Acessibilidade / Reportar erro

Variação do volume de líquido amniótico por idade gestacional segundo algumas variáveis sociodemográficas e obstétricas em gestações de baixo risco

Variability of amniotic fluid volume with gestational age according to some sociodemographic and obstetrical variables among low-risk pregnancies

Resumos

OBJETIVO: avaliar a associação entre a variação do índice de líquido amniótico (ILA) de acordo com a idade gestacional e variáveis sociodemográficas e obstétricas em gravidezes de baixo risco. MÉTODO: estudo comparativo incluindo 2.868 mulheres com gravidez de baixo risco que foram avaliadas com exame ultra-sonográfico obstétrico de rotina, incluindo a biometria fetal e a medida do ILA. O exame foi realizado entre a 20ª e a 42ª semana de idade gestacional. Os dados foram analisados com o uso do teste t de Student, da análise de variância do ILA em função da idade gestacional e demais variáveis de controle, e também por análise de regressão linear múltipla. RESULTADOS: não houve variação significativa quando avaliamos isoladamente os valores médios do ILA ao longo da idade gestacional em relação com a idade materna, cor, escolaridade, hábito de fumar, paridade e presença de cicatriz de cesárea, nem quando a avaliação foi conjunta por análise multivariada. Nesta situação apenas a idade gestacional mostrou-se associada com a diminuição do ILA. De maneira geral, os valores médios de ILA mantiveram-se, em todas situações avaliadas, entre a 20ª e a 36ª semana, com flutuações entre 140 e 180 mm, apresentando valores inferiores de 140 mm em queda progressiva após este limite de idade gestacional. CONCLUSÕES: O ILA não sofreu alterações significativas em relação às variáveis sociodemográficas e obstétricas estudadas, durante a gestação.

Líquido amniótico; Índice de líquido amniótico; Gravidez normal


PURPOSE: to evaluate the association between the variability of amniotic fluid index (AFI) values with gestational age and some sociodemographic and obstetric variables among low-risk pregnant women. METHOD: a comparative study was carried out including 2868 low-risk pregnant women who had routine obstetric ultrasound examination, including fetal biometry and the measurement of AFI, from 20 to 42 weeks of gestation. The data were analyzed using Student's t test, analysis of variance of mean AFI values along gestational ages, according to other control variables, and also by multiple linear regression analysis. RESULTS: there was no significant variation of mean AFI values during the time of pregnancy neither when separately evaluating its association with maternal age, color, education, smoking habit, parity, and the presence of previous cesarean section scars, nor when the evaluation was performed through multivariate analysis. In this situation only the increase in gestational age showed to be associated with the decrease of AFI. Generally speaking, the mean AFI values fluctuated between 140 and 180 mm between the 20th and the 36th week, then showing values below 140 mm in a progressive decrease after this limit of gestational age. CONCLUSIONS: AFI values do not show a significant variation during pregnancy regarding the studied sociodemographic and obstetric variables.

Amniotic fluid index; Obstetric ultrasound; Low-risk pregnancy


TRABALHOS ORIGINAIS

Variação do volume de líquido amniótico por idade gestacional segundo algumas variáveis sociodemográficas e obstétricas em gestações de baixo risco

Variability of amniotic fluid volume with gestational age according to some sociodemographic and obstetrical variables among low-risk pregnancies

Maria Regina Marrocos MachadoI; José Guilherme CecattiII; Fernanda Fioravante Azank dos SantosI; Emílio Francisco MarussiI; Mary Ângela ParpinelliII

IÁrea de Ultra-sonografia

IIÁrea de Obstetrícia

Departamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José Guilherme Cecatti Caixa Postal 6030 - 13081-970 - Campinas - SP Fone/Fax: (019) 3788-9304 E-mail: cecatti@unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a associação entre a variação do índice de líquido amniótico (ILA) de acordo com a idade gestacional e variáveis sociodemográficas e obstétricas em gravidezes de baixo risco.

