Open-access O processo de adaptação e desempenho ocupacional de mães de crianças no transtorno do espectro autista

Resumo

Introdução  A adaptação a um filho no Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) pode impactar o desempenho ocupacional das mães em razão dos cuidados demandados, que podem dificultar a realização das suas ocupações.

Objetivo  Investigar a adaptação e o desempenho ocupacional das mães de filhos com TEA.

Método  Estudo descritivo transversal de abordagem quantiqualitativa com 11 mães de filhos no TEA com idade entre 2 e 9 anos. Os dados foram coletados por meio da Escala Parental de Adaptação à Deficiência (EPAD) e da Medida Canadense de Desempenho Ocupacional (COPM). Os dados da EPAD foram analisados pela soma dos escores de cada participante e cálculo da média geral e os da COPM a partir dos valores atribuídos para o desempenho e satisfação.

Resultados  As mães estavam em adaptadas a seus filhos; entretanto, avaliaram a presença de problemas funcionais para o desempenho ocupacional após o nascimento deles. Problemas na categoria produtividade, especificamente para trabalhar, por conta das demandas de cuidados com o filho, foram referidos pela maioria das mães. Na categoria autocuidado, algumas mães referiram problemas para ir ao salão de beleza e tomar banho. Na categoria lazer, algumas mães indicaram problemas para realizar leitura, atividade física, viajar e/ou visitar amigos.

Conclusão  As mães deste estudo demostraram que a adaptação a seus filhos envolve fatores como transmissão do diagnóstico, informação, características dos filhos, condições socioeconômicas, resiliência, crenças e expectativas pessoais. Conclui-se que as mães de filhos no TEA investigadas apresentaram problemas funcionais para o desempenho ocupacional após o nascimento desses filhos.

Palavras-chave:  Adaptação Psicológica; Desempenho de Papéis; Mães; Autismo

Abstract

Introduction  Adapting to a child with Autism Spectrum Disorder (ASD) can impact the occupational performance of mothers because of the care they demand, which can lead to difficulties in carrying out their occupations.

Objective  To investigate the occupational performance and adaptation of mothers to their children with ASD.

Method  Cross-sectional, descriptive, quantitative and qualitative study conducted with 11 mothers of children with ASD aged 2-9 years. Data were collected using the Parental Disability Adaptation Scale (EPAD) and the Canadian Occupational Performance Measure (COPM). EPAD data were analyzed by adding the scores of each participant and calculating the general average, whereas COPM data were analyzed from the values ​​assigned to performance and satisfaction.

Results  The mothers were well adapted to their children; however, they evaluated the presence of functional problems for occupational performance after their birth. Functional problems in the productivity category, specifically in work performance due to the demands of caring for the children, were mentioned by most mothers. In the self-care category, some mothers reported problems related to going to the salon and taking a shower. In the leisure category, some mothers indicated problems with reading, physical activity, traveling and/or visiting friends.

Conclusion  The mothers in this study reported that adapting to their children with ASD involves factors such as transmission of the diagnosis, information, children characteristics, socioeconomic conditions, resilience, and personal beliefs and expectations. In conclusion, the mothers of children with ASD investigated presented functional problems regarding their occupational performance after the birth of these children.

Keywords:  Psychological Adaptation; Role Playing; Mothers; Autism

Introdução

A família é o primeiro grupo social no qual somos inseridos ao nascermos. O nascimento de um filho no Transtorno do Espectro Autista (TEA) exige das mães e/ou pais mudanças para se ajustarem e reorganizarem ao novo contexto (Figueiredo et al., 2020). Além disso, as expectativas geradas sobre um filho perfeito se desfazem e dão lugar a sentimentos como fracasso, culpa e tristeza (Dantas et al., 2019).

O TEA é classificado como um transtorno do neurodesenvolvimento, com prejuízos na capacidade de iniciar e sustentar a comunicação e interação social, com interesses restritos e comportamentos estereotipados que se tornam excessivos para a pessoa e seu contexto sociocultural (World Health Organization, 2021). A experiência de ter um filho no TEA é única para qualquer família, considerando que cada membro tem sua própria história, crença, habilidades para encarar novas situações, condição socioeconômica e rede de apoio (Figueiredo et al., 2020). Muitas vezes o TEA altera a rotina e a dinâmica familiar. Com isso, as relações familiares ficam abaladas, pois a atenção é totalmente voltada para este filho (Machado et al., 2018).

A adaptação de mães e pais aos filhos com alguma deficiência e/ou transtorno do neurodesenvolvimento, segundo o Modelo do Processo de Adaptação e Desenvolvimento de Franco & Apolónio (2002), consiste em um processo composto por uma diversidade de fatores e fases, constituindo um percurso que se inicia antes do diagnóstico até a retomada do desenvolvimento pessoal de cada mãe e pai.

