Open-access Autoavaliação de sintomas relacionados à voz em indivíduos com câncer de tireoide antes, imediatamente após e no pós-operatório tardio de tireoidectomia

RESUMO

Objetivo  Verificar autopercepção de sintomas vocais, de fadiga vocal e relacionados à tireoidectomia em indivíduos com câncer de tireoide, nos momentos pré-operatório, pós-operatório imediato e pós-operatório tardio, e analisar a influência do gênero.

Métodos  Trata-se de um estudo de intervenção antes e após com 20 indivíduos com câncer de tireoide, média de 46 anos de idade, avaliados em três momentos: pré-cirurgia (M1), imediatamente após cirurgia (M2) e no pós-operatório tardio (M3) da tireoidectomia. Os indivíduos responderam aos instrumentos Escala de Sintomas Vocais, Índice de Fadiga Vocal e Thyroidectomy-Related Voice and Symptom Questionnaire. Os dados foram analisados ​​de forma descritiva e inferencial.

Resultados  Na autoavaliação de sintomas vocais físicos e orofaringolaríngeos relacionados à tireoidectomia, o M3 apresentou valores estatisticamente menores que o M1 (p=0,006 e p=0,028, respectivamente) e o M2 (p<0,001 e p=0,004, respectivamente). Para os sintomas totais (p=0,001) e vocais (p=0,001) relacionados à tireoidectomia, os valores do M3 foram significativamente menores que os do M2. Na autoavaliação de sintomas vocais dos domínios total e limitação, o M1 (p<0,001; p<0,001) e o M3 (p=0,013; p=0,001) apresentaram valores significativamente menores que o M2. Indivíduos do gênero masculino apresentaram percepção de sintomas de fadiga no domínio fadiga e limitação vocal (p=0,035) e percepção de sintomas relacionados à tireoidectomia nos domínios total (p=0,044) e sintomas vocais (p=0,012) significativamente menores do que os do gênero feminino, independentemente do momento.

Conclusão  Sintomas vocais físicos e relacionados à tireoidectomia diminuem no pós-operatório tardio; sintomas vocais totais e limitação aumentam no pós-operatório imediato e diminuem no tardio. Mulheres têm maior percepção de fadiga e limitação vocal e de sintomas totais e vocais relacionados à tireoidectomia.

Palavras-chave:  Autoavaliação; Fadiga; Sintomas vocais; Tireoidectomia; Voz

ABSTRACT

Purpose  To verify the self-perception of symptoms and vocal fatigue related to thyroidectomy in individuals with thyroid cancer in the pre, immediate post and late post-operative moments, and to analyze the influence of gender.

Methods  Intervention study before and after with 20 individuals, mean age 46 years, evaluated before surgery (M1), immediately after surgery (M2) and in the late postoperative period (M3) of thyroidectomy. Individuals answered the instruments: Voice Symptoms Scale, Vocal Fatigue Index and Thyroidectomy-Related Voice and Symptom Questionnaire. Data were analyzed descriptively and inferentially.

Results  In self-assessment of vocal symptoms of the total domains and limitation, M1 (p<0.001; p<0.001, respectively) and M3 (p=0.013; p=0.001, respectively) had significantly lower values than the M2. For the physical domain of self-assessment of vocal symptoms, the M3 showed statistically lower values than the M1 (p=0.006) and the M2 (p<0.001) assessments. Depending on the moment, the oropharyngolaryngeal symptoms in M3 had significantly lower values ​​than M2 (p=0.004) and M1 (p=0.028). Male scores were significantly lower than female scores in the self-assessment of fatigue symptoms in the fatigue and vocal limitation domain (p=0.035), regardless of the time of assessment.

Conclusion  Physical vocal symptoms and thyroidectomy-related symptoms decrease in the late postoperative period; total vocal symptoms and limitation increasing in the immediate postoperative period and decrease in the late postoperative period. Women have a higher perception of vocal fatigue and limitation, and of total and vocal symptoms related to thyroidectomy.

Keywords:  Self-assessment; Fatigue; Voice symptoms; Thyroidectomy; Voice

INTRODUÇÃO

O câncer de tireoide é o principal tumor de cabeça e pescoço(1). Trata-se de um câncer com evolução clínica incerta. Sua incidência vem aumentando nas últimas décadas e espera-se cerca de 13.780 novos casos para o triênio 2020/2022(2). Sua maior prevalência é no gênero feminino, ocupando a quinta colocação no mesmo triênio(1,2).