MÉTODO: estudo comparativo incluindo 2.868 mulheres com gravidez de baixo risco que foram avaliadas com exame ultra-sonográfico obstétrico de rotina, incluindo a biometria fetal e a medida do ILA. O exame foi realizado entre a 20ª e a 42ª semana de idade gestacional. Os dados foram analisados com o uso do teste t de Student, da análise de variância do ILA em função da idade gestacional e demais variáveis de controle, e também por análise de regressão linear múltipla.

RESULTADOS: não houve variação significativa quando avaliamos isoladamente os valores médios do ILA ao longo da idade gestacional em relação com a idade materna, cor, escolaridade, hábito de fumar, paridade e presença de cicatriz de cesárea, nem quando a avaliação foi conjunta por análise multivariada. Nesta situação apenas a idade gestacional mostrou-se associada com a diminuição do ILA. De maneira geral, os valores médios de ILA mantiveram-se, em todas situações avaliadas, entre a 20a e a 36a semana, com flutuações entre 140 e 180 mm, apresentando valores inferiores de 140 mm em queda progressiva após este limite de idade gestacional.

CONCLUSÕES: O ILA não sofreu alterações significativas em relação às variáveis sociodemográficas e obstétricas estudadas, durante a gestação.

Palavras-Chave: Líquido amniótico. Índice de líquido amniótico. Gravidez normal.

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the association between the variability of amniotic fluid index (AFI) values with gestational age and some sociodemographic and obstetric variables among low-risk pregnant women.

METHOD: a comparative study was carried out including 2868 low-risk pregnant women who had routine obstetric ultrasound examination, including fetal biometry and the measurement of AFI, from 20 to 42 weeks of gestation. The data were analyzed using Student's t test, analysis of variance of mean AFI values along gestational ages, according to other control variables, and also by multiple linear regression analysis.

RESULTS: there was no significant variation of mean AFI values during the time of pregnancy neither when separately evaluating its association with maternal age, color, education, smoking habit, parity, and the presence of previous cesarean section scars, nor when the evaluation was performed through multivariate analysis. In this situation only the increase in gestational age showed to be associated with the decrease of AFI. Generally speaking, the mean AFI values fluctuated between 140 and 180 mm between the 20th and the 36th week, then showing values below 140 mm in a progressive decrease after this limit of gestational age.

CONCLUSIONS: AFI values do not show a significant variation during pregnancy regarding the studied sociodemographic and obstetric variables.

Keywords: Amniotic fluid index. Obstetric ultrasound. Low-risk pregnancy.

Introdução

Atualmente, o exame de ultra-sonografia obstétrica pode ser considerado um dos mais completos na vigilância do bem-estar fetal, pois permite avaliar vários fatores estruturais e funcionais. Sete parâmetros básicos devem ser verificados: determinação da idade gestacional pela biometria fetal; morfologia; crescimento; vitalidade e maturidade fetal; placenta e cordão; líquido amniótico; além da possibilidade de diagnosticar outras condições patológicas não relacionadas com a gestação, como miomas e tumores anexiais1.

Especificamente em relação ao volume de líquido amniótico, já está razoavelmente estabelecida sua relação com o bem-estar fetal e a variação pode estar associada a processos patológicos fetais ou maternos. Conseqüentemente, as anormalidades do volume de líquido amniótico estão intimamente correlacionadas com aumento das taxas de morbidade e mortalidade perinatal, podendo-se predizer a ocorrência de situações perinatais adversas2-4.

Foi a partir da segunda metade da década de oitenta que se começou a dar maior importância ao volume de líquido amniótico como indicador das condições de saúde fetal. Foi também nesta época que começaram a se definir as técnicas e procedimentos mais efetivos para a sua avaliação, bem como a gama de variação dos valores considerados normais para gestações de baixo risco, passando-se a definir aquilo que viria a ser conhecido e utilizado em todo o mundo como índice de líquido amniótico (ILA). A partir daí, várias técnicas foram sendo descritas com o intuito de aperfeiçoar estas medidas, e também algumas curvas dos valores normais do ILA para diferentes populações foram construídas2,5-8. Outras técnicas de avaliação do volume do líquido amniótico foram também desenvolvidas, como a medição do maior bolsão vertical para a mesma finalidade, mas sem acrescentar muito à capacidade diagnóstica do ILA9-11.