Antes mesmo de nascer, um filho já nasce na imaginação de cada mãe e pai como perfeito, o que favorece o vínculo entre ambos. O bebê perfeito é idealizado a partir de três dimensões: estética, competência e futuro. A dimensão de estética é composta pelas ideias preconcebidas para um bebê perfeito, como por exemplo, gordinho, rosadinho, ativo e sorridente. A dimensão de competência refere-se às qualidades e estilo de vida esperados para o filho e que são correspondentes aqueles das mães e/ou pais. A dimensão de futuro constitui a imagem que a mãe e/ou pai criam de um futuro perfeito para o filho, como por exemplo, bons estudos e boas capacidades profissionais (Franco, 2009).

A notícia de um diagnóstico impacta emocionalmente cada mãe, causando uma ruptura com aquele filho imaginário, o que pode afetar o vínculo entre ambos. Essas mães podem vivenciar sentimentos de depressão, culpa, revolta e negação, que podem afetar o curso do próprio desenvolvimento. Por isso, a adaptação de mães a este fato não desejado envolve um processo de luto para a elaboração da perda do bebê idealizado como perfeito e a re-idealização do filho com base na realidade. Quando esse luto não é processado, tais mães e/ou pais podem ser dominados pela ação de cuidar do filho, tornando-se funcionais e com dificuldades para se relacionarem emocionalmente com eles (Franco, 2009, 2016a).

O modo de enfrentamento de tal processo de luto depende de fatores pessoais de cada mãe e/ou pai, como suas histórias, personalidade, crenças, compreensão dos próprios sentimentos e atitudes sobre o diagnóstico. Também dependerá de fatores de natureza contextual e que atuam como rede de apoio, como membros da família, amigos, profissionais e serviços. Dessa maneira, a re-idealização do filho dependerá da capacidade dos pais e/ou mães de enxergarem nos filhos a beleza mesmo com a deficiência e/ou transtorno (dimensão de estética), as potencialidades e habilidades mesmo com as limitações consequentes da deficiência e/ou do transtorno (dimensão de competência), um futuro positivo mesmo diante de dificuldades enfrentadas (dimensão de futuro) (Franco, 2009).

Segundo Trindade et al. (2021), em uma revisão integrativa, identificaram que o apoio das avós às mães de filhos com deficiência contribui para o alivio de estresse, ajudam na busca de estratégias, informações e serviços para lidar com as crianças e estão sempre prontos para escutar os pais e assim proporcionar apoio emocional.

Histórica e culturalmente, são as mães que possuem domínio nos cuidados com os filhos e isso não é diferente quando se tem um filho com algum tipo de deficiência e/ou transtorno do neurodesenvolvimento (Rosa et al., 2010) que exige da mãe tempo e atenção, resultando em prejuízos em seu desempenho ocupacional (Estanieski & Guarany, 2015) e saúde emocional e física (Figueiredo, 2009).

O desempenho ocupacional, segundo o Modelo Canadense de Desempenho Ocupacional e Engajamento (COPM-E), configura-se pela capacidade da pessoa de realizar suas ocupações e concretizar os papéis ocupacionais próprios do seu estágio de desenvolvimento, sendo resultante da interação entre a pessoa, o ambiente e a ocupação. Para o COPM-E, cada pessoa se constitui por aspectos físico, afetivo, cognitivo e espiritual. O ambiente pode ser físico, social, cultural e institucional (Polatajko et al., 2013). A ocupação é compreendida como uma necessidade básica humana que dá sentido à vida, sendo definida como “[...] tudo o que as pessoas fazem [...], incluindo o cuidar de si (autocuidado), aproveitar a vida (lazer) e contribuir para o tecido social e econômico (produtividade) (Polatajko et al., 2013, p. 17). Assim, o desempenho ocupacional é único de cada pessoa e pode variar de acordo com características pessoais, como idade, capacidades, limitações e/ou condições ambientais favoráveis ou não ao desempenho, entre outros (Magalhães et al., 2009).

Feitosa (2020) refere que mães de filhos no TEA em processo de adaptação buscaram compreender qual era o papel parental diante das demandas oriundas do TEA e como lidar com as próprias expectativas relativas ao desenvolvimento do filho.

Estanieski & Guarany (2015) verificaram que mães de filhos no TEA tiveram um acúmulo de tarefas e papéis ocupacionais que as sobrecarregavam diariamente e prejudicavam seu desempenho ocupacional em razão da necessidade de adequação às demandas dos filhos.

Ribeiro et al. (2018) reafirmam que mães de filhos com deficiência e/ou transtorno do neurodesenvolvimento passam por alterações ocupacionais para atenderem as demandas, que afetam diretamente sua própria saúde e bem-estar.

Portanto, a literatura indica que tornar-se mãe de filho no TEA exige um movimento interno de superação, aceitação e adaptação para o desenvolvimento de uma parentalidade saudável. Além disso, tais filhos apresentam demandas inesperadas e diferenciadas, as quais a família, principalmente a mãe, terá que se adaptar. Tais fatos podem comprometer o desempenho ocupacional dessas mães. Entretanto, apesar de existir significativa literatura sobre mães de filhos no TEA, não se encontrou literatura nacional que relacionasse o processo de adaptação dessas mães com o desempenho ocupacional delas após o nascimento desses filhos.