A principal manifestação clínica que indica alteração na tireoide são os nódulos, que, no geral, são assintomáticos e benignos(3). Cerca de 5% desses casos evoluem para câncer(3,4).

Na presença de câncer de tireoide, os indivíduos podem apresentar sintomas vocais em virtude de alterações hormonais, presença de nódulos benignos ou malignos e aumento do tamanho da glândula tireoide(5,6,7). Rouquidão, instabilidade, tremor vocal, voz grave, restrição nos tons agudos, fadiga vocal, sensação de bolo na garganta, dispneia, tosse seca, disfagia, dor e ardência em região laríngea são alguns dos sintomas vocais e faringolaríngeos mais frequentes(4,5,7,8,9). Esses sintomas podem ocorrer no pré-operatório, visto que independem da cirurgia(9).

A conduta de eleição na confirmação de malignidade dos nódulos na tireoide(1,5) é a tireoidectomia, cirurgia de retirada total ou parcial da glândula tireoide(2). A tireoidectomia é eficiente na ablação do tumor, mas pode levar a sequelas estruturais e funcionais(10). Dentre elas estão as lesões nos ramos do nervo laríngeo, hipocalcemia, infecções, hemorragia, alterações metabólicas relacionadas ao hormônio tireoidiano e hipoparatireoidismo(3,11).

O trauma laríngeo ocasionado pela lesão ou manipulação do nervo laríngeo pode gerar, no pós-operatório, mudanças na sensibilidade e mobilidade de prega vocal(2). As alterações na fonação ocorrem em cerca de 10% dos casos(7) e o quadro pode ser potencializado pela intubação orotraqueal(5,10). Rouquidão, fadiga vocal e diminuição da extensão dos agudos são alguns dos sintomas presentes imediatamente após a tireoidectomia(11,12).

A lesão ou manipulação do nervo laríngeo durante a tireoidectomia(11), ou a compressão ou infiltração do tumor previamente à cirurgia(13,14) podem levar, ambas, ao aparecimento de fadiga vocal. O nervo laríngeo recorrente tem relação direta com a artéria tireoidiana inferior e pode ser lesionado quando a artéria é dividida durante a tireoidectomia. Além disso, o nervo laríngeo superior pode ser afetado quando a artéria tireoidiana superior é ligada, ou quando é realizada cauterização local, podendo diminuir a tensão da prega vocal devido à diminuição da atividade do músculo cricotireóideo (CT)(11,14,15).

As alterações, sintomas vocais e faringolaríngeos tendem a desaparecer em até três meses após a tireoidectomia, tempo esse considerado de pós-operatório tardio(2). Em 0,4% dos casos, a alteração na mobilidade das pregas vocais torna-se definitiva(2).

A autopercepção dos pacientes sobre os sintomas traz dados que não podem ser obtidos na avaliação clínica e que têm grande relevância, pois influencia a busca do paciente por atendimento fonoaudiológico, bem como sua adesão ao tratamento especializado(16,17).

São encontrados na literatura estudos que autoavaliam a percepção do indivíduo sobre sintomas de voz, faringolaríngeos e de fadiga vocal nos períodos pré-operatório, pós-operatório imediato e tardio da tireoidectomia, porém, com diferentes desfechos e em diferentes pacientes. Dessa forma, torna-se necessário obter informações por meio de um estudo longitudinal desde o momento pré-operatório, até o pós-operatório tardio, a fim de compreender a percepção dos indivíduos sobre os sintomas vocais, farongolaríngeos e a percepção de fadiga vocal. Esses dados são importantes para planejar e fomentar o desenvolvimento de políticas públicas e de uma linha de cuidados fonoaudiológicos para pacientes com câncer de tireoide, desde o momento pré-operatório, até o pós-operatório tardio.

Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo verificar a autopercepção de sintomas vocais, de fadiga vocal e relacionados à tireoidectomia em indivíduos com câncer de tireoide, nos momentos pré, pós-imediato e pós-operatório tardio de tireoidectomia, e analisar a influência do gênero.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo com delineamento de intervenção antes e após. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ceilândia da Universidade de Brasília (CEP/FCE/UnB), por meio do parecer 3.559.812. Todos os indivíduos foram orientados quanto aos procedimentos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os dados foram coletados no Hospital Universitário de Brasília com a equipe da Unidade de Cabeça e Pescoço. Foram recrutados pacientes da lista de espera de tireoidectomia da instituição que estavam com as cirurgias agendadas.

