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Interprofissionalidade e terapia ocupacional: percepção dos participantes do Programa de Aprimoramento Profissional em um serviço de reabilitação 1 1 Este material é parte da pesquisa. A contribuição é original e inédita. O texto não está sendo avaliado para publicação por outra revista.

Resumo

O Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel O. S. Porto” (CEPRE) participou do Programa de Aprimoramento (PAP)2 para profissionais não médicos da área da saúde entre 1994 e 2019. O objetivo deste estudo foi conhecer e verificar a ocorrência da interprofissionalidade e o papel da terapia ocupacional entre os participantes do PAP atuantes no CEPRE. Esta é uma pesquisa descritiva, qualitativa com a participação de 18 aprimorandos das áreas de fonoaudiologia, pedagogia, psicologia, serviço social e terapia ocupacional que ingressaram nos PAPs realizados no CEPRE em 2018. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, contendo perguntas fechadas e abertas, que abordaram questões referentes às experiências e vivências no PAP. Essas entrevistas foram registradas em áudio e posteriormente transcritas. Optou-se pela análise de conteúdo para examinar os dados. Os resultados apontaram que o aprimoramento profissional contribuiu positivamente para a ocorrência do conhecimento sobre outras áreas, especialmente a terapia ocupacional, oportunizado através de aulas interdisciplinares. A análise de conteúdo revelou que os momentos compartilhados foram importantes para a ocorrência da prática interprofissional centrada no paciente com enfoque na integralidade, e que esse espaço fortaleceu ainda mais o trabalho.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Aprimoramento; Formação em Saúde; Trabalho em Equipe; Prática Interprofissional Colaborativa; Aprendizagem Compartilhada

Abstract

The “Prof. Gabriel O. S. Porto” Center for Studies and Research in Rehabilitation (CEPRE) participated in the Professional Improvement Program (PAP) for non-medical health professionals from 1994 to 2019. This study aimed to understand and assess the occurrence of interprofessionality and the role of occupational therapy among the PAP participants working at CEPRE. This descriptive, qualitative research involved 18 interns from the areas of speech therapy, education, psychology, social service, and occupational therapy who joined PAP at CEPRE in 2018. Data were collected through semi-structured interviews that included both closed and open questions addressing experiences and insights during PAP. These interviews were audio recorded and later transcribed. The data were assessed by content analysis. The results showed that professional improvement positively influenced knowledge about other areas, especially occupational therapy, which was facilitated through interdisciplinary classes. The content analysis revealed that shared moments were important for the occurrence of patient-centered interprofessional practice with a focus on comprehensiveness, and that this space further strengthened the overall work.

Keywords:
Occupational Therapy; Improvement; Health Training; Teamwork; Collaborative Interprofessional Practice; Shared Learning

Introdução

Em 2018, o Programa de Aprimoramento Profissional (PAP) no Estado de São Paulo era composto por cerca de 380 programas sediados em 41 instituições públicas ou privadas conveniadas com o Sistema Único de Saúde (SUS) (São Paulo, 2017São Paulo. Secretaria de Estado de São Paulo. (2017). Manual de orientações do aprimorando. São Paulo.).

Criado em 1979, o PAP é um programa de bolsas atribuídas, principalmente, a recém-graduados de diversos cursos superiores, com destaque para a área da Saúde, exceto a Medicina. Consiste em uma modalidade de formação/capacitação profissional que utiliza como metodologia de aprendizagem o treinamento em serviço, com supervisão de profissional com alta qualificação, em instituições de Saúde com elevado padrão técnico e científico (São Paulo, 2017São Paulo. Secretaria de Estado de São Paulo. (2017). Manual de orientações do aprimorando. São Paulo.). O PAP é uma política pública de qualificação em Saúde - iniciativa exclusiva do Estado de São Paulo (Camilo & Terra, 2015Camilo, M. V. R. F., & Terra, S. R. A. M. (2015). Serviço Social do Hospital das Clinicas da Unicamp: uma trajetória histórica de legitimidade. Serviço Social e Saúde, 1(1), 13-40.).

Em 2018, os PAPs desenvolvidos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) eram compostos por 52 programas nas seguintes áreas: Enfermagem, Odontologia, Nutrição, Psicologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Assistência Social, Biologia, Biomedicina, Farmácia, Educação Física e Medicina Veterinária, além de áreas afins como Física, Administração, Ciências Sociais, Biblioteconomia, Engenharia e Direito.

Na Unicamp, algumas aulas teóricas dos PAPs aconteciam juntando-se turmas. Em especial, a disciplina básica dos cursos de aprimoramento que abordava conteúdos sobre trabalho em equipe no contexto multiprofissional, interdisciplinar e interprofissional. As atividades do PAP sediado no Centro de Estudo e Pesquisa em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel Porto” (CEPRE) aconteciam frequentemente em equipe, principalmente no programa de Terapia ocupacional (TO) em reabilitação.

No Manual de Orientações do Aprimorando da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, os PAPs têm como objetivos:

  1. Capacitar o participante para uma atuação qualificada e diferenciada na área objeto do programa de Aprimoramento, promovendo o aperfeiçoamento do desempenho profissional, através da oportunidade de acesso a novos conhecimentos teóricos e de ênfase nas práticas específicas;

  2. Estimular nos aprimorandos o desenvolvimento de uma visão crítica e abrangente do Sistema Único de Saúde (SUS), orientando sua ação para a melhoria das condições de saúde da população usuária do SUS;

  3. Aprimorar o processo de formação dos participantes, considerando as diretrizes e princípios do SUS, de modo a desenvolver uma compreensão ampla e integrada das diferentes ações e processos de trabalho da instituição participante do programa (São Paulo, 2017, pSão Paulo. Secretaria de Estado de São Paulo. (2017). Manual de orientações do aprimorando. São Paulo.. 5).

O SUS marca mudanças no modo de conceber e produzir saúde, prevê a integralidade das ações de promoção, prevenção e recuperação traçada na identificação dos determinantes e condicionantes sociais da população, apontando, cada vez mais, para a modificação do modo de operar no campo da Saúde (Brasil, 1988Brasil. Senado Federal. (1988, 5 de outubro). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília.; Moreira & Dias, 2015Moreira, C. O. F., & Dias, M. S. de A. (2015). Diretrizes curriculares na saúde e as mudanças nos modelos de saúde e de educação. ABCS Health Sciences, 40(3), 300-305.).

O Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Resolução nº 569 de 8 de dezembro de 2017, aponta a importância do SUS, enquanto órgão formador, no Art. 1º “Reafirmar a prerrogativa constitucional do SUS em ordenar a formação dos(as) trabalhadores(as) da área da saúde” (Brasil, 2018, pBrasil. Conselho Nacional de Saúde - CNS. (2018, 26 de fevereiro). Resolução nº 569, de 8 de dezembro de 2017. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1. Recuperado em 25 de janeiro de 2023, de https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2017/Reso569.pdf
https://conselho.saude.gov.br/resolucoes...
. 3).

A mesma Resolução afirma, ainda, que “[...] a formação no/para o SUS deve ser pautada pelas necessidades de saúde das pessoas e pela integralidade da atenção. Para tanto, requer uma formação interprofissional, humanista, técnica e de ordem prática presencial” (Brasil, 2018, pBrasil. Conselho Nacional de Saúde - CNS. (2018, 26 de fevereiro). Resolução nº 569, de 8 de dezembro de 2017. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1. Recuperado em 25 de janeiro de 2023, de https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2017/Reso569.pdf
https://conselho.saude.gov.br/resolucoes...
. 9).

Segundo Costa (2022, pCosta, M. V. (2022). Prefácio. In N. A. Batista & L. R. Uchôa-Figueiredo (Eds.), Educação interprofissional no Brasil: formação e pesquisa (pp. 9-14). Porto Alegre: Editora Rede Unida.. 9-10):

O SUS tem como princípios essenciais a reorientação das práticas e da formação em saúde, que inclusive são dimensões que precisam ser vistas como indissociáveis. Nas diferentes realidades que formam nosso país, a formação e o trabalho em saúde, como dimensões fundamentais dos sistemas de saúde, também estão sujeitos às influências de forças e interesses hegemônicos. Apesar disso, a história tem mostrado que são, sobretudo, importantes espaços de resistência na luta pelo SUS e seus princípios.