Nesse contexto, o presente estudo objetivou investigar a adaptação e o desempenho ocupacional das mães de filhos no TEA. Para tanto, buscou-se respostas para as seguintes perguntas de pesquisa: Mães de filhos no TEA estão adaptadas à seus filhos? Qual avaliação as mães fazem sobre seu desempenho ocupacional em termos de grau de desempenho e satisfação com as ocupações que desejam, precisam ou espera-se que realizem?

Método

Trata-se de um estudo descritivo e transversal de abordagem quantitativa. Seu design descritivo possibilita conhecer como uma ou mais características, sejam individuais ou coletivas, se distribuem na população (Medronho et al., 2008). Dessa forma, esse método visa descrever as características de determinada população ou fenômeno e/ou o estabelecimento de relações entre variáveis por meio de técnicas padronizadas de coleta de dados (Gil, 2002). Por outro lado, seu design transversal refere-se a análise de uma situação ou fenômeno em um determinado momento, ou seja, “[...] apresenta-se como uma fotografia ou corte instantâneo que se faz numa população por meio de uma amostragem, examinando-se nos integrantes da casuística ou amostra, a presença ou ausência da exposição e a presença ou ausência do efeito [...]” investigado (Hochman et al., 2005, p. 3).

Participantes

A amostra foi composta por mães de filhos no TEA. Os seguintes critérios de inclusão foram adotados: mães com idade superior a 18 anos, de qualquer estado civil e nível de escolaridade e socioeconômico, com filhos com idade entre 6 meses e 12 anos com laudo diagnóstico comprobatório de TEA. Mães que apresentavam alguma deficiência e/ou doença e crianças com TEA associado a outros diagnósticos foram excluídas do estudo.

Procedimentos para coleta de dados e instrumentos

A pesquisa teve início após a aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (CAAE 33549720.6.0000.5504).

Primeiramente, a pesquisadora apresentou o projeto para serviços públicos e privados de atendimento a crianças no TEA localizados nas cidades de Ribeirão Preto/SP e São Carlos/SP. Mediante manifestação de interesse do dirigente do serviço, foi disponibilizado o contato da pesquisadora para as mães que atendiam os critérios de inclusão e manifestaram interesse em participar do estudo. A pesquisadora, de forma presencial ou virtual, explicou os objetivos, riscos e benefícios da pesquisa e, após o aceite e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aplicou os instrumentos de coleta dos dados. A coleta ocorreu tanto de forma virtual como presencial no serviço de atendimento ao filho, mediante agendamento prévio segundo a disponibilidade das participantes.

Ademais, a pesquisa foi divulgada em redes sociais, o que possibilitou que mães voluntariamente manifestassem interesse e, por corresponderem aos critérios de inclusão, compuseram a amostra. Os dados foram coletados entre outubro de 2020 e março de 2021. Em razão da pandemia da COVID-19, algumas coletas aconteceram remotamente.

Os instrumentos utilizados foram a Escala Parental de Adaptação à Deficiência (EPAD) Franco (2016b) e a Medida Canadense de Desempenho Ocupacional (COPM) Law et al. (1990).

A EPAD foi desenvolvida por Franco (2016b) para a população portuguesa para ser utilizada tanto no âmbito da investigação científica, como na prática clínica. Validada para a população brasileira por Londero (2019), porá EPAD é um instrumento de avaliação individual, dividido em 10 dimensões, cada uma com 6 perguntas, dentro de duas subescalas: Desenvolvimento e Não Adaptação. A subescala Desenvolvimento identifica os aspectos da retomada dos pais ao seu percurso de desenvolvimento e, consequente, o processo de adaptação à deficiência, sendo dividida em re-idealização e suporte, chamados de fatores. Cada fator é composto por 30 itens, e o resultado é obtido por meio da soma dos dois fatores considerando valor mínimo de 30 e total de 180. No fator re-idealização, temos as dimensões estética, capacidade e futuro, e no fator suporte, as dimensões resiliência e apoio social. A subescala Não Adaptação é composta por 5 dimensões: idealização, diagnóstico, depressão, culpa e funcionalidade. Essas dimensões avaliam os obstáculos formados para a adaptação e a retomada do desenvolvimento pessoal dos pais e/ou mães/cuidadores através dos aspectos negativos. Para responder aos questionários, os pais e/ou mães devem considerar como se sente no momento, respondendo dentro da escala: (1) discordo completamente, (2) discordo, (3) não concordo nem discordo, (4) concordo, (5) concordo completamente (Franco, 2016b). A análise dos dados da EPAD é realizada a partir da soma dos escores de cada participante nas dimensões existentes dentro das subescalas de Desenvolvimento e Não Adaptação, nas quais é desejável que o valor obtido dos fatores de desenvolvimento seja superior ao dos fatores que se tornam obstáculos. Mediante os escores individuais, faz-se o cálculo da média geral das participantes investigadas e os resultados são expressos em escala gráfica.