Os critérios de inclusão foram: indivíduos com idade superior a 18 anos, submetidos à tireoidectomia parcial ou total como tratamento primário para câncer de tireoide e bócio. Os critérios de exclusão foram: sequelas cirúrgicas ou clínicas de cabeça e pescoço no trato vocal ou laringe, alterações neurológicas ou cognitivas de compreensão e linguagem oral, realização de iodoterapia. Os dados sobre os critérios de elegibilidade foram retirados dos prontuários médicos.

Foi realizado o cálculo amostral para estimar o tamanho da amostra, com base em um estudo-piloto com dez indivíduos. Para o cálculo, foram utilizados os escores médios da Escala de Sintomas Vocais (ESV)(16) imediatamente após a cirurgia (média=48,27) e no pós-operatório tardio (média=22,81), bem como o desvio padrão da diferença entre as médias de 29,86. O poder do teste foi de 90% e o nível de significância foi de 5%. O tamanho da amostra estimado foi de 17 indivíduos. Dessa forma, foram selecionados para participar do estudo 20 indivíduos com câncer de tireoide, 16 do gênero feminino e quatro do gênero masculino, com média de idade de 46 anos, que atenderam aos critérios de elegibilidade.

Os desfechos foram avaliados em três momentos: momento pré-operatório de tireoidectomia (M1); momento pós-operatório imediato, com prazo de até oito dias após a tireoidectomia (M2) e momento pós-operatório tardio, com prazo de três a seis meses após a tireoidectomia (M3). Os dados do M1 e do M2 foram coletados de forma presencial e os do M3 foram coletados por telefone e/ou internet. Nas três avaliações, os indivíduos responderam aos instrumentos Escala de Sintomas vocais (ESV), Thyroidectomy-Related Voice and Symptom Questionnaire (TVSQ) e Índice de Fadiga Vocal (IFV). No M1, os indivíduos também responderam a um questionário de dados sociodemográficos e de saúde.

O questionário de dados sociodemográficos e de saúde foi elaborado pelos pesquisadores para caracterização da amostra. Os dados coletados foram: idade, gênero, tabagismo, etilismo, profissão, histórico familiar, diagnóstico anatomopatológico, tipo de ressecção, esvaziamento cervical e técnica cirúrgica utilizada.

A ESV tem o objetivo de avaliar os sintomas vocais e seu impacto(17). Utilizou-se a versão validada em português brasileiro(16). A escala é composta por 30 itens que se subdividem em três domínios: emocional, físico e limitações. Cada item é pontuado de acordo com a frequência, entre nunca (0) e sempre (4). O escore de cada domínio e do total são obtidos por meio de somatória simples dos itens. Quanto maior o escore, maior a autopercepção de sintomas vocais.

O TVSQ avalia a percepção da frequência de queixas vocais e sintomas representativos de refluxo laringofaríngeo, paralisia de prega vocal e alterações na deglutição nas tireoidectomias(11,18). Utilizou-se a versão validada em português brasileiro(19). O instrumento possui 20 itens, subdivididos em três domínios: sintomas vocais; sintomas orofaringolaríngeos e desconforto na deglutição, respiração e na região cervicotorácica. Cada item é pontuado de acordo com a frequência, entre nunca (0) e sempre (4). O protocolo é calculado pela soma simples das respostas. Quanto maior a pontuação, mais sintomas vocais, orofaríngeos e de deglutição o indivíduo percebe(20).

O IFV tem o objetivo de avaliar a percepção de sintomas de fadiga vocal em indivíduos disfônicos(21). Utilizou-se a versão validada em português brasileiro(12). O IFV é constituído por 17 itens, subdivididos em domínio total e mais quatro fatores: fadiga e limitação vocal, restrição vocal, desconforto físico associado à voz e recuperação com repouso vocal. Cada item é pontuado de acordo com a frequência, entre nunca (0) e sempre (4). O escore dos fatores é calculado pela soma simples dos itens. O escore total é realizado a partir da soma entre os fatores com inversão do valor do fator recuperação com repouso vocal. Quanto maior o escore, maior a percepção do indivíduo de sintomas de fadiga vocal.