Entretanto, ainda que a capacidade preditiva das alterações do volume de líquido amniótico para situações perinatais adversas seja baixa12,13, é importante o conhecimento de que valores normais de volume do líquido amniótico, determinados por quaisquer das técnicas disponíveis, estão associados a risco muito baixo de complicações perinatais no trabalho de parto e parto14.

Fato conhecido há algum tempo e muito pouco utilizado na prática diz respeito à variação que o volume de líquido amniótico sofre com a idade gestacional. Isso tem algumas implicações clínicas, na medida em que a classificação do volume do líquido pode ser feita de forma incorreta, sobretudo no final da gestação, ocasião em que ele é ainda mais importante, se não for considerada a redução fisiológica do volume que ocorre nas últimas semanas de gravidez5,15,16. Se o comportamento do volume de líquido amniótico é razoavelmente conhecido durante a gravidez em mulheres de países desenvolvidos, há ainda indefinição quanto aos valores normais de ILA, segundo a idade gestacional, nas populações de países em desenvolvimento. Assim, de maneira geral, adotam-se para gestantes brasileiras curvas de ILA referentes a países desenvolvidos ou a populações com características étnicas e sociais distintas.

Há, portanto, a necessidade da utilização de uma curva de valores do ILA por idade gestacional que seja mais representativa de uma população de brasileiras com gravidez de baixo risco. Assim, uma possibilidade seria a curva construída a partir do exame ultra-sonográfico de grávidas de baixo risco de Campinas, cuja utilização poderia se aplicar melhor à população brasileira8.

De qualquer forma, considerando a variabilidade de uma população, seria possível supor que os valores do volume de líquido amniótico considerados normais para determinada idade gestacional pudessem variar segundo algumas características maternas como raça, idade, número de gestações, paridade, hábito de fumar e nível socioeconômico. Entretanto, não se encontram referências ao estudo destas variáveis em estudos sobre a avaliação do volume de líquido amniótico, exceto quanto à sua relação com o peso fetal estimado6 ou ao nascimento11,17. De fato, o volume do líquido amniótico tem sido correlacionado linearmente com o peso ao nascimento11,17.

Por este motivo o objetivo deste trabalho foi o de avaliar a associação entre a variação do ILA em cada idade gestacional com variáveis sociodemográficas e obstétricas das gestantes.

Pacientes e Métodos

Realizou-se estudo clínico e descritivo no qual se compararam os valores médios do ILA em cada idade gestacional, para uma população de gestantes de baixo risco, avaliando a associação destes valores com variáveis sociodemográficas e obstétricas.

Tomando por base os dados da curva publicada por Jeng et al.15, utilizamos o valor médio de ILA de 140 mm na 40a semana de idade gestacional e desvio padrão de 48 milímetros. Assumindo-se erro alfa de 0,05 e diferença máxima de 10 mm entre o valor populacional e o amostral, o tamanho estimado da amostra foi de 120 medidas para cada semana de idade gestacional. Foram avaliadas, portanto, no mínimo 120 gestantes para cada semana de idade gestacional, a partir da 20ª até a 42ª semana, somando um total de 2.868 medidas independentes (não repetidas para as mesmas mulheres).

Na seção técnica de ultra-sonografia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher identificaram-se as mulheres grávidas que podiam ser incluídas no estudo, que foram encaminhadas do Ambulatório de Pré-Natal do Hospital das Clínicas e do Pronto Atendimento para realização de exame de ultra-sonografia de rotina. Foram incluídas no estudo mulheres com exames realizados no período de agosto de 1997 a abril de 1998.

