Resumos
Objetivo
Avaliar se a teleconsulta afeta a comunicação profissional-paciente e a satisfação com o atendimento para programação e adaptação do aparelho de amplificação sonora individual (AASI), em comparação à consulta presencial.
Métodos
Quarenta candidatos ao uso do AASI, com idade superior a 18 anos e perda neurossensorial simétrica, de grau leve a severo, foram distribuídos aleatoriamente, em grupos controle (presencial) e experimental (teleconsulta síncrona assistida por um facilitador). As consultas foram filmadas, cronometradas e seu conteúdo analisado, de acordo com o “Código de Observação de Davis” (DOC). Os participantes também responderam ao “Questionário de Experiência do Paciente” (PEQ), para avaliar a satisfação com a consulta.
Resultados
Nas teleconsultas, as explicações do profissional sobre a estrutura da consulta e realização de procedimentos foram mais frequentes e expressões espontâneas do participante sobre a sua condição foram menos observadas do que nas consultas presenciais. Não houve diferença entre os grupos, quanto às seguintes dimensões do PEQ: “Resultados da Consulta”, “Barreiras de Comunicação”, “Experiência de Comunicação”. Pontuações significativamente maiores foram obtidas para a teleconsulta na dimensão “Emoções após a Consulta”. O grupo experimental teve experiência positiva com a presença do facilitador.
Conclusão
Houve impacto da condução da programação e adaptação do AASI, via teleconsulta, em alguns aspectos da comunicação profissional-paciente sem, contudo, afetar a satisfação do paciente quanto ao serviço recebido.
Teleconsulta; Perda auditiva; Aconselhamento; Auxiliares de audição; Audiologia
Purpose
To evaluate if teleconsultation affects professional-patient communication as well as patient satisfaction with the care for the hearing aid programming and fitting compared to the face to face consultation.
Methods
Forty hearing aid candidates aged over 18 years with symmetrical sensorineural hearing loss ,from mild to severe degrees, were randomly divided into two groups: control (face to face) and experimental (synchronous teleconsultation assisted by a facilitator). Consultations were filmed, timed and their contents were analyzed according to the “Davis Observation Code” (DOC). The “Patient Experience Questionnaire” (PEQ) was also administered in order to assess the satisfaction with the consultation.
Results
When compared to face to face consultations, explanations given by the professionals on the consultation structure and the performance of procedures were more frequent and participant’ spontaneous expressions on his condition were less observed in teleconsultations. There was no difference between groups regarding the following dimensions of the PEQ: “Outcomes of the Visit”, “Communication Barriers”, and “Communication Experience”. Significantly higher scores were obtained for teleconsultation in the dimension “Emotions after Consultation”. The experimental group had a positive experience with the presence of the facilitator.
Conclusion
The performance of the hearing aid programming and fitting via teleconsultation impacted some aspects of professional-patient communication; however, patient satisfaction regarding the care provided was not affected.
Teleconsultation; Hearing loss; Counseling; Hearing aids; Audiology
INTRODUÇÃO
A relação profissional de saúde-paciente é uma relação interpessoal complexa, que
possui forte carga emocional e requer cooperação mútua, para que um objetivo comum
seja atingido. Aprimorar os processos envolvidos nessa relação é determinante para a
humanização e qualidade dos serviços prestados. As dimensões humana, vivencial,
psicológica e cultural da doença precisam ser consideradas nas relações
profissional-paciente(11 . Goulart BNG, Chiari BM. Humanização das práticas do profissional
de saúde: contribuições para reflexão. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(1):255-68.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232010000100031
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000...
).
A despeito dos avanços tecnológicos dos aparelhos de amplificação sonora individuais
(AASIs), não se verificou, ao longo dos anos, aumento do número de usuários ou
melhora decisiva de resultados com tais dispositivos. Muitos usuários de AASI de
alta tecnologia relatam que seus problemas não foram resolvidos, sugerindo a
necessidade de mudanças para melhorar a reabilitação auditiva. Uma delas é a adoção
da abordagem centrada na pessoa(22 . Hickson L. Defining a paradigm shift. Semin Hear. 2012;33(1):3-8.
http://dx.doi.org/10.1055/s-0032-1304722
https://doi.org/10.1055/s-0032-1304722...
).
Dentre outros aspectos, a abordagem centrada na pessoa destaca a fundamental
importância de uma boa relação profissional-paciente, para a obtenção de resultados
satisfatórios. Além disso, profissional e paciente possuem
expertises distintas, que fortalecem o encontro clínico. Desta
forma, o poder e a responsabilidade pelo tratamento devem ser
compartilhados(33 . Miller EA. Telemedicine and doctor-patient communication: a
theoretical framework for evaluation. J Telemed Telecare. 2002;8(6):311-8.
http://dx.doi.org/10.1258/135763302320939185
https://doi.org/10.1258/1357633023209391...
,44 . Hickson L, Laplante-Levesque A, Worrall L. Promoting the
participation of adults with acquired hearing impairment in their
rehabilitation. J Acad Rehab Audiol. 2010;43:11-26.). A abordagem centrada na pessoa se
contrapõe ao modelo biomédico, predominante em muitas práticas dos profissionais da
audiologia. Tal modelo, centrado no profissional ou na doença, dá ao profissional
maior autoridade e poder de tomada de decisão sobre o tratamento(55 . Duchan JF. Maybe audiologists are too attached to the medical
model. Semin Hearing. 2004;25(4):347-54.
http://dx.doi.org/10.1055/s-2004-836136
https://doi.org/10.1055/s-2004-836136...
).
Atributos da relação profissional-paciente que partilham componentes similares aos
descritos na abordagem centrada na pessoa foram identificados como sendo importantes
na tomada de decisão para aquisição do AASI e no sucesso obtido com este
dispositivo(66 . Poost-Foroosh L, Jennings MB, Shaw L, Meston CN, Cheesman MF.
Factors in client-clinician interaction that influence hearing aid adoption.
Trends Amplif. 2011;15(3):127-39.
http://dx.doi.org/10.1177/1084713811430217
https://doi.org/10.1177/1084713811430217...
).
