Open-access Protocolo para decanulação de traqueostomia pediátrica: evidências de validação de conteúdo

RESUMO

Objetivo  desenvolver e validar o conteúdo de um protocolo de decanulação para crianças traqueostomizadas crônicas, na faixa etária de 0 a 12 anos.

Métodos  pesquisa metodológica realizada em quatro etapas: (1) submissão do projeto ao comitê de ética em pesquisa; (2) revisão sistemática da literatura; (3) elaboração do protocolo clínico; (4) avaliação da qualidade das informações com especialistas. A fase de elaboração seguiu as recomendações do Guia para a Construção de Protocolos Assistenciais do Conselho Regional de Enfermagem - COREN - SP. A qualidade do protocolo foi avaliada por oito especialistas em pediatria, por meio do Appraisal of Guidelines Research & Evaluation (AGREE II). Considerou-se a adequabilidade aceitável do protocolo igual ou superior a 78% de concordância entre os especialistas.

Resultados  a partir da revisão sistemática, foram elencadas cinco recomendações para compor o protocolo de decanulação da traqueostomia em crianças, representado em um fluxograma. A adequabilidade do protocolo variou entre 81,94% e 95,83%, com avaliação global de 93,75%. Todos os especialistas recomendaram o protocolo como adequado para utilização nos serviços de saúde.

Conclusão  o protocolo de decanulação para crianças traqueostomizadas crônicas foi considerado válido e adequado em seu conteúdo. Recomenda-se a realização de pesquisas futuras com delineamentos randomizados, nessa população, para avaliar o impacto do uso do protocolo e o seu custo-efetividade nos serviços de saúde.

Palavras-chave:  Traqueostomia; Protocolos clínicos; Segurança do paciente; Criança; Tecnologia biomédica

ABSTRACT

Purpose  To develop and validate a decannulation protocol for chronically tracheostomized children aged 0-12 years.

Methods  This methodological study was conducted in four stages: (1) submission of the project to the research ethics committee, (2) systematic review of the literature, (3) preparation of the clinical protocol, and (4) evaluation of the quality of information with specialists. The preparation phase followed the recommendations of the Guide for the Construction of Assistance Protocols. The quality of the protocol was evaluated by eight pediatric specialists using the Appraisal of Guidelines Research and Evaluation (AGREE II). An acceptable suitability of the protocol was considered when there was a 78% or greater agreement among the specialists.

Results  Based on this systematic review, five recommendations were listed to compose the protocol for decannulating tracheostomy in children represented in a flowchart. The suitability of the protocol varied between 81.94 and 95.83%, with an overall assessment rate of 93.75%. All specialists recommended an appropriate protocol for use in healthcare services.

Conclusion  The decannulation protocol for chronic children is valid and adequate. Future research with randomized designs is recommended for this population to assess the impact of the use of the protocol and its cost-effectiveness for health services.

Keywords:  Tracheostomy; Clinical protocols; Patient safety; Child; Biomedical technology

INTRODUÇÃO

Devido à complexidade dos pacientes na área pediátrica, comumente há necessidade da utilização de equipamentos de suporte à vida, como as traqueostomias. As indicações para traqueostomia variam de acordo com as instituições e o perfil da população e, frequentemente, é realizada em crianças menores de 1 ano de idade(1) A ventilação mecânica prolongada por intubação e a obstrução de vias aéreas superiores são consideradas os principais motivos de indicação para esse procedimento cirúrgico. Estima-se que 0,5% a 2% das crianças submetidas à intubação e ventilação mecânica em unidades de terapia intensiva (UTI) necessitam de traqueostomia(1-3).

Embora a traqueostomia seja uma estratégia para salvar vidas, ela pode causar broncorreia, alterações no mecanismo de deglutição, aumento do risco de infecção das vias aéreas, sangramento e dificuldade na vocalização, além das complicações tardias, como granulomas, malácias, estenoses, fístulas vasculares e esofágicas. Logo, para evitar essas complicações, a decanulação do paciente deve ser realizada o mais cedo possível(4).

Os pacientes pediátricos submetidos à traqueostomia possuem indicações, condições clínicas e morbimortalidade específicas, o que torna os cuidados pós-operatórios e o planejamento da decanulação um desafio para os profissionais da área da saúde(5), o que requer que este planejamento seja metódico, a fim de garantir o sucesso e a segurança do paciente(6).