Os critérios de inclusão das mulheres ao estudo foram: data da última menstruação conhecida com certeza ou, caso esta primeira condição não fosse cumprida, idade gestacional estimada por exame ultra-sonográfico pélvico precoce, realizado antes da 24a semana; não ter usado anticoncepcionais orais nos últimos três meses antes da DUM ou injetáveis nos últimos seis meses anteriores a esta gravidez, para que a idade gestacional fosse considerada confiável, e idade gestacional entre a 20ª e a 42ª semana.

Os seguintes critérios de exclusão foram também considerados: hipertensão arterial crônica, hipertensão gestacional, diabete melito, macrossomia fetal, rotura de membranas, senescência placentária precoce, gestação múltipla, restrição do crescimento intra-uterino, anomalia congênita fetal, óbito fetal, isoimunização fetal e outras situações como doenças metabólicas, nefropatias, cardiopatias, hiper e hipotiroidismo materno.

Para a realização dos exames ultra-sonográficos, foram utilizados os aparelhos Toshiba SSA-140 e Acuson XP4A, com sonda convexa de 3,75 MHz. Os exames foram realizados por um único observador, para se diminuir a variabilidade interobservador no estudo. A mulher foi acomodada em mesa de exame clínico em decúbito dorsal horizontal, sendo realizado o exame ultra-sonográfico por via abdominal, avaliando-se rotineiramente o andar superior do abdômen e o conteúdo uterino, incluindo avaliação fetal global, placenta e cordão umbilical e o volume do líquido amniótico.

A técnica utilizada para a mensuração do volume do líquido amniótico foi aquela descrita por Phelan et al.6, que recomenda a realização da medida dos bolsões dos quatro quadrantes do útero, após sua divisão imaginária a partir da linha nigra no sentido longitudinal e, perpendicularmente, por uma linha que passa pela cicatriz umbilical. Adotou-se uma modificação proposta por Jeng et al.15, em que se utiliza como ponto para a divisão no sentido transversal, uma linha imaginária que passa pelo ponto médio entre a sínfise púbica e o fundo uterino. Foram medidos os maiores bolsões de cada quadrante na profundidade vertical, estando a sonda perpendicular ao plano e longitudinalmente alinhada, com a gestante em posição supina. O ILA foi obtido pela soma das medidas, em milímetros, dos bolsões dos quatro quadrantes. Na medida do maior bolsão de líquido amniótico não foram incluídas partes fetais e alças de cordão umbilical10. Estas últimas, para confirmação diagnóstica, foram estudadas com o mapeamento colorido pelo exame dopplervelocimétrico.

A variação do volume de líquido amniótico nesta população de acordo com a idade gestacional foi avaliada, ao longo do período de estudo, em relação às seguintes variáveis de controle: idade materna, cor ou raça (como definida pelo investigador), escolaridade (última série escolar cursada), tabagismo (hábito de fumar pelo menos um cigarro por dia há, no mínimo, um ano), número de partos e número de cesáreas a que as gestantes foram submetidas anteriormente.

Para os procedimentos de análise estatística, os dados foram analisados com a estimativa de média e desvio padrão do ILA em cada idade gestacional, com a diferença entre as categorias das variáveis de controle avaliada pelo teste t de Student. A análise de variância (ANOVA) foi utilizada para avaliar a variação do ILA em função da idade gestacional e demais variáveis de controle (para identificar o efeito bruto do fator), e também a análise de regressão linear múltipla (para identificar a interação entre o efeito do fator e a idade gestacional). Estes procedimentos foram realizados por meio do pacote SPSS e o nível crítico do valor de p para a significância estatística foi o de 5%. O projeto foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM/UNICAMP.

Resultados

A idade das 2.868 gestantes estudadas variou entre 13 e 46 anos, com média de idade de 25,9 anos. O peso materno variou de 39 a 122 kg e a estatura variou de 140 a 180 cm, com média de 159,1 cm. Houve predomínio da cor branca na população estudada, com pequena variação, não significativa, nas distintas idades gestacionais, entre 65 e 78%. Observou-se que metade das gestantes possuía primeiro grau incompleto ou menor escolaridade. O hábito de fumar foi muito pouco freqüente entre as mulheres do estudo, sendo que apenas cerca de 14,5% das mulheres estudadas fumaram em algum momento durante a gravidez.