A saúde necessita ser compreendida em um enfoque ampliado, levando-se em conta os contextos social, histórico e cultural, salientando a integralidade no cuidado, bem como as ações interdisciplinares e interprofissionais da equipe (Oliveira, 2014Oliveira, C. M. (2014). A formação interprofissional em saúde e o processo de produção de narrativas: construindo caminhos de aprendizagem (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Paulo, Santos.). Além disso, a questão biopsicossocial evolui considerando o processo saúde-doença e assumindo, assim, a importância da interprofissionalidade no cuidado, rompendo completamente com o entendimento biomédico da saúde centralizada na doença, apresentando o médico como figura central (Batista, 2012Batista, N. A. (2012). Educação interprofissional em saúde: concepções e práticas. Caderno FNEPAS, 2, 25-28.).

O documento da Organização Mundial da Saúde (2010)Organização Mundial da Saúde - OMS. (2010). Marco para ação em educação interprofissional e práticas colaborativas. Genebra: OMS. sobre o marco para ação em Educação Interprofissional em Saúde (EIP) e Prática Interprofissional Colaborativa (PIC) mostra a fragmentação e a dificuldade para conduzir, mundialmente, as demandas de saúde e enfatiza a necessidade de a educação atuar conjuntamente com o propósito de dirigir estratégias capazes de fortalecer a saúde.

No Brasil, nos últimos anos, a EIP foi alavancada principalmente pelas políticas indutoras de reorientação da formação em saúde, como as residências multiprofissionais e os Programas de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET Saúde), que adotaram a interprofissionalidade como um de seus objetivos formativos (Poletto et al., 2022aPoletto, P. R., Rossit, R., Silva, C. C. B., Peccin, M. S., Giusti, R., & Medeiros, L. O. (2022a). Educação Interprofissional como estratégia formativa para o trabalho em equipe. In N. A. Batista & L. R. Uchôa-Figueiredo (Eds.), Educação interprofissional no Brasil: formação e pesquisa (pp. 20-35). Porto Alegre: Editora Rede Unida.).

A prática colaborativa é entendida como elemento da organização dos serviços e acontece quando profissionais de Saúde de diferentes áreas trabalham na perspectiva da integralidade no cuidado, envolvendo os usuários e suas famílias, cuidadores e comunidades (Uchôa-Figueiredo et al., 2022bUchôa-Figueiredo, L. R., Silva, C. G., Soerensen, A. A., Faria, N. M. S., & Silva, I. P. S. (2022b). Prática interprofissional Colaborativa: reflexão do constructo à prática. In N. A. Batista & L. R. Uchôa-Figueiredo (Eds.), Educação interprofissional no Brasil: formação e pesquisa (pp. 36- 62). Porto Alegre: Editora Rede Unida.).

A PIC requer que os profissionais estejam abertos para transitar entre as áreas específicas de formação e articular o seu saber com o dos outros, para que haja o compartilhamento das ações e sejam concebidas atividades, aumentando a resolubilidade dos serviços e a qualidade da atenção à saúde (Organização Mundial da Saúde, 2010Organização Mundial da Saúde - OMS. (2010). Marco para ação em educação interprofissional e práticas colaborativas. Genebra: OMS.; Peduzzi et al., 2013Peduzzi, M., Norman, I. J., Germani, A. C. C. G., Silva, J. A. M., & Souza, G. C. (2013). Educação interprofissional: formação de profissionais de saúde para o trabalho em equipe com foco nos usuários. Revista da Escola de Enfermagem da U S P., 47(4), 977-983.).

O tópico da identidade profissional tem sido discutido nos contextos da prática colaborativa, das políticas e reformas da Saúde, das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos marcos para a formação em Saúde, e seu desenvolvimento ocorre diante da relevância referida ao trabalho em equipe, à própria prática colaborativa e à definição de papéis e responsabilidades, sem predominância de nenhuma categoria profissional (Rossit et al., 2018Rossit, R. A. S., Freitas, M. A. O., Batista, S. H. S. da S., & Batista, N. A. (2018). Construção da identidade profissional na Educação Interprofissional em Saúde: percepção de egressos. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 22(Supl. 1), 1399-1410.). Dessa forma, há necessidade de uma reorganização nas práticas de Saúde, apontando mudanças para a superação do modelo biomédico vigente no país, enaltecendo as contribuições de outros profissionais para a melhora da produção de cuidados aos sujeitos que utilizam o Sistema de Saúde (Matuda et al., 2013Matuda, C. G., Aguiar, D. M. de L., & Frazão, P. (2013). Cooperação interprofissional e a Reforma Sanitária no Brasil: implicações para o modelo de atenção à saúde. Saúde e Sociedade, 22(1), 173-186.). Segundo Furtado (2007)Furtado, J. P. (2007). Equipes de referência: arranjo institucional para potencializar a colaboração entre disciplinas e profissões. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 11(22), 239-255., no que diz respeito ao SUS, a PIC é relevante para o acompanhamento rigoroso e a avaliação sistemática das várias experiências em curso.

Na conformação do SUS, diversos profissionais fazem parte da assistência, dentre eles, os terapeutas ocupacionais, que compõem as equipes desde a promoção da saúde até a reabilitação (Beirão & Alves, 2010Beirão, R. O. S., & Alves, C. K. D. A. (2010). Terapia ocupacional no SUS: refletindo sobre a normatização vigente. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 18(3), 231-246.).

A atuação da terapia ocupacional no SUS, junto com suas intervenções, nas áreas de educação e social, consolida progressivamente a profissão, que manifesta, em sua identidade, princípios condizentes com o SUS. Mostra-se uma prática profissional que engloba questões tecnocientíficas e humanitárias, levando ao favorecimento da equipe, do sujeito e do coletivo, além do sistema (Malfitano & Ferreira, 2011Malfitano, A. P. S., & Ferreira, A. P. (2011). Public health and occupational therapy: appointments on current and historical relations. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 22(2), 102-109.).

Ao realizar atendimento voltado às necessidades das pessoas, a terapia ocupacional trabalha para a inserção social dos indivíduos assistidos, considerando as reais possibilidades individuais e coletivas, com a finalidade de promover sua autonomia e independência para inclusão e participação ativa na sociedade (Malfitano & Ferreira, 2011Malfitano, A. P. S., & Ferreira, A. P. (2011). Public health and occupational therapy: appointments on current and historical relations. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 22(2), 102-109.). A terapia ocupacional envolve o uso terapêutico das atividades cotidianas em indivíduos ou grupos, objetivando a melhora ou possibilitando a participação em diversos papéis, hábitos, rotinas e rituais, em casa, na escola, no local de trabalho, na comunidade e em outros locais (Gomes et al., 2021Gomes, D., Teixeira, L., & Ribeiro, J. (2021). Enquadramento da prática da terapia ocupacional: domínio & processo 4ª edição versão portuguesa de occupational therapy practice framework: domain and process 4th edition (AOTA - 2020). Leiria: Politécnico de Leiria).

Gomes et al. (2021, pGomes, D., Teixeira, L., & Ribeiro, J. (2021). Enquadramento da prática da terapia ocupacional: domínio & processo 4ª edição versão portuguesa de occupational therapy practice framework: domain and process 4th edition (AOTA - 2020). Leiria: Politécnico de Leiria. 19) dizem que diversas abordagens de prestação de serviços são utilizadas para ministrar serviços qualificados de terapia ocupacional, “[…] dos quais as colaborações intra e interprofissionais são componentes chave”, sendo indiscutível a comunicação com todos os prestadores e stakeholders (partes interessadas) — fundamentais para afirmar uma abordagem colaborativa — durante o processo do trabalho.

O Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel O. S. Porto” (CEPRE)

O Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel O. S. Porto” (CEPRE) participou do PAP para profissionais não médicos da área da Saúde entre 1994 e 2019. Os aprimorandos realizavam uma carga horária de 1.920 horas, sendo 80% de atividades práticas e 20% de aulas teóricas. As bolsas eram financiadas pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (São Paulo, 2017São Paulo. Secretaria de Estado de São Paulo. (2017). Manual de orientações do aprimorando. São Paulo.).

O CEPRE abrigou 13 PAPs em 2018: 1) Desenvolvimento infantil: linguagem e surdez; 2) Psicologia do desenvolvimento e deficiência; 3) Serviço social, família e reabilitação na área da saúde; 4) Práticas e políticas sociais na área da saúde e da reabilitação; 5) Fonoaudiologia na área da surdez; 6) Fonoaudiologia aplicada à neurologia; 7) Surdez: desenvolvimento e inclusão; 8) Fonoaudiologia pediátrica; 9) Terapia ocupacional em reabilitação; 10) Reabilitação em saúde ocular; 11) Fonoaudiologia e saúde auditiva; 12) Reabilitação para atividades de vida diária e 13) Psicologia do desenvolvimento: atendimento a crianças e adolescentes.

A área da terapia ocupacional participou de dois dos programas citados: Terapia ocupacional em reabilitação e Reabilitação para atividades de vida diária.

Em 2018, 19 aprimorandos participaram do PAP, distribuídos nas áreas profissionais de fonoaudiologia, pedagogia, psicologia, serviço social e terapia ocupacional entre os programas, exceto no Programa de práticas e políticas sociais na área da saúde e da reabilitação e Programa de reabilitação em saúde ocular.

Batista & Uchôa-Figueiredo (2022)Batista, N. A., & Uchôa-Figueiredo, L. R. (2022). Educação interprofissional no Brasil: formação e pesquisa. Porto Alegre: Editora Rede Unida. mostram que a interprofissionalidade é muito importante para que ocorra a integralidade no cuidado e que essa constatação teórica pode estar associada à análise da prática. Sendo assim, foi a partir do conhecimento das experiências dos aprimorandos e de suas vivências ao longo de seus processos no aprimoramento que surgiu o interesse em conhecer as potencialidades e dificuldades da interprofissionalidade e a identidade profissional das terapeutas ocupacionais envolvidas no PAP. Nesse contexto, esta pesquisa foi desenvolvida como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do PAP.

O objetivo deste artigo é apresentar a percepção dos aprimorandos do CEPRE quanto à interprofissionalidade no contexto formativo e mensurar o reconhecimento do papel da terapia ocupacional na equipe de trabalho.

Método

Pesquisa descritiva, qualitativa (Minayo, 2010Minayo, M. C. S. (2010). Disciplinaridade, interdisciplinaridade e complexidade. Emancipação, 10(2), 435-442.) com a participação de 18 aprimorandos das áreas de fonoaudiologia, pedagogia, psicologia, serviço social e terapia ocupacional que ingressaram nos PAPs realizados no CEPRE em 2018. Como o PAP não contempla a área médica, não foi possível investigar o ponto de vista dessa profissão. A partir de entrevistas semiestruturadas baseadas em tópicos norteadores que favorecem a espontaneidade e a liberdade aos entrevistados, foram montadas as narrativas - instrumento escolhido para este estudo. Wittizorecki et al. (2007) consideram que as narrativas podem ser um dos instrumentos que melhor possibilitam a coleta de informações, na perspectiva de expor ao investigador situações e explicações.

Recordações de alguns fatos da experiência profissional tornam-se significativas, no sentido de perceber que lembranças não vêm de um vazio (Wittizorecki et al., 2007Wittizorecki, E. S., Bossle, F., Silva, L. O., Günther, M. C. C., Santos, M. V., Sanchotene, M. U., Molina, R. K., Diehl, V. R. O., & Molina Neto, V. (2007). Pesquisar exige interrogar-se: a narrativa como estratégia de pesquisa e de formação do(a) pesquisador(a). Movimento, 12(2), 9-33.). Nesse contexto, Bauer & Jovchelovitch (2002, pBauer, M., & Jovchelovitch, S. (2002). Entrevista narrativa. In M. Bauer & G. Gaskell (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som (pp. 91). Petrópolis: Vozes.. 91) afirmam: “[…] não há experiência humana que não possa ser expressa na forma de uma narrativa”.

A narrativa ultrapassa lembranças dos acontecimentos vividos no cotidiano porque é influenciada tanto pela dimensão coletiva quanto pela individual e pode nos levar a conhecer a pluralidade da realidade social e nossa relação com esse contexto. Assim, as experiências são expressões de situações, conhecimentos e histórias vivenciadas e apropriadas pelo sujeito. Nesse processo de construção, a narrativa propicia a autocompreensão e o autoconhecimento relacionado à trajetória (Abrahão, 2004Abrahão, M. H. M. B. (2004). Pesquisa (auto)biográfica: tempo, memória e narrativas. In M. H. M. B Abrahão (Ed.), A aventura (auto)biográfica: teoria e empiria (pp. 203). Porto Alegre: Edipucrs.).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sob o parecer nº 2.879.387. Todos os aspectos éticos envolvidos na pesquisa com seres humanos foram observados, em consonância com as resoluções 466/2012 e 510/2016 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Os profissionais foram convidados a participar desta pesquisa. Antes do início do estudo, seus objetivos foram explicados e um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado pelos participantes.

Os dados foram coletados entre setembro e dezembro de 2018 nas dependências do CEPRE. A duração das entrevistas variou de 30 minutos e 1 hora. A identidade dos participantes foi preservada e a participação foi voluntária. As entrevistas semiestruturadas abordaram temas referentes às experiências e vivências dos profissionais no PAP. As conversas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra.

As perguntas disparadoras das narrativas foram: O que é, para você, a interprofissionalidade? O que você entende por interdisciplinaridade? Durante o processo de aprimoramento aqui no CEPRE você está tendo a oportunidade de vivenciar a interprofissionalidade? Fale sobre isso dê exemplos. Durante o processo de aprimoramento aqui no CEPRE você está tendo a oportunidade de vivenciar a interdisciplinaridade? Fale sobre isso, dê exemplos. Você já trabalhou com terapeutas ocupacionais antes do aprimoramento no CEPRE? Em caso afirmativo, conte como foi essa experiência. Em sua opinião, qual é o papel do terapeuta ocupacional na equipe de saúde?

Optou-se pela análise de conteúdo, que é a expressão mais usada para representar o tratamento dos dados de uma pesquisa qualitativa. Conforme Moraes (1999), aMoraes, R. (1999). Análise de conteúdo. Review of Education, 22(37), 7-32. análise de conteúdo estabelece uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. A análise de conteúdo, por meio de descrições sistemáticas e qualitativas, auxilia a reinterpretação das mensagens e a compreensão de seus significados, para além de uma leitura comum.

Para Minayo (2010)Minayo, M. C. S. (2010). Disciplinaridade, interdisciplinaridade e complexidade. Emancipação, 10(2), 435-442., os seguidores das técnicas qualitativas aprofundam sua argumentação. Dentro dessa linha, tentam ultrapassar o alcance simplesmente descritivo do conteúdo manifesto da mensagem, para atingir, mediante a inferência, uma interpretação mais profunda.

Com as narrativas prontas, após intensa leitura, todo o material foi organizado de modo a identificar as categorias temáticas, e, depois, trabalhado separadamente visando-se o aprofundamento de cada uma dessas categorias para localizar, então, as unidades temáticas significativas. Por exemplo, os temas que significam ansiedade foram reunidos na categoria “ansiedade” e os que significam descontração foram agrupados sob o título conceituado “descontração” (Bardin, 2016Bardin, L. (2016). Técnicas. In L. Bardin, Análise de conteúdo: edição revista e ampliada (p. 200). São Paulo: Edições 70.). Para Bardin (2016), aBardin, L. (2016). Técnicas. In L. Bardin, Análise de conteúdo: edição revista e ampliada (p. 200). São Paulo: Edições 70. análise temática é a mais rápida e eficaz dentre as diferentes possibilidades de categorização, podendo ser aplicada em discursos diretos e simples.