As taxas de decanulações bem-sucedidas na população pediátrica variam entre 38% e 83,5%(7,8), enquanto as falhas variam entre 9% e 45%(9). Considera-se falha qualquer necessidade de recolocação do tubo de traqueostomia após a sua retirada, que pode ocorrer nos primeiros dias até vários meses após o procedimento(9).

No intuito de padronizar as ações e reduzir as falhas, protocolos de decanulação mostram-se eficazes e contribuem para taxas bem-sucedidas desse procedimento(10). Sendo assim, a criação de protocolos para direcionar as práticas de cuidado e procedimentos de rotina é fundamental para organização, gestão e qualidade dos serviços. Esses instrumentos conduzem os profissionais na tomada de decisões voltadas à prevenção, recuperação ou reabilitação da saúde; asseguram a assistência livre de danos ao paciente e melhoram a comunicação entre profissionais(11).

A literatura nomeia protocolos de decanulação para o público pediátrico, porém, as ações descritas nesses documentos são baseadas em experiências individuais de especialistas ou de instituições de saúde, sem o processo de validação descrito e/ou publicado(2,9,12,13).

Ainda, a literatura aponta que, no processo de desenvolvimento desses protocolos, é fundamental a participação multiprofissional para identificar fatores que possam comprometer o sucesso da decanulação, por meio de uma abordagem cuidadosa das etapas que antecedem esse procedimento(5,14).

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi desenvolver e validar o conteúdo de um protocolo de decanulação para crianças traqueostomizadas crônicas, acompanhadas em um hospital terciário no estado do Ceará, Brasil. Com base nesse recurso, espera-se fomentar os cuidados com o paciente traqueostomizado, com enfoque na decanulação segura, apoio à prática clínica e interação da equipe que assiste o paciente.

MÉTODOS

Estudo metodológico(15) realizado com base no Guia para a Construção de Protocolos Assistenciais do Conselho Regional de Enfermagem - COREN - SP(11). A pesquisa foi estruturada em quatro fases: (1) submissão do projeto ao comitê de ética em pesquisa; (2) revisão sistemática da literatura; (3) elaboração do protocolo clínico; (4) avaliação da qualidade das informações com especialistas. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Comitê de Ética do Hospital Infantil Albert Sabin, com o parecer favorável, conforme CAAE n° 44996621.7.0000.5042, de 07 de abril de 2021.

Para o desenvolvimento do protocolo, realizou-se uma revisão sistemática da literatura nas bases de dados eletrônicas MEDLINE/PubMed, via National Library of Medicine); Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), via with Full Text (EBSCO) e Embase (Elsevier). A pergunta problema foi elaborada com base na estratégia PICO: P (População) - crianças traqueostomizadas; I (Interesse) - métodos utilizados para a decanulação da traqueostomia; C (Comparação) - sem comparação e O (Outcomes) - decanulação da traqueostomia. A pergunta norteadora foi estruturada da seguinte forma: “Quais são os métodos utilizados para a decanulação da traqueostomia em crianças?”

Para os critérios de inclusão, foram considerados estudos primários que abordaram métodos de decanulação da traqueostomia em crianças com idade de 0 a 12 anos, sem determinação de idiomas e/ou tempo. Foram excluídos os estudos de revisão, editoriais e aqueles que não detalharam os métodos utilizados no processo da decanulação.

Como estratégia de busca, utilizaram-se palavras-chave e descritores em combinação com os booleanos AND e OR: 'tracheostomized child' OR children AND procedures OR methods AND 'tracheostomy decannulation' OR decannulation, e 'tracheostomized child' OR children OR infant AND procedures OR ’therapeutic approaches’ OR methods AND ’tracheostomy decannulation’ OR ’tracheostomy weaning’ OR decannulation. A busca foi realizada por acesso online, no período de junho a julho de 2021.

Avaliou-se o nível de evidências, o grau de recomendação(16) e o risco de viés por meio da ferramenta Critical Appraisal Checklist do Joanna Briggs Institute (JBI)(17). Ao final, as ações foram apresentadas em quadros e fluxograma(11). Para editoração, utilizou-se o programa Adobe Photoshop, 2021.

