Resumos
Objetivo
O estudo investigou características do processamento da informação fonológica, manifestadas na escrita sob ditado de sintagmas, capazes de indicar possíveis correlações e algum impacto preditor entre os erros ortográficos analisados (codificação de fonemas surdos e sonoros, segmentação indevida, juntura vocabular), segundo a rede de ensino.
Métodos
Foram selecionados 80 escolares, meninos e meninas, na faixa etária entre 6 e 11 anos, regularmente matriculados do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental, em escolas da rede pública estadual e particular, do município de São Paulo. Os participantes escreveram, sob ditado, 34 sintagmas nominais, formados por palavras de alta frequência.
Resultados
Os três tipos de erros correlacionaram-se segundo padrões diferentes, em cada rede de ensino. Na rede pública, os erros de codificação surda sonora e segmentações indevidas correlacionaram-se positivamente. Características de percepção direcionada ao pé métrico e à sílaba, podem ter influenciado o desempenho dos escolares. Na rede particular, a percepção da palavra fonológica, da frase fonológica e da frase entonacional pode ter influenciado as correlações entre os erros do tipo surdo sonoro e as junturas.
Conclusão
Os erros de codificação surdos sonoros, juntura vocabular e separação indevida diferenciaram-se nas redes de ensino, quanto ao desempenho em escrita. Apenas na rede particular os erros de codificação surdos sonoros puderam predizer os de juntura vocabular e segmentação indevida.
Escrita manual; Ensino fundamental e médio; Fonoaudiologia; Estudos de avaliação; Linguagem; Psicolinguística
Purpose
The present study investigated the characteristics of phonological information processing as manifested in the writing of dictated syntagmas, capable of indicating possible correlations and the predictive impact between the analyzed orthography errors (coding of voiced and voiceless phonemes, undue segmentation and word junction) according to the school system.
Methods
Eighty children from both genders, aged between 6 and 11 years, were selected from those regularly enrolled between the 2nd and 5th years of primary education, in both public and private schools in the municipality of São Paulo. The participants wrote, as dictated to them, 34 noun syntagmas composed of high frequency words.
Results
The three types of error were correlated with one another according to different patterns in each school system. In the public schools, voice-voiceless coding errors and undue segmentations were positively correlated. Perception characteristics directed to the metric foot and the syllable might have influenced the children’s performance. As for the results in private schools, the perception of the phonological word, phonological phrase and intonational phrase might have influenced the correlations between errors of the voiced-voiceless type and junctions.
Conclusion
Voiced-voiceless coding errors, word junction and undue separation manifested differently between private and public schools, regarding writing performance. Only in private schools could the voiced-voiceless coding errors predict those of word junction and hypersegmentation.
Handwriting; Education; primary and secondary; Speech; language and hearing sciences; Evaluation studies; Language; Psycholinguistics
INTRODUÇÃO
A escrita pode ser entendida como uma representação da fala. Na escrita alfabética, a
ortografia desempenha o papel fundamental de neutralizar as variações da
fala(11 . Cunha APN, Miranda ARM. A influência da hierarquia prosódica em
hipossegmentações da escrita de crianças de séries iniciais. Rev Virtual Estud
Ling [internet]. 2007 [acesso em: 23 mar 2014];5(1) [19 p.]. Disponível em:
http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_1_a_influencia_da_hierarquia_prosodica.pdf
http://www.revel.inf.br/files/artigos/re...
). A modalidade oral
da língua varia conforme o tempo, o espaço e o grupo social em que a fala se situa e
de acordo com cada situação discursiva. Apesar de ser um padrão oficial imposto por
legislação, a ortografia também varia no tempo. A maior ou menor correspondência com
a fala é que torna a escrita mais ou menos transparente(22 . Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. 10a ed. São Paulo:
Ática; 2009.-4).
O aprendizado da escrita depende, fundamentalmente, da adequação do desenvolvimento
fonológico e do processamento das informações fonológicas, que permitem a associação
de fonemas e grafemas. O substrato fonológico, categorizado a partir de memórias
auditivas de experiências linguísticas, permite a escrita de palavras nunca antes
ouvidas ou visualizadas. Apesar da reconhecida importância do processamento de
diferentes informações, a informação fonológica, sem dúvida, é a base do aprendizado
do princípio alfabético, que é a etapa inicial para o alcance do domínio
ortográfico. Porém, para esse resultado, além do processamento das informações
fonológicas, são necessárias competências morfossintáticas e metagráficas(44 . Fernández AY, Mérida JFC, Cunha VLO, Batista AO, Capellini SA.
Avaliação e intervenção da disortografia baseada na semiologia dos erros:
revisão da literatura. Rev CEFAC. 2010;12(3):499-504.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000056
https://doi.org/10.1590/S1516-1846201000...
,55 . Bousquet S, Cogis D, Ducard D, Massonet J, Jaffré JP. Acquisition
de l´ortographe et mondes cognitifs. Rev Fr Pedagog.
1999;126:23-37.), conhecimento vocabular, memória auditiva e visual e condições
educacionais, como as características do método e dos fatores socioculturais do
contexto de ensino(22 . Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. 10a ed. São Paulo:
Ática; 2009.
3 . Queiroga BAM, Lins MB, Pereira MALV. Conhecimento morfossintático
e ortografia em crianças do ensino fundamental. Psic: Teor Pesq.
2006;22(1):95-99.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722006000100012
https://doi.org/10.1590/S0102-3772200600...
4 . Fernández AY, Mérida JFC, Cunha VLO, Batista AO, Capellini SA.
Avaliação e intervenção da disortografia baseada na semiologia dos erros:
revisão da literatura. Rev CEFAC. 2010;12(3):499-504.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000056
https://doi.org/10.1590/S1516-1846201000...
5 . Bousquet S, Cogis D, Ducard D, Massonet J, Jaffré JP. Acquisition
de l´ortographe et mondes cognitifs. Rev Fr Pedagog.
1999;126:23-37.
6 . Jaffré JP. Écritures et sémiographie. Linx. 2000;43:15-28.
http://dx.doi.org/10.4000/linx.1038
https://doi.org/10.4000/linx.1038...
