RESUMO
Objetivo Verificar benefícios do uso de próteses auditivas na autopercepção do zumbido em adultos e idosos sem experiência prévia de amplificação.
Métodos O estudo incluiu indivíduos de ambos os sexos, com queixa de zumbido, acompanhados em hospital público. Aplicaram-se os seguintes exames e instrumentos para mensurar o zumbido e determinar o seu incômodo: pesquisa do pitch e loudness, Escala Visual Analógica (EVA), pesquisa do nível mínimo de mascaramento, inibição residual e Tinnitus Handicap Inventory (THI). As avaliações foram realizadas em duas etapas: antes da adaptação das próteses auditivas e após um mês de uso dos aparelhos.
Resultados Dos 20 indivíduos participantes, 60% eram idosos. Verificou-se diferença na autopercepção do zumbido pré e pós-protetização, medido pelas escalas THI e EVA. Também se observaram diferenças nas medidas psicoacústicas, com exceção do pitch, antes e após a amplificação. Além disso, houve correlação entre o tempo de zumbido e a idade com os escores finais do THI.
Conclusão O uso de próteses auditivas reduziu o incômodo provocado pelo zumbido, com alteração nas medidas psicoaústicas e no impacto na qualidade de vida.
Palavras-chave: Zumbido; Auxiliares de audição; Audição; Perda auditiva; Audiologia
ABSTRACT
Purpose To verify the benefits of using hearing aids in self-perception of tinnitus in adults and elderly without previous experience of amplification.
Methods The study included individuals of both gender, with tinnitus complaint, accompanied in public hospital. The following tests and instruments were used to measure tinnitus and determine its discomfort: pitch and loudness, Visual Analogue Scale (VAS), minimum masking level, residual inhibition and Tinnitus Handicap Inventory (THI). The evaluations were performed in two stages: before the adaptation of the hearing aids and after one month of use of the devices.
Results Of the 20 participants, 60% were elderly. There was a difference in self-perception of tinnitus before and after hearing aid fitting, as measured by THI and VAS. Differences in psychoacoustic measures were also observed, with the exception of pitch, before and after amplification. In addition, there was a correlation between tinnitus time and age with final THI scores.
Conclusion The use of hearing aids was determined to reduce the annoyance caused by tinnitus, with changes in psycho-acoustic measures and impact on quality of life.
Keywords: Tinnitus; Hearing aids; Hearing; Hearing loss; Audiology
INTRODUÇÃO
O zumbido é definido como a percepção auditiva na ausência de uma fonte sonora externa(1). Pode ser o único ou o principal sintoma observado em várias doenças que prejudicam a saúde e o bem-estar do indivíduo(2). Estudos apontaram que o fator comum mais relacionado à ocorrência do zumbido é a perda auditiva(1,2). Nas lesões cocleares, ocorre diminuição da atividade do nervo coclear, devido à diminuição da entrada de informação sonora. Com isso, a atividade neural é aumentada em todos os níveis do sistema nervoso central, para compensar a falta de estímulo(3).
O modelo neurofisiológico de Jastreboff(4) propôs explicações para os diferentes graus de incômodo na população com zumbido. O sintoma surgiria como resultado da interação dinâmica de alguns centros do sistema nervoso (incluindo as vias auditivas e não auditivas) e do sistema límbico. Essa interação desencadearia associações emocionais negativas e, consequentemente, reações de incômodo nos pacientes com zumbido clinicamente significativo(5).
Além dos aspectos biopsicossociais que o sintoma provoca, o zumbido também é um problema de saúde que gera impacto econômico. Pesquisa mostrou que gastos em saúde de pacientes com queixa de zumbido são elevados, pois, de modo geral, este grupo busca ajuda de vários profissionais. Além disso, os autores destacaram que os custos com cuidados de saúde estão diretamente proporcionais à gravidade do sintoma(6).
Atualmente, não há um único tratamento que seja efetivo para todos os pacientes. A heterogeneidade do zumbido é um desafio adicional à pesquisa clínica, visto que o sintoma pode diferir em muitos aspectos, como localização, características sonoras, causas subjacentes, condições comórbidas, entre outros(7).