A avaliação da qualidade das informações foi realizada por meio do Appraisal of Guidelines for Research and Evalution (AGREE II), que possui seis domínios: domínio 1- escopo e finalidade; domínio 2- envolvimento das partes interessadas; domínio 3 - rigor do desenvolvimento; domínio 4 - clareza e apresentação; domínio 5 - aplicabilidade. O domínio 6, independência editorial, não foi contemplado, visto que não se aplica ao estudo, que não tem financiamento externo. Além de realizar uma avaliação global, o AGREE II tem por objetivo fornecer orientação metodológica para a elaboração de diretrizes e protocolos(18).

A ferramenta recomenda a participação de quatro especialistas para a avaliação da qualidade. Entretanto, participaram oito especialistas em pediatria de várias regiões do Brasil, nas áreas de medicina, fonoaudiologia, fisioterapia e enfermagem, selecionados por meio da amostragem snowball (19) e escolhidos conforme critérios preestabelecidos(20).

Os especialistas foram convidados a participar do estudo por meio de carta convite. Após o aceite, foi enviado o instrumento para a caracterização dos especialistas, a primeira versão do protocolo e o instrumento AGREE II com as devidas orientações para avaliação da qualidade, assim como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para assinatura.

A análise dos dados foi realizada por meio do cálculo da adequabilidade proposto pelo AGREE II(18). As respostas para cada item são apresentadas em uma escala tipo Likert que varia de 1 a 7(discordo totalmente a concordo totalmente)(18). A pontuação dos domínios deve ser calculada por meio da soma de todas as pontuações dos itens individuais em cada domínio, escalonando o total como uma porcentagem da pontuação máxima possível para o domínio(18). Por fim, o especialista realiza a avaliação global do protocolo e recomenda, ou não, a sua utilização(18). Considerou-se a adequabilidade do protocolo aceitável igual ou superior a 0,78%(19).

Tendo em vista os achados na literatura consultada, para início do processo de decanulação, a criança deverá apresentar a resolução ou melhoria da indicação inicial da traqueostomia; estabilidade clínica (ausência de infecções e sem anormalidades significativas na radiografia de tórax, ausência de assistência ventilatória); nível de oxigenação adequado (SPO2 > 92% em ar ambiente); via aérea pérvia (ausência de alterações obstrutivas anatômicas e funcionais) e ausência de distúrbio de deglutição importante (ausência de aspiração e de ineficiência no manejo das secreções com estagnação faríngea, avaliadas pelo profissional fonoaudiólogo)(4,6,9,12,21).

Evidências mostram que a abordagem multidisciplinar e o uso de protocolos levam à redução da morbimortalidade e abreviam o tempo para decanular(12). A atuação conjunta de médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, enfermeiros e outros profissionais melhora a qualidade e eficácia dos atendimentos(14). À vista disso, o protocolo aqui representado por um fluxograma oferece à equipe multidisciplinar a sequência das ações sobre o processo de decanulação.

RESULTADOS

Com base na revisão sistemática, foram identificados 21 artigos científicos, publicados entre 1990 e 2021. O ano que mais apresentou publicações foi 2016, com 5 pesquisas, seguido por 2017, com 4; entre 2020 e 2021 foram publicados 7 estudos. Vale ressaltar que não foi realizado corte temporal para os artigos, pois se buscou conhecer o período inicial de publicação dos primeiros artigos sobre o assunto. No que se refere ao país dos estudos, 19 pesquisas foram desenvolvidas no exterior e 2 realizadas no Brasil. Quanto ao nível de evidência e ao desenho dos estudos, prevaleceu o nível de evidência 2b, com abordagem observacional retrospectiva, e grau de recomendação B, 15 artigos (71,43%). Quanto ao risco de viés, 61,9% das pesquisas foram classificadas com baixo risco(22).

A partir dos estudos elencados na revisão sistemática, foram identificadas 5 recomendações para proceder à decanulação em crianças (Quadro 1), organizadas em um fluxograma (Figura 1).

