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Pesquisa: relevância social, cooperação e abertura a aprendizagem

IV TEMA - PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO

Pesquisa: relevância social, cooperação e abertura a aprendizagem

Anna Maria Campos

EBAP/FGV

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como motivação básica redirecionar a pesquisa em administração, tomando mais efetiva sua contribuição ao desenvolvimento. Propõe-se uma estratégia de pesquisa que procura reorientar o esforço acadêmico para o entendimento de problemas e a melhoria de condições sociais através da aproximação e do comprometimento dos pesquisadores com as comunidades pesquisadas.

Tal preocupação não é nova e tem inspirado nos últimos anos o trabalho da autora junto aos mestrandos e junto à comunidade anpadiana. Em 1979 eram apresentadas criticas à tradição positivista em pesquisa vigente nas ciências sociais e defendida a necessidade de se repensá-la em benefício da relevância prática.1 1 Seminário sobre o Ensino de Pesquisa nos Programas de Pós-Graduação em Administração. Porto Alegre, Anpad.maio 1979. Ver: 'Vieira, P. R. & Campos, A. M. Em busca de uma metodologia de pesquisa relevante para a administração pública. Revista de Administração Pública, 14(3):101-10, jul./set. 1980. Em 1982, no mesmo fórum da Anpad, foi feita a defesa de uma estratégia alternativa e revisionista.2 2 II Seminário de Pesquisa em Administração. Painel sobre Alternativas Políticas e Metodologias paia a Pesquisa em Administração. Porto Alegre, Anpad, junho 1982. Por outro lado, esta preocupação não é exclusiva da autora. Dentro da mesma linha e afinadas com os mesmos propósitos, estão as propostas de Ruchelman3 3 Ruchelman, L. Managing change through action-research: the role of the university. The Bureaucrat, Winter 1978. e Fals-Borda;4 4 Fals-Borda, O. The challenge of action-tesearch. In: Development: seeds of change. DID, 1981. 1. mais longe no tempo, a proposta de Wright Mills para um "artesanato intelectual",5 5 Mills, C. W. A imaginação sociológica. 4. ed. Rio de Janeiro, Zahar. 1975. as contribuições da teoria crítica e as propostas de pesquisa-ação. Mais próximas no espaço as considerações de "qualidade de vida" já feitas por Hamburger.6 6 Hamburger, P. L. Considerações sobre "qualidade de vida" no processo decisório: impacto sobre as entidades públicas e privadas. Revista de Administração de Empresas, 15(2), mar./abr. 1975.

Este trabalho não traz, portanto, uma proposta inovadora. Procura apenas reforçar uma velha mensagem e suscitar mais uma vez o debate em torno de sua aplicação ao contexto dos programas de pós-graduação em administração. A insistência deve ser entendida como sinal de comprometimento da autora com a idéia defendida e, mais ainda, como o desejo de difundi-la junto à comunidade acadêmica.

No desenvolvimento do trabalho são articuladas as bases da alternativa proposta e suas vantagens. A seguir são apresentadas algumas dificuldades à sua implementação. Finalmente, se traz a experiência de aplicação da proposta a nível do ensino de metodologia de pesquisa na EBAP.

2. BASES DA ESTRATÉGIA ALTERNATIVA PROPOSTA E SUAS VANTAGENS

Dos pontos básicos em que se fundamenta a proposta, ressalta em primeiro lugar a busca de relevância do trabalho de pesquisa social, entendida como relevante a pesquisa que contribua para a definição e o alcance de objetivos de desenvolvimento compatíveis com o bemestar individual e coletivo, para entendimento da realidade sócio-econômica, política e institucional em transformação. Essa busca de relevância orienta a preocupação com as relações entre teoria social e prática social e leva à fusão entre o interesse científico e o interesse social. Neste sentido, a pesquisa em administração estaria necessariamente na categoria de pesquisa aplicada. O grande desafio da pesquisa em administração pública seria a produção e/ou organização e reorganização do conhecimento com vistas ao aperfeiçoamento da ação governamental, à interpretação das necessidades a serem atendidas e á busca de respostas mais adequadas e inovadoras às clientelas.