7 . Santos MTM. Vocabulário, consciência fonológica e nomeação rápida:
contribuições para a ortografia e elaboração escrita. Rev Soc Bras Fonoaudiol.
2007;12(3):262.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300017
https://doi.org/10.1590/S1516-8034200700...
-88 . Gonçalves BAG, Capellini SA. Desempenho de escolares de 1ª série
na bateria de identificação de erros de reversão e inversão na escrita: estudo
preliminar. Rev CEFAC. 2010;12(6):998-1008.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000060
https://doi.org/10.1590/S1516-1846201000...
). Assim, hipóteses baseadas nas
análises fonológica, semântica, morfossintática e na memória das palavras, quer
faladas, quer escritas, completam o aprendizado ortográfico(99 . Largy P, Cousin MP, Bryant P, Fayol M. When memorized instances
compete with rules: the case of number-noun agreement in written french. J Child
Lang. 2007;34(2):425-37.
http://dx.doi.org/10.1017/S0305000906007914
https://doi.org/10.1017/S030500090600791...
,1010 . Justi FR, Pinheiro AMV. O efeito de vizinhança ortográfica no
português do Brasil: acesso lexical ou processamento estratégico. Rev Interam
Psicol. 2006;40(3):275-88.).
Durante o processo de apropriação do sistema ortográfico, é natural que o escolar
cometa alguns erros. A necessária classificação desses erros pode auxiliar a
identificação de possíveis déficits de habilidades subjacentes ao aprendizado do
princípio alfabético, alguns deles próprios do desenvolvimento e superáveis ao longo
do processo de alfabetização e outros, que só poderão ser resolvidos por meio de
intervenções clínicas(44 . Fernández AY, Mérida JFC, Cunha VLO, Batista AO, Capellini SA.
Avaliação e intervenção da disortografia baseada na semiologia dos erros:
revisão da literatura. Rev CEFAC. 2010;12(3):499-504.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000056
https://doi.org/10.1590/S1516-1846201000...
,1111 . Nobile GG, Barrera SD. Análise de erros ortográficos em alunos do
ensino público fundamental que apresentam dificuldades na escrita. Psicol Rev.
2009;15(2):36-55.
http://dx.doi.org/10.5752/P.1678-9563.2009V15N2P36
https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2009...
,1212 . Zorzi JL, Ciasca SM. Análise de erros ortográficos em diferentes
problemas de aprendizagem. Rev CEFAC. 2009;11(3):406-16.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000300007
https://doi.org/10.1590/S1516-1846200900...
). Nos transtornos de aprendizagem, os erros decorrentes de
processos ortográficos parecem ser os mais frequentes, muito embora sejam seguidos,
em prevalência, pelos erros relacionados a processos fonológicos(1212 . Zorzi JL, Ciasca SM. Análise de erros ortográficos em diferentes
problemas de aprendizagem. Rev CEFAC. 2009;11(3):406-16.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000300007
https://doi.org/10.1590/S1516-1846200900...
).
Diferentes estudos propuseram a classificação desses erros encontrados no início do
aprendizado e/ou nas dificuldades ou nos transtornos do aprendizado. Alguns erros
ortográficos são determinados por déficits de base fonológica e, de forma geral e
consensual, têm sido assim classificados: erros na codificação de sílabas complexas;
erros por troca de letras - as mais frequentes são observadas entre consoantes
surdas e sonoras; erros de segmentação - pela ausência de segmentação ou pela
segmentação indevida, observadas na escrita de textos(1111 . Nobile GG, Barrera SD. Análise de erros ortográficos em alunos do
ensino público fundamental que apresentam dificuldades na escrita. Psicol Rev.
2009;15(2):36-55.
http://dx.doi.org/10.5752/P.1678-9563.2009V15N2P36
https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2009...
). Há pesquisadores que os classificam baseados
semiologicamente em erros de ortografia natural, que têm relação direta com o
processamento de linguagem e de ortografia arbitrária, e erros diretamente
relacionados com a memória visual, conhecimento de regras ortográficas, léxico e
morfologia(44 . Fernández AY, Mérida JFC, Cunha VLO, Batista AO, Capellini SA.
Avaliação e intervenção da disortografia baseada na semiologia dos erros:
revisão da literatura. Rev CEFAC. 2010;12(3):499-504.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000056
https://doi.org/10.1590/S1516-1846201000...
).
Durante o aprendizado da escrita, a criança elabora uma série de hipóteses sobre o
registro das palavras e dos períodos. Aprende a perceber que a palavra é composta
por sílabas, formadas por fonemas que são registrados graficamente por letras. Além
disso, na comunicação oral, mais precisamente na fala encadeada, as sílabas são
pronunciadas em grupos tonais, que não necessariamente correspondem a uma
palavra(11 . Cunha APN, Miranda ARM. A influência da hierarquia prosódica em
hipossegmentações da escrita de crianças de séries iniciais. Rev Virtual Estud
Ling [internet]. 2007 [acesso em: 23 mar 2014];5(1) [19 p.]. Disponível em:
http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_1_a_influencia_da_hierarquia_prosodica.pdf
http://www.revel.inf.br/files/artigos/re...
). A pronúncia dos
grupos tonais nem sempre coincide com os espaços gráficos que marcam as fronteiras
das palavras. Na comunicação oral, um grupo tonal pode ser formado por mais de uma
palavra. Essa diferença entre a pronúncia e o registro escrito não é levada em
consideração em atividades que têm a palavra como unidade de análise, pois o
registro de palavras isoladas não reproduz o mesmo sistema de pausas e entonação da
fala(11 . Cunha APN, Miranda ARM. A influência da hierarquia prosódica em
hipossegmentações da escrita de crianças de séries iniciais. Rev Virtual Estud
Ling [internet]. 2007 [acesso em: 23 mar 2014];5(1) [19 p.]. Disponível em:
http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_1_a_influencia_da_hierarquia_prosodica.pdf
http://www.revel.inf.br/files/artigos/re...
,1313 . Rowe DW. Development of writing habilities in childhood. In:
Bazerman C. Handbook of research on writing. New York: Lawrence Erlbaum; 2008.