Resultados e Discussão

Nos resultados, os participantes foram identificados pelas iniciais de suas áreas profissionais e enumerados: Fonoaudiologia (F1, F2, F3, F4, F5, F6 e F7); Pedagogia (PD1); Psicologia (P1, P2, P3, P4, P5 e P6), Serviço Social (S1 e S2) e Terapia Ocupacional (T1 e T2).

Os profissionais das áreas de fonoaudiologia, serviço social e terapia ocupacional concluíram a graduação no ano de 2017 e aqueles das áreas de pedagogia e psicologia finalizaram seus cursos em 2016, exceto uma profissional da psicologia (P3), que terminou a graduação em 2017.

Os resultados foram organizados em categorias e subcategorias de modo a facilitar a visualização, como apresentado, a seguir, na Tabela 1.

Tabela 1
Categorias e subcategorias identificadas nas narrativas.

Aprimoramento profissional: espaço para vivência interdisciplinar e interprofissional e conhecimento da identidade da terapia ocupacional

Nesta categoria, procurou-se identificar a percepção dos aprimorandos do CEPRE quanto à ocorrência do trabalho interdisciplinar e interprofissional no contexto do cuidado em equipe e mensurar o conhecimento sobre terapia ocupacional e o reconhecimento do trabalho de terapeutas ocupacionais na equipe de Saúde.

Vivência interdisciplinar e seus desdobramentos para o conhecimento da profissão de terapeuta ocupacional

Nesta subcategoria, os participantes afirmaram sua percepção sobre a interdisciplinaridade, referindo-se à “vivência interdisciplinar” e sua implicação para o conhecimento da terapia ocupacional e outras profissões, o que foi identificado nas narrativas, não correspondendo, diretamente, aos conceitos oriundos da literatura científica.

A interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre especialistas e pela integração das disciplinas num projeto comum, no qual estabelece-se uma relação de reciprocidade que possibilitará o diálogo entre os participantes (Velloso et al., 2016Velloso, M. P., Guimarães, M. B. L., Cruz, C. R. R., & Neves, T. C. C. (2016). Interdisciplinaridade e formação na área de saúde coletiva. Trabalho, Educação e Saúde, 14(1), 257-271.). Para Furtado (2011), oFurtado, J. P. (2011). arranjos institucionais e gestão da clínica: princípios da interdisciplinaridade e interprofissionalidade. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, 1(1), 178-189. termo interdisciplinaridade refere-se à integração de saberes.

A programação do PAP ofereceu aulas teóricas semanais para todos os profissionais vinculados aos programas do CEPRE e muitas delas eram momentos de encontro entre os aprimorandos, quando aconteciam trocas de saberes e conhecimento sobre as profissões, sendo esse um espaço reconhecido positivamente por eles, como apontado nas falas a seguir:

As aulas que a gente tem de sexta também... eu acho que é uma troca de conhecimento bem legal que a gente tem, toda semana a gente tem (F4).

Eu acho que sim [...] nas disciplinas, nas aulas eu acho que contempla muito, estou aprendendo muita coisa a respeito das outras profissões [...] (TO1).

De acordo Minayo (2010), aMinayo, M. C. S. (2010). Disciplinaridade, interdisciplinaridade e complexidade. Emancipação, 10(2), 435-442. interdisciplinaridade se constitui na articulação entre várias disciplinas, tendo como foco o problema, o objeto, em que não basta a resposta de uma só área, tratando-se de uma tática para a compreensão, interpretação e explicação de temas complexos.

Japiassu (1976)Japiassu, H. (1976). Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago. afirma que a interdisciplinaridade se coloca na busca das relações de interdependência e conexões recíprocas entre as disciplinas, que rompe fronteiras disciplinares por caracterizar-se pela intensa troca entre especialistas e pelo grau de integração real entre elas. O papel específico da atividade interdisciplinar, como consequência do processo interativo, constitui-se em religar as fronteiras das disciplinas, que se enriquecem com a participação do fenômeno humano.

Gelbcke et al. (2012)Gelbcke, F. L. L., Matos, E. M., & Sallum, N. C. (2012). Desafios para a integração multiprofissional e interdisciplinar. Tempus Actas de Saúde Coletiva, 6(4), 31-39. dizem que organizar a interdisciplinaridade não é uma tarefa simples, mas uma temática vasta e complexa que aponta para variadas maneiras de interpretação. No campo da construção de conhecimento e da prática assistencial, há um distanciamento entre a interdisciplinaridade vivida e a falada, principalmente nos serviços de Saúde.

O conteúdo teórico abordado nas aulas enfatizava a necessidade da interdisciplinaridade. Porém, há relatos de que a interdisciplinaridade poderia ocorrer mais facilmente se tivesse sendo estimulada na prática também, como revelam as narrativas a seguir:

[...] de sexta-feira das nossas aulas, seja uma possível tentativa de conversar e de dialogar. Eu não acredito que ainda é o ideal, [...] mas há um movimento, sabe de tentar promover essa interdisciplinaridade [...] (PD1).

Eu acho que a aula aqui no CEPRE até tenta trazer isso aqui pra gente, que é importante, que é rico, que é necessário [...] (F2).

Nessa direção, os participantes desta pesquisa reforçam que as aulas teóricas, por contemplarem conteúdos relativos à interdisciplinaridade, foram vistas como ferramenta para o conhecimento das outras profissões da Saúde e a importância da mesma para realização de encaminhamentos e, nesse contexto, expressam as discussões de casos como um meio de ocorrer a interdisciplinaridade e a interprofissionalidade, já que a interdisciplinaridade condiz com a integração de saberes (Furtado, 2011Furtado, J. P. (2011). arranjos institucionais e gestão da clínica: princípios da interdisciplinaridade e interprofissionalidade. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, 1(1), 178-189.).

A interprofissionalidade ocorre quando existe o reconhecimento do perfil profissional, das funções e das responsabilidades de cada membro da equipe, em um processo colaborativo contínuo de troca e compartilhamento de informações, discussões de casos, procedimentos e condutas (Moraes et al., 2019Moraes, M. M. S., Roner, M. N. B., Rocha, E. M. S., & Maia, R. M. C. S. (2019). Interdisciplinaridade e interprofissionalidade: uma estratégia de ensino-aprendizagem na área de Parasitologia. Revista Docência do Ensino Superior, 9, 1-17.). Quando há conscientização dos profissionais de que é possível uma atuação conjunta, desenvolvendo um trabalho colaborativo centrado na pessoa cuidada e sua família, pode-se considerar que eles conseguiram atingir a interprofissionalidade.

Segundo Souto-Gómez et al. (2023), aSouto-Gómez, A.-I., Talavera-Valverde, M.-A., Márquez-Álvarez, L.-J., & García-de-la-Torre, M. P. (2023). A educação interprofissional no desenvolvimento da identidade profissional em terapia ocupacional: uma revisão de escopo. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 31, e3381. http://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoao258833813.
http://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoa...
Educação Interprofissional em Saúde é considerada uma estratégia potente para a formação de equipes interprofissionais, essa abordagem colaborou para melhorar a percepção dos alunos de Terapia ocupacional quando comparado com a educação clínica tradicional, principalmente quando as estratégias utilizadas foram vivências em sala de aula e/ou práticas de campo.

Os profissionais referem que as aulas teóricas contribuíram para articular o conhecimento com outras áreas da Saúde, mostrando a importância das discussões de casos e realização de encaminhamentos:

Então, se perguntarem assim, se o aprimoramento te enriqueceu em relação à interdisciplinaridade? Me enriqueceu muito, porque agora eu sei a função de outros profissionais, talvez eu não atue diretamente com eles, por exemplo, discutir um caso, alguma coisa, mas em relação em saber o que o outro tá fazendo, pra quem eu posso encaminhar, isso me enriqueceu muito (F1).

[...] os profissionais que eu consegui conversar foram as meninas da Psico que, em alguns casos, bate e aí você pergunta: “ah e, nesse caso, o que eu poderia fazer? Olha, é assim, assim, assado”, é mais o conhecimento delas pra me ajudar (F3).

