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(Re)discutindo o estatuto informacional das anáforas encapsuladoras: para além da classificação dado e novo

(Re)discussing the informational status of encapsulating anaphoras: Beyond the given and new classification

RESUMO

Este artigo apresenta um estudo a respeito do uso de anáforas encapsuladoras em entrevistas publicadas em revistas. Seu principal objetivo é (re)discutir o estatuto informacional das anáforas encapsuladoras para além da classificação dado e novo apresentada nos trabalhos sobre o tema. Para isso, utiliza pressupostos teóricos da Linguística do Texto e da Linguística Funcionalista Norte-americana, procurando, assim, contribuir para o melhor entendimento do uso de recursos linguísticos relacionados ao tema da Referenciação. Analiticamente, adota uma perspectiva quali-quantitativa, levando em conta o grau de novidade das anáforas encapsuladoras e a sua relação com o tamanho das anáforas e com sua posição na oração.

Palavras-chave:
Referenciação; anáforas encapsuladoras; entrevistas

ABSTRACT

This paper presents a study about the use of anaphoric encapsulation in interviews published in Brazilian magazines. Its main objective is to review the informational status of anaphoric encapsulation beyond the traditional given and new classification. For this, this research uses theoretical assumptions from Text Linguistics and North American Functional Linguistics, thus contributing to a better understanding of the use of some linguistic resources related to the theme of Reference. Methodologically, it adopts a quali-quantitative perspective, taking into account the degree of novelty of the encapsulatings and the relationship between the degree of novelty, the size of the anaphora and their position in the clause.

Keywords:
Reference; anaphoric encapsulation; interviews

Introdução

Na1 1 Este artigo apresenta parte das discussões feitas em Castanheira (2020). literatura sobre informatividade, autores como Chafe (1976CHAFE, Wallace. Givenness, Contrastiveness definiteness, subjects topics and point of view. In: LI, C. (ed.). Subject and topic. New York: Academic Press, 1976. p. 25-55.; 1984CHAFE, Wallace. Cognitive constraints on information flow. In: TOMLIN, R. (ed.) Coherence and grounding in discourse. Amsterdam: John Benjamins, 1984. p. 21-51.) e Prince (1981PRINCE, Ellen. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, P. (org.). Radical pragmatics. New York: Academic Press , 1981. p. 223-55.; 1992PRINCE, Ellen. The ZPG letter: subjects, definiteness and information-status. In: MANN, W.C.; THOMPSON, S. A. (org.). Discourse description. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 1992. p. 295-325.) defendem a existência de diferentes estatutos informacionais para o referente. Em relação às anáforas encapsuladoras, Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.) define-as como expressões morfossintaticamente expressas por Sintagmas Nominais (SNs), funcionalmente caracterizadas por seu papel resumitivo e por veicularem informações novas. No entanto, posteriormente, outros autores, como Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ) e Llamas (2010LLAMAS, Carmen. Interpretación del discurso ajeno: la anáfora conceptual metafórica en la noticia periodística. Revista de Investigación Lingüística, n. 13, p. 107-126, 2010.), defenderam que esses elementos veiculam informações dadas.

Diante dessas diferentes perspectivas, este artigo tem como objetivo (re)discutir o estatuto informacional das anáforas encapsuladoras para além da classificação dado e novo apresentada nos trabalhos sobre o tema. Para isso, revisitamos os estudos sobre encapsulamentos desenvolvidos na Linguística do Texto (LT), associando-os com os postulados funcionalistas sobre informatividade e sobre o estabelecimento de categorias não discretas, ou seja, distribuídas em continua categoriais.

Um exemplo de encapsulamento anafórico analisado neste artigo está em (1), em que “isso” remete à fala do ex-presidente, informação previamente apresentada no texto:

(1)2 2 Os exemplos foram formatados com espaçamento simples e colocados em caixas de texto.

Certa vez, o ex-presidente Itamar Franco foi fazer uma visita à Volkswagen e disse: “Adoro Fusca. Por que vocês não refazem o Fusca?”. Isso3 3 Destacamos em negrito as anáforas encapsuladoras. foi uma piada. O Collor foi eleito dizendo que os carros brasileiros eram carroças. Aí, o Itamar assume o lugar do Collor e pede o Fusca, um carro mais básico. Naquela reunião, o representante da Fiat disse: “O Fusca é uma ideia. Mas por que não há uma política que permita a produção em massa de carros de baixo preço focados no público de baixa renda, para melhorar a frota de automóveis no Brasil?”. (Entrevista “A sombra e a luz” - Revista Veja).

Metodologicamente, trabalhamos com uma amostra composta por 24 entrevistas publicadas nos anos de 2018 e 2019 em duas revistas de grande circulação no Brasil: Exame e Veja. Diante desses textos, foram coletadas e analisadas todas as anáforas encapsuladoras encontradas, totalizando 182 dados. Recorremos tanto à análise qualitativa de cada um dos dados, como a sua distribuição em fatores passíveis de serem explorados quantitativamente.

Como aporte teórico, adotamos a proposta de interface que alia a LT e o Funcionalismo norte-americano na análise da referenciação. Nessa perspectiva, são estudados os usos linguísticos por meio de uma abordagem sociocognitiva e interacional na qual são investigadas as motivações discursivas para constituição gramatical da língua por meio da simbiose discurso e gramática.

Diante de nosso objetivo e de nossos postulados teórico-metodológicos, nossas hipóteses de pesquisa são:

(i) as anáforas encapsuladoras podem ser analisadas de forma gradual, indo além da classificação dado e novo;

(ii) os encapsulamentos anafóricos tendem a apresentar referentes com maior grau de novidade em SNs maiores, devido ao princípio funcionalista da iconicidade;

(iii) os encapsuladores tendem a ocorrer em posição inicial da oração quando veiculam informações com menor grau de novidade (cf. BORREGUERO, 2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ).

Este artigo, além da introdução, apresenta uma seção que traz os pressupostos teóricos utilizados, sobretudo no que se refere ao tema Referenciação; uma seção com a descrição dos procedimentos metodológicos; uma com os resultados da análise, em que testamos as hipóteses apresentadas nesta Introdução; e, por fim, as considerações finais e as referências. Com este artigo, pretendemos divulgar os resultados de uma análise que traz contribuições tanto para o melhor entendimento do uso de anáforas encapsuladoras em particular, como para a melhor compreensão da organização textual de forma ampla.