Pesquisas sugeriram que um dos recursos terapêuticos para diminuir o desconforto do indivíduo com zumbido é o uso de prótese auditiva, que tem a função de amplificar os sons, a fim de viabilizar a estimulação da audição residual, melhorando, assim, a capacidade auditiva do paciente com deficiência auditiva(8). Esta estimulação acústica também eleva a atividade do córtex auditivo e pode interferir no processamento central do zumbido, atenuando o foco do cérebro para o sintoma e diminuindo sua percepção(9). Além de reduzir o grau de incômodo e aumentar a qualidade de vida dos pacientes afetados, a prótese auditiva promove melhora em relação aos aspectos emocionais e auditivos(10), amenizando o estresse comumente associado à perda auditiva(11).
Antes de iniciar o tratamento, é importante medir as características psicoacústicas do zumbido, a fim de obter informações diagnósticas relevantes. Elas são avaliadas por meio da acufenometria, que investiga a sensação de frequência (pitch) e de intensidade (loudness). O exame tem como principal vantagem a possibilidade de monitoração da real intensidade do zumbido, além de auxiliar no topodiagnóstico das lesões auditivas(12) Também é recomendada a aplicação de questionários para avaliar o impacto do zumbido no paciente. Dentre os questionários existentes, destaca-se o Tinnitus Handicap Inventory (THI), de fácil aplicação e que visa quantificar os deficit psicoemocionais e funcionais provocados pelo sintoma(13). Dados obtidos por meio de questionários de autopercepção, aliados a medidas psicoacústicas do zumbido, constituem-se abordagens diferentes de avaliação e complementares entre si, para mensurar o impacto do zumbido para o paciente(14).
Nessa perspectiva, justifica-se o presente estudo, por se tratar da investigação do uso de prótese auditiva nos casos de zumbido associado à perda de audição, levando em consideração o impacto da prótese no sintoma, de acordo com a idade e o tempo de uso diário do dispositivo. É fundamental que o fonoaudiólogo conheça esses fatores que podem influenciar a diminuição do incômodo, a fim de fornecer melhor orientação aos usuários e obter resultados satisfatórios com a amplificação. A partir destas considerações, o objetivo deste trabalho foi verificar benefícios do uso de prótese auditiva na autopercepção do zumbido, além da modificação das medidas psicoacústicas, em adultos e idosos sem experiência prévia de uso de amplificação.
MÉTODOS
A amostra foi composta por indivíduos adultos e idosos com queixa de zumbido incômodo (unilateral ou bilateral) e perda auditiva associada, diagnosticada por meio de avaliação otorrinolaringológica e audiológica. Foram adotados os seguintes critérios de seleção: ter idade mínima de 18 anos na data de realização da primeira avaliação, participar das duas fases do estudo, ser candidato ao uso de prótese auditiva e receber as próteses auditivas pelo programa de saúde auditiva do Ministério da Saúde, no local credenciado onde foi feita a pesquisa e apresentar zumbido incômodo há, pelo menos, três meses. Os pacientes que não apresentavam zumbido no momento da avaliação, que já utilizavam prótese auditiva, ou que não conseguiram responder aos questionários foram excluídos do estudo.
A partir da definição dos critérios de elegibilidade para a composição da amostra, foram convidados a participar da pesquisa todos os sujeitos com indicação clínica de protetização e queixa de zumbido. Caso o participante aceitasse, era encaminhado para realizar avaliações específicas deste estudo. As avaliações foram realizadas em duas etapas: antes da adaptação da prótese auditiva e após um mês de uso das mesmas, por um pesquisador previamente treinado.
Inicialmente, os sujeitos que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando em participar voluntariamente da pesquisa. Na sequência, responderam a um protocolo de entrevista com dados pessoais, clínicos e ocupacionais.
Para avaliar o incômodo provocado pelo zumbido, os pacientes responderam ao questionário THI, adaptado à população brasileira(13) e à Escala Visual Analógica (EVA). Além disso, todos foram submetidos aos seguintes exames psicoacústicos: acufenometria (para determinar o pitch e o loudness do zumbido), nível mínimo de mascaramento (NMM) e inibição residual (IR).