Além do conhecimento das áreas da Saúde, os participantes relataram a ampliação do conhecimento de outras áreas profissionais, como a terapia ocupacional. Isso ocorreu no decorrer dos programas de aprimoramento nos quais a terapeuta ocupacional esteve inserida, conforme os relatos a seguir:

[...] eu vim aprender e a conhecer mesmo esse ano, tanto que foi numa aula que tive, o meu conhecimento de TO [...] em uma das aulas tinha uma TO explicando sobre cegueira, e aí eu falei, nossa, mas pra quê, como? E, aí, uma das TO(s) do aprimoramento me explicou [...] veio me explicar como que funcionava, certinho [...] (F3).

Então eu acho que tive mais conhecimento aqui mesmo, que fiquei mais próxima da TO, pela conversa, pelas aulas também que a gente teve no aprimoramento né, que deu uma boa visão e pelos relatos de vocês, mesmo, que eu vejo atendendo né (F4).

[...] eu acho que no começo do ano, se você me fizesse uma pergunta ah o que uma TO faz, eu não saberia responder [...] E hoje eu consigo compreender que vai muito mais além [...] (P3).

Emmel & Katto (2010)Emmel, M. L. G., & Katto, L. G. (2010). Conhecimento da terapia ocupacional pelo estudante de medicina. Cadernos Brasileiros De Terapia Ocupacional, 12(2), 89-100. mostram o desconhecimento dos estudantes de Medicina sobre as funções dos terapeutas ocupacionais, mas expressam que, provavelmente, a situação ocorra entre as demais profissões da área da Saúde. Nessa pesquisa, ainda, os autores colocam que essa situação ocorre em razão do reduzido número de terapeutas ocupacionais; porém, não se pode justificar essa situação pela falta de conhecimento das ações da terapia ocupacional pelos demais profissionais.

Os estudos de Almeida et al. (2010)Almeida, M. H. M., Batista, M. P. P., & Lucoves, K. C. R. G. (2010). Reflexões sobre a formação do terapeuta ocupacional para atuação com pessoas idosas em distintas modalidades de atenção: contribuições de egressos da USP-SP. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 21(2), 130-138. e Lima & Falcão (2014)Lima, A. C. S., & Falcão, I. V. (2014). A formação do terapeuta ocupacional e seu papel no Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF do Recife, PE. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22(1), 3-14. também relatam o desconhecimento de outros profissionais a respeito das atribuições do terapeuta ocupacional, destacando que o mesmo limita as possibilidades de intervenção do terapeuta ocupacional, as ações e criação de vínculos com a comunidade que permitem construir relações de confiança que aumentem os espaços de atuação.

Conforme Hennington (2005), aHennington, É. A. (2005). Acolhimento como prática interdisciplinar num programa de extensão universitária. Cadernos de Saude Publica, 21(1), 256-265. experiência interdisciplinar amplia o campo de competências através de troca de saberes, que leva a um ganho da qualidade na atenção à saúde sem perder as especificidades e conhecimentos de cada profissão.

Considerando a interdisciplinaridade e a terapia ocupacional, Ferigollo & Kessler (2017)Ferigollo, J. P., & Kessler, T. M. (2017). Fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional - prática interdisciplinar nos distúrbios da comunicação humana. Revista CEFAC, 19(2), 147-158. analisaram o conhecimento de profissionais da Saúde sobre a interdisciplinaridade no cuidado e sobre as atribuições entre si. Esse estudo revelou uma associação expressiva entre atuação conjunta, identificação do outro profissional e encaminhamento. Segundo esses autores, o conhecimento da terapia ocupacional no contexto da interdisciplinaridade facilita a atuação conjunta no cuidado em Saúde.

Campos (1997)Campos, G. W. S. (1997). Subjetividade e administração de pessoal: considerações sobre modos de gerenciar o trabalho em equipes e saúde. In E. E. Merhy & R. Onocko (Eds.), Agir em saúde: um desafio para o público (pp. 229-266). São Paulo: Hucitec. desenvolveu os conceitos de núcleo e campo de competência e responsabilidade: o núcleo refere-se às atribuições específicas de certa categoria profissional, enquanto que as ações que vão além dessas atribuições determinadas correspondem ao campo. Esses conceitos são eficazes para se verificar e compreender que as atividades relacionadas ao núcleo são voltadas para a função típica e exclusiva de certa categoria profissional, enquanto que para se trabalhar em atividades de campo, exige-se um significativo grau de interprofissionalidade.

A partir da compreensão desses dois conceitos, poderão é possível ter-se maior clareza do que pode ser partilhado e a convicção de que a colaboração com outros profissionais não causa na perda da identidade ou núcleo profissional (Furtado, 2007Furtado, J. P. (2007). Equipes de referência: arranjo institucional para potencializar a colaboração entre disciplinas e profissões. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 11(22), 239-255.).

Marques et al. (2014)Marques, A. M. F. B., Vargas, M. A. O., Schoeller, S. D., Kinoshita, E. Y., Ramos, F. R., & Trombetta, A. P. (2014). O cuidado à saúde à pessoa com amputação: análise na perspectiva da bioética. Texto & Contexto Enfermagem, 23(4), 898-906. expressam que, na área da saúde, a interdisciplinaridade permite que os profissionais desenvolvam seus conhecimentos e, consequentemente, contribui para o aprimoramento das equipes.

Portanto, pode-se considerar que a competência isolada de cada profissional não dá conta da complexidade do atendimento das necessidades de Saúde. Em vista disso, é preciso flexibilizar os limites das competências para proporcionar uma ação integral (Aguilar-da-Silva et al., 2011Aguilar-da-Silva, R. H., Scapin, L. T., & Batista, N. (2011). Avaliação da formação interprofissional no ensino superior em saúde: aspectos da colaboração e do trabalho em equipe. Avaliação, 16(1), 165-184.). Quando os estudantes compreendem que sua área profissional é limitada e que não podem atuar sem a ajuda das demais áreas, eles mostram-se abertos para, futuramente, trabalharem em equipe visando a integralidade no cuidado (Oliveira et al., 2016Oliveira, C. M., Batista, N. A., Batista, S. H. S. S., & Uchôa-Figueiredo, L. R. (2016). A escrita de narrativas e o desenvolvimento de práticas colaborativas para o trabalho em equipe. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 20(59), 1005-1014.). O fato de um estudante respeitar e conhecer a atuação do outro pode fortalecer seu próprio reconhecimento como parte integrante de uma equipe (Peduzzi, 2001Peduzzi, M. (2001). Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Revista de Saúde Pública, 35(1), 103-109.). Nessa perspectiva, cada profissional toma decisões, usando habilidades específicas, para alcançar um objetivo comum (Peduzzi, 2008Peduzzi, M. (2008). Trabalho em equipe. In I. B. Pereira & J. C. F. Lima (Eds.), Dicionário da educação profissional em saúde (p. 418-426). Rio de Janeiro: EPSJV.).

O processo formativo, embasado na interprofissionalidade, insere a colaboração de modo a incentivar o protagonismo dos estudantes, para assim despertar suas características individuais, contextualizadas no processo de construção coletiva do pensar e agir, conjuntamente com as articulações dos saberes, a partir da concepção do conhecimento e do estímulo à criatividade na solução de problemas e adesão à autonomia, respeito e vínculo entre profissionais e pessoas assistidas (Uchôa-Figueiredo et al., 2022aUchôa-Figueiredo, L. R., Aveiro, M. C., & Poletto, R. P. (2022a). Experiência de formação para o cuidado centrado na pessoa e colaboração interprofissional. In N. A. Batista & L. R. Uchôa-Figueiredo (Eds.), Educação interprofissional no Brasil: formação e pesquisa (pp. 233-247). Porto Alegre: Editora Rede Unida.).

Vivência interprofissional

Nesta subcategoria, os participantes afirmaram sua percepção do que é a interprofissionalidade e sobre a vivência da mesma no aprimoramento no CEPRE, além de suas implicações para o tratamento da pessoa assistida.