Como segundo ponto, é contestada a neutralidade do pesquisador e ressaltados o seu compromisso social e político, as dimensões morais e ideológicas da sua participação. Recomenda-se ao pesquisador a preocupação em identificar a quem o seu trabalho beneficia, a que interesse serve, que valores orientam e são fortalecidos pelo resultado do seu esforço.

Associada à noção revista de compromisso viria a redefinição de objetividade. Em pesquisa social o pesquisador é ele mesmo uma variável importante. Suas suposições a respeito da natureza humana, da natureza da realidade em estudo, do conhecimento, entre outras, influenciam a definição dos problemas, a escolha do método, a maneira de interpretar os dados. Objetividade em pesquisa social implica estar consciente e alerta para o impacto da inevitável subjetividade do observador sobre os fenômenos estudados. Requer que o pesquisador reconheça e faça conhecidos os condicionamentos do ambiente a que esteve exposto (social, académico e profissional), sua orientação ideológica, sua moldura de valores, seus sentimentos e inquietudes. Requer ainda que seus vieses sejam claramente enunciados aos consumidores do seu trabalho. No desenvolvimento do projeto a nova estratégia repudia a distancia emocional e defende um envolvimento na ação.

Como terceiro püar da proposta, um novo conceito e uma nova atitude diante do conhecimento. Valoriza-se igualmente o conhecimento obtido através da educação formal e no dominio da ciencia e o conhecimento informal, a sabedoria acumulada pela vivencia, a experiencia das situações práticas, procurando combinar diferentes perspectivas, desde a própria definição de problemas de pesquisa. Reconhece-se que há algo mais além da observação sensorial na experiência humana e que isso também pode ser acrescentado ao estoque de conhecimento.

No processo de busca e interpretação dos dados, não só o que é testável é importante. Por isso devem-se combinar metodologias objetivas e.subjetivas na aproximação da realidade focalizada.

Outro ponto básico da proposta diz respeito ao caráter colaborativo e participativo da pesquisa social. Tal participação, no entanto, não deve ter uma abordagem previdenciária ou paternalista por parte dos pesquisadores que detêm a competência teórica e metodológica. Antes de tudo, requer a "demolição" da superioridade atribuída ou assumida pelos que detêm tais competências. De acordo com a proposta, menor nível educacional ou falta de domínio das técnicas não significam incompetência, nem para identificar problemas nem para buscar soluções. O caráter colaborativo só é realmente alcançado se estabelecida uma interação igualitária entre "cientistas" e "leigos". Essa interação favorece a combinação de diferentes competências, incorporando recursos valiosos não alcançados pelas práticas tradicionais de pesquisa e ainda propicia a transferência aos novos parceiros de técnicas simples que lhes garantiriam condições de esforço continuado e auto-sustentado mesmo após o "final" dos projetos.7 7 Dentro dessa tônica colaborativa seria revista a condição de "objeto" de pesquisa atribuída aos membros da comunidade/ organização focalizada nos esforços de pesquisa.

A proposta pretende, portanto, que o manancial de competências à disposição da pesquisa social seja enriquecido pela cooperação entre os que detêm o conhecimento científico e os que detêm o conhecimento informal, pela fertilização entre competências em teoria e métodos e competências geradas a partir da prática. Deve ficar bem claro que não se propõe abrir mão nem desconsiderar conceitos e teorias gerados no contexto acadêmico. Apenas reconhece-se à ciência social um caráter não absoluto e sim cultural. As teorias podem servir para facilitar a aproximação de situações específicas, mas não como idéias rígidas. Até mesmo as teorias desenvolvidas a partir de outras realidades podem ser úteis. Devem ser usadas, porém, de forma não-dogmática, dandose a devida consideração à dimensão histórica e cultural.8 8 Sobre isso já nos falava Guerreiro Ramos ao propor a "redução sociológica" como estratégia na busca de soluções para atender realidades concretas peculiares sem abrir mão do que foi conquistado pêlo esforço universal na ciência social (Guerreiro Ramos, A. A redução sociológica. Rio de Janeiro, MEC/Iseb, 1958).