Referenciação: questões textuais e funcionais

Segundo Koch (2008KOCH, Ingedore. Como se constroem e reconstroem os objetos do discurso. Investigações, v. 21, n. 2, p. 99-114, 2008. ) e Cavalcante (2015CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Referenciação: uma entrevista com Mônica Magalhães Cavalcante. Revista de Estudos da Linguagem, v. 13, n. 25, p. 367-380, 2015.), a referenciação é um fenômeno sociocognitivo e interacional de ativação e reativação de objetos de discurso e, para estudá-lo, podem ser adotados múltiplos vieses como fundamentação teórico-metodológica. Atualmente, esse processo tem sido muito discutido pelo debate das estratégias de referenciação e do seu papel na construção dos sentidos do texto, bem como a partir da análise informacional dos elementos referenciais (cf. ANDRADE, 2019ANDRADE, Fernanda. Referenciação e humor em crônicas de Luis Fernando Verissimo. 2019. 103 f. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa)) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.; SEARA; SANTOS, 2019SEARA, Isabel.; SANTOS, Leonor Werneck dos. Linguagem e poder nas mídias brasileira e portuguesa. Diacrítica, v. 33, n. 3, p. 122-137, 2019.; CASTANHEIRA; MENDANHA, 2021CASTANHEIRA, Dennis; MENDANHA, Marcele. Encapsulating anaphors in written interviews published online. Revista de Estudos da Linguagem (Falange Miúda), v. 6, n. 1, p. 213-227, 2021.).

De acordo com Mondada e Dubois (1995MONDADA, Lorenza; DUBOIS, Danièle. Construction des objets de discours et catégorisation: une approche des processus de référenciation. TRANEL (Travaux Neuchâtelois de Linquistique), v. 23, p. 273-302, 1995. ), para o tratamento da referenciação como uma questão discursiva, é preciso considerar a relação entre o texto e o entorno comunicativo, assumindo o contexto como um fator determinante no processo referencial. Nessa visão, conforme Cavalcante e Santos (2012CAVALCANTE, Mônica Magalhães; SANTOS, Leonor Werneck dos. Referenciação e conhecimento partilhado. Linguagem em (Dis)curso (Online), v. 12, n. 3, p. 657-681, 2012.), os referentes são tidos como construções mentais de entidades textuais, e as suas representações estruturais são denominadas expressões referenciais. Nessa perspectiva, não pode ser considerado um sujeito abstrato e ideal, pois é preciso focalizar a construção cognitiva de forma intersubjetiva por meio de constantes negociações e modificações.

Tal perspectiva só é possível pelas contribuições “de outras correntes teóricas (como a pragmática, a fenomenologia, a teoria social, o interacionismo simbólico) [e] da abertura contemporânea da Linguística aos dados empíricos” (MONDADA, 2005MONDADA, Lorenza. A referência como trabalho interativo: a construção da visibilidade do detalhe anatômico durante uma operação cirúrgica. Traduzido por Ingedore Koch. In: KOCH, I. V; MORATO, E. M.; BENTES, A. C. Referenciação e discurso. São Paulo: Contexto , 2005. p. 11-26. , p. 11). Essa abordagem, segundo a autora, está ligada a uma visão originada em reflexões das ciências humanas e sociais, relacionada à referência como um estudo dinâmico e intersubjetivo, estabelecido pela interação entre interlocutores e suscetível a transformações no processamento discursivo. Assim, a referenciação é vista atualmente como um processo de (re)elaboração da realidade.

Dessa forma, as expressões referenciais não são objetivas e imutáveis, tendo em vista que, ao estabelecer alguma escolha linguística, o enunciador apresenta um posicionamento discursivo, o que envolve, diretamente, as características dos interlocutores e as suas intenções. Portanto, a cada processo de retomada, o referente é (re)categorizado a partir de novas acepções sociocognitivas, podendo, inclusive, ser (re)elaborado e (re)interpretado diversas vezes em um mesmo texto.

Assim, a referenciação também envolve uma negociação discursiva, pois, no processo de construção de sentido, os sujeitos são participantes ativos, podendo, inclusive, modificar o desenrolar das ações, visto que o processo de construção referencial é uma atividade intersubjetiva e socialmente partilhada com os interlocutores (cf. CAVALCANTE; CUSTÓDIO FILHO; BRITO, 2014CAVALCANTE, Mônica Magalhães; CUSTÓDIO FILHO, Valdinar.; BRITO, Mariza Angélica. Coerência, referenciação e ensino. São Paulo: Cortez, 2014.; MORAIS, 2017MORAIS, Margareth. Referenciação em campo: a construção de sentidos na notícia esportiva. 2017. 181 f. Tese (Doutorado em Letras Vernáculas) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017. ). Nesse sentido, o enunciador elabora seu discurso para que seja considerado pertinente e coerente, e os referentes são construídos a partir das intenções comunicativas e das projeções da audiência.

Nessa perspectiva, o estudo da referenciação engloba a instabilidade do real, a negociação dos interlocutores e a natureza sociocognitiva da referência. Dessa forma, é necessária “a mobilização de uma série de recursos linguísticos (as expressões referenciais (…) que, todavia, não esgotam por si mesmas o processo referencial. (…) [pois] é no interior de sua organização (…) que os recursos são utilizados e explorados pelos locutores” (MONDADA, 2005MONDADA, Lorenza. A referência como trabalho interativo: a construção da visibilidade do detalhe anatômico durante uma operação cirúrgica. Traduzido por Ingedore Koch. In: KOCH, I. V; MORATO, E. M.; BENTES, A. C. Referenciação e discurso. São Paulo: Contexto , 2005. p. 11-26. , p. 25). Desse modo, a referenciação pode ser definida como um complexo processo de ativação e reativação de objetos de discurso, que não são significados ou formas, embora carreguem traços de significação e sejam realizados em expressões referenciais, mas realidades abstratas e imateriais, entidades coconstruídas sociocognitivamente e inseridas em determinado contexto histórico mais amplo.

Diante disso, a referenciação não é apenas a simples representação dos referentes, mas aquilo que é designado quando é utilizada a língua a partir da combinação de diversas questões culturais e cognitivas. Devido a isso, na visão da LT, o real é fabricado “por toda uma rede de estereótipos culturais, que condicionam a própria percepção e que, por sua vez, são garantidos e reforçados pela linguagem” (KOCH, 2015KOCH, Ingedore. Introdução à Linguística Textual: trajetória e grandes temas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2015 [2004]. [2004KOCH, Ingedore. Introdução à Linguística Textual: trajetória e grandes temas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2015 [2004]. ], p. 59). A referenciação, então, é um entrecruzamento de aspectos linguísticos, sociais e mentais negociados constantemente no processo interacional.

Segundo Corblin (1985CORBLIN, Francis. Revue québécoise de linguistique. Erudit, v. 15, n. 1, p. 173-195, 1985.), ela pode ser estudada a partir de diferentes pontos de vista investigativos, como as teorias do texto e as correntes formalistas. De acordo com Marcuschi (2005MARCUSCHI, Luiz Antônio. Anáfora Indireta: o barco textual e suas âncoras. In: KOCH, Ingedore; MORATO, Edwiges;), na retórica clássica, esse conceito estava ligado à repetição de um termo ou sintagma no início de uma frase, mas, atualmente, para a LT, ele se afastou da acepção original, representando expressões que se ligam a outras. Podemos dizer, de forma geral, que as anáforas estão relacionadas à continuidade referencial, ligando-se a um objeto de discurso a partir de expressões referenciais (cf. FRANCIS, 1994FRANCIS, Gil. Labelling discourse: an aspect of nominal-group lexical cohesion. In: COULTHARD, M. Advances in written analysis. London and New York: Ed. Routledge, 1994. p. 83-101.; CONTE, 1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.; CAVALCANTE; CUSTÓDIO FILHO; BRITO, 2014CAVALCANTE, Mônica Magalhães; CUSTÓDIO FILHO, Valdinar.; BRITO, Mariza Angélica. Coerência, referenciação e ensino. São Paulo: Cortez, 2014.).