Capítulo 25, 401-19.,1414 . Chacon L. Hipersegmentações na escrita infantil: entrelaçamentos
de práticas de oralidade e de letramento. Estud Ling.
2005;34:77-86.). Na
fala encadeada, a estrutura fônica da palavra, geralmente, sofre alterações pela
coarticulação de seu final com o início da palavra seguinte, podendo ocorrer, até
mesmo, a reestruturação dos padrões silábicos. Tal fenômeno é observado na conhecida
juntura vocabular ou na segmentação indevida(1212 . Zorzi JL, Ciasca SM. Análise de erros ortográficos em diferentes
problemas de aprendizagem. Rev CEFAC. 2009;11(3):406-16.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000300007
https://doi.org/10.1590/S1516-1846200900...
,1515 . Cagliari LC. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione;
2009.,1616 . Chevrot JP, Dugua C, Fayol M. Liaison acquisition, word
segmentation and construction in French: a usage-based account. J Child Lang.
2009;36(3):557-96. http://dx.doi.org/ 10.1017/S0305000908009124
https://doi.org/ 10.1017/S03050009080091...
). No Português do Brasil, a sílaba tônica tem
volume sonoro ou duração maior do que as sílabas átonas, o que caracteriza um ritmo
acentual e não silábico do idioma(1414 . Chacon L. Hipersegmentações na escrita infantil: entrelaçamentos
de práticas de oralidade e de letramento. Estud Ling.
2005;34:77-86.). Essas informações são fonológicas e podem influenciar, por
exemplo, a escrita de sintagmas, em que o escolar deve perceber que a divisão
ortográfica dos itens lexicais nem sempre condiz com a segmentação fonética.
Portanto, para identificar, na escrita, erros caracterizados por juntura vocabular e
pela segmentação indevida, é necessário analisar a frase, o sintagma, e não apenas a
palavra isolada.
Não obstante essa característica, grande parte das sondagens ou avaliações da capacidade do aprendizado ortográfico é realizada apenas com o ditado de palavras isoladas. O mesmo pode acontecer na clínica fonoaudiológica ou psicopedagógica, que busca identificar as dificuldades e alterações do aprendizado da escrita, principalmente aquelas relacionadas aos déficits de processamento ortográfico. Em ditados de palavras, os erros de juntura vocabular e de segmentação indevida são, então, desconsiderados(22 . Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. 10a ed. São Paulo: Ática; 2009.).
A justificativa deste estudo se apoia na necessidade de determinar a natureza, as
características e a classificação dos erros, mas que podem ser considerados
marcadores ou indícios de alterações ou déficits ligados a processamentos
fonológicos, de responsabilidade da investigação e clínica
fonoaudiológicas(1717 . Batista AO. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano:
proposta de elaboração de um protocolo de avaliação da ortografia [dissertação].
Marília: Universidade Estadual de São Paulo; 2011.). Para
tanto, investigou, por meio de um ditado de sintagmas, três tipos de erros baseados
no desenvolvimento e conhecimento fonológico: codificação escrita de fonemas que se
diferenciam pelo traço de sonoridade; junturas entre vocábulos (vocabulares) e
segmentações indevidas, também consideradas relacionadas ao processamento
fonológico. As trocas de letra cujos fonemas correspondentes se opõem pelo traço de
sonoridade, além de muito frequentes(1212 . Zorzi JL, Ciasca SM. Análise de erros ortográficos em diferentes
problemas de aprendizagem. Rev CEFAC. 2009;11(3):406-16.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000300007
https://doi.org/10.1590/S1516-1846200900...
), são mais prontamente reconhecidas na área do ensino e na
clínica fonoaudiológica. A ligação com o desenvolvimento fonológico é facilmente
identificada, até porque a persistência do ensurdecimento na fala de escolares não é
incomum.
É necessário conhecer a natureza e as características de erros que, embora se
manifestem ortograficamente, podem ser considerados marcadores ou indícios de
alterações ou déficits de processamentos fonológicos. Essas alterações devem ser
consideradas relevantes na clínica e investigação fonoaudiológicas(1717 . Batista AO. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano:
proposta de elaboração de um protocolo de avaliação da ortografia [dissertação].
Marília: Universidade Estadual de São Paulo; 2011.), principalmente quando o escolar
já passou da fase em que erros de segmentação, de juntura ou de trocas de letras são
comuns e, de certa forma, esperados(11 . Cunha APN, Miranda ARM. A influência da hierarquia prosódica em
hipossegmentações da escrita de crianças de séries iniciais. Rev Virtual Estud
Ling [internet]. 2007 [acesso em: 23 mar 2014];5(1) [19 p.]. Disponível em:
http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_1_a_influencia_da_hierarquia_prosodica.pdf
http://www.revel.inf.br/files/artigos/re...
,1212 . Zorzi JL, Ciasca SM. Análise de erros ortográficos em diferentes
problemas de aprendizagem. Rev CEFAC. 2009;11(3):406-16.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000300007
https://doi.org/10.1590/S1516-1846200900...
). Há poucos
estudos relacionados a essa necessidade, que mostra ser mais clínica que de ensino,
principalmente ao se considerar escolares que apresentam erros de escrita após a
fase de aprendizado, em que esses erros são normais e esperados. Por isso, além da
investigação sobre a presença de erros de codificação escrita de fonemas que se
diferenciam pelo traço de sonoridade, outras alterações da escrita, como junturas
vocabulares ou segmentações indevidas, tidas como associadas ao processamento
fonológico, foram investigadas, com o intuito de auxiliar a reduzir possíveis
distorções da clínica de avaliação fonoaudiológica no delineamento dos perfis
fonológico ou ortográfico dos erros de escrita. Na perspectiva da literatura que
distingue a produção entre as redes de ensino pública e particular, este trabalho
distinguiu esses erros em ambas as redes de ensino(1818 . Moojen SMP. A escrita ortográfica na escola e na clínica: teoria,
avaliação e tratamento. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2009.,1919 . Bigarelli JFP, Ávila CRB. Habilidades ortográficas e de narrativa
escrita no ensino fundamental: características e correlações. J Soc Bras
Fonoaudiol. 2011;23(3):237-47.
http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011000300009
https://doi.org/10.1590/S2179-6491201100...