A COPM foi elaborada com a finalidade de investigar a autopercepção das pessoas sobre seu desempenho ocupacional e, portanto, é utilizada como uma medida de desfecho, ou seja, de resultados para respaldar a elaboração e concretização de um programa de intervenção de terapia ocupacional (Magalhães et al., 2009). Dessa forma, a COPM é usada para

[...] identificar áreas-problema no desempenho ocupacional; quantificar as prioridades de desempenho ocupacional do cliente; avaliar o desempenho e satisfação relacionados às áreas-problema; medir as mudanças na percepção do cliente sobre seu desempenho ocupacional ao longo do programa de intervenção de terapia ocupacional (Magalhães et al., 2009, p. 13).

Enquanto uma medida individualizada, realizada por meio de entrevista semiestruturada, o terapeuta encoraja a pessoa a pensar nas ocupações que quer fazer, precisa ou espera-se que realize com base em um dia típico da sua vida diária e conforme as áreas ocupacionais estabelecidas pela COPM, a saber, autocuidado, produtividade e lazer. Uma vez que a pessoa indicou tais ocupações, o terapeuta pergunta o seu grau de importância para a pessoa e pede que escolha até cinco problemas enfrentados para o desempenho ocupacional. A partir dos problemas ocupacionais listados, solicita-se que a pessoa atribua, a cada um, uma nota para o próprio desempenho e uma nota para a satisfação sobre como desempenha, com base numa escala de 1 a 10 pontos. Dessa forma, a COPM é utilizada tanto como avaliação inicial na identificação de problemas para o desempenho ocupacional que respaldarão a implementação de uma intervenção, como medida de reavaliação após a concretização da referida intervenção. Em adição, a COPM pode ser usada como medida do desempenho ocupacional em pesquisa com finalidade de acrescer o conhecimento e compreensão da ocupação a partir da concepção que a ocupação é um conceito e uma variável e, além disso, demonstrar a ligação entre a ocupação e outras variáveis, quando buscamos identificar problemas de desempenho ocupacional que podem aparecer em formas de características pessoais e ambientais (Magalhães et al., 2009).

A análise dos resultados da COPM ocorre com a computação das respostas de cada participante relativas à indicação de importância das ocupações que deseja, precisa ou espera-se que realize (dentro das áreas de autocuidado, produtividade e lazer), variando de 1 (sem importância nenhuma) até 10 (extremamente importante); à menção aos cinco principais problemas de desempenho ocupacional e sua classificação conforme a escala de desempenho, que varia de 1 (incapaz de fazer) até 10 (faço extremamente bem), e grau de satisfação com o desempenho conforme a escala de 1 (nada satisfeito) até 10 (extremamente satisfeito). Após a realização das pontuações, o escore total de desempenho é calculado pela soma das pontuações de desempenho dividida pelo número de problemas. O mesmo pode ser feito para se obter o escore total de satisfação, somando-se as pontuações com posterior divisão pelo número de problemas (Magalhães et al., 2009, p. 42).

Em virtude de o presente estudo ter como foco a avaliação que as mães fazem sobre seu desempenho ocupacional, em termos de grau de desempenho e de satisfação, a aplicação da COPM voltou-se para a compreensão das mudanças ocupacionais a partir do nascimento de um filho com TEA, considerando esse nascimento um dos possíveis determinantes para os problemas enfrentados no desempenho dessas ocupações. Como forma de aprofundar a investigação sobre o desempenho ocupacional das mães e tomar conhecimento se os problemas funcionais estariam relacionados com o nascimento do filho, as mães também foram solicitadas a pensarem em sua vida ocupacional antes do nascimento, elencar até cinco problemas enfrentados para o desempenho ocupacional e valorar o grau de desempenho e satisfação sobre tal desempenho.

Análise de dados

A caracterização sociodemográfica dos participantes incluiu dados referentes a idade das mães, nível de escolaridade e tipo de ocupação e idade de seus filhos descritos numericamente.

A EPAD concebe a análise comparativa dos valores totais dentro das dimensões das subescalas de Desenvolvimento e Passado/Não Adaptação (Franco, 2016b). Dessa maneira, os valores individuais de cada mãe dentro de cada dimensão são somados, e ao final é efetuada a média entre todas as mães. Ao realizar a análise comparativa, identifica-se em quais dimensões existe o maior escore, assim indicando se há adaptação ou não da mãe.

A análise dos resultados da COPM consiste na computação das respostas de cada participante relativas ao grau de importância atribuída as ocupações (dentro das áreas de autocuidado, produtividade e lazer), variando de 1 (sem importância nenhuma) até 10 (extremamente importante); à menção aos cinco, principais problemas de desempenho ocupacional classificando-os conforme a escala de desempenho, que varia de 1 (incapaz de fazer) até 10 (faço extremamente bem), e grau de satisfação com o desempenho conforme a de escala 1 (nada satisfeito) até 10 (extremamente satisfeito). Com isso, juntamente com cada mãe identificou-se quais ocupações elas realizavam antes do nascimento do filho, quais foram afetadas após o nascimento e quais passaram a realizar após o nascimento do filho (Law et al., 1990). Como critério adotado na pesquisa, a pontuação de 0 a 6 em desempenho e satisfação indica onde há desempenho ocupacional prejudicado.