Os dados foram analisados de forma descritiva e inferencial utilizando-se o software SPSS 25.0. Na análise descritiva das variáveis quantitativas contínuas e qualitativas ordinais, foram calculadas as medidas de tendência central (média e mediana), variabilidade (desvio padrão) e posição (mínimo, máximo, primeiro e terceiro quartis). Na análise descritiva das variáveis qualitativas nominais, foram calculadas a frequência absoluta e a frequência relativa percentual. Na análise inferencial, a comparação das variáveis quantitativas em função dos protocolos foi realizada por meio do teste ANOVA de medidas repetidas. Nos casos em que houve diferença estatística, foi feita a comparação múltipla com o Teste de Tukey. Foi considerado um nível de significância de 5% para as análises inferenciais.

RESULTADOS

Participaram do presente estudo 20 indivíduos, com média de idade de 46 anos, sendo 16 do gênero feminino e quatro do gênero masculino, com tempo de diagnóstico de 40,85 meses. Foram mais frequentes os indivíduos que negaram tabagismo, etilismo e outra doença, com histórico familiar, que realizaram ressecção total, que não realizaram esvaziamento cervical, cujo exame anatomopatológico indicou carcinoma papilífero. Tais resultados são visualizados nas Tabelas 1-2.

Tabela 1
Análise descritiva das variáveis idade e do tempo de diagnóstico
Tabela 2
Análise descritiva das variáveis gênero, tabagismo, etilismo, histórico familiar, outra doença, tipo de ressecção, esvaziamento cervical, nível do esvaziamento cervical e anatomopatológico

Houve diferença estatisticamente significativa nos domínios total (p=0,041), limitação (p=0,049) e físico (p=0,002) da autoavaliação de sintomas vocais, em função do momento da avaliação. Nos domínios total e limitação, o M1 (p<0,001; p<0,001, respectivamente) e o M3 (p=0,013; p=0,001, respectivamente) apresentaram valores significativamente menores que o M2. Para o domínio físico, o M3 apresentou valores estatisticamente inferiores à primeira (p=0,006) e à segunda (p<0,001) avaliações (Tabela 3).

Tabela 3
Análise da autoavaliação de sintomas vocais em função do momento de avaliação e do gênero

Houve diferença estatisticamente significativa na autoavaliação de queixas vocais gerais e sintomas representativos de refluxo laringofaríngeo, paralisia de prega vocal e alteração na deglutição em pacientes com indicação ou submetidos à tireoidectomia, em função do momento, no domínio total (p=0,046), sintomas vocais (p=0,027) e sintomas orofaringolaríngeos (p=0,009). Os valores do M3 foram significativamente menores que os do M2 no fator total (p=0,001) e nos sintomas vocais (p=0,001). Já nos sintomas orofaringolaríngeos, o M3 apresentou valores significativamente menores que M2 (p=0,004) e M1 (p=0,028). Também houve diferença em função do gênero no fator total (p=0,044) e nos sintomas vocais (p=0,012). Os valores dos homens foram significativamente menores que os das mulheres no domínio total (p=0,044) e nos sintomas vocais (p=0,012) (Tabela 4).

Tabela 4
Análise da autoavaliação de queixas vocais gerais e sintomas representativos (Thyroidectomy-Related Voice and Symptom Questionnaire) com indicação ou submetidos à tireoidectomia, em função do momento de avaliação e do gênero

Indivíduos do gênero masculino apresentaram valores estatisticamente menores da autoavaliação de sintomas do domínio fadiga e limitação vocal (p=0,035) (Tabela 5).

Tabela 5
Análise da autoavaliação de sintomas de fadiga vocal em função do momento de avaliação e do gênero

DISCUSSÃO

A principal neoplasia endócrina de cabeça e pescoço é o câncer de tireoide e a tireoidectomia é a conduta de eleição para esses casos(1,3). Durante a cirurgia, um dos objetivos é manter a integridade dos nervos laríngeos(10). Indivíduos com alteração na tireoide tendem a apresentar sintomas vocais e orofaringolaríngeos(4,7,8,9) nos momentos pré e pós-cirúrgico imediato, que tendem a reduzir no pós-operatório tardio(8,11). Porém, faltam dados a respeito da percepção geral do paciente ao longo da linha de tratamento. Dessa forma, o presente estudo buscou avaliar a autopercepção de sintomas vocais, de fadiga vocal e relacionados à tireoidectomia em indivíduos com câncer de tireoide submetidos à tireoidectomia.