O esforço de pesquisa orientado por esta estratégia alternativa pode parecer pouco ambicioso de acordo com os padrões vigentes na comunidade científica, pois não alimentaria a formulação de generalizações teóricas universais. Entretanto, na medida em que se valoriza o entendimento de situações específicas e a busca de respostas adequadas a cada situação, é inegável a sua ambição de contribuir para um novo nível de prática, fundamentado numa compreensão mais completa da realidade social e mais sensível ás condições específicas das comunidades-clientes da administração. Por outro lado, caberá sempre aos cientistas sociais a tarefa de reflexão, integração e articulação entre o particular e o geral.

Ainda que a maior parte das vantagens tenha sido de alguma forma apresentada na defesa de seus pontos básicos, há que se acrescentar a abertura das possibilidades de aprendizagem e ainda o caráter bilateral dessa aprendizagem. A nova concepção e a nova atitude diante do conhecimento levam a uma situação em que todos sabem e todos podem aprender uns com os outros. A compreensão da realidade resulta de um contato direto e aberto entre pesquisador e pesquisandos e o conhecimento gerado dessa interação cooperativa resulta mais completo do que se baseado unicamente na visão do pesquisador.

A possibilidade de aprendizagem é aberta ao longo de todo o processo e não apenas ao final. O projeto de pesquisa em si é "orgânico". Ele fornece uma orientação inicial; é propositadamente incompleto, deve ser reajustado e readequado ao longo da própria execução. Isso é bem diferente da prática vigente, onde projetos "fechados" só permitem que a aprendizagem ocorra ao final do processo.

Muitas críticas são feitas à universidade pelo seu distanciamento da realidade e pela inutilidade prática do conhecimento. Na nova estratégia, esse problema seria sanado na medida em que se aceita uma redefinição do saber social e se procede a uma nova conjugação de saberes no desenvolvimento de pesquisas voltadas a contribuir para um novo nível de prática, para uma teoria social adequada ao contexto .cultural, capaz de entender e atender as diversidades e as peculiaridades locais. No caso específico da pesquisa e da prática de administração pública, a universidade agiria como agente facilitador da aproximação entre agências governamentais e suas clientelas, contribuindo para o aperfeiçoamento dos processos de identificação de problemas, geração e escolha de alternativas de ação e de avaliação de políticas e programas.

Na verdade, essa estratégia alternativa de pesquisa, como parte de uma proposta mais ampla de um modelo alternativo de planejamento, propiciaria inúmeras revisões nos procedimentos de política e administração públicas.9 9 Campos, A. M. Um novo modelo de planejamento para uma nova estratégia de desenvolvimento. Revista de Administração Pública 14(3):27-45, jul./set. 1980. Como modelo tentava-se integrar o planejamento central e a participação da comunidade na administração pública para o desenvolvimento, intensificando as oportunidades de aprendizagem e transformação sociais.

3. DIFICULDADES PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA PROPOSTA

Neste item serão identificadas as dificuldades para o estabelecimento de uma relação de cooperação e intercâmbio entre a administração pública como campo de conhecimento e a administração pública como campo de exercício profissional, com vistas ao aperfeiçoamento da prática, ao desenvolvimento da teoria e, em última análise, ao melhor atendimento das clientelas-alvo. Serão ainda tentativamente explorados alguns caminhos para que o esforço de pesquisa passe a contribuir para o atendimento de necessidades práticas e para a produção de um conhecimento relevante.

Não se pretendeu esgotar as dificuldades nem as formas de contorná-las. Ao contrário, espera-se que a discussão das idéias apresentadas estimule a identificação de outras não antecipadas, bem como sugestões para contomar tais dificuldades.

A implementação da estratégia alternativa de pesquisa proposta suscita, antes de tudo, uma série de revisões na atuação das universidades e das organizações da administração pública, sem as quais não será possível a institucionalização das oportunidades de intercâmbio de experiências e conhecimentos entre acadêmicos e profissionais da administração pública. A pesquisa orientada para problemas sociais deve ter por suporte a experiência compartilhada e a combinação de saberes entre pesquisadores e praticantes. A sensibilidade dos pesquisadores para questões relevantes supõe uma vivência ou familiaridade com as condições da realidade social que os cerca.