A comunicação profissional-paciente é essencial na abordagem centrada na pessoa e seu
impacto nos resultados de saúde pode ocorrer por diferentes vias. Melhores
resultados de intervenção estão associados a respostas afetivas positivas e
conversação acolhedora(33 . Miller EA. Telemedicine and doctor-patient communication: a
theoretical framework for evaluation. J Telemed Telecare. 2002;8(6):311-8.
http://dx.doi.org/10.1258/135763302320939185
https://doi.org/10.1258/1357633023209391...
). O
diálogo, por si só, pode ser terapêutico, diminuindo diretamente, por exemplo, a
ansiedade do paciente. Mais frequentemente, esta comunicação influencia
indiretamente os resultados de saúde, agindo na motivação para o tratamento, na
confiança no profissional e no serviço, na autoeficácia para o autocuidado e na
concordância e compreensão mútua entre paciente e profissional(77 . Street RL Jr, Makoul G, Arora NK, Epstein RM. How does
communication heal? Pathways linking clinician–patient communication to health
outcomes. Patient Educ Couns. 2009;74(3):295-301.
http://dx.doi.org/10.1016/j.pec.2008.11.015
https://doi.org/10.1016/j.pec.2008.11.01...
).
A preocupação com a eficiência da comunicação profissional-paciente torna-se mais
evidente quando se consideram as consultas realizadas à distância (teleconsulta),
empregadas em diferentes áreas da audiologia(88 . Campos PD, Ferrari DV. Telessaúde: avaliação da eficácia da
teleconsulta na programação e adaptação de aparelho de amplificação sonora
individual. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(4):301-8.
http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912012000400003
https://doi.org/10.1590/S2179-6491201200...
). O cenário de uma teleconsulta apresenta uma forma incomum
de interação visual e auditiva que pode ser mais ou menos realista, dependendo da
tecnologia utilizada. Este cenário pode apresentar desafios para comunicação
profissional-paciente, com a necessidade de maior uso de estratégias de reparação da
comunicação(99 . Liu X, Sawada Y, Takizawa T, Sato H, Sato M, Sakamoto H et al.
Doctor-patient communication: a comparison between telemedicine consultation and
face-to-face consultation. Intern Med. 2007;46(5):227-32.
http://dx.doi.org/10.2169/internalmedicine.46.1813
https://doi.org/10.2169/internalmedicine...
,1010 . Agha Z, Schapira RM, Laud WP, Mcnutt G, Roter DL. Patient
satisfaction with physician-patient communication during telemedicine. Telemed J
E Health. 2009;15(9):830-9.
http://dx.doi.org/10.1089/tmj.2009.0030
https://doi.org/10.1089/tmj.2009.0030...
), sobretudo para deficientes
auditivos.
Outro ponto importante é que a presença do facilitador nas teleconsultas adiciona uma
terceira pessoa em uma interação tradicionalmente baseada na díade
paciente-profissional. Ressalta-se, ainda, o fato de que, na teleconsulta, a
realização do contato de olho, primordial para estabelecer uma boa comunicação e
transmitir ao paciente a impressão de engajamento e atenção à conversação, pode ser
mais complexa. Demais aspectos não verbais da comunicação, como o toque e a
expressão corporal, que sinalizam importantes informações do comportamento afetivo e
de acolhida, são impedidas ou dificultadas na teleconsulta, podendo ocasionar no
paciente a sensação de consulta “robótica” e “artificial”(33 . Miller EA. Telemedicine and doctor-patient communication: a
theoretical framework for evaluation. J Telemed Telecare. 2002;8(6):311-8.
http://dx.doi.org/10.1258/135763302320939185
https://doi.org/10.1258/1357633023209391...
).
Pelo exposto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a comunicação profissional-paciente durante o processo de programação e adaptação do AASI, via teleconsulta, e a satisfação do paciente com este tipo de serviço, em comparação à consulta tradicional, face a face.
MÉTODOS
Estudo prospectivo, randomizado, controlado, conduzido na Clínica de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru – Universidade de São Paulo (USP), após aprovação do seu Comitê de Ética em Pesquisa (protocolo 043/2011).
Participaram voluntariamente, após leitura e assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, 40 indivíduos que obedeciam aos seguintes critérios de
inclusão: estarem regularmente matriculados na Clínica de Fonoaudiologia da FOB-USP,
terem idade superior a 18 anos, apresentarem perda auditiva neurossensorial
simétrica bilateral de grau leve até severo(1111 . Mathers C, Smith A, Concha M. Global burden of hearing loss in the
year 2000. Geneva: World Health Organization [serial on the internet]; 2005
[cited 2014 Jan 23] Available from: http://www who
int/healthinfo/statistics/bod_hearingloss.pdf
http://www who int/healthinfo/statistics...
), não possuírem experiência prévia com o uso do AASI e não
apresentarem deficiências associadas, salvo a deficiência visual passível de
correção com lentes.
Os participantes foram aleatoriamente divididos em grupo experimental, que realizou os procedimentos via teleconsulta síncrona, e grupo controle, que realizou os procedimentos face a face (Tabela 1). Para ambos os grupos o atendimento foi realizado por um fonoaudiólogo especialista, com experiência na área de amplificação sonora.
A programação dos AASIs foi realizada com a interface Hi-Pro® conectada a um computador, no qual estava instalada a plataforma NOAH® v3.0 (HIMSA) e os softwares de programação dos fabricantes dos AASIs utilizados neste estudo (Belton®, Phonak®, Oticon®, Resound®, Rexton® e Siemens®). O equipamento Affinity (Interacoustics®) também estava conectado a esse computador. As características eletroacústicas do AASI foram calculadas a partir dos limiares tonais, de acordo com a regra de prescrição NAL-NL1(1313 . Byrne D, Dillon H, Ching T, Katsch R, Keidser G. NAL-NL1 procedure for fitting nonlinear hearing aids: characteristics and comparisons with other procedures. J Am Acad Audiol. 2001;12(1):37-51.). O gerenciador de adaptação do AASI foi posicionado no nível máximo, de modo que fosse oferecida característica de amplificação mais próxima à prescrita.