García (1997GARCÍA, María Dolores Vivendo. La anáfora desde una perspectiva textual. Thélème. Revista Complutense de Estudios Franceses, Madrid, n. 12, p. 533-544, 1997.) defende que, em uma perspectiva discursiva, o conceito de antecedente, tradicionalmente ligado ao processo anafórico, passou a ser visto como insuficiente, pois agora envolve a análise das informações disponíveis, do saber compartilhado e dos elementos co(n)textuais envolvidos”. Por isso, na perspectiva atual da referenciação, as anáforas podem se referir a algo que já foi ou ainda será dito.

O conceito de anáforas encapsuladoras foi introduzido por Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.), que defende que elas podem ser definidas como um recurso de coesão que, morfossintaticamente, é lexicalizado por meio de Sintagmas Nominais (SNs). Na visão da autora, os encapsulamentos funcionam como uma paráfrase resumitiva de um segmento textual com extensão e complexidade variada, resumindo uma sentença, um trecho, um parágrafo ou todo o dito a partir de um “jogo” de implícitos.

De acordo com Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.), elas são diferentes das demais anáforas, pois constituem entidades discursivas ou atos enunciativos e não apresentam um referente claramente delimitável no texto, devendo, inclusive, ser (re)construído no processo interacional de leitura. Assim, esses elementos podem ser considerados anáforas pragmáticas, com extensão variável, que resumem porções contextuais e, portanto, englobam informações do cotexto e do conhecimento enciclopédico.

Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.) defende, ainda, que as anáforas encapsuladoras são expressões novas, com alto grau de integração semântica e teor avaliativo. A autora reconhece que, embora esse conceito já tenha sido explorado de alguma forma anteriormente, ainda há um grande caminho a ser percorrido em sua análise, o que discutiremos ao longo desta investigação.

Na mesma perspectiva de Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.), Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ) defende que os encapsulamentos são SNs, com posição sintática inicial e papel resumitivo. Contudo, Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ) apresenta uma proposta diferente em relação ao caráter unicamente retrospectivo do encapsulamento e ao status informacional desses SNs, já que defende que eles são elementos dados e que não trazem informações novas. Aqui, analisaremos esses status a partir de uma proposta não discreta por meio de um continuum, pois defendemos que esse caráter pode não ser categórico e que tem relação com a estrutura do SN.

Acerca da questão informacional, Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ) também defende que, nos textos analisados em sua pesquisa, é possível observar a tendência à posição inicial da oração, o que, para a autora, pode ter uma explicação cognitiva, tendo em vista que ela aponta que elementos dados e, portanto, compartilhados pelos interlocutores, sempre estarão em ordenação inicial. Posteriormente, a autora faz uma ressalva acerca de seu postulado, ponderando que, muitas vezes, o elemento da posição inicial é (supostamente) partilhado, mas que, em outros momentos, um elemento novo pode ocorrer no início da oração para marcar um elemento ou surpreender o interlocutor. Reiteramos, contudo, que algumas pesquisas já provaram que a relação entre posição e status informacional nem sempre é categórica, embora efetivamente seja uma tendência sintático-discursiva os referentes dados ocorrem no início da oração.

Llamas (2010LLAMAS, Carmen. Interpretación del discurso ajeno: la anáfora conceptual metafórica en la noticia periodística. Revista de Investigación Lingüística, n. 13, p. 107-126, 2010.) denomina o encapsulamento como anáfora conceptual, caracterizando-a como um SN definido de significado pleno e natureza sintetizadora que apresenta parte/ todo o conteúdo de um outro discurso. Além disso, Llamas (2010LLAMAS, Carmen. Interpretación del discurso ajeno: la anáfora conceptual metafórica en la noticia periodística. Revista de Investigación Lingüística, n. 13, p. 107-126, 2010.) defende, da mesma forma que Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ), que os SNs com função encapsuladora apresentam conteúdo dado, visto que geralmente resumem o que já foi dito.

Llamas (2010LLAMAS, Carmen. Interpretación del discurso ajeno: la anáfora conceptual metafórica en la noticia periodística. Revista de Investigación Lingüística, n. 13, p. 107-126, 2010.) também aponta que a análise das anáforas conceptuais é complexa, pois envolve muitas questões, tendo em vista que seus usos assumem um caráter eminentemente metafórico. De acordo com o autor, seu caráter valorativo permite caracterizações a partir de um ponto de vista marcado por um enunciador que se posiciona, o que tende a prejudicar a objetividade do texto. Llamas (2010LLAMAS, Carmen. Interpretación del discurso ajeno: la anáfora conceptual metafórica en la noticia periodística. Revista de Investigación Lingüística, n. 13, p. 107-126, 2010.) atesta, ainda, que essa atividade pode envolver um processo de manipulação discursiva, auxiliando na construção argumentativa a partir de leituras implícitas.

Para Samaniego (2013SAMANIEGO, Anna López. Las etiquetas discursivas: del mantenimiento a la construcción del referente. ELUA, v. 27, n. 27, p. 167-197, 2013.), os encapsulamentos, denominados pela autora como etiquetas discursivas, envolvem a elaboração e a redefinição da coesão anafórica pelo segmento discursivo a que elas se referem. Segundo a autora, não há a mesma propriedade correferencial nesses elementos do que tradicionalmente se denomina como anáfora, o que levou muitos autores a não denominarem tal fenômeno dessa forma. Samaniego (2013SAMANIEGO, Anna López. Las etiquetas discursivas: del mantenimiento a la construcción del referente. ELUA, v. 27, n. 27, p. 167-197, 2013.) defende que tais elementos categorizam ou conceptualizam o discurso, condensando em um SN um conteúdo altamente complexo que pode envolver (um conjunto de) ações.

Ponderamos, contudo, que, desde Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.), o conceito de anáfora encapsuladora passou a ser expandido e, por isso, não envolve necessariamente o conteúdo já expresso, mas também o que ainda será dito. Dessa forma, o nome anáfora refere-se ao processo de interseção discursiva sem envolver precisamente antecedentes bem definidos ou correferência. Defendemos que os encapsulamentos estão em um continuum de correferencialidade com outros processos anafóricos, já que, efetivamente, são menos correferenciais do que o conceito consagrado de anáfora, mas ainda apresentam tal característica.