Quadro 1
Recomendações para a decanulação da traqueostomia em crianças
Figura 1
Fluxograma do protocolo para o processo da decanulação da traqueostomia em crianças

Após sua finalização, o protocolo foi avaliado quanto à qualidade das informações por 8 especialistas em pediatria, nas áreas de otorrinolaringologia, medicina intensiva, pneumologia, fonoaudiologia, fisioterapia e enfermagem. Os especialistas tinham idade entre 35 e 63 anos, com tempo de formação variando entre 8 e 37 anos. Quanto aos títulos acadêmicos, 2 deles possuíam doutorado, 4 eram mestres e 2 possuíam titulação de especialização/residência na área de interesse. Sete possuíam experiência de ensino 6 deles com publicações e participação em grupos de pesquisa.

Quanto à avaliação da qualidade por meio do AGREE II, todos os domínios obtiveram concordância acima de 0,80%, com a pontuação de avaliação global de 93,75%. A adequabilidade dos domínios avaliados variou entre 81,94 e 95,83%, sendo o domínio 3, ’rigor no desenvolvimento’, o que obteve maior pontuação. Todos os especialistas recomendaram o uso do protocolo nos serviços de saúde (Quadro 2).

Quadro 2
Distribuição dos escores e adequabilidade do protocolo conforme os domínios do Appraisal of Guidelines Research & Evaluation (18)

As notas pontuadas abaixo de 6 para qualquer item foram acompanhadas de sugestões e questionamentos, dentre eles: descrever o teste de oclusão da cânula de traqueostomia; especificar os grupos de profissionais; caso haja presença de sinais clínicos, sem necessidade de recanulação, haverá acompanhamento ambulatorial; não haver referência ou relato de pesquisa com familiares ou cuidadores de crianças em uso de traqueostomia; incluir adolescentes. Todas as sugestões foram acatadas, exceto a inclusão de adolescentes, pois a via aérea deles é semelhante à do adulto e além de as indicações da traqueostomia, na maioria das vezes, serem diferentes das indicadas para crianças.

Por fim, o protocolo permite que todos os profissionais envolvidos conheçam o fluxo, oportunizando tratar as prováveis causas de falha, minimizando os riscos de recanulações, e facilitará a explanação do processo de decanulação para pais e/ou responsáveis, contribuindo para torná-los parte do processo.

DISCUSSÃO

A avaliação da anatomia e fisiologia da via aérea é fundamental para o alcance do retorno à respiração fisiológica. Diante disso, a primeira recomendação identificada nos estudos foi a avaliação endoscópica da anatomia e funcionalidade das vias aéreas, para confirmar a patência em todos os níveis, ou seja, ausência de qualquer obstrução nas vias aéreas(2,7,23,24).

Nos anos 1990, pesquisadores já abordavam a obrigatoriedade dessa avaliação antes de proceder com a retirada da cânula de traqueostomia em crianças(23). As recomendações nacionais da Academia Brasileira de Otorrinolaringologia Pediátrica (ABOPe) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) (2017) trazem como contraindicação para a decanulação nesse público a ausência de uma avaliação endoscópica das vias aéreas(2).

Em estudo realizado na Nova Zelândia, observou-se a realização de laringobroncoscopia antes de proceder com a decanulação, principalmente nos casos em que a indicação da traqueostomia tenha sido de ordem neurológica(7).

A maioria dos participantes de uma pesquisa com especialistas na área (92,3%) concordou com a realização do exame endoscópico das vias aéreas antes de proceder com a decanulação(24). Uma via aérea com integridade anatômica e funcional é fundamental para a consecução da libertação de uma via aérea alternativa. O exame endoscópico permite, ainda, avaliar a funcionalidade da laringe, assim como também a função de deglutição(9).

Problemas de deglutição são comuns em crianças com traqueostomia, existindo um alto risco de comprometimento na fase faríngea, com grande probabilidade de aspiração laringotraqueal. A natureza e o grau da disfagia interferem na prontidão da decanulação. Reflexo de tosse eficiente, manejo autônomo das secreções, ausência de estagnação salivar ou secreção em região faríngea, sialorreia leve ou ausente e deglutição eficiente fazem parte dos pré-requisitos que determinam a elegibilidade do paciente para a retirada da traqueostomia(4,6,9,21).

A avaliação da deglutição durante o processo da decanulação foi a etapa mais citada em um estudo, que apontou a importância do fonoaudiólogo. A participação dos profissionais médicos e fonoaudiólogos foi a mais mencionada, com 70,8% e 66,6%, respectivamente, com relevância, também, da participação de fisioterapeutas e enfermeiros(14).