A prevalência de câncer de tireoide é 3:1 em mulheres(2,3) e a presente amostra também apresentou maior frequência do gênero feminino. A presença do hormônio estrogênio nas células foliculares tireoidianas das mulheres parece estar associada à patogênese da tireoide(22,23). Entre os 45-55 anos, há uma redução drástica desse hormônio(24) e uma maior ocorrência de diagnóstico da doença(3,25), o que foi encontrado como tendência central de idade dos indivíduos deste estudo.

O histórico familiar de câncer de tireoide foi o fator de risco mais frequente no presente estudo. A base genética do câncer de tireoide não está totalmente elucidada(3).

A ressecção total da tireoide foi a abordagem cirúrgica mais utilizada, sem esvaziamento cervical, cujo exame anatomopatológico indicou carcinoma papilífero, tipo histológico mais frequente(1), cujo tumor é derivado das células foliculares, responsáveis pela síntese do hormônio tireoidiano(1,3). As ressecções totais na realidade do Sistema Único de Saúde (SUS) tendem a ser maiores devido ao longo período de espera para o diagnóstico. A média do estudo é de 40 meses, cerca de 1200 dias, contrapondo os 200 dias estimados pelo SUS para os tratamentos oncológicos(26).

A percepção de sintomas pelos indivíduos com câncer de tireoide é um fator de alerta para a busca pelo diagnóstico e tratamento, além de ter relação com a adesão ao tratamento e a conduta médica. A percepção é subjetiva e considera os fatores físicos, emocionais, sociais e de qualidade de vida dos indivíduos(27) e uma forma de compreender a percepção de sintomas do indivíduo é a autoavaliação(15).

Acredita-se que a ESV, o IFV e o TVSQ utilizados em conjunto consigam abranger o escopo global de sintomas vocais, de fadiga e orofaringolaríngeos mais frequentes em pacientes com tireoidectomia.

As mulheres apresentaram escores acima dos homens nos fatores total e de sintomas vocais na autopercepção de sintomas relacionados à tireoidectomia mensurados com o TVSQ, e no fator fadiga e limitação vocal, mensurado com o IFV. O TVQS ainda não possui ponto de corte. No IFV observou-se que as mulheres apresentaram escores acima do ponto de corte, indicando risco para disfonia, ao contrário do que foi observado nos homens, cujos valores encontraram-se dentro do padrão de normalidade(12). Algumas discussões gerais para a diferença entre os gêneros devem ser levantadas, como o fato de as mulheres terem autopercepção mais aguçada ou fatores anatômicos relacionados à ossificação da laringe e à maior suscetibilidade a traumas mecânicos, o que pode explicar a ocorrência de mais sintomas gerais e vocais relacionados à tireoidectomia, bem como maior fadiga e limitação vocal, do que os homens(11,20).

Os sintomas gerais e vocais relacionados à tireoidectomia pareceram ser maiores no pós-operatório imediato em relação ao tardio; já os sintomas vocais gerais e a limitação do uso vocal decorrente dos sintomas, pareceram ser maiores no pós-operatório imediato também em relação pré-operatório.

O TVSQ foi recentemente validado em português brasileiro e, conforme mencionado, ainda não possui ponto de corte. Já no domínio total da ESV, observou-se que, em todos os momentos, os escores de sintomas vocais encontraram-se acima do ponto de corte do instrumento, indicando que o risco para disfonia relacionado aos sintomas vocais gerais se mantém mesmo após a cirurgia, porém, no pós-operatório tardio, os valores estiveram bem próximos do esperado para vozes saudáveis(16,17). Quanto à limitação de atividades geradas pelos sintomas vocais, observou-se que os escores no pós-operatório tardio já estiveram dentro da normalidade(16,17). Tais dados são importantes, porque apontam que, apesar da manutenção da percepção de sintomas vocais ainda estar na faixa limítrofe, no pós-operatório tardio eles diminuem e já não trazem mais limitações nas atividades diárias dos indivíduos.