Pecorari (2014PECORARI, Filippo. Anaphoric encapsulation and presupposition: persuasive and stereotypical uses of a cohesive strategy. Cadernos de Letras da UFF, v. 24, n. 49, p. 175-195, 2014. ; 2015PECORARI, Filippo. Incapsulatori anaforici e discorso riportato nell’italiano giornalistico: sfruttamenti coesivi della dimensione enunciativa. Publié dans Bulletin VALS-ASLA, n. spe., tome 1, p. 227-244, 2015.), da mesma forma que Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.), postula que os encapsulamentos pertencem ao campo das anáforas. No entanto, para o autor, apesar de tal enquadramento referencial, elas adicionam informações ao universo discursivo, sem limitar seu papel coesivo no texto. Além disso, devido às suas muitas propriedades, elas formam novos blocos de significação com diversos valores pragmáticos. Tal visão opõe o autor aos postulados de Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ) e Llamas (2010LLAMAS, Carmen. Interpretación del discurso ajeno: la anáfora conceptual metafórica en la noticia periodística. Revista de Investigación Lingüística, n. 13, p. 107-126, 2010.), segundo os quais, elas são referentes dados.

Pecorari (2014PECORARI, Filippo. Anaphoric encapsulation and presupposition: persuasive and stereotypical uses of a cohesive strategy. Cadernos de Letras da UFF, v. 24, n. 49, p. 175-195, 2014. ) acrescenta que as anáforas encapsuladoras podem, morfossintaticamente, ter base lexical ou pronominal e capacidade resumitiva. O autor também ressalta a importância da relação dos encapsulamentos e dos conteúdos implícitos, indo além da construção do significado e dos explícitos. Dessa forma, as anáforas encapsuladoras, na visão do autor, são resultados do entrecruzamento de um jogo do dito e do não dito.

É preciso pontuar, contudo, que Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ) e Llamas (2010LLAMAS, Carmen. Interpretación del discurso ajeno: la anáfora conceptual metafórica en la noticia periodística. Revista de Investigación Lingüística, n. 13, p. 107-126, 2010.) definem os encapsulamentos como elementos que remetem a informações precedentes, excluindo, portanto, as anáforas prospectivas. Além disso, ressaltamos que os postulados de Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.), Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ) e Llamas (2010LLAMAS, Carmen. Interpretación del discurso ajeno: la anáfora conceptual metafórica en la noticia periodística. Revista de Investigación Lingüística, n. 13, p. 107-126, 2010.) partem da análise empírica de dados, mas não envolvem a sistematização quantitativa de tal discussão. Com isso, tais visões podem ser observadas em alguns exemplos trazidos pelos autores, porém, diante de tais opções metodológicas, não é possível saber o que é mais usado e, portanto, quais seriam os usos prototípicos de tais elementos em relação à informação expressa.

Dessa forma, podemos dizer que os encapsulamentos são elementos que se lexicalizam como SNs no início da oração e que veiculam, para alguns autores, informações novas e, para outros, informações dadas. Assim, funcionalmente, também apresentam caráter resumitivo e organizacional, exercendo importante papel coesivo a partir de núcleos nominais ou pronominais e forte caráter axiológico, atuando retrospectiva ou prospectivamente no texto.

Além disso, todas as discussões estabelecidas pela LT podem ser relacionadas aos postulados de outras teorias, visto que, conforme defende Cavalcante (2015CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Referenciação: uma entrevista com Mônica Magalhães Cavalcante. Revista de Estudos da Linguagem, v. 13, n. 25, p. 367-380, 2015., p. 374), “podemos recorrer (...) a descrições funcionalistas (…) [pois] não podemos (...) sustentar que os processos de referenciação constituem um fenômeno sociocognitivo e discursivo sem invocar o auxílio das abordagens discursivas do texto”. Dessa forma, a LT pode recorrer a análises funcionalistas para mapear padrões de uso e traçar regularidades linguísticas ligadas ao estudo da referência.

Um dos princípios basilares do Funcionalismo Norte-americano é a informatividade. Segundo Cunha, Costa e Cezario (2003CUNHA, M. A. F.; COSTA, M. A.; CEZARIO, M. M. Pressupostos teóricos fundamentais. In: CUNHA, M. A. F.; OLIVEIRA, M. R.; MARTELOTTA, M. E. (org.) Linguística Funcional: teoria e prática. São Paulo: DP&A, 2003. p. 29-55.), esse conceito, estudado desde a Escola de Praga, está ligado às informações que os interlocutores compartilham ou supõem que compartilham durante o ato comunicativo. Os autores apontam que, tradicionalmente, os estudos sobre a informatividade reduziam-se à dicotomia tema (informação velha) e rema (informação nova), geralmente atrelados, respectivamente, ao sujeito e ao predicado.

No entanto, posteriormente, Prince (1981PRINCE, Ellen. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, P. (org.). Radical pragmatics. New York: Academic Press , 1981. p. 223-55.; 1992PRINCE, Ellen. The ZPG letter: subjects, definiteness and information-status. In: MANN, W.C.; THOMPSON, S. A. (org.). Discourse description. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 1992. p. 295-325.) aponta a necessidade de refinar o estudo do status informacional, levando em conta questões cognitivas. Nessa nova proposta, os referentes são classificados em novo, evocado ou inferível. Os novos são aqueles introduzidos pela primeira vez no discurso, podendo ser classificados como novos em folha, se inteiramente novos, ou disponíveis, se já estão na mente do interlocutor. Os referentes evocados são os que já foram apresentados, podendo, inclusive, estar disponíveis na situação de fala - nesse caso, seriam situacionalmente evocados. Já os referentes inferíveis são aqueles que podem ser identificados a partir de outras entidades já contidas no texto.

Acreditamos que a proposta de Prince (1981PRINCE, Ellen. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, P. (org.). Radical pragmatics. New York: Academic Press , 1981. p. 223-55.) possa ser relacionada aos processos de referenciação categorizados pela LT, visto que tais textos utilizam postulados funcionalistas sobre informatividade em seus trabalhos. Dessa forma, recorremos a este princípio para que possamos traçar os pontos de contato entre tais postulados e os estudos de referenciação, bem como para que tenhamos a possibilidade de testar o postulado de Givón (1990GIVÓN, Talmy. Syntax: a functional-typological introduction. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 1990. ) de que, quanto maior for a previsibilidade da informação, menor será a quantidade de material linguístico utilizado.

Essa ideia está ligada ao princípio da iconicidade, que pode ser definido como a correlação natural entre forma e função. Inicialmente, tal princípio foi apresentado de forma radical a partir de uma relação isomórfica de um para um entre essas duas propriedades e, por isso, acreditava-se que cada forma teria uma função, não havendo sobreposição de variantes.

No entanto, posteriormente, tal postulado foi relativizado, sobretudo pela consideração dos estudos de variação e pela perda da motivação sob um ponto de vista sincrônico. Mesmo assim, a iconicidade foi mantida como uma das questões centrais da perspectiva funcionalista, já que é mantida a ideia de que as formas são motivadas por questões discursivas e cognitivas. Nessa perspectiva, a estrutura linguística reflete as experiências cognitivas e as propriedades de conceptualização do mundo.