).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), espera-se que, desde o final do
primeiro ciclo (5º ano) do Ensino Fundamental, os alunos não cometam erros
ortográficos em “palavras de ortografia regular e de irregulares, mais
frequentes”(2020 . Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Língua portuguesa. Brasília:
Secretaria de Educação Fundamental; 1997.). De certa
maneira, o erro ortográfico reflete processos cognitivos que indicam determinado
modo de representar a fala. São traços visíveis do conhecimento, naquele momento. Os
erros de ortografia decorrem de processos inerentes a toda a aprendizagem e
manifestam a representação subjacente à forma escrita(2121 . Meireles ES, Correa J. Regras contextuais e morfossintáticas na
aquisição da ortografia da língua portuguesa por criança. Psicol Teor Pesq.
2005;21(1):77-84.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722005000100011
https://doi.org/10.1590/S0102-3772200500...
22 . Jaffré J-P. De la variation en orthographe. Étud Lingu Appl.
2010;3(159):309-23.-2323 . Teixeira SM, Grassi LM, Oliveira ND, Miranda ARM. Uma reflexão
sobre os erros ortográficos e sobre a importância da formação teórica para a
prática pedagógica de professores das séries iniciais. Verba Volant [internet].
2011 [acesso em: 10 mar 2011];2(1):78-94. Disponível em:
http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant/segundo/ana2.pdf
http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant/s...
).
A literatura tem analisado, tabulado e normatizado erros, apenas em realizações de palavras isoladas. Questões sobre a percepção da fronteira de palavras são menos discutidas. Tampouco têm sido comparados erros em ditados de palavras isoladas(2424 . Pinheiro AMV, Lúcio PS, Silva DMR. Avaliação cognitiva de leitura: o efeito de regularidade grafema-fonema e fonema-grafema na leitura em voz alta de palavras isoladas no português do Brasil. Psicol: Teor Prat. 2008;10(2):16-30.), como os apresentados na escrita de palavras imersas em contexto frasal, nas diferentes redes do ensino fundamental(1818 . Moojen SMP. A escrita ortográfica na escola e na clínica: teoria, avaliação e tratamento. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2009.,2525 . Pinheiro AMV. Contagem de frequência de ocorrência de palavras expostas a crianças na faixa pré-escolar e séries iniciais do 1º grau. São Paulo: Associação Brasileira de Dislexia; 1996.). Este trabalho foi desenvolvido a partir da hipótese de que existem diferenças e que estas podem ser constatadas em proporções distintas nas duas redes de ensino.
Este estudo, portanto, procurou verificar, em escolares do Ciclo I do Ensino
Fundamental, características do processamento da informação fonológica manifestadas
na escrita, sob ditado de sintagmas, capazes de indicar possíveis correlações e
algum impacto preditor entre os erros ortográficos analisados (de codificação de
fonemas surdos e sonoros, de segmentação indevida, de juntura vocabular), segundo a
rede de ensino. O tipo de erro de codificação de fonemas surdos e sonoros baseou a
investigação da predição de aparecimento de um erro sobre o outro, uma vez que é o
mais frequente(1212 . Zorzi JL, Ciasca SM. Análise de erros ortográficos em diferentes
problemas de aprendizagem. Rev CEFAC. 2009;11(3):406-16.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000300007
https://doi.org/10.1590/S1516-1846200900...
) dentre os três
escolhidos para análise.
MÉTODOS
Esta pesquisa é parte complementar do estudo piloto de um projeto submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e aprovado sob nº. 1768/11. Os Termos de Anuência e Termos de Consentimento Livre e Esclarecido foram assinados pelas instituições de ensino e pelos responsáveis dos escolares participantes, respectivamente, antes da coleta de dados.
Seleção da amostra
Foram selecionados 80 escolares (43 meninos e 37 meninas), na faixa etária entre 6 e 11 anos, regularmente matriculados do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental em escolas da rede pública estadual (PU) e particular (PA) do município de São Paulo. Para cada ano escolar, foram avaliados 20 escolares (10 PU e 10 PA).
A seleção dos escolares atendeu aos seguintes critérios de inclusão definidos previamente, para ambos os grupos: ausência de queixas ou de indicadores de déficits auditivos; ausência de queixas ou de indicadores de déficits visuais (não corrigidos); ausência de queixas ou de indicadores da presença de distúrbios neurológicos, comportamentais ou cognitivos; ausência de histórico de retenção escolar.
Os pais responderam a um questionário com dados sobre o desenvolvimento de seus filhos e os professores preencheram uma ficha sobre o desempenho dos escolares, para garantir a observância dos critérios de inclusão na amostra.
Instrumentos
A prova de ditado contou com uma lista de 34 sintagmas nominais, construídos a partir de palavras de alta frequência(2525 . Pinheiro AMV. Contagem de frequência de ocorrência de palavras expostas a crianças na faixa pré-escolar e séries iniciais do 1º grau. São Paulo: Associação Brasileira de Dislexia; 1996.).
Procedimentos
1. Coleta de dados
As sessões de avaliação ocorreram em horários de aula, previamente estabelecidos pela coordenação e equipe docente, e em sala indicada pela direção. Os ditados foram aplicados ao longo do segundo semestre letivo, em 2012.
Os participantes receberam um lápis grafite e uma folha de papel com espaço determinado para a identificação dos dados cadastrais (nome, data e ano escola). Depois do preenchimento da identificação, os escolares receberam a seguinte instrução: “Vou ditar umas palavras e vocês devem escrever essas palavras na folha que receberam. Se for preciso, ditarei mais de uma vez. Se vocês errarem, façam um traço em cima do que escreveram e escrevam novamente ao lado. Vocês não poderão apagar nada.”
2. Análise de dados
Considerando-se os objetivos do presente trabalho, procedeu-se à identificação e à análise de possíveis erros ou imprecisões produzidas na prova de ditado de sintagmas nominais.
Para a análise e classificação dos erros de escrita, foram considerados apenas os erros na codificação de fonemas surdos e sonoros, de segmentação indevida e de juntura vocabular. Computou-se o total de erros presentes nas produções dos escolares, por tipo de erro e rede de ensino.