Resultados

Onze mães de filhos com diagnóstico de TEA com idade entre 2 e 9 anos no momento da coleta participaram deste estudo.

As mães tinham entre 26 e 42 anos de idade, nível de escolaridade entre fundamental incompleto e pós-graduação e eram todas casadas. Em relação ao trabalho, quatro mães não trabalhavam e/ou pararam de trabalhar para cuidar do filho, três trabalhavam em casa (artesã, boleira e empresária) e quatro trabalhavam fora (2 professoras, 1 enfermeira e 1 engenheira agrônoma).

Considerando que para a EPAD o escore obtido na subescala de Desenvolvimento deve ser superior aquele na subescala de Não Adaptação, os resultados indicaram que as mães estavam em desenvolvimento favorável à adaptação ao nascimento do filho no TEA e a ser mãe de um filho no TEA, pois as pontuações médias nas subescalas de Desenvolvimento e de Não Adaptação foram de 120 e 72 pontos, respectivamente. Tais valores indicam, portanto, que não há aspectos negativos interferindo no processo de adaptação ao filho.

A Figura 1 mostra os escores de cada dimensão das subescalas de Desenvolvimento (estética, capacidade, futuro, apoio social e resiliência) e de Não Adaptação (depressão, diagnóstico, funcionalidade, culpa e passado/idealização).

Figura 1
Resultados da EPAD para mães de filhos no TEA. Fonte: Dados da autora.

Os resultados apresentados na Figura 1 indicam que as mães estão conseguindo investir emocionalmente nos filhos nos termos de componentes de estética, capacidade e futuro, tendo resiliência e apoio social para lidarem com mudanças e demandas advindas do TEA, favorecendo o próprio desenvolvimento e adaptação. Na mesma direção, os escores indicam que depressão, culpa e diagnóstico não estão comprometendo a percepção de funcionalidade e de passado/idealização, o que favorece o processo de desenvolvimento e adaptação, conforme instruções de avaliação do próprio instrumento.

Os resultados obtidos com a COPM refletem o desempenho ocupacional das mães após o nascimento dos filhos, ou seja, as ocupações que elas indicaram como mais importantes para si e que apresentam problemas funcionais para o desempenho, quantificando os níveis de desempenho e satisfação daquelas ocupações elencadas em maior grau de importância. Há evidência de problemas funcionais na categoria produtividade, sendo que o trabalhar foi indicado por oito mães: seis atribuindo notas ≤5 e duas atribuindo notas ≤6, para desempenho e satisfação. Problemas para cuidar da casa foram indicados por duas mães e problemas para fazer compras por outras duas, sendo que essas mães atribuíram notas ≤6 para desempenho e satisfação. Problemas para ir ao banco foi indicado por uma mãe, que atribuiu nota 1 para desempenho e satisfação. Na categoria autocuidado, problemas para ir ao salão de beleza foram indicados por duas mães, com atribuição de notas ≤5. Problemas para tomar banho foram indicados por uma mãe, que atribuiu nota 5 para desempenho e a satisfação. Por fim, na categoria lazer, duas mães indicaram problemas para realizar leitura e outras duas para realizar atividade física, com atribuição de notas ≤5. Viajar foi indicado como problema por duas mães, que atribuíram nota ≤2, e visitar amigos foi indicado por uma mãe, com nota ≤3, para desempenho e satisfação.

Como forma de compreender se o desempenho ocupacional das mães e os problemas funcionais estariam relacionados ao nascimento do filho no TEA, solicitou-se que as mães pensassem em sua vida ocupacional antes do nascimento, elencassem até cinco problemas enfrentados para o desempenho ocupacional e valorassem o grau de desempenho e de satisfação. As mães indicaram até cinco ocupações que desejavam, precisavam ou que eram esperadas que realizassem, mas não referiram que enfrentavam problemas funcionais; ao contrário, a pontuação dada pela maioria das mães (n=7) foi ≥7 para desempenho e/ou satisfação.

A Tabela 1 apresenta até cinco problemas enfrentados para o desempenho ocupacional das mães após o nascimento dos filhos no TEA e os valores atribuídos para seu desempenho e satisfação. Em adição, apresenta as ocupações elencadas como importantes e as notas para seu desempenho e/ou satisfação antes do nascimento desses filhos.

Tabela 1
Desempenho ocupacional e satisfação das mães antes e depois o nascimento dos filhos no TEA.

Discussão

Os resultados do presente estudo indicam que as mães de filhos no TEA estavam em desenvolvimento e adaptadas a seus filhos no TEA. Entretanto, também indicam que as mães avaliaram a presença de problemas funcionais para o desempenho ocupacional após o nascimento de desses filhos.

Os resultados indicativos de que as mães estão adaptadas aos seus filhos podem ser discutidos à luz da literatura relativa ao processo de elaboração do luto e re-idealização do filho imaginado como perfeito (Franco, 2009). Como já referido, ao nascer de um bebê com alguma deficiência, poderá haver um rompimento no desenvolvimento das mães, que previamente imaginaram o bebê como perfeito, competente e promissor (Franco, 2016a). Com isso, essas mães podem não se relacionarem emocionalmente com os filhos e exercerem uma parentalidade funcional dominada pela ação do cuidar.