Ceccim (2017)Ceccim, R. B. (2017). Interprofissionalidade e experiências de aprendizagem: inovações no cenário brasileiro. In R. F. C. Toassi (Ed.), Interprofissionalidade e formação na saúde: onde estamos? (pp. 49-67). Porto Alegre: Rede Unida. relata que a interprofissionalidade possibilita desfragmentar o ensino de uma área em comum, resultando em um entendimento expandido do objeto estudado, e ampliar o cuidado do paciente. Segundo Moraes et al. (2019), oMoraes, M. M. S., Roner, M. N. B., Rocha, E. M. S., & Maia, R. M. C. S. (2019). Interdisciplinaridade e interprofissionalidade: uma estratégia de ensino-aprendizagem na área de Parasitologia. Revista Docência do Ensino Superior, 9, 1-17. conceito de interprofissionalidade é compreendido como o desenvolvimento do trabalho em equipe, considerando-se a singularidade e particularidade de cada área do saber, com o intuito de construir conhecimento comum para a tomada de decisão e resolução de problemas. Sendo assim, a interprofissionalidade, como instrumento de articulação de variadas áreas, possibilita compartilhar saberes e expandir a ação sobre o problema, resultando em qualidade de vida para o paciente (Silva et al., 2017Silva, R. R., Silva, V. E. R., Araújo, H. F. P., & Amorim, A. R. N. (2017). A importância da interprofissionalidade na atenção à criança com microcefalia: um relato de experiência da Fisioterapia. Cadernos de Educação, Saúde e Fisioterapia, 4(8), 1.).

Os participantes P6, T1 e F3 reconheceram a interprofissionalidade de formas diferentes, como mostrado a seguir:

É um atendimento que você faz depende de outros profissionais [...] (P6).

Pra mim é um trabalho com vários profissionais de várias especialidades (T1).

[...] Vários profissionais agindo em grupo [...] (F3).

Os participantes mostram, em suas falas, noções gerais sobre o tema, porém bem diferentes daquela sobre interprofissionalidade. Referem-se a interprofissionalidade como sendo trabalho de vários profissionais, dependência de outros profissionais e vários profissionais agindo em grupo.

Uma participante da área de Psicologia foi a que chegou mais próximo de uma conceituação. Faltou a ela completar a frase, mostrando que os profissionais atuam colaborativamente, realizando um trabalho em equipe, visto que o conceito de interprofissionalidade foi abordado de modo tímido nas aulas teóricas. Sendo assim, investigar sobre o que os profissionais pensam sobre sua definição nos revela que o termo se mostra inovador no campo da formação em Saúde no Brasil, já que a maior parte do ensino superior no país tem características uniprofissionais.

Bom, eu acho que a interprofissionalidade é quando dois ou mais profissionais atuam juntos [...] (P4).

Uma das possibilidades para a transformação da formação está na Educação Interprofissional, que tem sido, cada vez mais, divulgada como uma potente experiência para os cursos da área da Saúde, onde se ensina a trabalhar de modo colaborativo, em equipe, tendo o usuário e sua família como parte ativa do processo de cuidado.

No Brasil, a Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista, foi pioneira nessa experiência formativa, com um projeto político pedagógico de campus baseado na educação interprofissional, organizado em três eixos comuns e específicos para os seis cursos. Desde o primeiro semestre, a interprofissionalidade acontece nos eixos comuns para todos os estudantes (Poletto et al., 2022bPoletto, R. P., Batista, S. H. S. S., & Batista, N. A. B. (2022b). A educação interprofissional na graduação de cursos da saúde: a experiência do campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo. In N. A. Batista & L. R. Uchôa-Figueiredo (Eds.), Educação interprofissional no Brasil: formação e pesquisa (pp. 89-108). Porto Alegre: Editora Rede Unida.). Atualmente, existem muitas experiências relacionadas à interprofissionalidade pelo país em diversas Instituições de Ensino Superior (IES).

No contexto da prática, durante a experiência do aprimoramento, ações interprofissionais foram realizadas em atendimentos de pacientes, o que colaborou para o reconhecimento da prática da terapia ocupacional pelos aprimorandos do CEPRE.

Uma única participante da pesquisa que relatou nunca ter ouvido falar nesse termo foi uma profissional da Fonoaudiologia:

Nossa... eu acho que nunca ouvi falar desse termo (F2).

Em relação à percepção da vivência da interprofissionalidade, alguns participantes consideraram que, nas discussões de casos, houve compartilhamento de saberes e conversa coletiva, considerando a singularidade de cada área, mas também foi construído um conhecimento comum a todas as profissões para a tomada de decisão e resolução de problemas relativos ao cuidado.

Durante o processo formativo no PAP, foi estimulado o exercício da comunicação, da interação e das reuniões de equipe para todos os aprimorandos; no entanto, essa oportunidade não ocorreu para alguns participantes em razão da estrutura do programa em que estavam inseridos.

Nesse contexto, os participantes afirmam que esse movimento teve início com as profissionais da terapia ocupacional, que procuravam os outros profissionais para pensarem juntos os casos, influenciando positivamente a saúde da pessoa assistida e melhorando as relações de trabalho na equipe. As falas a seguir mostram como esse processo ocorreu:

[...] foram as profissionais TOs, daqui do CEPRE, que mais promoveram, sabe, essa atividade, essa troca entre os profissionais. Eu não sei se faz parte da educação mesmo, né, acadêmica de vocês [...] vocês ajudaram todos os aprimorandos a realmente se conversar, sabe, eu senti isso assim, vocês tiveram um papel bem importante, e pelo o menos no nosso, as TOs é mais que estavam mais ali, sabe (P3).

[...] reconhecer o que o outro profissional faz, e ele reconhecer o eu faço, sabe. Isso impacta, pro paciente é muito [...] a gente vai construir junto, é o paciente eu e você. Então eu acho que isso é rico pra gente, pra gente chegar no final e ter um produto pra gente entregar (S2).

[...] foi no CEPRE mesmo que entrei em contato com outros profissionais da saúde assim, de perto [...] a interprofissionalidade que eu tô conhecendo esse ano é isso, essa troca né, é conseguir ver a pessoa que você atende pela sua profissão, pelo o que você se formou, mas vendo que sempre tem muito mais pra ser agregado né (P1).

Uma das aprimorandas da terapia ocupacional teve a vivência na formação em EIP durante toda a sua graduação em uma universidade federal do Estado de São Paulo. Ela foi multiplicadora da prática da interprofissionalidade, ensinando e motivando os demais participantes do PAP a se encontrarem e discutirem os casos abertamente, de modo que todos pensassem juntos por uma determinada situação e conseguissem trabalhar colaborativamente em equipe para resolvê-la.

Para a Organização Mundial da Saúde (2010)Organização Mundial da Saúde - OMS. (2010). Marco para ação em educação interprofissional e práticas colaborativas. Genebra: OMS., as equipes de Saúde compostas por diferentes núcleos profissionais que trabalham de modo interprofissional favorecem a qualificação dos serviços às pessoas que necessitam de cuidado à medida que há entendimento das habilidades dos membros que compõem essa equipe, além de acontecer a colaboração, o compartilhamento e o gerenciamento de casos.

A interprofissionalidade proporciona a identificação de potencialidades na atuação profissional, como aperfeiçoamento de práticas e produtividade no ambiente de trabalho, melhoria dos resultados por meio da recuperação e segurança das pessoas assistidas, expansão da confiança dos trabalhadores da Saúde, e otimização do acesso à assistência à saúde (Organização Mundial da Saúde, 2010Organização Mundial da Saúde - OMS. (2010). Marco para ação em educação interprofissional e práticas colaborativas. Genebra: OMS.).

Reeves (2016)Reeves, S. (2016). Why we need interprofessional education to improve the delivery of safe and effective care. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 20(56), 185-197. aponta que o trabalho em equipe multiprofissional colabora para a fragmentação do cuidado. Alvarenga et al. (2013)Alvarenga, J., Meira, A., Fontes, W., Burity Xavier, M., Pedroza Trajano, F., Neto, G., Silva, F., & Almeida, F. (2013). Multiprofissionalidade e interdisciplinaridade na formação em saúde: vivências de graduandos no estágio regional interprofissional. Revista de Enfermagem UFPE, 7(10), 5944-5951. complementa que a multidisciplinaridade é a justaposição de disciplinas em que os saberes especializados delimitam e separam a atuação de cada profissional.