Não são muitas as oportunidades institucionalizadas de intercâmbio de experiências e saberes entre acadêmicos e praticantes nem é freqüente a realização de trabalhos conjuntos.

O clima do relacionamento entre as partes - quando existente - está longe daquele ideal de cooperação e respeito mútuo. É antes um clima de desconfiança;as relações propiciadas pelas experiências de consultoria não se dão num clima igualitário e aberto à aprendizagem. Na maior parte das intervenções de consultoria, o consultor chega muito mais para ensinar do que para aprender e o consultado, descrente daquele saber "de fora", pouco ou nada dele se beneficia.

As barreiras ao estabelecimento da interação cooperativa e igualitária são encontradas tanto nas organizações prestadoras de serviços públicos como nas organizações educacionais.10 10 É possível que essas barreiras sejam menos fortes nas relações entre as escolas de administração de empresas e as empresas do que entre as escolas de administração pública e organizações públicas.

É fácil vender a idéia de que é necessário ampliar a participação de professores e alunos nas organizações públicas e nas comunidades em geral. É menos fácil criar e manter mecanismos formais de incentivo ou, pelo menos, remover os desestímulos a tal participação. Sem estímulos formais não será possível atrair para a universidade a contribuição de profissionais e clientes da administração pública nem se conseguirá a participação mais intensa dos professores e estudantes no cenário onde nascem e se confrontam demandas e nas organizações' que supostamente as atenderiam. Como exemplo de obstáculo coloca-se a ausência de mecanismos formais de permuta, por tempo determinado, entre praticantes e professores de administração pública. Tanto o poder executivo como o poder legislativo poderiam intercambiar recursos humanos com a universidade, sem ônus para qualquer das partes e com amplo potencial de benefícios para os indivíduos permutados, para as organizações permutantes e para suas clientelas. Além da institucionalização de programas de intercâmbio entre universidades e o governo federal, com governos estaduais e locais, haveria que se adequar os sistemas de incentivos e recompensas de forma a não trazer aos participantes do intercâmbio nenhuma perda (para o salário ou para a carreira). Pelo contrário, o interesse pessoal pelas oportunidades de intercâmbio deveria ser estimulado pelo sistema de recompensas institucionais.

Os critérios de decisão para alocação de recursos a pojetos de pesquisa - quer pela universidade quer pelas organizações públicas de fomento à pesquisa - deveriam ser revistos tendo em vista cobrar dos pesquisadores maior relevância,11 11 Os projetos de pesquisa tradicionalmente defendem a relevância teórica, o potencial de contribuição à construção de teorias, não necessariamente a contribuição ao aperfeiçoamento da prática. maior clareza da importância do seu projeto para o entendimento e/ou solução de problemas e menor clareza e antecipação de técnicas e instrumentos a serem utilizados. Os projetos de natureza exploratória, descritiva ou analítica, ainda que menos estruturados, podem ser mais ricos como oportunidade de aprendizagem do que os testes de hipóteses e os experimentos controlados.

Deveria ser dado maior apoio aos projetos que abrem espaço para a troca de conhecimentos e experiências, para os que prometem maior impacto sobre as condições da comunidade pesquisada.

A universidade poderia ser ainda melhor aproveitada,na tarefa de avaliação de políticas públicas, sem que isso implicasse perda da sua autonomia e do seu papel crítico.

São muito precárias as disposições - quer por parte das escolas quer do setor público - para a criarão de estágios orientados para estudantes de pós-graduação, dando-lhes oportunidades de explorar a realidade social e identificar temas relevantes em tomo dos quais desenvolveriam suas monografias de mestrado.12 12 Coerente com esta proposta, a Anpad apresentou um projeto à Semor em 1979; da formulação do projeto participou a autora. Desnecessário dizer que o projeto não recebeu resposta.

Caberia às escolas não só a orientação dessas experiências como o reconhecimento de tal esforço pela concessão de créditos. Caberia às organizações o uso e desenvolvimento adequado das competências dos estagiários.