3. Método estatístico
Para o tratamento estatístico dos resultados, foram utilizados os testes apropriados para o alcance das análises necessárias a esta pesquisa.
A comparação entre os grupos foi feita por meio do teste de Mann-Whitney (equivalente não paramétrico do teste t para medidas independentes), dada a distribuição assimétrica das variáveis envolvidas.
A verificação da existência de correlação entre o número de erros surdos sonoros e as demais variáveis estudadas (juntura vocabular, segmentação indevida) foi realizada a partir do teste de correlação de Spearman, uma vez que não apresentavam distribuição normal (Kolmogorov-Smirnof).
Para avaliar o impacto preditor da variável “número de erros de codificação de fonemas surdos e sonoros nos desfechos de juntura vocabular” e “segmentação indevida”, utilizou-se modelos de regressão de Poisson, inflados em zero. Em razão da natureza não independente das observações (crianças do segundo ano, das duas redes, apresentaram contagem no número de erros mais similar entre si, que as crianças dos outros anos escolares), os modelos de regressão de Poisson foram controlados pela a estrutura em cluster (multinível), gerando assim, erros padrão robustos (EPR). Os modelos de regressão independente foram gerados tanto para PU, quanto para PA e a taxa de inflação foi considerada constante. O nível de significância adotado foi 0,05.
RESULTADOS
Estabeleceram-se comparações intergrupos, investigaram-se correlações entre as variáveis estudadas e avaliou-se o impacto preditor entre estas.
As comparações conduzidas pelo teste de Mann-Whitney mostraram que os escolares da rede particular de ensino (PA) erraram menos que os escolares da rede pública de ensino (PU), em todos os itens analisados. As diferenças encontradas foram significativas (Tabela 1).
Utilizou-se a correlação de Spearman para investigar a existência de correlação entre os erros na codificação de fonemas surdos e sonoros e os demais tipos estudados - segmentação indevida e juntura vocabular (Tabela 2).
Para a PU, observou-se correlação significativa e positiva entre os erros ortográficos na codificação de fonemas surdos e sonoros e de segmentação indevida (r=0,535, p<0,001) e entre a segmentação indevida e a juntura vocabular (Tabela 3).
Na PA foram observadas correlações entre os erros na codificação de fonemas surdos e sonoros e de juntura vocabular (r=0,446*, p=0,004). Ao se desconsiderar a rede de ensino, observou-se que os erros na codificação de fonemas surdos e sonoros não se correlacionaram com os erros de segmentação indevida (r=0,270 p=0,092), mas correlacionaram-se com os de (r=544*, p<0,001) e de juntura vocabular (r=0,267*, p=0,017) (Tabela 4).
Verificou-se, além disso, que, na PU, o número de erros ortográficos na codificação de fonemas surdos e sonoros não foi preditor dos demais tipos de erros considerados nesta pesquisa. Todavia, na PA, todos os erros ortográficos foram preditos pelo número de erros na codificação de fonemas surdos e sonoros. Sendo assim, cada erro na codificação de fonemas surdos e sonoros aumentou 0,384 erros do tipo segmentação indevida e, por fim, aumentou 0,587 erros do tipo juntura vocabular (Tabela 5).
DISCUSSÃO
O aprendizado da ortografia depende, dentre outros fatores, do conhecimento
metalinguístico de fenômenos morfossintáticos, da adequação das representações e do
processamento das informações fonológicas, que fundamentam a associação
fonema-grafema(22 . Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. 10a ed. São Paulo:
Ática; 2009.,33 . Queiroga BAM, Lins MB, Pereira MALV. Conhecimento morfossintático
e ortografia em crianças do ensino fundamental. Psic: Teor Pesq.
2006;22(1):95-99.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722006000100012
https://doi.org/10.1590/S0102-3772200600...
,55 . Bousquet S, Cogis D, Ducard D, Massonet J, Jaffré JP. Acquisition
de l´ortographe et mondes cognitifs. Rev Fr Pedagog.
1999;126:23-37.
6 . Jaffré JP. Écritures et sémiographie. Linx. 2000;43:15-28.
http://dx.doi.org/10.4000/linx.1038
https://doi.org/10.4000/linx.1038...
7 . Santos MTM. Vocabulário, consciência fonológica e nomeação rápida:
contribuições para a ortografia e elaboração escrita. Rev Soc Bras Fonoaudiol.
2007;12(3):262.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300017
https://doi.org/10.1590/S1516-8034200700...
-88 . Gonçalves BAG, Capellini SA. Desempenho de escolares de 1ª série
na bateria de identificação de erros de reversão e inversão na escrita: estudo
preliminar. Rev CEFAC. 2010;12(6):998-1008.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000060
https://doi.org/10.1590/S1516-1846201000...
). No Português,
fonemas e grafemas estabelecem relações, ou biunívocas ou múltiplas.
Nesta pesquisa, os erros de natureza puramente ortográfica (irregularidades, representação múltipla), que apareceram em diferentes frequências de ocorrência, foram desconsiderados, dada a natureza do objeto de investigação, que se limitou a analisar os erros na codificação de fonemas surdos e sonoros, segmentação indevida e juntura vocabular.
É importante mencionar que, dentre os erros de codificação de fonemas surdos e
sonoros, além daqueles de transparência ortográfica, encontraram-se, também, os que
apresentavam interferência da opacidade da escrita em Português. Esse é o tipo de
erro mais frequentemente referido na literatura(1212 . Zorzi JL, Ciasca SM. Análise de erros ortográficos em diferentes
problemas de aprendizagem. Rev CEFAC. 2009;11(3):406-16.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000300007
https://doi.org/10.1590/S1516-1846200900...
) e também foi o mais numeroso nesta pesquisa, tanto na PU
quanto na PA. Erros de segmentação indevida e de juntura vocabular também foram
encontrados na escrita sob ditado de sintagmas (Tabela 1). Na construção de hipóteses sobre a escrita, o aprendiz é
influenciado pela prosódia. Porém, como nem sempre a fronteira prosódica coincide
com a vocabular, observaram-se, na escrita de escolares, junturas vocabulares e
segmentações indevidas de palavras(1515 . Cagliari LC. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione;
2009.). Desta forma, os resultados desta pesquisa confirmam os da
literatura.