No entanto, o trabalho, na perspectiva da interprofissionalidade, contribui para a redução de custos e o aprimoramento da produção do cuidado às pessoas (Reeves, 2016Reeves, S. (2016). Why we need interprofessional education to improve the delivery of safe and effective care. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 20(56), 185-197.). Nesse contexto, a Prática Interprofissional Colaborativa (PIC) em Saúde é um dos métodos para melhorar os resultados das práticas em todo o mundo, colaborando positivamente para a percepção, eficiência das relações de trabalho em equipe e cuidados em saúde, revelando-se como estratégia de alta importância por reverter o modelo de atenção hegemônico, aumentando a resolutividade do trabalho em equipe e respeitando a integralidade do indivíduo (Dow et al., 2017Dow, A. W., Zhu, X., Sewell, D., Banas, C. A., Mishra, V., & Tu, S. P. (2017). Teamwork on the rocks: rethinking interprofessional practice as networking. Journal of Interprofessional Care, 31(6), 677-678.).

Zwarenstein et al. (2009)Zwarenstein, M., Goldman, J., & Reeves, S. (2009). Interprofessional collaboration: effects of practice-based interventions on professional practice and healthcare outcomes. Cochrane Database of Systematic Reviews, 3(3), 1-31. relatam que a PIC oferece qualificação dos resultados na assistência, visto que a falha na comunicação e interação entre os profissionais favorece o desencadeamento de problemas na atenção à pessoa assistida e no serviço de Saúde.

Para alcançar a PIC em Saúde, faz-se necessário o domínio da “comunicação interprofissional”, que é reconhecido como primordial entre os demais domínios, colocados a seguir: “[…] o cuidado centrado na pessoa, família, comunidade e território; esclarecimento de papéis profissionais, dinâmica de funcionamento da equipe; solução de conflitos interprofissionais e liderança colaborativa” (Canadian Interprofessional Health Collaborative, 2010, pCanadian Interprofessional Health Collaborative - CIHC. (2010). A national interprofessional competence framework. Vancouver: CIHC.. 10).

Para que a comunicação seja a marca da interprofissionalidade, é necessário enfocar a busca de um processo comunicativo embasado na troca de conhecimentos e ações partilhadas (Canadian Interprofessional Health Collaborative, 2010Canadian Interprofessional Health Collaborative - CIHC. (2010). A national interprofessional competence framework. Vancouver: CIHC.; Gocan et al., 2014Gocan, S., Laplante, M. A., & Woodend, K. (2014). Interprofessional collaboration in Ontario’s family health teams: a review of the literature. Journal of Research in Interprofessional Practice and Education, 3(3), 1-19.), transcendendo a antidialogicidade (Freire, 2011Freire, P. (2011). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.).

Os participantes desta pesquisa (conforme suas percepções) reconheceram a necessidade de ter espaço para trocas e discussões, dando inclusive sugestões do que poderia ser feito para que a interprofissionalidade ocorresse com maior frequência no PAP.

[...] tem muitos casos que a gente sente a necessidade que poderia ser discutido com outras áreas, mas que não tem tanta oportunidade assim (F5).

A narrativa de uma profissional de Psicologia mostra que houve possibilidade para a ocorrência da interprofissionalidade durante o PAP, enquanto que uma aprimoranda de Fonoaudiologia disse não haver tantas oportunidades, pontuando que não há previsão de prática da interprofissionalidade nos editais dos programas PAP da Unicamp:

[...] Algumas coisas até se modificaram porque eu tive a oportunidade (P2).

[...] no CEPRE sim, não como deveria ser eu acho, mas um pouquinho eu acho que sim, com outros profissionais sim (F2).

Houve reconhecimento por parte de alguns aprimorandos da importância das aulas teóricas que abordaram conteúdos novos, incluindo a temática da interprofissionalidade. Assim, foi possível realizar ações com a colaboração da terapeuta ocupacional, que teve a experiência da interprofissionalidade em sua formação universitária. Algumas dificuldades estiveram relacionadas aos espaços e ao tempo para trocas e discussões, conforme relatado por duas aprimorandas da Fonoaudiologia e da Psicologia:

[...] se tivesse, sei lá, vinte minutos por semana pra eu poder ir lá e puxar alguns profissionais e debater o caso e desenvolver isso, acho que pra mim seria mais válido (F3).

[...] seria interessante se a gente tivesse mais espaço de discussão, porque mesmo não dá pra atender junto, dá pra gente pensar junto, né, eu sinto falta disso, né, de algo mais planejado, assim, do programa mesmo assim, no momento que seria pra isso, né [...] (P1).

Os momentos de encontro formal entre os profissionais da equipe proporcionam comunicação interprofissional, o que facilita a discussão de casos das pessoas assistidas e a preparação de projetos de cuidado (Leclerc et al., 2013Leclerc, B. S., Presse, N., Bolduc, A., Dutilleul, A., Couturier, Y., & Kergoat, M. J. (2013). Interprofessional meetings in geriatric assessment units: a matter of care organization. Journal of Interprofessional Care, 27(6), 515-519.). Arruda & Moreira (2018)Arruda, L. S., & Moreira, C. O. F. (2018). Colaboração interprofissional: um estudo de caso sobre os profissionais do Núcleo de Atenção ao Idoso da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (NAI/UERJ), Brasil. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 22(64), 199-210. afirmam que as reuniões são ferramentas para executar a práxis em Saúde, pois oportunizam o processo de ação-reflexão-ação, sendo sustentadas através do diálogo autêntico.

Previato & Baldissera (2018)Previato, G. F., & Baldissera, V. D. A. (2018). Communication in the dialogical perspective of collaborative interprofessional practice in Primary Health Care. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 22(Supl. 2), 535-547. sugerem que as equipes de Saúde devem gerir espaços e oportunidades para o diálogo e, especificamente, incentivar as possibilidades para a comunicação interprofissional, realizando reuniões frequentes, discussões de casos, a prática de tomada de decisão compartilhada e a busca da educação permanente, contendo momentos de esclarecimento interprofissional. Ações como essas possibilitam oportunidades de um trabalho baseado na prática colaborativa em Saúde. A dificuldade existente para a manutenção regular de encontros entre os profissionais diminui a comunicação e reduz a eficiência das equipes no que diz respeito ao tempo de aprendizagem e integração (Nisbet et al., 2015Nisbet, G., Dunn, S., & Lincoln, M. (2015). Interprofessional team meetings: opportunities for informal interprofessional learning. Journal of Interprofessional Care, 29(5), 426-432.).

Por outro lado, os relatos a seguir revelam os movimentos dos próprios aprimorandos para que ocorra a comunicação, a troca e a interação:

[...] eu acho que foi uma ação muito mais dos aprimorandos desse ano, não sei como eram nos outros [...] a gente como profissional, né, um pouco mais independente, conseguiu fazer essa troca (P3).

[...] eu procuro os outros aprimorandos pra conversar, um TO, uma pedagoga, um outro psicólogo, é... pra conversar entendeu? (P6).

[...] é uma coisa que acontece mais de uma maneira informal do que de forma formal, de uma coisa pensando, como que a gente vai exercer isso, acaba acontecendo, às vezes, mas não sempre (T2).

Eu tô buscando muito essa interprofissionalização mesmo, de sair conversar com os outros profissionais e trazer. [...] então a gente faz reunião de equipe, a gente tem a liberdade de uma ir na sala da outra conversar sobre os casos, então assim é a promoção (PD1).

Eu acho que o estreitamento dos vínculos entre nós, eu sei que há esse movimento, esse movimento é legal, mas é muito mais por iniciativa nossa [...] (PD1).