Reconhece-se que este é um caminho difícil e que a experiência semelhante a nível de graduação nunca foi bem-sucedida por falhas de ambas as partes. A assimilação de profissionais e membros da comunidade pela universidade nas atividades de ensino e pesquisa também não tem sido devidamente explorada, quer pelas próprias barreiras formais impostas pelo sistema,13 13 Entre elas, a exigência de titulação, refletindo a crença institucionalizada na superioridade do conhecimento formal. quer pela natureza episódica dessa cooperação.

Mesmo convivendo com essas limitações, há um espaço nos programas de pós-graduação que deve ser avidamente aproveitado para que os esforços de pesquisa desenvolvidos pelos mestrandos em suas monografias sejam consoantes com os. ideais de relevância aqui defendidos.

A nível do ensino de metodologia de pesquisa, cabe um redirecionamento no sentido de estimular desde cedo o interesse dos estudantes em desenvolver projetos que se enquadrem na proposta de relevância e a atitude cooperativa na busca e geração de conhecimento.

No próximo item será examinada a experiência da autora junto aos mestrandos da EBAP nos últimos três anos. A experiência dos dois anos anteriores, dentro desta mesma linha, foi apresentada em outro trabalho.14 14 Vieira, P. R. & Campos, A. M. op. cit.

4. EXPERIÊNCIA DE ENSINO DE METODOLOGIA DE PESQUISA NO MESTRADO DA EBAP

O ensino de metodologia de pesquisa no mestrado da EBAP tem procurado incorporar, dentro das limitações vigentes, as orientações da estratégia alternativa proposta. Procura-se, sobretudo, voltar o trabalho de pesquisa para problemas sentidos pelo mestrando. A competência em identificar, selecionar problemas carentes de entendimento ou solução e de traduzi-los em questões de pesquisa é considerada mais importante do que o virtuosismo metodológico.

Em se tratando de uma disciplina com quatro créditos, com um trimestre de duração, optou-se por enfatizar os quês, por quês e para quês da pesquisa, sem por isso descuidar dos comos. Entende-se também que o trabalho de formar o pesquisador não se inicia, nem tampouco se completa, ao longo do trimestre15 15 Assume-se que os alunos em seus cursos de graduação tenham tomado conhecimento dos métodos e técnicas convencionais de pesquisa. Fornecem-se antecipadamente uma bibliografia e uma listagem desses tópicos, para fins de nivelamento. Não há intenção de esgotar os objetivos definidos para o curso. Ao contrário, procura-se deslanchar um processo que ganhe continuidade e auto-sustentação após o final do curso. .

Os encontros em classe e as atividades extraclasse são planejados de forma a desenvolver um conjunto de competências traduzidas nos objetivos da disciplina. Embora não se possa estabelecer uma relação um-a-um entre atividades e objetivos, algumas atividades voltam-se mais predominantemente para um certo grupo de objetivos.

A primeira parte do curso - aproximadamente um terço do tempo - é dedicada a leituras de textos selecionados, tarefas escritas sobre as leituras, debates em classe e, eventualmente, exposições. Nessa primeira parte procura-se levar os mestrandos a: a) conhecer e avaliar dimensões de pesquisa social e seu potencial de contribuição a um melhor atendimento das necessidades sociais; b) explorar, discutir e avaliar diferentes estratégias de pesquisa em ciências sociais e em administração pública; c) aumentar o conhecimento sobre o método científico, explorando suas possibilidades e limitações na pesquisa social em geral e na administração pública em particular; d) refletir sobre o papel e as responsabilidades do pesquisador perante a sociedade e perante a comunidade académica; e) conhecer as potencialidades da pesquisa-ação para o estudo e a prática de administração pública.

Nos outros dois terços do programa desenvolvem-se tarefas e atividades voltadas predominantemente para: a) desenvolver uma atitude cooperativa entre pesquisadores, entre pesquisadores e administradores, entre pesquisadores e pesquisandos; b) desenvolver a capacidade de aplicar teorias e métodos no entendimento e solução de problemas práticos; c) explorar oportunidades de aplicação da pesquisa-ação; d) identificar as principais etapas do processo de pesquisa social e sua aplicação à administração pública; e) desenvolver habilidades de elaborar, apresentar e julgar projetos de pesquisa de interesse da administração pública.