A verificação foi realizada por meio de medidas com microfone sonda (equipamento Affinity®), sendo utilizado estímulo composto, modulado, para a obtenção da resposta de ressonância da orelha externa (real ear unaided response – REUR), na intensidade de 65 dB NPS, e resposta de ressonância com o AASI na orelha externa (real ear aided response – REAR), nas intensidades de 50, 65 e 80 dB NPS. Os valores da REAR foram comparados aos alvos prescritos pela regra NAL-NL1, na extensão de frequências de 125 a 6k Hz. Quando necessário, foram feitos ajustes manuais, de forma a atingir a equiparação com a regra (diferença entre valores mensurados e prescritos da ordem de ± 5 dB)(1414 . Dillon H. Hearing aids. New York: Thieme; 2001.), salvo quando o paciente teve queixas em relação à sensação de intensidade ou qualidade do som amplificado.
Posteriormente à programação e verificação do AASI, foi realizado o aconselhamento informativo, tendo sido abordados os seguintes tópicos: higienização e cuidados com os AASIs e/ou moldes auriculares; inserção e remoção da pilha; inserção e remoção dos AASIs e/ou moldes auriculares, manipulação do botão de memória e controle de volume, quando disponível, e uso do telefone.
Todos os procedimentos foram filmados com filmadora digital de alta resolução (Sony® DCR-SR45), apoiada em um tripé e posicionada a uma distância de 60 centímetros do avaliador e do participante. A captura da imagem incluiu a cabeça e os ombros de ambos, durante todo o atendimento. A partir da análise da filmagem, foi também determinada a duração da consulta.
Para o grupo experimental, os procedimentos foram realizados via teleconsulta
síncrona, com controle remoto de aplicativos. Um fonoaudiólogo sem experiência no
processo de seleção e adaptação de AASI atuou como facilitador, tendo sido
previamente treinado, em relação ao uso dos softwares Skype® e
TeamViewer 8®, conexão do AASI aos cabos de programação, inserção e remoção do AASI
e/ou do tubo sonda na orelha, calibração do tubo sonda e posicionamento do
participante para os testes(88 . Campos PD, Ferrari DV. Telessaúde: avaliação da eficácia da
teleconsulta na programação e adaptação de aparelho de amplificação sonora
individual. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(4):301-8.
http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912012000400003
https://doi.org/10.1590/S2179-6491201200...
). O
facilitador também encaminhava os participantes para a sala de atendimento
(“ambiente de teste”), informando-os sobre o tipo de consulta a ser realizada.
O mesmo computador utilizado anteriormente, acoplado à interface Hi-Pro® e ao equipamento Affinity®, foi conectado à internet (local área network – LAN USP com 10 Mbps), a uma webcam (Logitech QuickCam Orbit®) e a caixas de som (Trend SPK 745®). O fonoaudiólogo especialista foi posicionado no “ambiente remoto”, situado em uma sala no mesmo edifício, porém, 30 metros distante do “ambiente de teste”. Este profissional usou um notebook com webcam própria, conectado a um fone de ouvido e microfone tipo headset (Loop Way Connect 3000) e à LAN USP.
O aplicativo Skype 5.0 (Microsoft®) foi utilizado para transmissão de áudio e vídeo entre os dois ambientes. O software TeamViewer 8® possibilitou o controle remoto de aplicativos via internet. Esta configuração permitiu que o fonoaudiólogo especialista tivesse, ao mesmo tempo, o controle e visualização das telas dos softwares de programação dos AASIs e do equipamento Affinity®, assim como a comunicação de áudio e vídeo com o paciente e o facilitador. Assim, foi possível realizar, via teleconsulta síncrona, os procedimentos de programação do AASI, realização das medidas com microfone sonda e o aconselhamento informativo, seguindo os mesmos procedimentos já descritos para o grupo controle.
As teleconsultas foram gravadas por meio do software Camtasia Studio 8.0 (TechSmith Corporation®) permitindo a captura da tela e áudio do computador. A partir da análise desta gravação foi determinada a duração da teleconsulta.
Para ambos os grupos, após o procedimento de programação e verificação do AASI, foi
aplicado o “Questionário de Experiência do Paciente” (Patient Experience
Questionnaire – PEQ)(1515 . Steine S, Finset AE, Laerum E. A new, brief questionnaire (PEQ)
developed in primary health care for measuring patients’ experience of
interaction, emotion and consultations outcome. Fam Practice. 2001;18(4):410-18.
http://dx.doi.org/10.1093/fampra/18.4.410
https://doi.org/10.1093/fampra/18.4.410...
) (Anexo 1
Anexo 1
Questionário de Experiência do Usuário (PEQ)
), traduzido e
adaptado pelas autoras para o português brasileiro, seguindo as etapas recomendadas
na literatura(1616 . Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of
health-related quality of life measures: literature review and proposed
guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.
http://dx.doi.org/10.1016/0895-4356(93)90142-N
https://doi.org/10.1016/0895-4356(93)901...
). Até a conclusão
desta pesquisa, não foram encontrados estudos de validação desse questionário no
Brasil.
O PEQ foi escolhido pelo fato de ter sido desenvolvido sob a premissa do modelo centrado no paciente, enfatizando o compartilhamento de experiências, de modo a captar respostas mais imediatas, pessoais e afetivas, avaliando a satisfação dos usuários após a consulta. O instrumento apresenta 18 itens, divididos em cinco dimensões:
-
- Resultado da consulta (itens 1 a 4): relativos à experiência do paciente durante a consulta, resolução de suas dúvidas e como a consulta o ajuda a lidar com o problema de saúde.
-
- Experiência de comunicação (itens 5 a 8): referentes à comunicação profissional/paciente, se essa comunicação foi fácil e se o paciente se sentiu compreendido.
-
- Barreiras da comunicação (itens 9 a 12): relacionados aos problemas de comunicação durante a consulta.
-
- Experiência com o facilitador (itens 13 e 14): relacionados ao sentimento do paciente por haver uma terceira pessoa na consulta.
-
- Emoções após a consulta: quatro escalas numéricas relacionadas às emoções e sentimentos do paciente, ao final da consulta. As escalas variavam de um a sete, sendo que valores mais altos representavam sentimentos positivos.