Cada especialidade atua na sua área de expertise, cabendo à equipe médica o diagnóstico e tratamento das patologias obstrutivas da via aérea, avaliação das condições clínicas gerais do paciente e definir, junto com os demais profissionais envolvidos, se há possibilidade e qual o melhor momento para se tentar a decanulação(14).

A segunda recomendação proposta foi o tamponamento da cânula de traqueostomia. Quando o paciente não é mais dependente de ventilação e o cuff é mantido totalmente desinsuflado, a via aérea superior pode ser verificada de modo não invasivo quanto a sua permeabilidade.

Alguns protocolos(2,9,13) utilizam o método de redução do calibre da cânula associado à oclusão. Contudo, devido ao tamanho de pequeno calibre da via aérea de crianças, dependendo da sua idade e tamanho, essa ação de reduzir o diâmetro e depois ocluir pode não ser possível, ou não fornecer uma proporção adequada das vias aéreas para o lúmen da traqueostomia(24). Assim, a preferência ao método de apenas tamponar foi uma recomendação observada nas pesquisas analisadas.

Ao aplicar o método de tamponamento, a observação do padrão respiratório é primordial e determinante na conduta de seguir com o processo de retirada da cânula. A presença de sintomas respiratórios apresenta um alto risco de falha na decanulação. Esses sintomas podem ser mais observados na população pediátrica, quando comparadas à de adultos, devido à dificuldade na comunicação com esse público. Logo, a observação atenta ao paciente, a monitoração do padrão respiratório e a comunicação entre a equipe e a família são fundamentais(25).

Nessa fase, pode ser realizada a oclusão com dedo enluvado, válvula de fala e de deglutição ou êmbolo de seringa/tampa(14), além de fita adesiva impermeável(4). A válvula de fala e de deglutição é um dispositivo que reestabelece a pressão subglótica, permitindo maior fluxo sobre as pregas vocais, facilitando a fonação e a melhora da habilidade de deglutição(2,12).

Em uma coorte retrospectiva(6), os pacientes que toleraram o teste de tamponamento iniciaram com válvula de fala e de deglutição, com posterior obstrução total da cânula com tampas de traqueostomias. Foi considerado limite de sucesso a oclusão diurna por, aproximadamente, um mês e a manutenção do padrão respiratório adequado.

Os testes de tamponamento costumam ser iniciados por um breve período, entre cinco e dez minutos, e aumentados gradualmente até que a oclusão total diurna seja alcançada mantendo padrão respiratório adequado(2,12,14). Ressalta-se que na literatura consultada não há dados específicos sobre escala de progresso de tempo de tamponamento para a população estudada.

De acordo com o Consenso Clínico Americano de Cuidados com a Traqueostomia(12), Academia Brasileira de Otorrinolaringologia Pediátrica (ABOPe) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)(2), a criança deve passar por um período de teste de limitação diurna por várias semanas, porém, recomendam a oclusão noturna apenas em ambiente hospitalar e com monitoramento do padrão respiratório.

Dentre os métodos utilizados para o monitoramento do padrão respiratório, encontra-se a oximetria transcutânea ou oximetria de pulso, facilmente disponível e preciso, que quantifica a saturação de oxigênio (spO2), detecta eventos de dessaturações e episódios de apneia /hipopneia(21) considerados na literatura como preditores para uma decanulação de sucesso(13). Esse método foi a terceira recomendação proposta no protocolo.

Estudo observacional(26) utilizou o índice de dessaturação obtido pela oximetria de pulso noturna para prever a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), comum em crianças com traqueostomia, e apontou que esse índice teve forte correlação com o índice de apneia/hipopneia (IAH), sendo um bom preditor de SAOS em crianças.

A etiologia da SAOS é de caráter multifatorial, com fatores anatômicos e funcionais, como a obstrução nasal severa, más-formações craniofaciais, hipertrofia do tecido linfático e doenças neuromusculares(27), condições comumente presentes em crianças traqueostomizadas.

Outra recomendação identificada nos estudos analisados foi a realização do exame de polissonografia, devido à sua capacidade de fornecer dados quantitativos sobre a fisiologia das vias aéreas superiores durante o sono(13,27). Entretanto, o alto custo, a necessidade de técnicas especializadas e a disponibilidade nos serviços não favorece a utilização desse método de modo uniforme. Diante disso, essa recomendação foi incluída no protocolo, mas deve ser considerada a depender da complexidade clínica e estrutural do paciente, presença de sinais de desconforto respiratórios durante a monitoração da oclusão noturna pela oximetria de pulso(21,24).