O THI é um instrumento já traduzido e validado para o português brasileiro(13), composto por 25 perguntas e com três alternativas de resposta: sim (4 pontos), às vezes (2 pontos) e não (0 pontos). A pontuação pode variar de 0 (zero) a 100 pontos. Assim, pontuações entre 0 e 16 indicam grau de incômodo ligeiro, entre 18 e 36, incômodo leve, entre 38 e 56, moderado, entre 58 e 76, incômodo intenso e, entre 78 e 100, incômodo catastrófico. O questionário foi aplicado em forma de entrevista individual a fim de assegurar o preenchimento completo e a compreensão da questão pelo indivíduo pesquisado.
A EVA consiste em um “termômetro visual”, em que o paciente avalia, em uma escala de 0 a 10, a intensidade do incômodo provocado pelo zumbido(15). Foi considerada redução do incômodo na EVA quando, após o tratamento, houve melhora de 2 pontos na nota, em relação ao incômodo provocado pelo zumbido antes da amplificação.
A acufenometria tem por objetivo determinar o pitch (sensação de frequência) e o loudness (sensação de intensidade) do zumbido(12). Foi realizada da seguinte forma: para a pesquisa do pitch, foi apresentado em fones supra-aurais, via audiômetro, um tom puro ou um ruído de banda estreita (narrow band noise), conforme o tipo de zumbido relatado pelo paciente, dez decibéis em nível de audição (dBNA), acima do limiar auditivo dos mesmos, nas frequências testadas na audiometria (250 Hz a 8000 Hz). O paciente foi orientado a levantar a mão, quando percebesse o som com frequência similar ao seu zumbido. Após a identificação do pitch, foi realizada a pesquisa do loudness. O estímulo foi apresentado na frequência indicada pelo paciente na pesquisa do pitch, em uma intensidade de 10 dBNA abaixo do limiar auditivo. A intensidade foi aumentada em passos de 1 dBNA e o indivíduo foi orientado a levantar a mão quando percebesse a intensidade similar à do seu zumbido. Esta intensidade foi anotada e subtraída do limiar auditivo do paciente, quantificando-a, portanto, em decibéis, o nível de sensação (dBNS). No caso de zumbido unilateral, a pesquisa era realizada na orelha ipsilateral; no caso de zumbido bilateral, cada orelha foi investigada separadamente. Caso o paciente afirmasse que nenhum dos sons apresentados era equivalente ao seu zumbido, não era incluído na pesquisa.
O nível mínimo de mascaramento é o mais fraco nível de ruído necessário para mascarar o zumbido do paciente e tem, como objetivo, determinar os efeitos do ruído mascarador na percepção do sintoma(12). Para a pesquisa, inicialmente foi determinado o limiar audiométrico do paciente para o ruído de banda estreita na frequência do zumbido (identificada pela pesquisa do pitch) e, após, aumentou-se a intensidade em passos de 1 dBNA, até o paciente indicar que deixou de ouvir o zumbido. No caso de zumbido unilateral, o ruído era apresentado na orelha ipsilateral; no caso de zumbido bilateral, a pesquisa era realizada em cada uma das orelhas, separadamente(16).
A pesquisa da inibição residual foi incluída no estudo porque, em alguns indivíduos, ocorre a diminuição ou desaparecimento do zumbido por um determinado período de tempo após a aplicação de mascaramento. Pode ser usada para avaliar os resultados do tratamento(16). O ruído mascarador foi apresentado à orelha ipsilateral ao zumbido, 10 dBNA acima do nível mínimo de mascaramento, durante um minuto. Após, o ruído foi interrompido e o paciente orientado a sinalizar quando voltasse a perceber o zumbido(16).
Após essa avaliação inicial, as próteses auditivas foram adaptadas nos pacientes. Todos foram orientados, individualmente, quanto ao uso, cuidados e manuseio do aparelho. As próteses dispensadas foram de modelo retroauricular. Foi utilizado o método prescritivo National Acoustics Labs, Non-Linear, version 1 (NAL-NL1), para os ajustes das características eletroacústicas. O local onde a pesquisa foi realizada utiliza esta regra para a adaptação das próteses auditivas.