Com exceção da dimensão “Emoções após a consulta”, as respostas dos participantes obedeceram uma escala Likert de cinco pontos, que variavam de “muito mais” a “nem um pouco” (dimensão “resultados da consulta”), ou de “concordo plenamente” a “discordo plenamente” (dimensões “experiência de comunicação”, “barreiras de comunicação” e “experiência com o facilitador”). Para cada alternativa de resposta foi atribuído um valor de um a cinco, sendo as experiências mais positivas associadas a um maior valor.
A pontuação em cada dimensão do PEQ foi obtida com a somatória das respostas de cada item. As pontuações máximas possíveis, para cada dimensão, foram iguais a 20 pontos (“Resultados da Consulta”; “Experiência de Comunicação”; “Barreiras de Comunicação”), 28 pontos (“Emoções após a consulta”) e dez pontos (“Experiência com o Facilitador”). Deve ser ressaltado que a dimensão “Experiência com o Facilitador” foi aplicada somente para o grupo experimental e seu resultado calculado separadamente. Sendo assim, a pontuação total máxima possível do PEQ foi igual a 88.
O conteúdo das consultas foi avaliado a partir do “Código de Observação de Davis” (Davis Observation Code - DOC)(1717 . Callahan EJ, Bertakis KD. Development and validation of the Davis Observation Code (DOC). Fam Med. 1991;23(1):19-24.), também traduzido pelas autoras para o português brasileiro. Nesta escala para observação das interações médico-paciente, seis grupos de comportamentos de prática do profissional são identificados: técnico, comportamento em saúde, vícios, paciente ativo, prevenção e aconselhamento. Cada grupo é composto por, pelo menos, um código DOC (Quadro 1).
Foram feitas algumas adaptações no DOC para os objetivos desta pesquisa. O grupo “vícios” (uso de substâncias e comportamento de fumar) foi excluído por não ser abordado nas consultas deste estudo. Por outro lado, o código AI (“Aconselhamento Informativo”) foi incluído, para denotar tal processo.
Foram realizadas a análise e a codificação dos comportamentos observados em cada 15
segundos de gravação de uma dada consulta. Em cada intervalo, foram assinalados, em
uma tabela específica, um ou mais comportamentos (códigos DOC) observados. Foram
computados o número total de códigos de uma consulta e o número de um dado código
DOC. A frequência de um código DOC foi obtida com a divisão do número deste código
pela quantidade total de códigos na consulta(1818 . Nuovo J, Bertakis KD, Azari R. Assessing resident’s knowledge and
communication skills using four different evaluation tools. Med Educ.
2006;40(7):630-6.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2929.2006.02506.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2929.2006...
). Também foi realizada a somatória de todos os códigos DOC
referentes a um grupo de comportamento de prática, a fim de estabelecer a frequência
daquele determinado grupo.
Considerando que o facilitador das teleconsultas foi orientado a intervir minimamente durante o atendimento, a comunicação ocorreu, predominantemente, entre o participante e a profissional. Por esta razão, para o grupo experimental, somente essas interações foram codificadas.
O teste t de Student foi utilizado para comparar a duração das consultas e frequência dos códigos e grupos de comportamento, observados em cada tipo de consulta. A comparação da pontuação do questionário PEQ entre os grupos foi realizada por meio do teste de Mann Whitney. Em todos os casos, foi adotado alfa de 5%.
RESULTADOS
Inicialmente, deve ser ressaltado que não houve diferença (teste t) entre os grupos, no que se refere à idade (p=0,86), gênero (p=0,33) e média dos limiares auditivos da melhor orelha (p=0,49) (Tabela 1).
A duração das consultas variou de 21,26 a 37,46 minutos (Grupo controle) e de 18,50 a 39 minutos (Grupo experimental) (Tabela 2).
No que se refere ao “Questionário de Experiência do Paciente”, foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, apenas na dimensão “Emoções após a consulta”, em que o Grupo experimental obteve pontuação maior (média = 27,80) do que o Grupo controle (média = 26,6) (Tabela 3).
Na dimensão “Experiência com o Facilitador”, aplicada apenas para o Grupo experimental, a pontuação dos participantes variou de seis a 10 (média = 8,20; DP=1,85).
No que diz respeito à comunicação profissional-paciente, observou-se diferença significativa dos grupos e códigos de comportamento entre as teleconsultas e consultas face a face (Tabelas 4 e 5).
DISCUSSÃO
O tempo de uma consulta depende de diferentes variáveis, do profissional de saúde, do paciente, da relação entre estes, do motivo da consulta, de questões organizacionais, dentre outras. Neste estudo, outra variável foi introduzida, em razão do uso da tecnologia de informação e comunicação. Em média, o tempo despendido para os procedimentos de programação e verificação do AASI, via teleconsulta, foi 5,87 minutos maior do que o das consultas face a face (Tabela 2). Como consequência, o tempo total das teleconsultas foi 16% (4,23 minutos) maior do que as consultas presenciais, estando tais achados em concordância com outros estudos(8,19).
A despeito do treinamento prévio, a instrução ao facilitador foi o que mais contribuiu para o aumento da duração das teleconsultas, particularmente no tocante à realização da verificação do AASI, que exige domínio de técnicas específicas para sua execução, como, por exemplo, o posicionamento correto do tubo sonda no conduto auditivo externo.
Esse aumento na duração das teleconsultas, entretanto, deve ser considerado no
contexto mais amplo das situações que demandam a oferta de tais serviços. Em regiões
com escassez de profissionais habilitados, é necessário o deslocamento do paciente
ou do profissional, para acesso aos cuidados. Tal deslocamento, quando não
dificultado ou, até mesmo impedido por barreiras geográficas e econômicas, por si só
adiciona um tempo e um custo maior ao tratamento(88 . Campos PD, Ferrari DV. Telessaúde: avaliação da eficácia da
teleconsulta na programação e adaptação de aparelho de amplificação sonora
individual. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(4):301-8.
http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912012000400003
https://doi.org/10.1590/S2179-6491201200...
).
Atualmente, o Conselho Federal de Fonoaudiologia(2020 . Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa). Resolução 427, de 1º de
março de 2013. Dispõe sobre a regulamentação da Telessaúde em Fonoaudiologia e
dá outras providências. Brasília: Conselho Federal de Fonoaudiologia; 2013
[acesso em 24 ago 2013]. Disponível em:
http://www.fonoaudiologia.org.br/legislacaoPDF/Res%20427-2013.pdf
http://www.fonoaudiologia.org.br/legisla...