Para os membros do Internacional Pediatric Otolaryngology Group, a polissonografia deve ser obtida principalmente em pacientes com comorbidades que aumentam a probabilidade de apneia central do sono e/ou obstrutiva na ausência da traqueostomia(24). A patência das vias aéreas superiores é mantida pelo tônus da faringe, que sofre um relaxamento muscular significativo durante o sono, sobretudo na fase REM (Rapid Eyes Movement), podendo causar comprometimento na passagem do fluxo aéreo em múltiplos níveis das vias aéreas(13).

Por fim, a quinta recomendação refere-se ao tempo de observação do paciente internado após a decanulação: a literatura mostra uma variação entre 24 e 48 horas(6,24,28).

De acordo com o Internacional Pediatric Otolaryngology Group, 53,85% dos especialistas na área informaram que o tempo médio de internação após a decanulação é de 24 a 48 horas; 30,8% relataram de três a cinco dias e 11,5%, de 0 a 23 horas(24).

Estudo conduzido para determinar o intervalo apropriado de observação de pacientes internados após a decanulação concluiu que o risco de insucesso após a retirada da cânula ocorre nas primeiras 12 horas. Logo, em casos do paciente assintomático, até 24 horas de observação no hospital são suficientes(28). Autores(6) trazem, ainda, que essa observação pode acontecer fora de um ambiente de UTI e que esse período de 24 horas não é padrão para todos os pacientes.

Quanto à avaliação da qualidade metodológica do protocolo clínico, na presente pesquisa participaram profissionais de diversas especialidades, com expertise e experiência no assunto. Assim, a variedade e qualidade dos saberes proporcionaram uma avaliação abrangente, com sugestões que contribuíram para a melhoria da qualidade do protocolo. O percentual de adequabilidade alcançado em todos os domínios obteve uma pontuação acima do que a literatura recomenda(29).

O domínio sobre o rigor do desenvolvimento obteve o maior percentual na avaliação de qualidade. Estudo que investigou o quanto os itens do AGREE II influenciam as avaliações gerais, qualidade geral e recomendação de uso, refere que o domínio 3 (rigor do desenvolvimento) é considerado o indicador mais forte de qualidade. Uma pontuação alta para este domínio indica viés mínimo e desenvolvimento de diretrizes com base em evidências(30).

Os domínios avaliados na presente pesquisa apresentaram percentuais de adequabilidade variando entre 81,94% e 95,83%, acima dos encontrados na literatura. Um protocolo clínico para diabetes mellitus apresentou baixa qualidade, com percentuais dos domínios variando de 27% a 66,7%(30). Outro, direcionado à prevenção do câncer do colo do útero, obteve resultados entre 76,3% e 87,5% e, diferentemente do primeiro, foi classificado como de boa qualidade, alcançando índices de pontuação superiores ao mínimo exigido de 75%(29).

Por fim, como limitação do estudo, evidencia-se a qualidade dos estudos incluídos no protocolo, limitando-se a séries de casos, revisões retrospectivas e opiniões de especialistas. Destaca-se que o processo de validação do protocolo iniciou-se com este estudo, tornando-se essencial pesquisas futuras com delineamentos randomizados nessa população, com o intuito de garantir a segurança clínica do seu uso.

CONCLUSÃO

Evidenciou-se a validade de conteúdo do protocolo de decanulação para crianças traqueostomizadas crônicas, com um percentual final de 93,75% de adequabilidade. O processo de decanulação da traqueostomia deve ser gradativo, progressivo e controlado, com participação de equipe multiprofissional, de forma que possa ser realizado com segurança.

Recomenda-se a realização de estudos posteriores para avaliar o impacto do uso do protocolo na assistência a crianças traqueostomizadas crônicas (0 a 12 anos) e o seu custo-efetividade nos serviços de saúde.

  • Trabalho realizado no Programa de Mestrado Profissional em Saúde da Criança e do Adolescente, Universidade Estadual do Ceará - UECE - Fortaleza (CE), Brasil.
  • Financiamento: Nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2022
  • Aceito
    06 Jun 2023
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