Givón (1990GIVÓN, Talmy. Syntax: a functional-typological introduction. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 1990. ; 1995GIVÓN, Talmy. Functionalism and grammar. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 1995. ) aponta que, em sua versão mais branda, a iconicidade pode ser discutida a partir de três subprincípios: (a) quantidade - a complexidade da expressão tende a refletir a complexidade do pensamento, havendo maior quantidade de informação diante da maior quantidade de forma; (b) ordenação linear - a ordem das informações apresentadas reflete a sua ordem de importância para o falante, havendo ordenação inicial na cláusula de informações mais importantes/ focais; (c) integração - os conteúdos mais próximos cognitivamente tendem a estar mais próximos no nível da codificação, havendo a tendência de proximidade na sintaxe de ideias mentalmente mais integradas.

No que diz respeito à relação entre iconicidade e informatividade, sabemos que a informação velha, ou seja, já mencionada no discurso, tende a ser codificada com menos massa fônica (por exemplo, através de um pronome), porque a informação já está ativa na mente do ouvinte; já a informação nova tende a ser expressa através de mais massa fônica (como, por exemplo, através de um sintagma nominal grande).

A partir dos pressupostos teóricos apresentados, pretendemos verificar os usos das anáforas encapsuladoras a partir de seu estatuto informacional, focalizando sua relação com o tamanho do SN e com sua posição na oração. Assim, partimos dos postulados da LT sobre os encapsulamentos e das discussões funcionalistas sobre informatividade para tal análise.

Metodologia e amostra

Neste trabalho, adotamos uma metodologia que envolve aspectos qualitativos e quantitativos em relação à análise dos usos de anáforas encapsuladoras em uma amostra composta por 24 entrevistas publicadas nas revistas brasileiras Exame e Veja nos anos de 2019 e 2020.

O gênero analisado, entrevista, pode ser definido, conforme Schneuwly e Dolz (2004SCHNEUWLY, Bernard.; DOLZ, Joaquim. (orgs). Gêneros orais e escritos na escola. Traduzido por Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado das letras, 2004. ), como uma prática bastante padronizada, em que o entrevistador abre e fecha a entrevista, efetua pergunta, muda o assunto e orienta a interação e o entrevistado segue a organização feita pelo entrevistador, fornecendo as informações solicitadas. Assim, a negociação feita na interação é essencial para compreensão dos sentidos, visto que, a depender do questionamento, a entrevista pode seguir rumos totalmente diversos.

Diante disso, é de extrema importância a definição de como a entrevista será estruturada. Segundo Días-Bravo et al. (2013DÍAS-BRAVO, Laura. et al. La entrevista, recurso flexible y dinámico. Investigación en Educación Médica, v. 2, n. 7, p. 162-167, 2013.), as entrevistas podem, metodologicamente, ser feitas de três formas: estruturada - as perguntas são fixadas previamente com ordem e categorias já definidas; semiestruturada - as perguntas funcionam como um ponto de partida, podendo se ajustar diante do convidado, o que pode ajudar a motivar o interlocutor, identificar ambiguidades e esclarecer algumas informações; não estruturada - as perguntas são planejadas e feitas no momento da interação, possibilitando mudanças em relação ao objetivo inicial.

Outra questão importante é trazida por Cerqueira Neto e Santos (2017CERQUEIRA NETO, José Calais.; SANTOS, Adelino Pereira. A entrevista como um gênero do discurso: conceitos e fundamentos. Travessias, Cascavel, v. 11, n. 1, p. 244-269, jan./abr. 2017. ). Para os autores, as entrevistas jornalísticas podem ser caracterizadas pela adequação aos moldes típicos dessa esfera e pela finalidade espetacular, visando a atingir a um público amplo e diverso. Além disso, esse gênero, mesmo com possibilidades criativas estilísticas, pode ser caracterizado por restrições e padronizações e deve ser analisado a partir de suas condições, contextuais, sociais e históricas.

Para discussão dos usos das anáforas encapsuladoras nesse gênero, trabalhamos, qualitativa e quantitativamente, com alguns fatores a partir da codificação e da quantificação dos dados, aspecto relevante para busca por generalizações linguístico-discursivas. Qualitativamente, observamos as entrevistas e os dados coletados em busca de um olhar detalhado que apontasse as especificidades de cada grupo. Quantitativamente, conforme Martelotta (2009MARTELOTTA, Mário Eduardo. Funcionalismo e metodologia quantitativa. In: OLIVEIRA, M. R.; ROSÁRIO, I. da C. (org.). Pesquisa em lingüística funcional: convergências e divergências. Rio de janeiro: Leo Christiano Editorial, 2009. p. 1-20. ), recorremos à análise da frequência dos usos em diferentes contextos visando ao mapeamento das relações formais e funcionais, fornecendo material para descrição e sistematização do papel comunicativo desses elementos na língua.

Os fatores analisados foram: (a) grau de novidade do SN encapsulador; (b) tamanho do SN encapsulador; (c) posição do SN encapsulador na oração. A escolha e a organização desses fatores foram motivadas pelos pressupostos que guiam esta investigação. O grau de novidade tem como objetivo observar o estatuto informacional das anáforas encapsuladoras, visto que há divergências nos postulados dos teóricos sobre o tema. Além disso, para investigar de forma ainda mais detalhada, também selecionamos a análise do tamanho do SN e da sua posição na oração, tendo em vista as discussões estabelecidas por autores, como Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ).

As revistas selecionadas para composição da amostra, Exame e Veja, foram escolhidas pela grande circulação no país e alta periodicidade de veiculação de entrevistas. Após adquirirmos as publicações, transcrevemos todos os textos, selecionamos as entrevistas nacionais a fim de evitar traduções e obtivemos os temas4 4 Neste artigo, não analisamos a questão do tema, mas, na pesquisa mais ampla, esse fator foi usado para discussão da construção do gênero. mais frequentes, cultura, economia e política. Diante disso, totalizamos 24 entrevistas - com cerca de 8150 palavras por tema - e 24.548 palavras.

A partir dessa amostra, coletamos e analisamos todas as orações com anáforas encapsuladoras diante dos fatores elencados qualitativa e quantitativamente, obtendo 182 dados, conforme discutiremos na próxima seção.

Análise

Grau de novidade: uma proposta em continuum

Nesta pesquisa, estabelecemos que as anáforas encapsuladoras não são categoricamente dadas ou novas, pois acreditamos que elas possam ser distribuídas, a partir da visão funcionalista de categorias graduais, em um continuum categorial com formas mais ou menos novas. Para que fizéssemos a análise do grau de novidade, analisamos cada dado pragmaticamente a partir de seu contexto, dividindo-os em grau 1, 2 e 3 e quantificamos tal análise, como demonstraremos ao longo das próximas subseções.

a) Grau 1: os SNs dessa categoria apresentam referentes com baixo grau de novidade.

No exemplo (2), a seguir, temos um trecho retirado da entrevista “A sombra e a luz”, da revista Veja, de 2018.

(2)

Até que ponto é legítimo as empresas pagarem pela influência de um político ou ex-ministro para abrir portas?