Esses tipos de erros não podem ser considerados, ou encontrados, quando os protocolos avaliativos utilizam itens isolados(22 . Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. 10a ed. São Paulo: Ática; 2009.). A utilização de sintagmas nominais para o ditado permitiu que se evidenciassem erros ligados à percepção da estrutura fonológica da palavra, ou de seus segmentos silábicos, ou de grupos tonais. Permitiu, também, que esses erros fossem comparados entre os escolares, entre os anos escolares(2626 . Arnaut MA, Hackerott MMS, Ávila CRB. Hipersegmentação, aglutinação e trocas entre surdas/sonoras em escolares do ciclo 1 do ensino fundamental. Sessão de pôster apresentada em: 21º Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia; 22-25 set 2013; Porto de Galinhas (PE), BR.) e entre as redes de ensino.
Assim como os erros mais numerosos de codificação de fonemas surdos e sonoros, a
persistência e maior frequência de junturas vocabulares e de segmentações indevidas,
principalmente em anos escolares mais adiantados, podem indicar dificuldades ainda
não superadas no nível fonológico(1212 . Zorzi JL, Ciasca SM. Análise de erros ortográficos em diferentes
problemas de aprendizagem. Rev CEFAC. 2009;11(3):406-16.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000300007
https://doi.org/10.1590/S1516-1846200900...
).
A análise estatística identificou desempenho de escrita similar entre os
2os anos escolares, mas desempenhos diferentes entre as redes de
ensino (Tabela 1), quando observados os anos
subsequentes. O número de erros de codificação de fonemas surdos e sonoros foi o de
maior frequência nas duas redes e o que melhor as diferenciou, embora as separações
indevidas e as junturas vocabulares também tenham evidenciado pior desempenho da PU,
em relação à PA. Esses dados concordam com os encontrados na literatura, mas é
preciso ressalvar que essa literatura refere-se a estudos com ditado de palavras
isoladas, para a avaliação(22 . Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. 10a ed. São Paulo:
Ática; 2009.,33 . Queiroga BAM, Lins MB, Pereira MALV. Conhecimento morfossintático
e ortografia em crianças do ensino fundamental. Psic: Teor Pesq.
2006;22(1):95-99.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722006000100012
https://doi.org/10.1590/S0102-3772200600...
,77 . Santos MTM. Vocabulário, consciência fonológica e nomeação rápida:
contribuições para a ortografia e elaboração escrita. Rev Soc Bras Fonoaudiol.
2007;12(3):262.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300017
https://doi.org/10.1590/S1516-8034200700...
).
A correlação de desempenhos por tipo de erros (Tabela 2), na qual verificou-se que quanto mais erros na codificação de fonemas surdos e sonoros, mais erros de juntura vocabular e de segmentação indevida na escrita dos sintagmas dos escolares, pode indicar que esses erros são de mesma natureza fonológica. Entretanto, quando se buscou um padrão de correlações, separadamente, para cada rede de ensino foi possível observar, na PU, que os erros de codificação de fonemas surdos e sonoros correlacionaram-se positivamente apenas com a segmentação indevida e esta, por sua vez, correlacionou-se positivamente, também, com as junturas vocabulares (Tabela 3). As segmentações indevidas são a alocação de espaços dentro dos limites da palavra e podem indicar que a percepção do escolar pode estar direcionada para os constituintes mais baixos da hierarquia de organização fonológica, tais como a sílaba e o pé métrico(1414 . Chacon L. Hipersegmentações na escrita infantil: entrelaçamentos de práticas de oralidade e de letramento. Estud Ling. 2005;34:77-86.,2727 . Cunha APND, Miranda ARM. A hipo e a hipersegmentação nos dados de aquisição de escrita: a influência da prosódia. Alfa. 2009;53(1):127-48.). Esta evidência pode indicar, portanto, provável déficit na percepção da palavra como unidade linguística, levando o estudante a reproduzir as segmentações internas ao item lexical, em estágios iniciais da escrita ou na presença de algum transtorno, quando a frequência desse tipo de erro é alta. Indagaria-se se esta percepção faz parte do processo de desenvolvimento, se estaria ligada a déficit vocabular, ou se denotaria prejuízo ou atraso do processamento fonológico e/ou auditivo.
Por outro lado, na PA, somente a juntura vocabular correlacionou-se positivamente com
os erros na codificação de fonemas surdos e sonoros (Tabela 4). As junturas vocabulares denotam a falta de espaço
entre fronteiras vocabulares e podem ser preponderantemente influenciadas por
constituintes mais altos da hierarquia fonológica(11 . Cunha APN, Miranda ARM. A influência da hierarquia prosódica em
hipossegmentações da escrita de crianças de séries iniciais. Rev Virtual Estud
Ling [internet]. 2007 [acesso em: 23 mar 2014];5(1) [19 p.]. Disponível em:
http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_1_a_influencia_da_hierarquia_prosodica.pdf
http://www.revel.inf.br/files/artigos/re...
), o seja, o grupo tonal, a frase fonológica, ou a
frase entonacional. A forma como o escolar percebe essas unidades na língua pode
influenciar sua escrita, dificultando o encontro dos limites vocabulares. Também na
PA, os resultados mostraram a correlação entre erros de codificação de fonemas
surdos e sonoros e juntura vocabular, em que o estudante percebeu o grupo tonal como
unidade de significação, ao invés da palavra. Prejuízos de percepção de componentes
fonológicos poderiam determinar a permanência desse tipo de escrita.
A diferença entre os padrões de correlações encontrados para cada rede de ensino mostrou que as características de desenvolvimento das habilidades ligadas ao processamento das informações fonológicas e ortográficas podem ser diferentes nos dois grupos de escolares (PU e PA). Observou-se que o número de erros de codificação de fonemas surdos e sonoros não foi preditor dos desfechos nas separações indevidas e junturas vocabulares, no modelo de regressão entre os escolares da PU (Tabela 5). Esse resultado parece se confirmar pelo fato dos erros do tipo surdo sonoro terem predito os demais erros investigados (a frequência de junturas vocabulares e de segmentações indevidas) na PA. Ou seja, na rede particular, tanto as separações indevidas quanto as junturas vocabulares foram preditas pelo número de erros de codificação de fonemas surdos e sonoros. Cada erro na codificação de surdos e sonoros aumentará 0,384 erros de segmentação de palavras, e 0,587 de junturas vocabulares.