Nessa etapa, que explora enfaticamente a dimensão cooperativa, os alunos são levados a desempenhar o duplo papel de pesquisadores, pela elaboração de um projeto de pesquisa individual e de apoiadores dos esforços de pesquisa dos colegas em atividades de grupo. As reuniões em classe são usadas para relato de experiências e elucidação de dúvidas. A consulta aos professores da escola é estimulada e a busca de bibliografia relevante para a substância do projeto é parte essencial do esforço.

O ponto de partida dessa fase é a escolha de um problema e sua delimitação, tendo em mente um limite temporal de execução entre seis e 12 meses. Desde a escolha tentativa do problema o aluno deve preparar-se para justificar a escolha, seja em termos de importância para uma organização ou para uma comunidade, seja em termos da contribuição ao desenvolvimento de sua competência profissional. A idéia é que ninguém parta para um projeto sem ter bastante claro o problema que o orienta ou inspira; que haja uma preocupação com a relevância do trabalho e, mais ainda, que cada aluno seja capaz de articular uma justificativa consciente para o investimento de recursos em tomo do projeto proposto.

Essas propostas são discutidas a nível de grupo de apoio e da classe (incluindo a professora), focalizando os aspectos de relevância e viabilidade.

Segue-se a identificação da(s) modalidade(s) de pesquisa mais adequada(s) à natureza do problema, a busca de literatura relevante e a escolha de um referencial teórico adequado ao problema. O processo de troca entre a "comunidade de pesquisadores" que se instala no grupo é muito estimulado. A partir daí, o aluno, apoiado pelo inventário de competências próprias, do grupo e da escola, parte para a versão preliminar do seu projeto, que constitui outra tarefa. Essa versão é apresentada ao grupo de apoio, que tem como tarefa apresentar comentários aos projetos examinados.

A tarefa final consiste no aperfeiçoamento da versão preliminar incorporando os comentários dos "consultores".

Com pequenas adaptações, a partir da própria reação dos alunos, a disciplina tem-se desenvolvido neste formato nos três últimos anos (1981-83). A EBAP não pretende vender o seu modelo de ensino de metodologia, dado que essa é uma experiência ainda em teste e que requer ela mesma um esforço de avaliação dos seus resultados. Não há ainda como afirmar que a experiência fez diferença em termos da produção de monografias.16 16 A maior parte das pessoas que passaram pela nova orientação não teve ainda seus prazos esgotados para apresentar monografia. Há, no entanto, um sentido compartilhado de que se tem conseguido desmistificar a pesquisa, desvinculando o aspecto de relevância do de complexidade. Alguns projetos desenvolvidos na disciplina, com alguns refinamentos, têm originado projetos de monografia. Quanto menos não seja, a aprendizagem favorecida pela disciplina e a vivência de elaboração e discussão de projetos gera uma experiência essencial ao trabalho de pesquisa para a monografia.

5. CONCLUSÃO

Quem apresenta propostas tem por obrigação tentar implementá-las. Dadas as próprias características da proposta (cooperação e abertura â aprendizagem) as tentativas de implementação devem ser compartilhadas. Da troca de experiências - bem ou mesmo malsucedidas - resultará o aperfeiçoamento das ações de pesquisa e a aproximação gradual da sonhada relevância.

Com essa motivação foi produzido este trabalho. Dada a ambição dos objetivos da proposta, não se pensou alcançá-los, mas avançar na sua busca, mesmo sabendo que a tarefa é mterminável. Sempre haverá o que aprender, o que trocar, sobre o que refletir.