Na verdade, isso não é um problema. Pode ser um problema se esses processos forem sem transparência. Há uma categoria conhecida como revolving doors (portas giratórias). São pessoas que entram no governo, vão para a iniciativa privada e podem até voltar para o governo. Um estudo sobre essas movimentações mostra que essas pessoas que tinham conhecimento da lógica privada e pública negociavam muito melhor os interesses públicos do que aquelas que não tinham. (Entrevista “A sombra e a luz” - Revista Veja).

No trecho destacado, há o uso do encapsulador anafórico “isso”, retomando o que havia sido dito pelo entrevistador em seu turno. Nesse exemplo, percebemos que não há uma informação nova introduzida, havendo apenas a remissão ao dito - a retomada do pagamento de empresas para abertura de caminhos por políticos. Dessa forma, classificamos casos como esse no grau 1 de novidade, pois não há informação nova.

b) Grau 2: os SNs dessa categoria têm referentes com grau médio de novidade.

No exemplo (3), retirado da entrevista “Os aeroportos brasileiros estão desatualizados”, publicado na revista Exame, em 2018, há a anáfora encapsuladora “essa interface global-local”.

(3)

A digitalização crescente nas empresas pode ameaçar essa expansão?

Ao contrário. Cada vez mais as companhias aéreas vão operar como uma “internet física”, movendo produtos e pessoas rapidamente mundo afora, da mesma maneira que a internet propriamente dita move dados numa velocidade surpreendente. Os data centers dessa “rede mundial da aviação” serão os aeroportos centrais, onde o fluxo global de bens e pessoas se encontra com os deslocamentos locais. Essa interface global-local está fazendo dos aeroportos grandes ímãs para empresas e catalisadores do desenvolvimento. Nesse processo, uma nova sub-região econômica urbana de empresas orientadas para a aviação está se formando em torno e para fora dos aeroportos. É o que chamo de aerotrópole e que vem crescendo em todo o mundo.

(Entrevista “Os aeroportos brasileiros estão desatualizados” - Revista Exame).

O SN destacado retoma, de forma resumitiva, o que havia sido dito anteriormente, mas, ao mesmo tempo, apresenta algum grau de novidade, recategorizando a informação já apresentada como uma interface entre aspectos globais e locais. Em nossa análise, consideramos uma proposta escalar, em que exemplos como (2) estão enquadrados no grau 2 de novidade, pois não apresentam a mesma ausência de novidade de outros, como (1), por exemplo.

c) Grau 3: os SNs colocados nessa categoria têm grau alto de novidade.

No exemplo (4), presente na entrevista “Cenário de risco”, da revista Veja, percebemos o uso da anáfora encapsuladora “o problema atual”, com caráter prospectivo.

(4)

Lá atrás, quando assumimos o BC, as expectativas de inflação estavam bastante desancoradas, situando-se na faixa de 20% a 50%. O Plano Real encontrava-se ameaçado. A resposta não foi apenas elevar os juros. Tudo começou com o compromisso de fazer um ajuste fiscal significativo. Naquele período, o país tinha também um saldo negativo expressivo nas contas externas. Hoje vivemos algo totalmente diverso: a inflação e a taxa de juros de curto prazo estão baixas, e há tranquilidade nas contas externas, em parte por causa de uma colossal recessão. O problema atual é outro - e muito grande. Ele tem a ver com uma situação fiscal totalmente insustentável. Já são cinco anos de déficit fiscal primário (assim chamado o saldo negativo entre receitas e gastos, excluído o pagamento de juros da dívida pública). Em razão disso, a dívida pública vem subindo rapidamente. Apesar de a taxa Selic estar baixa, os juros pagos pelos títulos públicos de longo prazo são ainda altos, perto de 6% acima da inflação. A economia está muito machucada. Além disso, existe muita incerteza quanto ao que fará o próximo governo. É uma situação de alto risco. (Entrevista “Cenário de risco” - Revista Veja).

Essa anáfora encapsuladora introduz e encapsula referentes que serão desenvolvidos ao longo do texto de forma difusa. Nesse caso, é difícil delimitar qual o problema a que se refere o enunciador, mas, pelo contexto, analisamos que ele foi desenvolvido ao longo do texto sem uma referência exata.

O SN “o problema atual” apresenta alto grau de novidade, introduzindo um referente no discurso e, por isso, foi colocado no grau 3 de nossa escala. Qualitativamente, também observarmos que o grau de novidade pode estar ligado ao caráter prospectivo ou retrospectivo da anáfora encapsuladora: em encapsulamentos prospectivos, há uma tendência a SNs com maior grau de novidade.

Diante das categorias apresentadas, propusemos um continuum de novidade entre os encapsulamentos anafóricos, em que os com grau 1 apresentam menor grau de novidade e aqueles com grau 3 apresentam grau mais alto de novidade em nossa escala, conforme Quadro 1:

Quadro 1:
Continuum de novidade do SN com função encapsuladora

Elaboramos o Gráfico 1 com a distribuição dos encapsulamentos a partir dos graus de novidade em nossa amostra:

Gráfico 1:
Frequência dos graus de novidade dos encapsulamentos anafóricos

No Gráfico 1, percebemos que houve mais dados com grau 1 de novidade, o menor de nossa escala, totalizando 60%. Além disso, temos 17% dos dados com grau 2 e 23% com grau 3, aqueles com maior expressão de novidade. A partir disso, podemos dizer que parece haver uma tendência em utilizar mais encapsulamentos anafóricos com menor grau de novidade, o que vai de encontro ao postulado de Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.) de que tais elementos são informativamente novos.

Nossa hipótese era que esses elementos iriam além da divisão dado e novo, sendo distribuídos em categorias graduais, o que se confirmou, já que obtivemos ocorrências nos três graus de novidade. Com isso, é possível dizer que, na análise informacional das anáforas encapsuladoras, é necessário ir além de postulados categóricos em relação ao estatuto do referente. Por isso, além de examinarmos tal distribuição, realizamos cruzamentos com algumas questões apontadas pela literatura como típicas desses elementos, conforme discutiremos nas próximas subseções.

Grau de novidade e tamanho do SN

Diante do postulado de Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.) de que as anáforas encapsuladoras são SNs, optamos por observar que questões formais poderiam se relacionar ao seu uso. Ao longo da análise dos dados, percebemos que esses podem ter diferentes tamanhos e, por isso, medimos a quantidade de palavras, dividindo-os em três grupos, conforme explicitaremos nesta subseção.

a) Pequeno - SNs com 1, 2 ou 3 palavras

(5)

Acredito que no Brasil é possível implementar algumas mudanças, como a publicação das agendas e dos registros dos encontros entre lobistas e autoridades, e demonstrar para a sociedade como ela será beneficiada com uma eventual mudança numa regulamentação. Nos Estados Unidos, o lobby tem ajudado a reduzir a distância das regras do governo para o mundo real. O setor público não acompanha a velocidade das mudanças do setor privado. Nesse ponto, o lobby pode ajudar a aproximar esses dois mundos. (Entrevista “A sombra e a luz” - Revista Veja).

b) Médio - SNs com 4, 5 ou 6 palavras

(6)

Acho difícil. Perdemos os parâmetros na relação dos Poderes, o que atrasa a tomada de medidas importantes para o país. Um exemplo: o BNDES precisava devolver o dinheiro que recebeu do Tesouro nos governos petistas. Era uma decisão óbvia diante do desajuste nas contas públicas. Mas o governo precisou esperar sete meses até o Tribunal de Contas da União autorizar a medida, tomada só em dezembro de 2016. (Entrevista “O tenentismo do judiciário” - Revista Exame).

c) Grande - SNs com 7, 8 ou 9 palavras

(7)

Para o advogado Carlos Ari Sundfeld, professor na Fundação Getúlio Vargas e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, a caçada de juízes e promotores aos políticos é um perigo para a democracia brasileira. “O tenentismo do judiciário” - Revista Exame)..

