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Reforma universitária em marcha

EDITORIAL

Reforma universitária em marcha

Uma reforma no ensino superior está sendo discutida por uma comissão ampla constituída por representantes de diversas instituições, associações profissionais e estudantis, e organismos governamentais. Segundo Tarso Genro, ministro da Educação, a proposta deverá ser enviada ao Congresso Nacional em meados de novembro.

Sem entrar no mérito da discussão acerca da pertinência de se propor uma reforma, ainda que imperiosa, sem ter ainda assegurados os recursos financeiros necessários para a sua implementação - rendas de uma nova loteria específica, como veiculado, são claramente insuficientes - torna-se mister que a comunidade acadêmica tome conhecimento das diferentes propostas apresentadas e participe ativamente da discussão dos vários itens em pauta (veja http://www.mec.gov.br/reforma/). Cumpre salientar ainda que a nova Lei de Inovações, em discussão no Congresso Nacional, já estabelece profundas modificações na estrutura universitária atual.

Na reunião tópica de Física da Matéria Condensada em maio deste ano, a Sociedade Brasileira de Física promoveu interessante mesa-redonda com a participação dos nossos colegas físicos Ronaldo Mota, secretário-executivo do Conselho Nacional de Educação (CNE), José Fernandes de Lima, reitor da UFSE e Luis Davidovich, diretor da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e seu representante na referida comissão. De interesse mais próximo à comunidade atuando no ensino, é a questão dos paradigmas curriculares. Segundo Davidovich é importante "montar uma estruturação curricular baseada em grandes áreas de conhecimento - por exemplo, Ciências Básicas e Engenharia, Ciências da Vida, e Humanidades, Artes e Ciências Sociais e fundamentalmente oferecer uma formação sólida e diversificada - ensinar a aprender, ensinar a pensar". Para alcançar este objetivo é imperioso "rever a atual carga didática, extremamente pesada, buscar melhor aproveitamento do corpo docente e discente; estimular o trabalho pessoal (biblioteca, acesso a laboratório e rede computacional), e dar tratamento especial a alunos excepcionais ou com dificuldades de aprendizado, entre outros".

Os aspectos mais importantes da estruturação curricular na proposta da ABC, que, em linhas gerais, é defendida pelo também físico Enio Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), também com representação na Comissão, seriam a busca da interdisciplinaridade e a criação de cursos com ciclos de curta duração. Neste aspecto, a proposta contemplaria um ciclo inicial de dois anos de formação básica, após o qual o estudante receberia o título de - Estudos Universitários Gerais - sem valor de habilitação. O ciclo seguinte seria um ano de especialização com a oportunidade de ampliação da formação básica ou introdução de disciplinas pedagógicas (na licenciatura, por exemplo). O ciclo final levaria à especialização do profissional (estágio supervisionado para a licenciatura, no caso específico). Segundo Davidovich, a proposta contribuiria para diminuir o alto índice de evasão nos primeiros anos do curso, considerando que boa parte dessa evasão decorre da escolha precoce da futura profissão por parte dos alunos; facilita a interiorização de instituições públicas de ensino superior e um vestibular menos especializado, por definição.

De algum modo, a proposta ressuscita os "ciclos básicos" introduzidos em algumas universidades brasileiras na década de 70 e o modelo sugerido se assemelha ao adotado nos EUA. Sem dúvida, a idéia de um "ciclo básico comum" para todas as áreas com a entrada no vestibular sem escolha prévia da carreira é de difícil implementação prática por alterar drasticamente posições de professores encastelados em seus feudos curriculares e a gigantesca estrutura burocrática organizacional montada no ensino superior brasileiro. Já com ciclos por "grandes áreas", a proposta teria maior probabilidade de sucesso. Ou, quem sabe, um passo menor, intermediário: sua implantação nas faculdades profissionais como sugerido por Roberto Macedo (O Estado de São Paulo, 10/06/1999, p.2): "por exemplo, numa faculdade de economia, administração e contabilidade, os dois primeiros anos seriam comuns, só depois havendo a escolha de um desses cursos. Freqüentemente, os egressos desses cursos competem por uma mesma ocupação no mercado de trabalho, digamos, analista financeiro. Mas, nessa ocupação, as empresas preferem um economista que também conheça contabilidade e administração, um administrador versado em economia e contabilidade, ou um contador com conhecimentos de economia e administração". A Escola Politécnica da USP partiu na frente nesse aspecto com a introdução de um vestibular único e um ciclo básico de um ano, 750 alunos no total, com escolha ao final do ano para uma das grandes áreas (Civil, Mecânica, Elétrica e Química) e opção, ao final do segundo ano, para uma das especializações (13 ao todo). No caso específico dos cursos de graduação em Física, a proposta é muito semelhante àquela elaborada pela Comissão de Especialistas do MEC que foi aprovada integralmente pelo CNE (Resolução CNE/CES n. 9, de 11/03/2002). Relembrando, de acordo com essa Resolução, o curso de Física se estrutura em um núcleo comum de dois anos atendendo a todas as modalidades (bacharel, licenciado, tecnólogo, interdisciplinar) e em módulos seqüenciais especializados. Por outro lado, a proposta da ABC/SBPC contraria frontalmente as diretrizes curriculares para a formação de professores de educação básica - cursos de licenciatura plena - instituídas pela Resolução CNE/CP n. 1 de 19/02/2002, que estabelece uma formação básica e específica desde o início do curso. Como se vê o impasse sobre a formação do bacharel e do licenciado em Física persiste e uma solução (se existir!) está longe de ser alcançada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2004
  • Data do Fascículo
    2004
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