Após um período mínimo de 30 dias, o paciente retornou para a consulta e foram reaplicados os protocolos utilizados na avaliação inicial. Neste momento, foram elucidadas todas as dúvidas e, quando necessário, realizados ajustes nas regulagens dos dispositivos. Para verificar o tempo médio de uso diário das próteses auditivas foram utilizados os dados constantes na ferramenta data logging.
Salienta-se que, durante a adaptação inicial das próteses auditivas, o paciente recebeu orientações somente sobre o uso do dispositivo, não foram fornecidas informações sobre os efeitos das próteses auditivas no mascaramento do zumbido e sobre a pesquisa do tempo de uso diário, que seria realizada via data logging. Em nenhum caso foi ativado o gerador sonoro nas próteses auditivas, sistema que pode ser utilizado como um mascarador para o zumbido.
Com relação à audição dos participantes do estudo, a determinação do tipo e grau de perda auditiva seguiu a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), com cálculo da média quadritonal dos limiares auditivos (500 Hz a 4000 Hz).
O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no programa WinPEPI (Programs for Epidemiologists for Windows), versão 11.43, e baseado em um estudo piloto com dez pacientes. Para um nível de significância de 5%, poder de 90%, estimando um tamanho de feito mínimo e de um desvio padrão entre as duas avaliações (pré e pós), obteve-se o total mínimo de 17 pacientes.
Após a coleta de dados, foi feita a análise, as variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão, ou mediana, e amplitude interquartílica. As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Para comparar medianas pré e pós-adaptação da prótese auditiva, o teste de Wilcoxon foi aplicado. As associações entre as variáveis foram avaliadas pelo coeficiente de correlação de Spearman. O nível de significância adotado foi de 5% (p≤0,05) e as análises foram realizadas no programa SPSS, versão 21.0.
O estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Cínicas de Porto Alegre, sob número 66950417.2.0000.5327. A todos os participantes foram assegurados os direitos de sigilo, não identificação e possibilidade de desistência de participação na pesquisa.
RESULTADOS
A amostra do estudo foi composta por 20 pacientes com zumbido crônico, em sua maioria, idosos (60%). Inicialmente, foram avaliados 41 sujeitos. Entretanto, foram excluídos 21 participantes, pois 13 não referiam incômodo com o sintoma, 2 referiram não utilização da prótese auditiva que receberam, durante os 30 dias de intervalo entre as avaliações, 2 sujeitos já tinham experiência prévia de amplificação, 2 pacientes não compareceu ao retorno, 1 abandonou o estudo por problemas de saúde e 1 não conseguiu responder ao questionário THI. Assim, após tais exclusões, chegou-se ao número determinado pelo cálculo amostral.
Constatou-se predomínio do zumbido unilateral, do tipo chiado e com surgimento gradual (Tabela 1).
Com relação à audição, a perda auditiva do tipo neurossensorial e o grau leve mostraram-se os mais prevalentes. A mediana do tempo de uso das próteses auditivas foi de 4 horas por dia. Não houve diferença entre as orelhas, no que diz respeito à média dos limiares auditivos (p = 0,457), ao grau (p = 0,531) e ao tipo de perda auditiva (p = 0,717). Também não se verificou diferença entre as orelhas, considerando-se o tempo de uso total das próteses auditivas (p = 0,283) e a média diária de uso (p = 0,370) (Tabela 2).
No que se refere ao zumbido, comparando-se as avaliações feitas pré e pós-adaptação de prótese auditiva, verificou-se redução significativa do incômodo, medido pelas escalas THI e EVA. Também se observaram diferenças nas medidas psicoacústicas, com exceção do pitch, antes e após a amplificação (Tabela 3). Houve melhora na classificação do grau de severidade do zumbido, de acordo com o THI, após o tratamento (Figura 1).
