ATV, Campos FR, Friche CP, da Silva BSV, Friche AAL, Alves CRL et al. Speech and language disorders in children from public schools in Belo Horizonte. Rev Paul Pediatr. 2015;33(4):453-59. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.02.004.
https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.02....
). Em relação às alterações, existem estudos que exploram as associações entre a respiração oral e os casos de disfonia (2121 Tavares JG, da Silva EHAA. Theoretical considerations on the relationship between mouth breathing and dysphonia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):405-10. https://doi.org/10.1590/S1516-80342008000400017.
https://doi.org/10.1590/S1516-8034200800...
), considerando que um padrão respiratório inadequado pode causar compensações laríngeas, como esforço (2020 Rehder MI. Inter-relações entre voz e motricidade oral. In: Fernandes FDM, Mender BCA, Navas ALPGP (Org.). Tratado de fonoaudiologia. 2. Ed. São Paulo: Roca, 2010. p.813-26.). Diante da relação direta entre MO e voz e de alterações que afetam ambas, a associação com a conduta de encaminhamento para acompanhamento com outro profissional se faz plausível por uma demanda, por exemplo, de avaliação otorrinolaringológica.
Para o Fator 1 do componente Atividades e Participação, Socialização, as maiores pontuações ocorreram entre os pacientes com queixas de questões de interação social e com hipóteses diagnósticas de alterações dos aspectos cognitivos da linguagem (Tabela 5). Quanto à interação social, estudiosos do desenvolvimento humano referem que o processo de socialização ocorre a partir dos 2 anos de idade e que o temperamento será um fator decisivo para as capacidades de convivência em comunidade. Crianças inibidas e tímidas terão processos de socialização e de interação social distintos das de temperamento expansivo (1010 Belsky J. Infância: Desenvolvimento Socioemocional. In: Belsky J. Desenvolvimento Humano - Experenciando o ciclo da vida. Porto Alegre: Artmed, 2010. p.135-63.). Os aspectos cognitivos da linguagem, por sua vez, podem estar alterados em pacientes com questões associadas à Socialização em razão da influência do meio, principalmente familiar. À família cabe a mediação entre a criança e a sociedade, possibilitando a sua integração, o que é primordial para o desenvolvimento cognitivo infantil (1616 Andrade SA, Santos DN, Bastos AC, Pedromônico MRM, de Almeida-Filho N, Barreto ML. Family environment and child's cognitive development: an epidemiological approach. Rev Saúde Pública. 2005;39(4):606-11. https://doi.org/10.1590/s0034-89102005000400014. PMid:16113911.
https://doi.org/10.1590/s0034-8910200500...
).
Para o Fator 2, Aquisição de conceitos, as análises mostraram maiores pontuações entre os pacientes com queixas de alterações de fala e questões de interação social, além de hipóteses diagnósticas de alterações dos aspectos cognitivos da linguagem e de MO (Tabela 5). De fato, o desenvolvimento da fala dentro do desenvolvimento comunicativo demanda a aquisição de conceitos ligados à forma e à estrutura da língua falada, os quais podem apresentar-se alterados em conjunto a outros conceitos não adquiridos adequadamente. A ocorrência de quebras na interação social também pode ser prejudicial à aquisição de conceitos, uma vez que processos constituintes dessa interação contribuem para que a criança desenvolva sua percepção, dirija e controle seu comportamento (1616 Andrade SA, Santos DN, Bastos AC, Pedromônico MRM, de Almeida-Filho N, Barreto ML. Family environment and child's cognitive development: an epidemiological approach. Rev Saúde Pública. 2005;39(4):606-11. https://doi.org/10.1590/s0034-89102005000400014. PMid:16113911.
https://doi.org/10.1590/s0034-8910200500...
). Por fim, as capacidades cognitivas são fatores que podem interferir em processos de aquisição de conceitos ou de funções como a linguagem. Os contextos social, familiar e histórico pré, peri e pós-natal do indivíduo também se destacam como fatores intervenientes (1111 Prates LPCS, Martins VO. Speech and language disorders in childhood. Revista Médica de Minas Gerais. 2011;21(4 Supl 1):S54-S60.).
A influência que os ambientes escolar e familiar exercem na vida do indivíduo em desenvolvimento é citada na literatura (2222 Scopel RR, Souza VC, Lemos SMA. Family and school environment influences on language acquisition and development: literature review. Rev. CEFAC. 2012;14(4):732-41. https://doi.org/10.1590/S1516-18462011005000139.
https://doi.org/10.1590/S1516-1846201100...