De maneira geral, os valores médios do ILA mantiveram-se aproximadamente constantes até a 32ª semana de gestação (cerca de 156 mm na 24ª, 154 mm na 28ª e 149 mm na 32ª) e depois apresentaram uma diminuição com a evolução da gravidez, com valores em torno de 140 mm na 36ª semana e 128 mm na 40ª. Com pequenas variações, estes foram também os valores médios encontrados na estratificação para as variáveis estudadas, apresentadas nas Tabelas 1 a 3 e Figuras 1 a 3. Para a análise da associação da idade materna e idade gestacional com o ILA, aquela foi subdividida em duas categorias: até 29 anos e 30 anos ou mais. Verificou-se não haver diferença estatisticamente significativa em relação à variação do ILA entre os dois grupos etários, ao longo da idade gestacional (Tabela 1 e Figura 1). Quando se consideraram as diferenças étnicas da população, avaliadas pela cor materna, verificou-se também não haver diferença estatisticamente significativa da variação do ILA em função da cor e idade gestacional (Figura 2).




Analisando-se a escolaridade dividida em duas categorias, baixa para até segundo grau incompleto e alta para segundo grau completo ou mais, verificou-se também não haver diferença estatisticamente significativa entre ILA e escolaridade. Entretanto, parece significativa a interação entre os efeitos da idade gestacional e escolaridade na variação do ILA (Tabela 2).

Na comparação entre os grupos de gestantes fumantes e não fumantes também não se observou diferença significativa entre eles quanto à variação do ILA ao longo da idade gestacional (Figura 3) e, da mesma forma, quando se avaliou a associação entre paridade e variação do ILA, não houve diferença significativa durante a gestação, como pode ser visto na Tabela 3. A presença de cicatriz de cesárea também não se associou a uma variação do ILA ao longo da idade gestacional (dados não apresentados).

Na avaliação conjunta de todas as variáveis preditoras independentemente associadas à variação do ILA, pela análise de regressão linear múltipla, a única de fato identificada como estatística e inversamente associada foi a idade gestacional –1,309 (ep 0,105). Assim, à medida que aumenta a idade gestacional, o valor médio do ILA diminui, com um coeficiente de correlação de 0,226.

Já a Tabela 4 fornece os valores com um coeficiente de significância estatística (p valor), para cada situação analisada de variável preditora, do efeito principal da idade gestacional (sempre significativo com p<0,001), do efeito principal do fator (sempre não significativo) e da interação entre a idade gestacional e o fator considerado (significativo apenas para a interação entre idade gestacional com escolaridade). Isso confirma que o principal efeito responsável pela variação do ILA ao longo da gravidez foi a própria idade gestacional e nunca as demais variáveis preditoras avaliadas (idade, cor/raça, tabagismo, escolaridade, número de partos, antecedente de cesárea), mas que houve interação entre idade gestacional e escolaridade, ou seja, a escolaridade modulou o efeito da idade gestacional sobre a variação do ILA.

Discussão

Os resultados do presente estudo confirmaram que, de maneira geral, não existiu na população estudada variação significativa do volume do líquido amniótico, medido ao longo da idade gestacional pelo ILA, de acordo com a idade materna, paridade, escolaridade, cor (etnia) e hábito de fumar. Isso permite ainda concluir que a curva dos valores normais de ILA para gestantes de baixo risco, também derivada desta população e motivo de outra publicação8, poderia ser utilizada como curva padrão para gestantes brasileiras. As características da população estudada, embora não comparada a outras, não chamam a atenção para nenhuma particularidade que a pudesse caracterizar como única. É provável, portanto, que os resultados aqui apresentados possam ser válidos também para outras amostras ou populações de mulheres grávidas de baixo risco deste país, ainda que provenientes de grupo socioeconômico mais desfavorecido.