Diante desse agrupamento, cruzamos os graus de novidade do SN com o seu tamanho. Nossa hipótese é que quanto maior for o SN, maior será o grau de novidade veiculado, devido ao princípio da iconicidade e, mais especificamente, ao subprincípio da quantidade.

Nossos resultados demonstraram que das 182 anáforas encapsuladoras encontradas, 161 são pequenas, 16 são médias e apenas 5 são grandes. Vejamos a relação entre tamanho dessas anáforas (codificadas como SN) e grau de novidade a partir dos resultados presentes no Gráfico 2:

Gráfico 2:
Relação entre Tamanho das anáforas encapsuladoras e grau de novidade

É possível observar uma nítida gradação com SNs menores trazendo menos informações novas e SNs maiores trazendo mais informações novas. Esse resultado nos remete ao subprincípio funcionalista da quantidade: quanto mais informação precisa ser dada, maior a quantidade de massa fônica expressa (cf. GIVÓN, 1990GIVÓN, Talmy. Syntax: a functional-typological introduction. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 1990. ).

Em nossa hipótese inicial, postulamos que as anáforas encapsuladoras tendem a apresentar referentes com maior grau de novidade em SNs maiores devido ao princípio da iconicidade. Ao observarmos os resultados, podemos dizer que em SNs pequenos há 67,7% dos dados com grau mais baixo de novidade, 15,5% com grau médio e 18,8% com grau mais alto. Em SNs médios e grandes, por outro lado, não há encapsulamentos com grau 1 de novidade e o grau 2 representa, respectivamente, 31,2% e 20% dos dados. Em ambos, há muito mais anáforas encapsuladoras com grau máximo de novidade, o que os diferencia bastante das tendências encontradas nos SNs pequenos.

Dessa forma, podemos dizer que, diante dos resultados encontrados, nossa hipótese inicial foi confirmada, tendo em vista que, efetivamente, houve padrões funcionais distintos diante de outras tendências formais. Essa tendência remete ao princípio funcionalista da iconicidade, que postula a relação intrínseca entre os padrões sintáticos e discursivos.

Defendemos, assim, que as anáforas encapsuladoras, ao contrário do que postulam Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.), Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ) e Llamas (2010LLAMAS, Carmen. Interpretación del discurso ajeno: la anáfora conceptual metafórica en la noticia periodística. Revista de Investigación Lingüística, n. 13, p. 107-126, 2010.), não são elementos velhos ou novos. Elas são, na verdade, padrões discursivos que, informativamente, podem ser distribuídos em três graus de novidade e que podem ser relacionadas com a constituição do SN com papel resumitivo, visto que, quanto maior ele for, mais tende a veicular informações mais novas.

Ressaltamos, porém, que tais resultados não representam os encapsuladores de forma universal ou na língua portuguesa, mas em um recorte específico: em textos do gênero entrevista e do suporte revista. Contudo, se tais usos ocorrem nesses contextos, já é possível dizer que não há como estabelecer reflexões categóricas acerca de padrões informativos velho/ dado x novo para tais elementos.

Grau de novidade e posição do SN na oração

De acordo com Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ), as anáforas encapsuladoras tendem à posição inicial da oração, pois veiculam informações dadas. Diante dos postulados da autora, buscamos, primeiramente, observar qual a posição típica de tais elementos a partir de duas categorias: inicial e não inicial, como demonstraremos nesta seção.

a) Posição inicial: a anáfora encapsuladora é o primeiro elemento com valor informacional5 5 Também consideramos posição inicial quando havia uma conjunção ou um marcador discursivo antes do encapsulador. na oração.

(8)

T16 6 Utilizamos T1 para indicar o turno do entrevistador e T2 para o turno do entrevistado. : Qual é seu diagnóstico sobre a situação do país?

T2: Existe um diagnóstico relativamente simples. Como a produtividade do trabalhador no Brasil caiu de 40%, que já era baixo, para 23% da média de um equivalente americano? Por três razões. A primeira é que o governo começou a atrapalhar cada vez mais. O ambiente para fazer negócios e produzir piorou muito no Brasil. Fomos na direção contrária e deixamos o ambiente mais difícil para as empresas. O segundo motivo foi o envelhecimento de nosso parque industrial. Por último, foi o desequilíbrio das contas públicas. Isso elevou dramaticamente os juros e trouxe uma grande instabilidade à economia. As empresas pararam de investir em modernização. Ficou muito mais fácil ganhar dinheiro investindo em título público. Acreditamos que podemos voltar ao patamar anterior em até dez anos. Ou até antes, dependendo das reformas.

(Entrevista “Crescimento sem subsídio” - Revista Exame).

No exemplo (8), retirado da entrevista “Crescimento sem subsídio”, da revista Exame, podemos observar que o encapsulador “isso” resume as informações já ditas pelo entrevistado na entrevista e, mais especificamente, as três razões para queda da produtividade do trabalhador que, para ele, explicam a instabilidade econômica do Brasil. Além disso, a anáfora encapsuladora está na posição inicial da oração, introduzindo o discurso em “Isso elevou dramaticamente os juros e trouxe uma grande instabilidade à economia”, o que confirma o postulado de Conte (1996CONTE, Maria-Elisabeth. Anaphoric encapsulation. Belgian Journal of linguistics, v. 10, n. 1, p. 1-10, 1996.) acerca de tal objeto.

b) Posição não inicial: o encapsulador está em posição sintática não introdutora.

(9)

T1: E qual seria o patamar ideal de investimento?

T2: A Eletrobras tem hoje 31% da geração e 48% da transmissão em todo o país. Precisaríamos, então, estar investindo entre 10 bilhões e 14 bilhões de reais por ano. O problema é que a empresa não tem caixa para mais do que 4 bilhões de reais por ano. O governo, que é o controlador, também não tem capacidade de aportar recursos. Quando o governo Bolsonaro assumiu, expliquei essa situação. A partir da capitalização e entregando as obras que estão paralisadas, em menos de dois anos é possível retomar a capacidade de investimento da companhia.

(Entrevista “Capitalizar para investir” - Revista Exame).