), justificando a ocorrência de categorias mais relativas a ambos, como as que geraram o último fator do componente Atividades e Participação.
Família/escola apresentou maiores pontuações entre os pacientes de maior idade que cursavam o ensino fundamental, que residiam no interior do Estado e com mães e pais sem inserção em educação formal ou cuja escolaridade era o ensino fundamental (Tabela 4). As associações com a escolaridade e as faixas etárias podem ser explicadas pelo fato de que indivíduos nas séries pertencentes ao ensino fundamental ou mais velhos apresentam maiores demandas escolares relativas à leitura, ao ensino formal da língua escrita e às suas regras. Não foi encontrada literatura que justificasse a maior pontuação verificada em pacientes residentes no interior do Estado. Entretanto, acredita-se que o maior conhecimento do ambiente em que se insere o indivíduo assistido, abrangendo questões de influência tecnológica, geográfica, social e política, possibilitaria o entendimento de possíveis causas de limitações das atividades e de restrições na participação social (33 Araujo ES, Buchalla CM. The use of the International Classification of Functioning, Disability and Health in health surveys: a reflexion on its limits and possibilities. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(3): 720-24. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500030017.
https://doi.org/10.1590/1980-54972015000...
).
O nível de escolaridade parental é uma variável frequentemente pesquisada, pois a criança tanto pode receber proteção quanto conviver com riscos para o seu desenvolvimento dentro do ambiente familiar, gerando prejuízos para aspectos de linguagem, memória e habilidades sociais (1616 Andrade SA, Santos DN, Bastos AC, Pedromônico MRM, de Almeida-Filho N, Barreto ML. Family environment and child's cognitive development: an epidemiological approach. Rev Saúde Pública. 2005;39(4):606-11. https://doi.org/10.1590/s0034-89102005000400014. PMid:16113911.
https://doi.org/10.1590/s0034-8910200500...
). Um estudo observou que ter mais de 5 anos de escolaridade materna se associou positivamente à melhor organização do ambiente físico e temporal da criança e à disponibilidade de materiais e jogos apropriados, propiciando maior variação na estimulação diária (1616 Andrade SA, Santos DN, Bastos AC, Pedromônico MRM, de Almeida-Filho N, Barreto ML. Family environment and child's cognitive development: an epidemiological approach. Rev Saúde Pública. 2005;39(4):606-11. https://doi.org/10.1590/s0034-89102005000400014. PMid:16113911.
https://doi.org/10.1590/s0034-8910200500...
). Em outro trabalho, foi observada relação inversamente proporcional entre escolaridade parental e ocorrência de alteração de fala em crianças (1313 Goulart BNG, Chiari BM. Prevalence of speech disorders in schoolchildren and its associated factors. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):726-31. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000500006.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200700...
). O presente estudo corrobora tais achados.
Em relação às variáveis clínico-assistenciais, foram constatadas associações da díade Família/escola não apenas com as queixas de alterações nas questões de leitura e escrita/dificuldades escolares, mas também com a existência de hipótese diagnóstica de alterações nas questões de linguagem escrita (Tabela 5). O papel da família dentro dos processos de significação das funções e dos usos da linguagem escrita indica o quanto é necessário haver intervenções voltadas aos familiares de escolares (2323 Mazzarotto IHEK, Berberian AP, Massi G, Cunha JT, Tonocchi R, Barbosa APB. School referrals of children with writing difficulties: an analysis of the position adopted by their family. Rev. CEFAC. 2016;18(2):408-16. https://doi.org/10.1590/1982-0216201618211615.
https://doi.org/10.1590/1982-02162016182...
). Em pesquisa realizada com familiares de crianças encaminhadas por educadores para avaliação, quase 1/3 das queixas era relacionada à escrita e, aproximadamente, 1/4 era referente à leitura e aos aspectos cognitivos. Já as questões relativas ao desempenho escolar e aos aspectos psicológicos/comportamentais foram menos citadas. Quando questionados sobre a causa da dificuldade, quase a metade dos familiares centrou na própria criança, e apenas um entrevistado citou aspectos relacionados à escola (2323 Mazzarotto IHEK, Berberian AP, Massi G, Cunha JT, Tonocchi R, Barbosa APB. School referrals of children with writing difficulties: an analysis of the position adopted by their family. Rev. CEFAC. 2016;18(2):408-16. https://doi.org/10.1590/1982-0216201618211615.
https://doi.org/10.1590/1982-02162016182...
).