Vários fatores estão associados ao processo de adaptação e desenvolvimento de uma parentalidade saudável em relação a esses filhos, incluindo as características dos filhos, manifestações sintomatológicas, maneira como o diagnóstico foi transmitido, nível de escolaridade e condições socioeconômicas dos pais e/ou mães, fontes de informação e resiliência parental (Feitosa, 2020). Em adição, as crenças e expectativas da mãe em relação ao nascimento da criança, derivadas de suas próprias experiências de vida, são ameaçadas quando se tem o diagnóstico de alguma deficiência e/ou transtorno do neurodesenvolvimento, o que pode abalar o relacionamento com o filho e, por seguinte, o processo de aceitação a ele (Dantas et al., 2019).

Os dados aqui apresentados demonstraram que as mães superaram a crise inicial marcada por sentimentos depressivos, de culpa, revolta e negação. Por meio de recursos pessoais, como a resiliência, que tem sua base na coesão familiar e na própria criança, as mães foram capazes de usar recursos próprios para prosseguir em seu desenvolvimento. Além disso, a rede apoio composta por familiares, amigos e serviços especializados foi indispensável para o desenvolvimento dessas mães perante as demandas do TEA (Franco, 2009; Franco & Apolónio, 2002).

A literatura refere que a esperança da cura se faz presente em mães e pais de filhos com alguma deficiência e/ou transtorno do neurodesenvolvimento, havendo a crença de que, logo após o anúncio do diagnóstico, virá a notícia que a mesma tem cura, que será rápida e acessível (Franco, 2016a). Até a confirmação de um diagnóstico, muitas mães passam por vários profissionais e instituições de saúde (Lopes et al., 2019). A maneira como o diagnóstico é apresentado tem grande importância, pois transmite informações sobre o que é, qual o prognóstico e demandas por cuidados e tratamentos, o que favorece que as mães se sintam esclarecidas, orientadas e acolhidas (Londero et al., 2021). Quanto maior o conhecimento sobre a condição do(a) filho(a), mais qualificadas as mães estão para lidarem com o desenvolvimento deles e com as próprias emoções, sendo capazes de rever crenças e valores sobre o filho (Glat & Pletsch, 2012). Por isso, compreender o desenvolvimento do próprio filho favorece às mães uma adaptação à nova realidade e, ao se adaptarem, conseguem se reorganizar e conviver com as demandas (Boivin et al., 2015; Baleiro et al., 2012).

Portanto, na medida em que as mães partilham seus anseios e responsabilidades, sentem-se protegidas, pois as informações recebidas sobre o diagnóstico e os apoios interferem diretamente na sua capacidade de desenvolver meios de enfrentar as condições que estão sendo expostas, e assim conseguem retomar o próprio desenvolvimento e adaptarem-se à situação (Milbrath et al., 2011).

Em revisão de literatura, Londero et al. (2021) constataram que para ocorrer o processo de adaptação parental é necessário que haja a identificação precoce dos fatores negativos e positivos que influenciam o processo de re-idealização do filho, a existência de uma abordagem centrada na família com foco na resolução de problemas das situações e, pôr fim, a construção de redes de apoio voltadas especificamente a famílias com crianças com deficiência e/ou transtorno do neurodesenvolvimento.

Com base no modelo teórico de Franco & Apolónio (2002), compreende-se que os resultados obtidos devem ser considerados dentro de um continuum de adaptação/desenvolvimento, ou seja, algumas mães podem estar mais adaptadas e desenvolvidas que outras e vice-versa.

Nesta pesquisa, embora as mães se apresentaram adaptadas aos filhos, os resultados indicaram a presença de problemas funcionais no desempenho ocupacional após o nascimento de seus filhos no TEA. Levando em conta a importância e centralidade das ocupações para a existência humana, quando essas mães deixam de desempenhar algumas ocupações que fazem sentido em suas vidas, constata-se um impacto na expressão da própria individualidade e na constituição da identidade pessoal e social (Polatajko et al., 2013).

Problemas funcionais na categoria produtividade, especificamente no desempenho do trabalho em razão das demandas de cuidados com o filho, foram referidos pela maioria das mães. Algumas mães precisaram parar de trabalhar, outras conseguiram desenvolver algum tipo de trabalho com renda dentro de casa e poucas são as que ainda conseguiram trabalhar fora, mas indicaram níveis de desempenho e satisfação ≤6 e 5 (conforme valoração do instrumento utilizado).

Em revisão de escopo, Sim et al. (2021) verificaram que as mães buscavam por trabalhos que fossem flexíveis, possibilitando que elas continuassem cuidando dos filhos com alguma deficiência e/ou transtorno do neurodesenvolvimento. A pesquisa realizada por Polezi (2021) informa que o trabalho foi uma das ocupações mais impactadas, sendo que as mães precisaram parar de trabalhar e/ou reduziram sua carga de trabalho. Zaidman-Zait & Curle (2016) também identificaram que mães de filhos no TEA, para atender as necessidades das crianças, desistiram de seus empregos e de ter vida social, o que causou rupturas na rotina pessoal e familiar.