Medidas psicoacústicas e avaliação do incômodo do zumbido por meio do Tinnitus Handicap Inventory e da Escala Visual Analógica pré e pós-adaptação de prótese auditiva
Classificação do Tinnitus Handicap Inventory pré e pós-adaptação da prótese auditiva (p<0,001)
As análises do resultado no THI e a média de tempo de uso da prótese auditiva por dia evidenciaram que, quanto maior o tempo de uso, menor o escore do THI (Tabela 4). O tempo de zumbido e a idade também influenciaram nos escores finais do THI. Assim, quanto maior o tempo de zumbido e maior a idade do paciente, menor a redução do incômodo com o zumbido após a adaptação do AASI (Tabela 5).
Correlação entre tempo de uso da prótese e incômodo com zumbido após adaptação da prótese auditiva
Associação entre tempo de zumbido e idade com as diferenças de desempenho entre avaliações do Tinnitus Handicap Inventory e da Escala Visual Analógica pré e pós-adaptação de prótese auditiva
Não houve associação entre o gênero e o incômodo com o zumbido (p>0,10).
DISCUSSÃO
Na amostra pesquisada, o percentual de idosos foi maior do que o de adultos, dados semelhantes aos encontrados em outra pesquisa(17). Estudos apontaram para o crescimento progressivo da prevalência do zumbido com o aumento da idade(15,18), referindo que cada ano a mais de idade aumenta em 3% o risco do sintoma(18).
Nesta pesquisa, a maior parte dos pacientes apresentou zumbido unilateral, perda auditiva bilateral, do tipo neurossensorial, e recebeu próteses auditivas para uso em ambas as orelhas. Estudo prévio indicou que os resultados clínicos são melhores nos pacientes que recebem amplificação bilateral se comparados àqueles que recebem a estimulação acústica em apenas uma orelha(19).
Quanto ao grau de perda, os leves e moderados foram os mais prevalentes, achados que concordam com outros estudos(10,20). A perda de audição é o principal fator de risco para o zumbido e a literatura descreveu que, aproximadamente, 85% dos indivíduos com zumbido têm algum grau de perda auditiva(1). Como consequência, danos ou degenerações da orelha interna e do nervo vestibulococlear causam aumento da atividade neural espontânea, sendo que esse crescimento contribui para a geração e a percepção do sintoma(20-22).
Sabe-se que o zumbido evoca uma gama de respostas do sistema nervoso autônomo que desencadeia sentimentos de ansiedade, frustração e estresse. Os resultados desta pesquisa demonstraram que houve diminuição na autopercepção do zumbido após o uso da prótese auditiva. Assim, com a estimulação acústica, o paciente altera o foco atencional para outra estimulação auditiva que não está relacionada com o som do zumbido. Estudos já apontaram para melhora nos aspectos emocionais após o uso da prótese auditiva(9,10). Acredita-se, portanto, que a amplificação altera as conexões funcionais, principalmente entre o córtex auditivo e o sistema límbico, modificando o padrão de atividade do sistema nervoso central, que pode fazer com que o zumbido se torne menos impactante para o paciente.
No que se refere às características psicoacústicas, foram observadas mudanças após a amplificação. Este dado não era esperado, uma vez que estudos confirmaram que estas características do zumbido não influenciam o incômodo causado(22). Houve redução significativa da sensação de intensidade do zumbido entre as avaliações, em ambas as orelhas. Ressalta-se que sete pacientes referiram não apresentar zumbido no momento da avaliação final. Estes resultados diferem de estudo anterior(21) que não encontrou diferenças no loudness após três meses de uso da prótese auditiva. No entanto, outros estudos apontaram para uma redução dos níveis de sensação de intensidade do zumbido após um mês de uso de prótese auditiva(17,23).
Observou-se maior ocorrência de zumbidos com frequências em torno de 3000 Hz. Como este valor está dentro da faixa de frequências de amplificação das próteses auditivas, poderia explicar o bom prognóstico quanto à redução do incômodo associado ao sintoma(17,24).