Desde a descrição inicial da técnica da medida do ILA por meio dos bolsões dos quatro quadrantes nos meados da década de 806,7, esta tem demonstrado ser a melhor preditora do volume real do líquido amniótico. De fato, a comparação dos valores médios encontrados neste estudo para idades gestacionais específicas mostra grande similitude com os valores obtidos de maneira semelhante para outras populações5,15.

Pelo fato de não se terem encontrado associações significativas entre a variação do ILA ao longo da idade gestacional com a idade e a cor materna, o hábito de fumar, a escolaridade, a paridade e a presença de cicatriz de cesárea, quando avaliados separadamente ou em conjunto, pode-se supor que estes fatores não influenciem o volume de líquido amniótico e, portanto, não necessitem ser considerados quando da avaliação do ILA em função da idade gestacional para qualquer mulher.

Um grande estudo multicêntrico realizado em população de mais de 5.000 mulheres chinesas18 mostrou, por outro lado, valores consistentemente menores de ILA do que aqueles previamente relatados por outros estudos5,15. A única hipótese aventada por aqueles autores foi a total predominância (mais de 95%) de mulheres nulíparas na amostra, embora nenhum controle tenha sido feito por paridade.

O hábito de fumar não se associou neste estudo à diminuição do ILA, ao contrário do que se esperava inicialmente. Na verdade, a prevalência do hábito de fumar entre estas gestantes foi pequena, de cerca de 14%. Isto não implica uma limitação do estudo quanto a esta variável, pois o intuito foi de que a amostra fosse a mais representativa possível, para que os resultados pudessem ser secundariamente generalizados. Embora em fumantes o mecanismo indiretamente responsável pela eventual diminuição do volume de líquido amniótico pudesse estar relacionado à maior freqüência de senescência placentária e restrição de crescimento intra-uterino neste grupo, essa avaliação não fazia parte dos objetivos do presente estudo. Além do mais, embora seja bem conhecido o efeito do hábito de fumar durante a gravidez sobre a redução do peso fetal, não está ainda esclarecido se o amadurecimento precoce da placenta pode estar envolvido neste processo, e os poucos estudos que tentaram investigar a associação entre fumo e redução do volume do líquido amniótico não a identificaram19.

Um achado inesperado, mas que não deve passar desapercebido, foi a maior freqüência relativa da escolaridade baixa nas idades gestacionais de 41 e 42 semanas, quando comparado com os períodos anteriores da gestação. Uma possível explicação para este achado talvez seja a maior probabilidade de interrupção da gestação antes da 40ª semana, que costuma ser mais freqüente nas mulheres com melhores condições econômicas, também associadas a níveis de escolaridade alta, que menos freqüentemente atingem idade gestacional de 41 a 42 semanas. Como o estudo envolveu indivíduos de diferentes níveis socioeconômicos, e conseqüentemente diferentes níveis de escolaridade, foi possível evidenciar esta interação da escolaridade com a idade gestacional. Não foi possível encontrar nenhum estudo nacional publicado que desse suporte a esta hipótese explicativa e, portanto, futuros estudos poderão talvez aprofundar a investigação sobre a associação entre idade gestacional à época do parto e classe social ou escolaridade.

Assim, conclui-se que o ILA não sofre alterações significativas em relação às variáveis sociodemográficas e obstétricas estudadas, pelo menos durante a segunda metade da gestação. Isso deverá permitir uso mais alargado da curva de valores normais de ILA por idade gestacional em diferentes contextos brasileiros.