Já o maior número de encaminhamentos de psiquiatras para avaliação (Tabela 5) se justifica pelo fato de o ambulatório receber pacientes que tendem a apresentar um maior número de queixas e questões mais complexas ou que não foram sanadas na atenção primária à saúde. Diferentemente dos resultados deste artigo, um estudo realizado com crianças entre 6 e 12 anos com queixas escolares e atendidas em ambulatório de psicologia infantil mostrou que, dos 103 participantes, apenas 1% havia sido encaminhado ao serviço por psiquiatra, embora 11% estivessem em tratamento com esse profissional (2424 D'Abreu LCF, Marturano EM. Identification of mental health problems related to school underachievement according to DAWBA. Psico. 2011;42(2):152-58.). A existência de uma queixa escolar pode estar associada a problemas de saúde mental, e, para que ambas possam ser corretamente identificadas e tratadas, é necessário preparo do profissional de saúde para distingui-las (2424 D'Abreu LCF, Marturano EM. Identification of mental health problems related to school underachievement according to DAWBA. Psico. 2011;42(2):152-58.). Verifica-se que é fundamental a construção de um sistema seguro e inter-relacionando entre família, escola e assistência à saúde em uma visão abrangente também sobre fatores pessoais que podem influenciar a funcionalidade e a capacidade comunicativa.
Maiores pontuações do Fator Família/escola foram observadas também em relação às associações com a ausência de queixas de fala em descrição na anamnese e na ausência de hipóteses de alterações de MO (Tabela 5). Estudo realizado com 1.810 crianças de 5 a 12 anos, estudantes da primeira série do ensino fundamental, encontrou alterações de fala em 1.167 delas (1313 Goulart BNG, Chiari BM. Prevalence of speech disorders in schoolchildren and its associated factors. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):726-31. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000500006.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200700...
). Os resultados do presente estudo discordam desse achado, uma vez que não ter alterações de fala foi fator que influenciou negativamente a pontuação do indicador. A ausência de hipóteses de alterações de MO também foi causadora de maiores pontuações no indicador, porém não foram verificados na literatura estudos que pudessem justificar tal fato.
Como avanços, esta pesquisa propõe o uso da CIF-CJ para descrever a funcionalidade de aspectos diretamente ligados à Fonoaudiologia em crianças e jovens, assim como os fatores contextuais que neles podem interferir. Além disso, trabalha-se com a proposta do uso da análise fatorial visando compreender a aplicabilidade da CIF no contexto estudado. Como limitação, trata-se de uma coleta baseada em dados secundários, em que perdas de informações e na amostra foram inevitáveis. Ressalta-se que este estudo utilizou a CIF-CJ publicada em português no ano de 2011 (99 [OMS] Organização Mundial de Saúde. CIF-CJ: A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde: versão para Crianças e Jovens. [Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para a Família de Classificações Internacionais, org.; coordenação da tradução Heloisa Ventura Dinubila]. São Paulo: Editora da universidade de São Paulo - EDUSP; 2011.), pois a versão atualizada da CIF de 2015 ainda não estava disponível no período de estruturação desta pesquisa.
CONCLUSÃO
Por meio da utilização da análise fatorial, foi possível a construção de dois fatores representativos para o componente Funções do Corpo, referentes à Linguagem/fala/audição e à MO/voz, e três para o componente Atividades e Participação, relativos à Socialização, Aquisição de conceitos e Escola/família.
Foram verificadas associações estatisticamente significativas entre as variáveis sociodemográficas e clínico-assistenciais e os fatores construídos. Tais achados reforçam a necessidade de um olhar abrangente tanto de aspectos biológicos e físicos quanto de questões ambientes, sociais, familiares e pessoais. Entre as variáveis clínico-assistenciais, os resultados mostraram associação entre os indicadores e as variáveis construídas com dados de cunho fonoaudiológico, tais como o tipo de queixa, as hipóteses diagnósticas verificadas e as condutas de eleição, demonstrando não apenas a possibilidade de inserção do uso da CIF e CIF-CJ na assistência fonoaudiológica, mas também sua importância. Além disso, por opção das autoras, por causa do grande volume de dados já trabalhados, não foram incluídas as categorias referentes aos fatores ambientais. Entretanto, a realização de estudo similar utilizando análise fatorial com variáveis relativas a esse componente se faz necessária e poderá trazer informações complementares e relevantes.
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Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil.
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Fontes de financiamento: Nada a declarar.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Jun 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
24 Fev 2019 -
Aceito
30 Jun 2019