Crisostomo et al. (2019) apontam que não desempenhar a ocupação de trabalho traz um sentimento negativo de perda de identidade, além de causar dificuldades financeiras, pois haverá somente uma pessoa trabalhando na família, o que pode resultar em instabilidade e insegurança financeira diante dos gastos trazidos pela deficiência e/ou transtorno do neurodesenvolvimento.

A sociedade enaltece o protagonismo materno no cuidado com os filhos, e mães de filhos no TEA são requeridas a priorizarem o atendimento às demandas destes filhos. Com isso, muitas vezes, essas mães enfrentam dificuldades para realizar atividades relativas à manutenção diária da casa (Pinto et al., 2016). Segundo Aguiar (2018), os cuidados requeridos por filhos no TEA implicam diminuição do tempo que as mães tem para cuidar da casa ou realizar alguma atividade na rua, sendo que as mães tentam realizar algumas dessas atividades quando tais filhos estão na escola.

Hoefman et al. (2014) também apontaram que tais mães encontram dificuldades para realizar atividades domésticas e demais que envolvam o contexto familiar. No estudo realizado por Estanieski & Guarany (2015), as mães relataram que os maiores problemas no desempenho ocupacional estavam nas atividades de autocuidado e lazer, seguidas de organização e limpeza da casa, e a ocupação de realizar compras aparece com pontuação mais baixa.

Na categoria autocuidado, as mães referiram problemas para ir ao salão de beleza e tomar banho. Dantas et al. (2019) indicam que a atenção integral aos filhos no TEA gera falta de tempo para realização do autocuidado, o que pode acarretar perda da identidade, acometendo a autoestima e a saúde mental. O cuidado com o filho no TEA leva a mãe ao próprio esquecimento, deixando de lado seus interesses pessoais, não conseguindo cuidar de sua vida enquanto mulher e deixando de desempenhar ocupações como ir à academia e ao salão de beleza (Pontes & Araújo, 2022). Assim, a rotina de cuidados com os filhos no TEA constitui uma sobrecarga às mães, o que as leva a negligenciar o próprio cuidado (Piovesan et al., 2015).

Para mães de filhos no TEA, realizar algum tipo de autocuidado é, muitas vezes, sobrepor as suas próprias necessidades em relação àquelas dos filhos (Fadda & Cury, 2019). As mães demonstram compreender que a realização do autocuidado pode ser feita quando sobrar algum tempo, denotando que cuidar de si é desnecessário e que não há motivos para tal (Constantinis et al., 2018).

Por fim, na categoria lazer, as mães indicaram problemas para realizar leitura, atividade física, viajar e/ou visitar amigos.

O lazer é considerado uma ocupação primordial, visto que favorece que a pessoa tenha tempo para si mesma enquanto faz o que gosta e sente prazer. As características do TEA repercutem em isolamento da mãe, pois ela diminui o convívio social em virtude dos comportamentos estereotipados e repetitivos e das dificuldades de interação e comunicação do filho (Machado et al., 2018). Segundo Silva et al. (2020), essas mães se sentiam sozinhas nos cuidados com os filhos, com dificuldades para realizar ocupações de lazer, o que acarretava baixa qualidade de vida. Behnia et al. (2017) observou um desequilíbrio ocupacional em mães de filhos no TEA em razão do pouco tempo gasto para exercerem ocupações significativas para elas, como o lazer e o autocuidado. Sen & Yurtsever (2007) verificaram que mães de filhos no TEA têm suas vidas sociais alteradas por conta dos cuidados com os filhos, não conseguindo, muitas vezes, terem um tempo reservado para o convívio com outros membros da família.

De acordo com Barrozo et al. (2015), o tipo de deficiência e/ou transtorno e o grau de dependência do filho influenciam diretamente a vida ocupacional das mães. Com o desempenho ocupacional afetado, essas mães ficam vulneráveis e sofrem impactos físicos, psicológicos e sociais que podem ocasionar perda da perspectiva de vida, mudança de rotina e dificuldades financeiras (Montenegro et al. 2020). Em adição, considerando que o desempenho ocupacional é resultado da interação entre a pessoa e a ocupação em um dado ambiente (Polatajko et al., 2013), o desempenho ocupacional das mães depende também das condições favorecedoras ou não por cada ambiente que transitam (físico, cultural, social e institucional). As mães deste estudo demonstraram que os problemas funcionais para o desempenho das ocupações após o nascimento dos filhos foram acompanhados não só pelo TEA, mas também pela disponibilidade ou não de rede de apoio no momento e ambiente quando e onde viviam.

Mães de filhos com alguma deficiência e/ou transtorno do neurodesenvolvimento, ao atrelarem seu modo de viver em função destes filhos, sobrepõem as demandas deles as suas próprias demandas, e suas ocupações enquanto mulheres são deixadas em segundo plano ou até mesmo esquecidas (Guerra et al., 2015). As mães que não possuem apoio familiar para partilhar os cuidados com os filhos, ficam com o tempo para si restringido e não conseguem realizar suas ocupações (Conceição et al., 2020).