Da análise dos resultados sobre o número de erros de codificação de fonemas surdos e sonoros, considerando-se o fato de terem ocorrido em menor número na PA, pode-se levantar a hipótese de que, nessa rede de ensino, talvez os erros sejam decorrentes de prejuízos ou déficits que caracterizem algum tipo de transtorno de aprendizagem. A maior variabilidade de outros tipos de erros encontrada na PU nos 4 anos escolares investigados, pode ter definido esse resultado. Ou seja, a variabilidade dos erros não foi definida apenas pelos valores de média de erros ou de desvio padrão, mas qualitativamente, a PU apresentou maior quantidade de tipos de erros que não foram considerados neste estudo.
Este estudo não investigou o efeito da escolarização sobre os erros
encontrados(11 . Cunha APN, Miranda ARM. A influência da hierarquia prosódica em
hipossegmentações da escrita de crianças de séries iniciais. Rev Virtual Estud
Ling [internet]. 2007 [acesso em: 23 mar 2014];5(1) [19 p.]. Disponível em:
http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_1_a_influencia_da_hierarquia_prosodica.pdf
http://www.revel.inf.br/files/artigos/re...
,22 . Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. 10a ed. São Paulo:
Ática; 2009.,1111 . Nobile GG, Barrera SD. Análise de erros ortográficos em alunos do
ensino público fundamental que apresentam dificuldades na escrita. Psicol Rev.
2009;15(2):36-55.
http://dx.doi.org/10.5752/P.1678-9563.2009V15N2P36
https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2009...
,1212 . Zorzi JL, Ciasca SM. Análise de erros ortográficos em diferentes
problemas de aprendizagem. Rev CEFAC. 2009;11(3):406-16.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000300007
https://doi.org/10.1590/S1516-1846200900...
,1515 . Cagliari LC. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione;
2009.,1717 . Batista AO. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano:
proposta de elaboração de um protocolo de avaliação da ortografia [dissertação].
Marília: Universidade Estadual de São Paulo; 2011.,1818 . Moojen SMP. A escrita ortográfica na escola e na clínica: teoria,
avaliação e tratamento. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2009.,2828 . Capellini SA, Butarelli APKJ, Germano GD. Dificuldades de
aprendizagem da escrita em escolares de 1a. 4a. séries do ensino público. Rev
Educ Questão. 2010;37(23):146-64.). Este fato é uma limitação da pesquisa, na medida em que a
média de erros foi calculada entre os quatro anos escolares de cada rede de ensino e
não foi possível observar, nesta amostra, o efeito relatado na maioria das
investigações realizadas com a escrita de escolares, principalmente nas séries
iniciais.
Em pesquisa anterior(2626 . Arnaut MA, Hackerott MMS, Ávila CRB. Hipersegmentação, aglutinação e trocas entre surdas/sonoras em escolares do ciclo 1 do ensino fundamental. Sessão de pôster apresentada em: 21º Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia; 22-25 set 2013; Porto de Galinhas (PE), BR.), foi observada similaridade de desempenho dos segundos anos escolares das duas redes de ensino, seguida de distanciamento crescente dos desempenhos das redes, do 3o ao 5o ano, com melhores desempenhos na PA, o que parece confirmar a hipótese de que esses tipos de erros são mais específicos na PA.
Junções vocabulares e segmentações indevidas são menos frequentemente relatadas nas
pesquisas sobre a escrita no ensino fundamental(2828 . Capellini SA, Butarelli APKJ, Germano GD. Dificuldades de
aprendizagem da escrita em escolares de 1a. 4a. séries do ensino público. Rev
Educ Questão. 2010;37(23):146-64.). Esses tipos de alterações de escrita podem ser observados
em textos, sentenças ou sintagmas. As avaliações realizadas por meio de ditado de
itens isolados não permite que elas se evidenciem. Os resultados desta pesquisa
mostraram que as trocas surdo-sonoras, presentes na escrita de itens isolados, podem
estar associadas a outros erros ligados à percepção de constituintes prosódicos das
palavras ou sentenças(11 . Cunha APN, Miranda ARM. A influência da hierarquia prosódica em
hipossegmentações da escrita de crianças de séries iniciais. Rev Virtual Estud
Ling [internet]. 2007 [acesso em: 23 mar 2014];5(1) [19 p.]. Disponível em:
http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_1_a_influencia_da_hierarquia_prosodica.pdf
http://www.revel.inf.br/files/artigos/re...
,2727 . Cunha APND, Miranda ARM. A hipo e a hipersegmentação nos dados de
aquisição de escrita: a influência da prosódia. Alfa.
2009;53(1):127-48.), indicando a necessidade de
estimulação da percepção de componentes fonológicos de diferentes estruturas
linguísticas.
CONCLUSÃO
Escolares da rede PU mostram mais erros na codificação de fonemas surdos e sonoros, de segmentação indevida e de juntura vocabular, quando comparados com escolares da PA. O estudo das correlações entre os três tipos de erros mostrou padrões diferentes em cada rede de ensino. Na PU, codificação de fonemas surdos e sonoros e segmentações indevidas correlacionaram-se positivamente. Provável déficit de percepção fonológica de constituintes mais baixos da hierarquia fonológica influenciou o desempenho dos escolares da escola pública. Na PA, déficits de percepção da palavra fonológica, da frase fonológica e da frase entonacional, constituintes mais altos da hierarquia fonológica, podem ter influenciado as correlações entre os erros na codificação de fonemas surdos e sonoros e as junturas vocabulares. Apenas na rede particular de ensino os erros na codificação de fonemas surdos e sonoros, puderam predizer erros de juntura vocabular e de segmentação indevida.