No exemplo (9), retirado da entrevista “Capitalizar para investir”, publicada na revista Exame, temos a anáfora encapsuladora “essa situação” em “Quando o governo Bolsonaro assumiu, expliquei essa situação”, que sumariza as informações ditas anteriormente sobre os problemas de receita da Eletrobras. Sintaticamente, ela está em posição final na oração, não ocupando, portanto, a posição introdutória, considerada prototípica por Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ).

Acreditamos que a possibilidade de a anáfora encapsuladora estar em mais de uma posição esteja ligada ao seu grau de novidade e, por isso, exploramos tal discussão nesta subseção. Além disso, temos como objetivo confrontar tais resultados com o postulado de Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ) de que as anáforas encapsuladoras tendem à posição inicial da cláusula por veicularem informação dada. Conforme apresentamos na Introdução, nossa hipótese é que tais elementos tendem à posição inicial quando os SNs apresentam menor grau de novidade.

Assim, relacionaremos as diferentes posições sintáticas dos encapsuladores com o seu grau de novidade. Para isso, partimos do continuum estabelecido na seção anterior em que há três graus de novidade para os SNs e das ordens que tais elementos podem ter: inicial e não inicial.

Os resultados de nossa amostra revelam que os SNs que funcionam como anáforas encapsuladoras tendem a ocorrer na posição inicial da oração, sendo 104 (57,1%) dos 182 dados. O gráfico a seguir demonstra a relação entre posição dos SNs e o grau de novidade.

Para observarmos essas relações, elaboramos o Gráfico 3:

Gráfico 3:
Relação entre a posição e grau de novidade dos encapsulamentos

Ao focalizarmos a relação entre os dois fatores, percebemos que, em relação ao grau mais baixo de novidade, a maior parte das encapsuladoras ocorre em posição inicial, totalizando 63,3% dos dados. No entanto, no grau 2, essa tendência é oposta, visto que os encapsulamentos tendem à posição não inicial. Por outro lado, no grau máximo de novidade, há mais anáforas encapsuladoras em posição inicial, embora haja uma diferença quantitativa muito baixa, com apenas 4%, o que corresponde a 2 dados.

Ressaltamos que, mesmo nos graus 1 e 3 havendo mais dados introduzindo a oração, as tendências não são as mesmas: no grau 1 efetivamente houve uma diferença quantitativa relevante, mas, no grau 3 houve um equilíbrio entre a posição inicial e não inicial. Podemos dizer, então, que não houve uma gradação bem definida nos três graus, já que, diante de informações com baixa novidade, o encapsulador ocupou posição inicial, no grau 2 tendeu à posição não inicial e no grau máximo apresentou pouca diferença entre as posições.

Dessa forma, podemos dizer que nossa hipótese inicial foi confirmada, visto que, efetivamente, quando estavam em posição inicial, os encapsulamentos tinham grau 1 de novidade, o menor de nossa escala. Além disso, ressaltamos que tal resultado corrobora o postulado de Borreguero (2006BORREGUERO, Margarita. Naturaleza y función de los encapsuladores en los textos informativamente densos (la noticia periodística). Cadernos de Filologia Italiana, v. 13, p. 73-95, 2006. ) sobre encapsuladores introduzindo orações diante de informações com menor novidade, mesmo que haja, também, dados em posição não inicial. Tal tendência não se manteve no grau 2, situado no meio de nosso continuum, e não foi tão acentuada no grau 3, o maior na nossa categorização, o que indica que, diante de informações mais novas, o encapsulador não ocorre com alta frequência na posição inicial da oração. Ou seja, efetivamente há uma relação entre a ordenação desses elementos e o seu grau de novidade.

Sendo assim, podemos dizer que as anáforas encapsuladoras podem ocorrer nas posições inicial e não inicial e com diferentes graus de novidade em entrevistas escritas por revistas brasileiras. Além disso, é possível afirmar que tais aspectos estão relacionados, visto que, diante de nossos resultados, os SNs com menor grau de novidade tendem à posição inicial e nos demais graus isso não se configura da mesma forma. A literatura funcionalista demonstra, como dissemos, que nas línguas a informação velha (ou com menor grau de novidade) tende a ocorrer à esquerda da oração, enquanto informação nova ocorre à direita e, nesse sentido, nossos resultados vão ao encontro dessa tendência translinguística.

Considerações finais

O artigo trouxe um estudo sobre o uso de anáforas encapsuladoras em entrevistas publicadas em duas revistas de grande circulação no Brasil, Exame e Veja. Nessa amostra, foram coletadas e analisadas todas as anáforas encapsuladoras encontradas, totalizando 182 dados. Discutimos o estatuto informacional das anáforas encapsuladoras para além da classificação dado e novo apresentada nos trabalhos sobre o tema, utilizamos pressupostos teóricos da Linguística Funcionalista Norte-americana e as contribuições da Linguística Textual. Além da análise do papel dessas anáforas nos textos, verificamos a relação entre o grau de novidade e a sua relação com o seu tamanho e com sua posição na oração.

O estudo mostra que há uma tendência em utilizar mais encapsulamentos anafóricos com menor grau de novidade, mas os encapsuladores menores tendem a trazer mais informação velha do que os maiores, o que está de acordo com o princípio da iconicidade, mais especificamente com o subprincípio da quantidade (GIVÓN, 1990GIVÓN, Talmy. Syntax: a functional-typological introduction. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 1990. ). A pesquisa também revela que, nas entrevistas, os encapsuladores que ocorrem na posição inicial da oração tendem a apresentar informação com menor grau de novidade, diferentemente do que ocorre com os dados em outras posições na oração, o que vai ao encontro de uma tendência translinguística também.

Nossos resultados estão de acordo com uma visão funcionalista, evidenciando que a gramática é modelada pelo uso, guiada por aspectos discursivos e cognitivos. Os falantes/escritores usam essas anáforas para sumarizar informações já mencionadas e para guiar o ouvinte/leitor na interpretação. Assim, os encapsulamentos servem para organizar o discurso a partir de uma perspectiva intersubjetiva do escritor sobre o leitor. Seu uso envolve, então, uma negociação discursiva, pois, no processo de construção de sentidos, os participantes são ativos, podendo construir suas leituras

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Notas

  • 1
    Este artigo apresenta parte das discussões feitas em Castanheira (2020CASTANHEIRA, Dennis. Anáforas encapsuladoras e construção do gênero entrevista: análise textual-funcional. 2020. 235 f. Tese (Doutorado em Letras (Letras Vernáculas)) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.).
  • 2
    Os exemplos foram formatados com espaçamento simples e colocados em caixas de texto.
  • 3
    Destacamos em negrito as anáforas encapsuladoras.
  • 4
    Neste artigo, não analisamos a questão do tema, mas, na pesquisa mais ampla, esse fator foi usado para discussão da construção do gênero.
  • 5
    Também consideramos posição inicial quando havia uma conjunção ou um marcador discursivo antes do encapsulador.
  • 6
    Utilizamos T1 para indicar o turno do entrevistador e T2 para o turno do entrevistado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2021
  • Aceito
    11 Nov 2021
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