) permite a realização de procedimentos de diagnose e
terapêutica fonoaudiológica via teleconsulta, quando o paciente estiver assistido
presencialmente por outro fonoaudiólogo. Ainda assim, como observado no presente
estudo, as necessidades de treinamento para a realização de procedimentos
específicos de facilitação podem permanecer, na medida em que a teleconsulta,
geralmente, envolve profissionais com expertises distintas.
No tocante às questões técnicas, a transmissão de dados, áudio e vídeo permaneceu estável durante todas as sessões, com exceção de dois casos, nos quais ocorreu a queda da conexão à internet, causando a interrupção do atendimento por apenas alguns segundos. Destaca-se que a infraestrutura da rede era suficiente para fornecer transmissão do sinal de áudio e vídeo de forma clara e tais condições podem não se reproduzir em outros locais, como, por exemplo, regiões rurais. Em audiologia, é reconhecida a necessidade de realização de estudos de teleconsultas em locais com menor condição de infraestrutura, tendo em vista os potenciais desafios quanto ao atraso da transmissão e perda da clareza de vídeo e áudio, que afetam, de maneira grave, a comunicação, sobretudo com deficientes auditivos.
Os resultados do PEQ (Tabela 3) indicaram,
para ambos os grupos, experiências bastante positivas com as consultas.
Deslocamentos das pontuações para os níveis máximos nas dimensões “barreira de
comunicação”, “experiência após a consulta” e “experiência com o facilitador” também
foram observados no estudo de validação do PEQ e tais resultados foram atribuídos à
dificuldade dos participantes em expressar opiniões negativas(1515 . Steine S, Finset AE, Laerum E. A new, brief questionnaire (PEQ)
developed in primary health care for measuring patients’ experience of
interaction, emotion and consultations outcome. Fam Practice. 2001;18(4):410-18.
http://dx.doi.org/10.1093/fampra/18.4.410
https://doi.org/10.1093/fampra/18.4.410...
).
Pontuações altas também foram observadas na avaliação da satisfação dos deficientes auditivos com o atendimento presencial e via teleconsulta(2121 . Ferrari DV. Remote programming and verification as a mean to improve quality of hearing aid fitting. In: Rasmussen AN, Paulsen T, Andersen T, Larsen CB, organizers. Hearing aid fitting. Centertryk: Danavox Jubilee Foundation; 2006. Chapter 1, p. 531-44.). Embora não devam ser invalidados, os resultados do presente estudo devem ser interpretados considerando que as respostas aos questionários de avaliação, administrados nos locais onde o serviço é prestado, são influenciadas, de alguma forma, pelas preocupações dos pacientes quanto aos impactos que uma resposta negativa possa trazer ao cuidado que recebem.
No Brasil, resultados altos de satisfação são comuns, quando avaliados os usuários
dos serviços de audiologia do Sistema Único de Saúde, sendo este fato atribuído ao
viés de gratidão. Outro viés pode também aparecer em situações em que o usuário tem
grande afinidade com os profissionais provedores do cuidado, dificultando a
avaliação de sua real perspectiva. O nível sociocultural desses indivíduos é outra
dificuldade assinalada, pois, muitas vezes, necessitam de auxílio do profissional
para responder aos questionários, o que pode influenciar as respostas(2222 . Esperidião M, Trad LAB. Avaliação de satisfação de usuários. Ciênc
Saúde Coletiva. 2005;10(suppl):303-12.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000500031
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200500...
).
A ausência de diferença significativa entre os grupos, nas dimensões “Resultados da
Consulta”, “Experiência de Comunicação” e “Barreiras de Comunicação”, indica que
ambos julgaram positivamente os efeitos das consultas na resolução de suas dúvidas,
no auxílio para lidarem com a deficiência auditiva e na diminuição de suas
dificuldades comunicativas. Estes dados também evidenciaram que, em ambos os grupos,
a maioria dos participantes sentiu que o profissional compreendeu as suas
preocupações e percebeu-se confiante e cuidada pelos profissionais. Em outros
estudos, o paciente também avaliou de forma semelhante as competências e habilidades
clínicas dos profissionais, na consulta presencial e na teleconsulta(99 . Liu X, Sawada Y, Takizawa T, Sato H, Sato M, Sakamoto H et al.
Doctor-patient communication: a comparison between telemedicine consultation and
face-to-face consultation. Intern Med. 2007;46(5):227-32.
http://dx.doi.org/10.2169/internalmedicine.46.1813
https://doi.org/10.2169/internalmedicine...
,2121 . Ferrari DV. Remote programming and verification as a mean to
improve quality of hearing aid fitting. In: Rasmussen AN, Paulsen T, Andersen T,
Larsen CB, organizers. Hearing aid fitting. Centertryk: Danavox Jubilee
Foundation; 2006. Chapter 1, p. 531-44.,2323 . Agha Z, Roter DL, Schapira RM. An evaluation of patient-physician
communication style during telemedicine consultations. J Med Internet Res.
2009;11(3):36. http://dx.doi.org/10.2196/jmir.1193
https://doi.org/10.2196/jmir.1193...
).
No que se refere às “Emoções após a Consulta”, a pontuação do grupo experimental foi
significativamente maior do que a do grupo controle. Entretanto, este resultado deve
ser analisado com cautela, pois essa subescala do PEQ foi derivada a partir de um
número pequeno de respondentes, necessitando de melhorias(1515 . Steine S, Finset AE, Laerum E. A new, brief questionnaire (PEQ)
developed in primary health care for measuring patients’ experience of
interaction, emotion and consultations outcome. Fam Practice. 2001;18(4):410-18.
http://dx.doi.org/10.1093/fampra/18.4.410
https://doi.org/10.1093/fampra/18.4.410...