As mães que contam com a ajuda de familiares e amigos, seja para levar essas crianças à escola, passear e, até mesmo, ficar com elas, conseguem realizar algumas ocupações. Por outro lado, de acordo com Xavier (2008), dependendo do grau de dependência dos filhos, algumas mães preferem não receber nenhuma ajuda familiar ou de amigos, mesmo sentindo necessidade. Isso acontece pelo fato dessas mães não se sentirem seguras em entregar seus filhos a pessoas que elas julgam não estarem preparadas para lidar com esse tipo de situação.

Segundo Pontes & Araújo (2022), para mães de filhos no TEA, é incongruente empenhar-se em ocupações significativas que não estejam ligadas ao cuidado do filho. Diante deste único propósito de vida, a existência enquanto mulher é anulada.

Ao considerarmos que todo ser humano é um ser ocupacional e que o desempenho de cada ocupação constitui uma experiência única para cada pessoa (Polatajko et al., 2013), o significado que cada ocupação tem para cada mãe é singular e, por isso, conseguirem desempenhar as ocupações que gostariam mesmo após o nascimento de seus filhos com TEA proporcionaria o resgate de sentidos para o viver e o senso de identidade.

Aceitar e se adaptar à deficiência não é um processo simples para nenhuma mãe, por essa razão, as intervenções não devem incluir apenas os bebês e crianças com alguma deficiência e/ou transtorno do neurodesenvolvimento, mas serem centradas no desenvolvimento familiar, incluindo as demandas da família como um todo (Perrin et al., 2007). Para que isso aconteça, é necessário a disponibilidade de um suporte terapêutico com prática baseada no cliente e na ocupação, para que as necessidades ocupacionais sejam acolhidas e a mãe tenha um papel ativo na definição das metas terapêuticas (Pontes & Polatajko, 2016). No caso de mães de filhos no TEA que estão com alteração e dificuldade para com o próprio desempenho ocupacional, a intervenção terá como foco as ocupações que são significativas para elas e as características do ambiente onde vivem.

Considerações Finais

Os resultados apresentados neste artigo apontam que mães de filhos no TEA estavam em desenvolvimento favorável à adaptação ao nascimento desses filhos e de ser mãe deles. Os índices apresentados pelas mães indicaram que elas estão conseguindo investir emocionalmente nos filhos nos termos de componentes de estética, capacidade e futuro, tendo resiliência e apoio social para lidarem com mudanças e demandas advindas do TEA, favorecendo o próprio desenvolvimento e adaptação. Na mesma direção, os escores indicam que depressão, culpa e diagnóstico não estavam comprometendo a percepção de funcionalidade e de passado/idealização, o que também estaria favorecendo o processo de desenvolvimento e adaptação.

Entretanto, as mães avaliaram a presença de problemas funcionais para o desempenho ocupacional após o nascimento dos filhos. Problemas funcionais na categoria produtividade, especificamente para desempenho do trabalho em razão das demandas de cuidados com os filhos foram referidos pela maioria das mães. Na categoria autocuidado, algumas mães referiram problemas para ir ao salão de beleza e tomar banho. Na categoria lazer, algumas mães indicaram problemas para realizar leitura, atividade física, viajar e/ou visitar amigos.

Conclui-se que a adaptação das mães depende do processo de re-idealização do filho imaginado como perfeito, envolvendo fatores como transmissão do diagnóstico, informação, características dos filhos, condições socioeconômicas, resiliência, crenças e expectativas das mães. Além disso, essas mães, mesmo adaptadas aos filhos no TEA, podem apresentar problemas funcionais no desempenho ocupacional.

Esta pesquisa tem algumas limitações, como tamanho amostral e composição de amostra quantitativamente homogênea, ou seja, foram 11 mães de filhos no TEA com variedade de idades, condições socioeconômicas e educacionais. Por isso, não há números iguais de mães e filhos com as mesmas características, o que não permite comparações estatisticamente significativas em relação à adaptação e ao desempenho ocupacional. Em adição, a pesquisa também não mensurou o nível de suporte requerido pelos filhos, o que se configura outra limitação, e os achados se circunscrevem a essas características da amostra.

Novos estudos são necessários para que se compreenda o processo de adaptação de mães de filhos no TEA e se identifique as dificuldades enfrentadas no desempenho ocupacional dessas mães, de modo a subsidiar programas de intervenção centrados nas reais necessidades dessas mães e com foco nas ocupações significativas para elas a partir das características do ambiente onde vivem.

  • Como citar: Roiz, R. G., & Figueiredo, M. O. (2023). O processo de adaptação e desempenho ocupacional de mães de crianças no transtorno do espectro autista. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 31, 3304. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO252633041
  • Fonte de Financiamento
    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código 001.

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Editado por

  • Editora de seção
    Profa. Dra. Daniela Tavares Gontijo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2022
  • Revisado
    20 Abr 2022
  • Revisado
    27 Jun 2022
  • Aceito
    10 Out 2022
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