  • 1
    1 Seminário sobre o Ensino de Pesquisa nos Programas de Pós-Graduação em Administração. Porto Alegre, Anpad.maio 1979.
  • Ver: 'Vieira, P. R. & Campos, A. M. Em busca de uma metodologia de pesquisa relevante para a administração pública. Revista de Administração Pública, 14(3):101-10, jul./set. 1980.
  • 3 Ruchelman, L. Managing change through action-research: the role of the university. The Bureaucrat, Winter 1978.
  • 5 Mills, C. W. A imaginação sociológica. 4. ed. Rio de Janeiro, Zahar. 1975.
  • 6 Hamburger, P. L. Considerações sobre "qualidade de vida" no processo decisório: impacto sobre as entidades públicas e privadas. Revista de Administração de Empresas, 15(2), mar./abr. 1975.
  • 8 Sobre isso já nos falava Guerreiro Ramos ao propor a "redução sociológica" como estratégia na busca de soluções para atender realidades concretas peculiares sem abrir mão do que foi conquistado pêlo esforço universal na ciência social (Guerreiro Ramos, A. A redução sociológica. Rio de Janeiro, MEC/Iseb, 1958).
  • 9 Campos, A. M. Um novo modelo de planejamento para uma nova estratégia de desenvolvimento. Revista de Administração Pública 14(3):27-45, jul./set. 1980.
  • 1
    Seminário sobre o Ensino de Pesquisa nos Programas de Pós-Graduação em Administração. Porto Alegre, Anpad.maio 1979. Ver: 'Vieira, P. R. & Campos, A. M. Em busca de uma metodologia de pesquisa relevante para a administração pública.
    Revista de Administração Pública, 14(3):101-10, jul./set. 1980.
  • 2
    II Seminário de Pesquisa em Administração. Painel sobre Alternativas Políticas e Metodologias paia a Pesquisa em Administração. Porto Alegre, Anpad, junho 1982.
  • 3
    Ruchelman, L. Managing change through action-research: the role of the university.
    The Bureaucrat, Winter 1978.
  • 4
    Fals-Borda, O. The challenge of action-tesearch. In:
    Development: seeds of change. DID, 1981. 1.
  • 5
    Mills, C. W.
    A imaginação sociológica. 4. ed. Rio de Janeiro, Zahar. 1975.
  • 6
    Hamburger, P. L. Considerações sobre "qualidade de vida" no processo decisório: impacto sobre as entidades públicas e privadas.
    Revista de Administração de Empresas, 15(2), mar./abr. 1975.
  • 7
    Dentro dessa tônica colaborativa seria revista a condição de "objeto" de pesquisa atribuída aos membros da comunidade/ organização focalizada nos esforços de pesquisa.
  • 8
    Sobre isso já nos falava Guerreiro Ramos ao propor a "redução sociológica" como estratégia na busca de soluções para atender realidades concretas peculiares sem abrir mão do que foi conquistado pêlo esforço universal na ciência social (Guerreiro Ramos, A.
    A redução sociológica. Rio de Janeiro, MEC/Iseb, 1958).
  • 9
    Campos, A. M. Um novo modelo de planejamento para uma nova estratégia de desenvolvimento.
    Revista de Administração Pública 14(3):27-45, jul./set. 1980. Como modelo tentava-se integrar o planejamento central e a participação da comunidade na administração pública para o desenvolvimento, intensificando as oportunidades de aprendizagem e transformação sociais.
  • 10
    É possível que essas barreiras sejam menos fortes nas relações entre as escolas de administração de empresas e as empresas do que entre as escolas de administração pública e organizações públicas.
  • 11
    Os projetos de pesquisa tradicionalmente defendem a relevância teórica, o potencial de contribuição à construção de teorias, não necessariamente a contribuição ao aperfeiçoamento da prática.
  • 12
    Coerente com esta proposta, a Anpad apresentou um projeto à Semor em 1979; da formulação do projeto participou a autora. Desnecessário dizer que o projeto não recebeu resposta.
  • 13
    Entre elas, a exigência de titulação, refletindo a crença institucionalizada na superioridade do conhecimento formal.
  • 14
    Vieira, P. R. & Campos, A. M.
    op. cit.
  • 15
    Assume-se que os alunos em seus cursos de graduação tenham tomado conhecimento dos métodos e técnicas convencionais de pesquisa. Fornecem-se antecipadamente uma bibliografia e uma listagem desses tópicos, para fins de nivelamento. Não há intenção de esgotar os objetivos definidos para o curso. Ao contrário, procura-se deslanchar um processo que ganhe continuidade e auto-sustentação após o final do curso.
  • 16
    A maior parte das pessoas que passaram pela nova orientação não teve ainda seus prazos esgotados para apresentar monografia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1984
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