). Assim, embora estatisticamente significativo,
não é possível dizer que esse aumento da pontuação do PEQ para o grupo experimental
foi clinicamente relevante. De qualquer modo, o fato da teleconsulta ter propiciado
emoções positivas ao participante é encorajador, tendo em vista que um dos objetivos
de uma efetiva comunicação terapêutica é auxiliar o paciente a lidar com emoções
negativas que podem dificultar um determinado tratamento(77 . Street RL Jr, Makoul G, Arora NK, Epstein RM. How does
communication heal? Pathways linking clinician–patient communication to health
outcomes. Patient Educ Couns. 2009;74(3):295-301.
http://dx.doi.org/10.1016/j.pec.2008.11.015
https://doi.org/10.1016/j.pec.2008.11.01...
).
A dimensão “Experiência com o Facilitador” indicou que os participantes não se
sentiram desconfortáveis com presença de uma terceira pessoa durante a consulta. A
literatura sugere que, em alguns casos, o facilitador também é reconhecido pelo
paciente como prestador do serviço de saúde e pode complementar a atenção fornecida,
de modo a compensar a distância física do profissional, fortalecendo a confiança do
paciente nas teleconsultas(2424 . Eikelboom RH, Atlas MD. Attitude to telemedicine, and willingness
to use it, in audiology patients. J Telemed Telecare. 2005;11 Suppl 2:22-5.
http://dx.doi.org/10.1258/135763305775124920
https://doi.org/10.1258/1357633057751249...
).
É importante ressaltar, contudo, que a análise dos dados individuais do PEQ mostrou que sete participantes do grupo experimental responderam que preferiam a consulta face a face. Outro estudo(2525 . Callahan EJ, Stange KC, Bertakis KD, Zyzanski SJ, Azari R, Flocke SA. Does time use in outpatient residency training reflect comunity practice? Fam Med. 2003;35(6):423-7.) observou que 30% de 116 pacientes não desejavam utilizar serviços de teleconsulta, preferindo a consulta tradicional. Os pacientes que já tinham conhecimento sobre telemedicina e utilizavam a internet em questões de saúde, estavam mais inclinados a participar de teleconsultas.
A análise com o “Código de Observação de Davis”(1717 . Callahan EJ, Bertakis KD. Development and validation of the Davis
Observation Code (DOC). Fam Med. 1991;23(1):19-24.) mostrou que, em ambas as consultas, a maior frequência dos
grupos de comportamento foi, em ordem decrescente: grupo técnico, aconselhamento,
comportamento em saúde, paciente ativo e prevenção (Tabela 4). A realização de exames físicos, testes e outros procedimentos
“técnicos” são comuns em consultas presenciais com diferentes profissionais de
saúde(1313 . Byrne D, Dillon H, Ching T, Katsch R, Keidser G. NAL-NL1 procedure
for fitting nonlinear hearing aids: characteristics and comparisons with other
procedures. J Am Acad Audiol. 2001;12(1):37-51.,2626 . Callahan EJ, Stange KC, Zyzanski SJ, Goodwin MA, Flocke SA,
Bertakis KD. Physician-elder interaction in community family practice. J Am
Board Fam Pract. 2004;17(1):19-25.
http://dx.doi.org/10.3122/jabfm.17.1.19
https://doi.org/10.3122/jabfm.17.1.19...
). Na presente pesquisa, a natureza da consulta
pode ter contribuído para a existência de grande porcentagem de comportamentos do
grupo “Técnico”.
A programação e verificação do AASI envolve a realização de procedimentos específicos, necessários para garantir ao paciente a audibilidade e conforto dos sinais sonoros amplificados. Neste sentido, foram abordados, com todos os participantes, conteúdos como: o objetivo da consulta e dos procedimentos (“estrutura da consulta - EC”), as características principais do AASI escolhido (“planejamento do tratamento – PT”), a forma como os procedimentos seriam realizados, os resultados dos procedimentos e condutas necessárias para reajuste do AASI, a partir destes resultados (“feedback – FB”) e percepções iniciais do paciente quanto ao uso da amplificação (“efeito do tratamento” – EF) (Tabela 5). Também foram realizados os procedimentos propriamente ditos, como, por exemplo, as medidas com microfone sonda (“procedimento – PC”).
A frequência do grupo “Técnico” foi significativamente maior nas teleconsultas (Tabela 4), provavelmente em função do maior tempo despendido na realização dos procedimentos de programação e verificação do AASI, que foram mediados pelo facilitador. Esta hipótese é reforçada pelo fato dos códigos “estrutura da consulta – EC” e “procedimentos – PC” terem sido também significativamente mais frequentes nas teleconsultas (Tabela 5).
Não houve diferença significativa na frequência do código “planejamento de tratamento” (PT) entre os grupos (Tabela 5). Isto indica que, em ambas as consultas, observou-se o profissional informando o paciente ou prescrevendo o tratamento. Como as consultas foram realizadas para a concessão do AASI, supõe-se que a tomada de decisão pelo uso do dispositivo tenha sido realizada anteriormente e o profissional estivesse reafirmando-a. A ausência de alguns códigos DOC do grupo “Técnico” (Quadro 1) se justifica pelo fato dos indivíduos terem realizado os procedimentos de anamnese e diagnóstico anteriormente à consulta para a concessão do AASI, constando tais informações no prontuário. A inspeção otológica, embora constitua um exame físico do paciente, faz parte de uma etapa para a condução das medidas com microfone sonda e, por tal razão, foi incorporada ao código “procedimento” (PC). O aparecimento e frequência dos diferentes grupos do DOC variam de acordo com a natureza da consulta. Em consultas de retorno, observa-se menor frequência dos códigos “anamnese” e “informações da família”(2727 . Bertakis KD, Callahan EJ. A comparison of initial and established patient encounters using the Davis Observation Code. Fam Med. 1992;24(4):307-11.).
Particularmente em relação ao código “informação da família – IF”, a discussão dos antecedentes familiares (história médica) na clínica audiológica geralmente é realizada nas sessões voltadas ao diagnóstico. Todavia, é de grande pertinência, no processo de seleção e adaptação do AASI, abordar as relações familiares e como estão sendo afetadas pela deficiência auditiva. Isto porque os membros da família são uns dos principais parceiros de comunicação do paciente, além de influenciarem na busca, manutenção e resultados da reabilitação auditiva(44 . Hickson L, Laplante-Levesque A, Worrall L. Promoting the participation of adults with acquired hearing impairment in their rehabilitation. J Acad Rehab Audiol. 2010;43:11-26.). Sendo assim, este aspecto merece maior investigação no futuro.