As narrativas vêm ao encontro do que determina o sucesso da colaboração interprofissional: questões interacionais, organizacionais e sistêmicas (San Martín-Rodríguez et al., 2005San Martín-Rodríguez, L., Beaulieu, M. D., D’Amour, D., & Ferrada-Videla, M. (2005). The determinants of successful collaboration: a review of theoretical and empirical studies. Journal of Interprofessional Care, 19(Supl. 1), 132-147.). As questões interacionais incluem as relações intersubjetivas, como a comunicação e a confiança e respeito mútuos. As questões organizacionais englobam o domínio da estrutura e política organizacional, o apoio institucional, os recursos para o trabalho em equipe e as estratégias de comunicação, coordenação e tomada de decisão. Por último, as questões sistêmicas implicam os elementos culturais, sociais, educacionais e profissionais, que podem mostrar relações de poder e estereótipos entre as profissões, inclinação para o individualismo e obstáculos à socialização profissional, incorporação de conhecimentos e práticas (San Martín-Rodríguez et al., 2005San Martín-Rodríguez, L., Beaulieu, M. D., D’Amour, D., & Ferrada-Videla, M. (2005). The determinants of successful collaboration: a review of theoretical and empirical studies. Journal of Interprofessional Care, 19(Supl. 1), 132-147.). As questões sistêmicas reforçam as características do individualismo e os obstáculos à socialização dos profissionais - características contrárias à PIC.

Articulações interprofissionais, interdisciplinares e intersetoriais são necessárias para a ocorrência da PIC na rede de atenção à saúde, além da Atenção Centrada na Pessoa (paciente), Família e Comunidade (ACP), que é uma perspectiva ampliada do cuidado à saúde que prioriza as necessidades e a participação das pessoas assistidas, sem reduzir as dimensões patológicas e fisiológicas (Agreli et al., 2016Agreli, H. F., Peduzzi, M., & Silva, M. C. (2016). Atenção centrada no paciente na prática interprofissional colaborativa. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 20(59), 905-916.). Nesse contexto, a ACP pode ser considerada uma potente vivência de colaboração, reconhecida como um atributo do trabalho em equipe interprofissional nas ações de promoção, prevenção, recuperação da saúde e reabilitação (Agreli et al., 2016Agreli, H. F., Peduzzi, M., & Silva, M. C. (2016). Atenção centrada no paciente na prática interprofissional colaborativa. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 20(59), 905-916.; Uchôa-Figueiredo et al., 2022bUchôa-Figueiredo, L. R., Silva, C. G., Soerensen, A. A., Faria, N. M. S., & Silva, I. P. S. (2022b). Prática interprofissional Colaborativa: reflexão do constructo à prática. In N. A. Batista & L. R. Uchôa-Figueiredo (Eds.), Educação interprofissional no Brasil: formação e pesquisa (pp. 36- 62). Porto Alegre: Editora Rede Unida.). A ACP refere-se às ações que contemplam as múltiplas dimensões das necessidades das pessoas assistidas, suas famílias, comunidades e territórios (Orchard et al., 2010Orchard, C., Bainbridge, L., & Bassendowski, S. (2010). A national interprofessional competency framework. Vancouver: Canadian Interprofessional Health Collaborative.).

Dessa forma, a organização dos serviços e a complexidade das necessidades de saúde indicam uma tendência para a crescente substituição da ação profissional separada e independente pelo trabalho em equipe e colaboração interprofissional (Interprofessional Education Collaborative, 2011Interprofessional Education Collaborative - IPEC. (2011). Core competencies for interprofessional collaborative practice: Report of an expert panel. Washington: IPEC.).

Relacionando a perspectiva ampliada do cuidado à saúde e seus elementos com as narrativas a seguir, identifica-se a concordância da relação interprofissional para o bem-estar do profissional, consequentemente levando a benefícios para a pessoa assistida e oferecimento de um cuidado integral:

Eu acho que isso beneficia não só o usuário, como o profissional também. [...] quando você trabalha em equipe, você consegue, além de dar uma resolutividade maior pra aquele caso, você consegue ver o paciente como um todo [...] (F1).

[...] se a gente conseguir deixar esse olhar pra saúde do indivíduo mais integral, com certeza vai ser um benefício maior pra saúde dele, então, nesse sentido, acredito que traria mais benefícios e também pro conhecimento das pessoas, dos profissionais, então acrescentaria muito (T2).

[...] eu acho que pode ajudar pro profissional, pros outros profissionais de outras áreas, mas também pro usuário do serviço, né, porque ele que vai tá se beneficiando realmente [...] mas é o usuário que vai tá se beneficiando, porque ele vai tá sendo atendido de uma forma mais integral (P6).

Eu acho que tanto pra formação dos profissionais mesmo que estão aqui, tanto pro benefício do próprio paciente, porque eu acho que quando você trabalha junto [...] então eu acho que não tem essa divisão de dividir a pessoa em várias partes, né, a gente tá todo mundo junto, tentando pensar naquela pessoa como indivíduo e o que cada um pode contribuir (P4).

De acordo com Agreli et al. (2016)Agreli, H. F., Peduzzi, M., & Silva, M. C. (2016). Atenção centrada no paciente na prática interprofissional colaborativa. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 20(59), 905-916., conforme os profissionais centralizam sua atenção nas necessidades da pessoa assistida, ocorre a expansão da própria atuação, não se restringindo a uma especialidade, mas direcionando-se à prática compartilhada e colaborativa com variados profissionais, construindo, assim, a ACP na prática do cuidado integral.

Considerações Finais

A pesquisa realizada no PAP foi muito positiva, mas teve limitações quanto aos profissionais participantes, uma vez que foram incluídos somente os que faziam parte dos programas do CEPRE, excluindo-se os médicos, por não pertencerem ao PAP.

O aprimoramento desenvolvido no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel Porto da Universidade Estadual de Campinas ofereceu muitos aprendizados, contribuindo positivamente para a formação profissional. O PAP foi percebido como um programa com grande potencial para a prática colaborativa, que precisa ser estimulada, como ocorreu no ano de 2018 com alguém que tinha essa experiência e pôde proporcionar momentos em que a interprofissionalidade foi vivenciada por alguns aprimorandos. Nesta pesquisa, percebeu-se um movimento com relação ao fortalecimento da comunicação com outros profissionais. Na Prática Interprofissional Colaborativa (PIC), a comunicação é um dos importantes domínios, e foi possível notar a potência dessa ação entre os participantes do PAP.

Os espaços interdisciplinares oferecidos pelo PAP durante as aulas teóricas foram muito importantes para o processo formativo. As aulas se constituíram em momentos efetivos para os aprimorandos conhecerem melhor a área da terapia ocupacional, quando também ocorreram as aproximações com profissionais de diferentes especialidades e várias discussões de casos que favoreceram o cuidado integral das pessoas assistidas e melhoraram a qualidade da atenção.

Os resultados mostraram que os participantes deste estudo refletiram sobre as ações realizadas no aprimoramento e identificaram a interprofissionalidade como uma prática importante. É possível afirmar que o PAP cumpriu seu intento e que foi um espaço potente para a abertura de novas experiências, inclusive com um maior reconhecimento do papel da terapia ocupacional na equipe de trabalho, enriquecendo ainda mais a formação profissional.

  • 1
    Este material é parte da pesquisa. A contribuição é original e inédita. O texto não está sendo avaliado para publicação por outra revista.
  • Como citar: Faria, N. M. S., Uchôa-Figueiredo, L. R., & Montilha, R. C. I. (2023). Interprofissionalidade e terapia ocupacional: percepção dos participantes do Programa de Aprimoramento Profissional em um serviço de reabilitação. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 31, e3376. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoRE258433761
  • Fonte de Financiamento

    Bolsa Aprimoramento - bolsas de estudo fornecidas pela Secretaria Estadual de Saúde do estado de São Paulo e Programa de Pós-graduação em Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação - FCM - Unicamp

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Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Iza de Faria-Fortini

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2022
  • Revisado
    29 Dez 2022
  • Revisado
    10 Fev 2023
  • Revisado
    10 Mar 2023
  • Revisado
    04 Maio 2023
  • Aceito
    16 Jun 2023
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