Recebido em: 12/6/2003

Aceito com modificações em: 6/10/2003

  • 1. Pastore AR, Cerri GG. Ultra-Sonografia - Obstetrícia. Ginecologia. São Paulo: Sarvier; 1997. Sistematização do exame obstétrico. p.195-9.
  • 2. Brace RA, Wolf EJ. Normal amniotic fluid volume changes throughout pregnancy. Am J Obstet Gynecol 1989; 161:382-8.
  • 3. Hill LM. Abnormalities of amniotic fluid. In: Nyberg DA, Mahony BS, Pretorius DH, editors. Diagnostic Ultrasound of Fetal Anomalies: text and atlas. 1st ed. St. Louis: Mosby-Year Book; 1990. p.38-66.
  • 4. Magann EF, Chauhan SP, Bofill JA, Martin JN Jr. Comparability of the amniotic fluid index and single deepest pocket measurements in clinical practice. Aust N Z J Obstet Gynaecol 2003; 43:75-7.
  • 5. Moore TR, Cayle JE. The amniotic fluid index in normal human pregnancy. Am J Obstet Gynecol 1990; 162:1168-73.
  • 6. Phelan JP, Smith CV, Broussard P, Small M. Amniotic fluid volume assessment with the four-quadrant technique at 36-42 weeks' gestation. J Reprod Med 1987; 32:540-2.
  • 7. Phelan JP, Ahn MO, Smith CV, Rutherford SE, Anderson E. Amniotic fluid index measurements during pregnancy. J Reprod Med 1987; 32:601-4.
  • 8. Machado Perrotti MR, Cecatti JG, Bricola Filho M, Santos FFA. Curve of amniotic fluid index values among normal pregnant women. Ultrasound Obstet Gynecol 1998; 12 (Suppl 1):168.
  • 9. Magann EF, Chauhan SP, Barrilleaux PS, Whitworth NS, Martin JN. Amniotic fluid index and single deepest pocket: weak indicators of abnormal amniotic volumes. Obstet Gynecol 2000; 96:737-40.
  • 10.Magann EF, Chauhan SP, Washington W, Whitworth NS, Martin JN, Morrison JC. Ultrasound estimation of amniotic fluid volume using the largest vertical pocket containing umbilical cord: measure to or through the cord? Ultrasound Obstet Gynecol 2002; 20:464-7.
  • 11.Myles TD, Morgan JL, Santolaya-Forgas J. Deepest vertical amniotic fluid pocket at term. Normal values and clinical application. J Reprod Med 2003; 48:7-12.
  • 12.Ghosh G, Marsal K, Gudmundsson S. Amniotic fluid index in low-risk pregnancy as an admission test to the labor ward. Acta Obstet Gynecol Scand 2002; 81:852-5.
  • 13.Voxman EG, Tran S, Wing DA. Low amniotic fluid index as a predictor of adverse perinatal outcome. J Perinatol 2002; 22:282-5.
  • 14.Myles TD, Santolaya-Forgas J. Normal ultrasonic evaluation of amniotic fluid in low-risk patients at term. J Reprod Med 2002; 47:621-4.
  • 15.Jeng CJ, Jou TJ, Wang KG, Yang YC, Lee YN, Lan CC. Amniotic fluid index measurement with the four-quadrant technique during pregnancy. J Reprod Med 1990; 35:674-7.
  • 16.Stigter RH, Mulder EJ, Bruinse HW, Visser GH. The amniotic fluid index in late pregnancy. J Matern Fetal Neonatal Med 2002; 12:291-7.
  • 17.Myles TD, Nguyen TM. Relationship between normal amniotic fluid index and birth weight in term patients presenting for labor. J Reprod Med 2001; 46:685-90.
  • 18.Lei H, Wen SW. Normal amniotic fluid index by gestational week in a Chinese population. Central-South China Fetal Growth Study Group. Obstet Gynecol 1998; 92:237-40.
  • 19.Coulsson CC, Thorp JM Jr, Purrington J, Slotchiver JM, Ananth CV, Hartmann K. Effects of maternal smoking on amniotic fluid volume and fetal urine output. Am J Perinatol 1996; 13:195-7.
  • Endereço para correspondência
    José Guilherme Cecatti
    Caixa Postal 6030 - 13081-970 - Campinas - SP
    Fone/Fax: (019) 3788-9304
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Aceito
      06 Out 2003
    • Recebido
      12 Jun 2003
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br