No que se refere ao grupo “Aconselhamento”, o único código anotado foi o
“Aconselhamento Informativo – AI”, não havendo diferença estatisticamente
significativa entre os grupos experimental e controle (Tabela 5). Uma alta frequência deste código era esperada, tendo
vista que o fornecimento de informações a respeito do uso e cuidados com o AASI
fazia parte da metodologia deste estudo. A inexistência de diferença entre os grupos
é relevante, considerando que o fornecimento de informações e treinamento em relação
ao manuseio e cuidados é um dos fatores que influencia a obtenção de sucesso no uso
do AASI(66 . Poost-Foroosh L, Jennings MB, Shaw L, Meston CN, Cheesman MF.
Factors in client-clinician interaction that influence hearing aid adoption.
Trends Amplif. 2011;15(3):127-39.
http://dx.doi.org/10.1177/1084713811430217
https://doi.org/10.1177/1084713811430217...
).
Deve ser considerada, contudo, a ausência, nas consultas avaliadas, das comunicações
sobre as relações interpessoais ou estado emocional atual do paciente ou de seus
familiares, o chamado aconselhamento de ajuste pessoal. Este tipo de aconselhamento
ocorre em uma proporção muito pequena em consultas de saúde, já que os profissionais
preocupam-se mais em adquirir informações com teor biomédico do que psicossocial,
tanto nas consultas face a face como nas teleconsultas(1010 . Agha Z, Schapira RM, Laud WP, Mcnutt G, Roter DL. Patient
satisfaction with physician-patient communication during telemedicine. Telemed J
E Health. 2009;15(9):830-9.
http://dx.doi.org/10.1089/tmj.2009.0030
https://doi.org/10.1089/tmj.2009.0030...
,2626 . Callahan EJ, Stange KC, Zyzanski SJ, Goodwin MA, Flocke SA,
Bertakis KD. Physician-elder interaction in community family practice. J Am
Board Fam Pract. 2004;17(1):19-25.
http://dx.doi.org/10.3122/jabfm.17.1.19
https://doi.org/10.3122/jabfm.17.1.19...
).
Uma hipótese que pode ser levantada é a de que perguntas ou comentários com conteúdos
emocionais podem não ter sido feitas pelos participantes deste estudo. Dado o fato
de que a perda de audição afeta as interações sociais, o bem estar psicológico e
estado emocional dos deficientes auditivos, é provável que esses indivíduos estejam
vivenciando tais questões e que possam tentar expressá-las. No entanto, nem sempre
isso é feito de maneira óbvia e os profissionais, geralmente, não possuem
habilidades de escuta reflexiva para identificar os componentes emocionais e
demonstrar ao paciente, por meio de uma resposta afetiva, que estes foram
reconhecidos e respeitados(2828 . English K, Mendel LL, Rojeski T, Hornak J. Counseling in
audiology, or learning to listen pre- and post-measures from an audiology
counseling course. Am J Audiol. 1999;8(1):34-9.
http://dx.doi.org/10.1044/1059-0889
https://doi.org/10.1044/1059-0889...
).
Na audiologia, é reconhecido o déficit na formação profissional, que não incorpora cursos formais em aconselhamento, gerando uma compreensão restrita, pois a atividade limita-se ao fornecimento de informações técnicas, como, por exemplo, resultados de exames, opções de tipos de AASI, dentre outras. Essas fragilidades de treinamento profissional criam uma desconexão entre o que o paciente geralmente busca em serviços de reabilitação auditiva - o suporte pessoal para ajustar-se a uma incapacidade crônica - e o que o serviço tende a fornecer, ou seja, informação e tecnologia(2929 . English K, Rojeskit T, Branham K. Acquiring counseling skills in mid-career: outcomes of a distance education course for practicing audiologists. J Am Acad Audiol. 2000;11(2):84-90.).
O grupo “Comportamento em Saúde” foi significativamente maior nas consultas presenciais (Tabela 4), indicando que o profissional discutiu mais frequentemente com o paciente os comportamentos previamente solicitados. Como o profissional que realizou a consulta não teve contato anterior com o participante, foram codificadas apenas as discussões relativas aos comportamentos solicitados naquela sessão específica. Neste caso, tais comportamentos se referiram principalmente às tarefas de manipulação do AASI.
É possível que os participantes do grupo experimental tenham tido menor dificuldade
em manipular o AASI, não necessitando de retomadas de instruções, conforme apontado
na literatura(88 . Campos PD, Ferrari DV. Telessaúde: avaliação da eficácia da
teleconsulta na programação e adaptação de aparelho de amplificação sonora
individual. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(4):301-8.
http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912012000400003
https://doi.org/10.1590/S2179-6491201200...
). Por outro lado,
também é possível que a utilização de webcams tenha dificultado,
para o profissional, a identificação das habilidades inadequadas do paciente para
manipular o AASI, levando ao menor uso de estratégias reparativas, como a discussão
de tais tópicos e a reinstrução do indivíduo. O uso de sistemas de videoconferência,
que permitam ao profissional manipular câmeras para enfocar e aproximar imagens
(zoom) poderia ser mais adequado para essa finalidade.
Entretanto, isso pode representar aumento do custo e da infraestrutura necessária
para a teleconsulta. Outra alternativa seria o treinamento do facilitador para
colaborar com o profissional na identificação e resolução de potenciais dificuldades
do paciente na manipulação do AASI.
Não houve diferença significativa na frequência dos grupos de comportamento “Paciente
Ativo” e “Prevenção”, entre a consulta presencial e a teleconsulta (Tabela 4), concordando com a
literatura(3030 . Demiris G, Edison K, Vijaykumar S. A comparison of communication
models of traditional and video-mediated health care delivery. Int J Med
Informatics. 2005;74(10):851-6.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ijmedinf.2005.03.018
https://doi.org/10.1016/j.ijmedinf.2005....
). Contudo, a
análise dos códigos DOC que compõem o grupo “Paciente Ativo” (Tabela 5) mostrou que os participantes realizaram mais
questionamentos na teleconsulta (“perguntas - PG”) e mais comentários espontâneos
(“conhecimento em saúde - CS”) nas consultas presenciais, sendo este último
significativo.
