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A indústria de saúde no Brasil

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Ivone Rodrigues Morallis

Cordeiro, Hésio. A Indústria de saúde no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1980. 229p.

Este livro trata das relações entre a indústria farmacêutica e a prestação e consumo de ações de saúde. Por um lado, temos a questão do consumo de medicamentos, sua crescente participação na estrutura de gastos em saúde, suas condições de produção e circulação. De outro lado, temos a questão do consumo médico, cuja importância pode ser avaliada, segundo o autor, pelo fato de que: "Cerca de 80% das consultas médicas implicam a prescrição de um ou mais medicamentos." O exame de tais questões pressupõe, é claro, o conhecimento das relações com a prática médica e das políticas estatais de saúde.

O que o autor pretende é a construção de uma teoria explicativa sobre o consumo de medicamentos e o uso de serviços de saúde. Para tanto, o autor parte da análise de outros estudos sobre consumo de medicamentos, buscando enquadrá-los no âmbito das orientações teóricas existentes.

Um primeiro estudo privilegia os modelos sobre utilização de serviços de saúde, ou seja, a conduta dos consumidores de medicamentos, e inclui variáveis econômicas, sóc¡o-demográficas, psicossociais, culturais e aquelas referentes ao sistema de saúde. Segundo o autor, esses estudos se caracterizam por uma orientação marcadamente empiricista, e as análises da conduta do consumidor encobrem uma certa "lógica da cultura de classe", ou seja, justifica-se uma dinâmica do consumo em termos de condutas racionais e livres dos indivíduos, sem levar em conta a lógica econômica e política da produção de medicamentos a que estão submetidos os grupos sociais.

Dadas essas limitações nos estudos sobre a conduta do consumidor, o autor se volta para outras orientações empenhadas em dar conta dessas relações entre "as necessidades" e "o consumo" em saúde.

Uma destas orientações seria a questão da medicalização nas sociedades industriais, nas quais o consumo de medicamentos não se reduz apenas à relação entre paciente e serviços de saúde, mas depende de inúmeros fatores propriamente sociais. A medicalização é vista então como um instrumento de controle político e social. O autor também examina detidamente as linhas de pensamento de lllich. Dupuy e Karsenty e Navarro, que envolvem análises de práticas médicas, indústria farmacêutica, indivíduos (clientes) e políticas de saúde.

O autor estuda ainda Boltanski e suas idéias a respeito de necessidades de saúde e consumo médico, visão que só poderia ser explicada se referida ao sistema de relações das classes sociais com o saber e a prática médica, onde o papel da medicina é definido como "um subpoder institucional".

Ao estudar o sistema de necessidades de saúde, o autor procura fundamentar-se nas teorias de Marx com relação à produção, consumo e aos processos sociais existentes no modo de produção capitalista, entendendo que essas necessidades e o próprio consumo são produtos sociais e que a ampliação do mercado consumidor de medicamentos atende às exigências da acumulação de capital, principalmente da indústria farmacêutica. Assim, o autor analisa as características dessa indústria, a produção e circulação de medicamentos, bem como as políticas estatais, principalmente a criação e expansão do órgão estatal Cerne (Central de Medicamentos). O autor salienta ainda a questão da própria forma de organização de um sistema de saúde, e sua relação com a prática médica. Deste modo, o autor desenvolve um esquema de análise envolvendo as relações entre a produção e a circulação de medicamentos, a prática médica, as políticas estatais do setor e a organização da atenção à saúde, para justificar que as necessidades e consumo médicos são criados a partir das relações das classes e frações de classe com o complexo industrial-médico.

Na área da saúde, é incontestável a importância que assume a questão dos medicamentos, havendo muitos trabalhos e alguns livros que trataram dessa realidade. Hésio Cordeiro, neste livro, consegue conferir uma abrangência sociológica ao tema, não se limitando a análises de alguns pontos de maior interesse, mas o mérito de sua abordagem está em relacionar esses pontos, inserindo-os num contexto social, ou melhor, amarrando as questões "médicas" à realidade mais ampla. É dessa orientação fecunda que derivam as principais contribuições do livro.

O estudo de Hésio Cordeiro foi antes apresentado como dissertação de Mestrado, no Instituto de Medicina Social da UERJ: um trabalho objetivo e valioso na área dos estudos de saúde, e decerto merecedor da atenção daqueles que de alguma forma estão envolvidos ou interessados em questões de saúde e de sociedade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1981
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