REFERÊNCIAS
-
1Cunha APN, Miranda ARM. A influência da hierarquia prosódica em hipossegmentações da escrita de crianças de séries iniciais. Rev Virtual Estud Ling [internet]. 2007 [acesso em: 23 mar 2014];5(1) [19 p.]. Disponível em: http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_1_a_influencia_da_hierarquia_prosodica.pdf
» http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_1_a_influencia_da_hierarquia_prosodica.pdf -
2Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. 10a ed. São Paulo: Ática; 2009.
-
3Queiroga BAM, Lins MB, Pereira MALV. Conhecimento morfossintático e ortografia em crianças do ensino fundamental. Psic: Teor Pesq. 2006;22(1):95-99. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722006000100012
» https://doi.org/10.1590/S0102-37722006000100012 -
4Fernández AY, Mérida JFC, Cunha VLO, Batista AO, Capellini SA. Avaliação e intervenção da disortografia baseada na semiologia dos erros: revisão da literatura. Rev CEFAC. 2010;12(3):499-504. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000056
» https://doi.org/10.1590/S1516-18462010005000056 -
5Bousquet S, Cogis D, Ducard D, Massonet J, Jaffré JP. Acquisition de l´ortographe et mondes cognitifs. Rev Fr Pedagog. 1999;126:23-37.
-
6Jaffré JP. Écritures et sémiographie. Linx. 2000;43:15-28. http://dx.doi.org/10.4000/linx.1038
» https://doi.org/10.4000/linx.1038 -
7Santos MTM. Vocabulário, consciência fonológica e nomeação rápida: contribuições para a ortografia e elaboração escrita. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):262. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000300017
» https://doi.org/10.1590/S1516-80342007000300017 -
8Gonçalves BAG, Capellini SA. Desempenho de escolares de 1ª série na bateria de identificação de erros de reversão e inversão na escrita: estudo preliminar. Rev CEFAC. 2010;12(6):998-1008. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000060
» https://doi.org/10.1590/S1516-18462010005000060 -
9Largy P, Cousin MP, Bryant P, Fayol M. When memorized instances compete with rules: the case of number-noun agreement in written french. J Child Lang. 2007;34(2):425-37. http://dx.doi.org/10.1017/S0305000906007914
» https://doi.org/10.1017/S0305000906007914 -
10Justi FR, Pinheiro AMV. O efeito de vizinhança ortográfica no português do Brasil: acesso lexical ou processamento estratégico. Rev Interam Psicol. 2006;40(3):275-88.
-
11Nobile GG, Barrera SD. Análise de erros ortográficos em alunos do ensino público fundamental que apresentam dificuldades na escrita. Psicol Rev. 2009;15(2):36-55. http://dx.doi.org/10.5752/P.1678-9563.2009V15N2P36
» https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2009V15N2P36 -
12Zorzi JL, Ciasca SM. Análise de erros ortográficos em diferentes problemas de aprendizagem. Rev CEFAC. 2009;11(3):406-16. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000300007
» https://doi.org/10.1590/S1516-18462009000300007 -
13Rowe DW. Development of writing habilities in childhood. In: Bazerman C. Handbook of research on writing. New York: Lawrence Erlbaum; 2008. Capítulo 25, 401-19.
-
14Chacon L. Hipersegmentações na escrita infantil: entrelaçamentos de práticas de oralidade e de letramento. Estud Ling. 2005;34:77-86.
-
15Cagliari LC. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione; 2009.
-
16Chevrot JP, Dugua C, Fayol M. Liaison acquisition, word segmentation and construction in French: a usage-based account. J Child Lang. 2009;36(3):557-96. http://dx.doi.org/ 10.1017/S0305000908009124
» https://doi.org/ 10.1017/S0305000908009124 -
17Batista AO. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano: proposta de elaboração de um protocolo de avaliação da ortografia [dissertação]. Marília: Universidade Estadual de São Paulo; 2011.
-
18Moojen SMP. A escrita ortográfica na escola e na clínica: teoria, avaliação e tratamento. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2009.
-
19Bigarelli JFP, Ávila CRB. Habilidades ortográficas e de narrativa escrita no ensino fundamental: características e correlações. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(3):237-47. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011000300009
» https://doi.org/10.1590/S2179-64912011000300009 -
20Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Língua portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental; 1997.
-
21Meireles ES, Correa J. Regras contextuais e morfossintáticas na aquisição da ortografia da língua portuguesa por criança. Psicol Teor Pesq. 2005;21(1):77-84. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722005000100011
» https://doi.org/10.1590/S0102-37722005000100011 -
22Jaffré J-P. De la variation en orthographe. Étud Lingu Appl. 2010;3(159):309-23.
-
23Teixeira SM, Grassi LM, Oliveira ND, Miranda ARM. Uma reflexão sobre os erros ortográficos e sobre a importância da formação teórica para a prática pedagógica de professores das séries iniciais. Verba Volant [internet]. 2011 [acesso em: 10 mar 2011];2(1):78-94. Disponível em: http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant/segundo/ana2.pdf
» http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant/segundo/ana2.pdf -
24Pinheiro AMV, Lúcio PS, Silva DMR. Avaliação cognitiva de leitura: o efeito de regularidade grafema-fonema e fonema-grafema na leitura em voz alta de palavras isoladas no português do Brasil. Psicol: Teor Prat. 2008;10(2):16-30.
-
25Pinheiro AMV. Contagem de frequência de ocorrência de palavras expostas a crianças na faixa pré-escolar e séries iniciais do 1º grau. São Paulo: Associação Brasileira de Dislexia; 1996.
-
26Arnaut MA, Hackerott MMS, Ávila CRB. Hipersegmentação, aglutinação e trocas entre surdas/sonoras em escolares do ciclo 1 do ensino fundamental. Sessão de pôster apresentada em: 21º Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia; 22-25 set 2013; Porto de Galinhas (PE), BR.
-
27Cunha APND, Miranda ARM. A hipo e a hipersegmentação nos dados de aquisição de escrita: a influência da prosódia. Alfa. 2009;53(1):127-48.
-
28Capellini SA, Butarelli APKJ, Germano GD. Dificuldades de aprendizagem da escrita em escolares de 1a. 4a. séries do ensino público. Rev Educ Questão. 2010;37(23):146-64.
-
Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Set 2014
Histórico
-
Recebido
1 Nov 2013 -
Aceito
23 Abr 2014