Deve ser observado que a frequência do grupo “Paciente Ativo” foi relativamente
baixa, para ambas as modalidades de consulta, indicando o domínio do profissional
sobre a comunicação. Resultados semelhantes foram observados em outro estudo, que
avaliou consultas médicas presenciais(2424 . Eikelboom RH, Atlas MD. Attitude to telemedicine, and willingness
to use it, in audiology patients. J Telemed Telecare. 2005;11 Suppl 2:22-5.
http://dx.doi.org/10.1258/135763305775124920
https://doi.org/10.1258/1357633057751249...
).
É possível argumentar que a natureza das consultas avaliadas neste estudo pode ter
levado ao estabelecimento de uma relação mais assimétrica, com o profissional
dominando o encontro clínico. Todavia, deve ser reconhecido, também, que as pressões
organizacionais dos sistemas de saúde (por exemplo, tempo diminuído das consultas,
número elevado de pacientes) podem impelir os profissionais para uma abordagem mais
diretiva, diminuindo a frequência do tempo permitido para que o paciente exponha seu
ponto de vista(2424 . Eikelboom RH, Atlas MD. Attitude to telemedicine, and willingness
to use it, in audiology patients. J Telemed Telecare. 2005;11 Suppl 2:22-5.
http://dx.doi.org/10.1258/135763305775124920
https://doi.org/10.1258/1357633057751249...
).
No presente estudo, o uso de tecnologia de comunicação pode ter dificultado os
comentários espontâneos do paciente sobre sua condição. Outras pesquisas também
relataram um número menor de elocuções dos pacientes(99 . Liu X, Sawada Y, Takizawa T, Sato H, Sato M, Sakamoto H et al.
Doctor-patient communication: a comparison between telemedicine consultation and
face-to-face consultation. Intern Med. 2007;46(5):227-32.
http://dx.doi.org/10.2169/internalmedicine.46.1813
https://doi.org/10.2169/internalmedicine...
) e dominância do profissional sobre a
comunicação(1010 . Agha Z, Schapira RM, Laud WP, Mcnutt G, Roter DL. Patient
satisfaction with physician-patient communication during telemedicine. Telemed J
E Health. 2009;15(9):830-9.
http://dx.doi.org/10.1089/tmj.2009.0030
https://doi.org/10.1089/tmj.2009.0030...
),
durante as teleconsultas.
O aporte do paciente é necessário para que o profissional compreenda a perspectiva única da experiência de estar doente e para que seja estabelecida uma relação profissional-paciente mais produtiva, aumentando o potencial de resultados de sucesso e satisfação(44 . Hickson L, Laplante-Levesque A, Worrall L. Promoting the participation of adults with acquired hearing impairment in their rehabilitation. J Acad Rehab Audiol. 2010;43:11-26.). Deste modo, profissionais que utilizam a teleconsulta necessitam, ainda mais, recorrer às suas habilidades e competências de escuta ativa, ou de outras estratégias que facilitem a expressão do paciente.
Destaca-se, ainda, a ausência do código “Conversas” (CV). Conversas “quebra gelo” ou “sociais” ocorreram na consulta presencial, geralmente enquanto o profissional guiava o participante da sala de espera para o ambiente de teste e, por este motivo, não foram registradas e codificadas. No entanto, isso não exime o fato de que esses comportamentos não mais ocorreram durante a consulta propriamente dita.
No caso das teleconsultas, o facilitador saudou o participante na sala de espera e o
encaminhou ao ambiente de teste. Desta forma, seria esperada a ocorrência de códigos
CV (conversa) no início da interação entre paciente e profissional. Tais resultados
indicam que, provavelmente, o profissional iniciou a interação com informações a
respeito da estrutura da consulta (EC). A “conversa social” tem o papel de
estabelecer rapport e mostrar interesse do profissional pelo
paciente. A literatura também mostra que tipo de conversação é infrequente em
consultas médicas, realizadas face a face ou à distância(1010 . Agha Z, Schapira RM, Laud WP, Mcnutt G, Roter DL. Patient
satisfaction with physician-patient communication during telemedicine. Telemed J
E Health. 2009;15(9):830-9.
http://dx.doi.org/10.1089/tmj.2009.0030
https://doi.org/10.1089/tmj.2009.0030...
).
Finalmente, vale salientar que a relação profissional-paciente, como qualquer outra relação humana, é multifacetada, dinâmica e diversa. As características do paciente, do profissional e do contexto do encontro influenciam a natureza, a forma e o conteúdo da comunicação. Uma limitação do presente estudo, imposta pelas restrições do ambiente clínico, foi a avaliação de consultas ter sido conduzida por um único fonoaudiólogo, impedindo que os dados pudessem ser amplamente generalizados.
Outra limitação foi a de que o “Código de Observação de Davis”(1717 . Callahan EJ, Bertakis KD. Development and validation of the Davis Observation Code (DOC). Fam Med. 1991;23(1):19-24.), embora útil para identificar comportamentos relevantes, não é um instrumento abrangente para apreender todos os elementos da interação profissional-paciente. Sendo assim, pesquisas que utilizem técnicas qualitativas são necessárias, para que a natureza da comunicação profissional-paciente seja mais bem compreendida e intervenções apropriadas sejam aplicadas, visando facilitar a interação mediada pela tecnologia.
CONCLUSÃO
No processo de programação e verificação do aparelho de amplificação sonora individual houve predominância de comportamentos técnicos, de fornecimento de informação e do profissional na comunicação profissional/paciente, que podem ter refletido a natureza geralmente procedimental desse tipo de consulta, bem como a influência do modelo biomédico.
A condução da programação e adaptação do AASI, via teleconsulta, impactou alguns aspectos da comunicação profissional-paciente sem, contudo, afetar a satisfação do paciente quanto ao serviço recebido.
Anexo 1 Questionário de Experiência do Usuário (PEQ)
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Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo – USP – Bauru (SP), Brasil, com auxílio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Set 2014
Histórico
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Recebido
2 Nov 2013 -
Aceito
9 Jun 2014