Acredita-se que o aumento dos sintomas gerais e da limitação vocal, decorrentes das alterações na voz imediatamente após a cirurgia, esteja associado à manipulação cirúrgica e intubação orotraqueal, que trazem uma série de desconfortos na região anterior do pescoço(10,11,18), podendo influenciar a funcionalidade do uso vocal. Estudo prévio mostrou que pacientes com câncer de cabeça e pescoço, independentemente de queixa vocal, apresentam escores da ESV elevado após o procedimento cirúrgico(28). Além disso, o estudo observou que os sintomas totais e vocais que surgem, relacionados à tireoidectomia, também diminuem no pós-operatório tardio, confirmando a informação supracitada de associação com os procedimentos relacionados ao procedimento cirúrgico de tireoidectomia.

Por outro lado, os sintomas vocais no domínio físico e os sintomas orofaringolaríngeos relacionados à tireoidectomia parecem já estar presentes desde o momento pré-cirúrgico, mantendo-se no pós-cirúrgico imediato e diminuindo apenas no pós-cirúrgico tardio. O escore dos sintomas físicos confirma essa informação, apontando que a redução no pós-operatório tardio torna a tendência central dos escores dentro do padrão de normalidade(13).

Com relação aos sintomas no domínio físico da ESV e orofaringolaríngeo da TVSQ, que apareciam previamente à cirurgia e diminuíram apenas no pós-operatório tardio, acredita-se que tal fato possa estar associado à redução da compressão da massa tumoral(6,7) e à normalização das áreas circunvizinhas às da manipulação cirúrgica. Após a retirada da massa que comprime a região aerodigestiva alta(6,7), ocorre uma redução dos sintomas físicos e das limitações funcionais, o que, paralelamente à cicatrização, propicia melhora na autopercepção de sintomas vocais no pós-operatório tardio(29), com valores que se aproximam ou entram na faixa de normalidade. Porém, apesar disso, alguns sintomas ainda persistem, o que já foi apontando anteriormente(8,14).

Ressalta-se que, nos casos de malignidade dos tumores de tireoide, é indicado o tratamento com iodoterapia(1,3). Uma das principais alterações no trato aerodigestório é a xerostomia(1,3,7). Porém, salienta-se que, no presente estudo, nenhum indivíduo foi submetido à iodoterapia.

De modo geral, os resultados apontaram que houve maior percepção de sintomas vocais gerais, físicos e de limitação vocal, bem como de sintomas gerais, vocais e orofaringolaríngeos relacionados a tireoidectomia, imediatamente após a cirurgia, provavelmente relacionados ao edema pós-intervenção(7). A real causa dos sintomas é difícil de ser determinada e é, provavelmente, multifatorial(11).

As mudanças nos sintomas vocais são dinâmicas e variáveis(8), provavelmente induzidas por edema laríngeo pós-intubação, alterando o suprimento venoso e vascular(11). Pode também haver relação com a manipulação cirúrgica, presença de pontos e sutura das estruturas. Devido à localização da tireoide, a manipulação cirúrgica pode afetar a região orofaringolaríngea e a região cervicotorácica, influenciando a voz, a deglutição e a respiração. É importante ressaltar, também, que, em razão da proximidade do nervo laríngeo e da região da glândula tireoide, podem ocorrer manipulações que geram alterações de mobilidade de pregas vocais, temporárias ou definitivas(30).

Os dados aqui apresentados mostraram a presença de sintomas vocais no âmbito físico e orofaringolaríngeo desde o momento pré-cirúrgico e, o aumento dos sintomas, principalmente relacionados à tireoidectomia, no pós-operatório imediato, indica a necessidade do fonoaudiólogo(1,3) na equipe de cirurgia de cabeça e pescoço que realiza o acompanhamento longitudinal dos pacientes com câncer de tireoide.

O presente estudo apresentou limitações com relação à ausência de um grupo-controle. Sugere-se que estudos futuros possam comparar o acompanhamento de diferentes tipos de tratamento em pacientes com câncer de tireoide para compreender melhor os efeitos relacionados à doença e ao procedimento cirúrgico, bem como um acompanhamento de até 12 meses do momento cirúrgico.

CONCLUSÃO

Sintomas vocais físicos e relacionados a tireoidectomia diminuem no pós-operatório tardio; sintomas vocais totais e limitação aumentam no pós-operatório imediato e diminuem no tardio. Mulheres tem maior percepção de fadiga e limitação vocais e de sintomas totais e vocais relacionados à tireoidectomia.

  • Trabalho realizado no Centro de Estudos da Voz - CEV - São Paulo (SP), Brasil, como pré-requisito para conclusão do Curso de Especialização em Voz.
  • Financiamento: Nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2022
  • Aceito
    15 Nov 2022
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