Em relação ao NMM, a mediana na primeira avaliação foi de 15 dBNS. Após o tratamento, os pacientes apresentaram mudanças significativas no NMM. O NMM reflete a facilidade com que o zumbido pode ser mascarado por sons ambientais e, de acordo com a literatura, quando o paciente nota redução no incômodo com o zumbido, a intensidade do NMM diminui(22). Estudo mostrou uma correlação positiva entre NMM e a redução do incômodo causado pelo zumbido, mensurado por meio do THI e EVA(22).
Constatou-se aumento nos valores obtidos na IR, na segunda avaliação. A mediana do tempo que o paciente ficou sem zumbido na primeira avaliação foi de 18 segundos e, na segunda avaliação, foi de 38 segundos após a aplicação do mascaramento. Normalmente, a inibição residual dura apenas alguns segundos ou minutos e, ocasionalmente, pode persistir por um tempo substancialmente mais longo(25).
A EVA revelou diferença, comparando-se os valores atribuídos pelos sujeitos da amostra, nos períodos pré e pós-adaptação. A EVA é muito utilizada pelos profissionais, pois é uma medida rápida e simples para avaliar o zumbido, sendo facilmente compreendida e respondida pelo indivíduo(14). Em pesquisa prévia(26), foram analisados 1440 casos de pacientes com zumbido, que fizeram uso de prótese auditiva e verificou-se, por meio da EVA, melhora significativa na percepção de zumbido em 68% dos casos.
O questionário THI também mostrou redução da queixa de incômodo referente ao zumbido. Na primeira avaliação, o incômodo era classificado como intenso para a maior parte dos pacientes; após o uso de prótese auditiva, tornou-se leve. Os valores constatados no questionário são semelhantes aos obtidos por outros estudos, após um mês de amplificação(17,19). Também se verificou relação direta entre a pontuação do questionário e o tempo de uso do aparelho, ou seja, quanto mais tempo o paciente utiliza a prótese auditiva diariamente, mais reduz a queixa de incômodo, demostrando o quanto o uso de tal tecnologia beneficia os sujeitos acometidos pelo zumbido.
Um estudo com magnetoencefalografia investigou as mudanças na atividade de rede neural que ocorrem nos pacientes com maior tempo de zumbido. A análise mostrou que, no grupo que possuía o sintoma por mais de quatro anos, a atividade neural estava amplamente distribuída em todo o córtex e as conexões funcionais entre as áreas não auditivas aumentaram, comparando-se com o grupo de zumbido de curta duração. Os autores afirmaram que a arquitetura neural pode mudar com o aumento do tempo de zumbido(27). A duração do zumbido também tem correlação positiva com o aumento efetivo das conexões entre o hipocampo direito e o córtex auditivo esquerdo(28). Isto explica os achados, pois os pacientes com maior tempo de zumbido tiveram menor redução no incômodo com o sintoma após uso da prótese auditiva. Este dado evidencia a importância da protetização precoce para um bom prognóstico nos pacientes com zumbido e perda de audição, tendo em vista que a duração do zumbido e seu incômodo estão ligados à ativação de áreas cerebrais envolvidas em processos atencionais, emocionais e de memória.
Houve associação entre a idade e a redução no escore THI, após a protetização. Uma hipótese para este achado é a de que os sujeitos mais velhos podem apresentar o sintoma por mais tempo, visto que a perda auditiva aumenta com a idade, que, por sua vez, aumenta o risco de desenvolver zumbido. Além disso, os mecanismos de neuroplasticidade são alterados com o envelhecimento e sua eficiência diminui ao longo da vida humana(27). Mudanças na estrutura neural desempenham um papel crucial na geração de zumbido e no seu incômodo(29). Assim, com o avançar da idade, o paciente pode tornar-se menos sensível aos efeitos da amplificação.
CONCLUSÃO
O uso de próteses auditivas trouxe benefícios para os pacientes com zumbido participantes deste estudo, pois houve redução do incômodo causado pelo sintoma, bem como mudanças nas medidas psicoacústicas após a amplificação sonora. O tempo de zumbido e a idade mais avançada impactaram negativamente a autopercepção do sintoma após reabilitação auditiva.
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Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA – Porto Alegre (RS), Brasil.
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Financiamento:
Nada a declarar.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Ago 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
16 Abr 2020 -
Aceito
15 Jun 2020