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A interação entre pessoas com esquizofrenia e familiares interfere na adesão medicamentosa?

La interacción entre personas con esquizofrenia y familiares interfiere en la adhesión medicamentosa?

Resumos

OBJETIVO: Identificar, na perspectiva da pessoa com esquizofrenia e de seu familiar, como ocorre a interação paciente-familiar relacionada à adesão ao tratamento medicamentoso. MÉTODOS: Estudo de abordagem qualitativa, com referencial metodológico da Teoria Fundamentada nos Dados e pressupostos do Interacionismo Simbólico. Participaram do estudo 36 pessoas com esquizofrenia em tratamento ambulatorial e 36 familiares. Para obtenção dos dados, usadas a entrevista gravada e a observação. RESULTADOS: Os depoimentos obtidos revelaram que familiares podem fornecer apoio e motivação, propiciando a adesão do paciente ao tratamento, podendo também incentivá-lo a não aderir à farmacoterapia. Destacaram-se ainda a influência da sobrecarga e o despreparo do familiar cuidador sobre a qualidade dos cuidados prestados. CONCLUSÃO: Profissionais da saúde podem intervir junto aos familiares, encorajando as interações que colaboram com o sucesso do tratamento e incentivando-os a modificar as interações que o comprometem.

Esquizofrenia; Enfermagem; Família; Adesão à medicação; Relações interpessoais


OBJETIVO: Identificar, en la perspectiva de la persona con esquizofrenia y de su familiar, cómo ocurre la interacción paciente-familiar relacionada a la adhesión al tratamiento medicamentoso. MÉTODOS: Se trata de un estudio de abordaje cualitativo, con referencial metodológico de la Teoría Fundamentada en los datos y presupuestos del Interaccionismo Simbólico. Participaron del estudio 36 personas con esquizofrenia en tratamiento ambulatorio y 36 familiares. Para la obtención de los datos se usó la entrevista grabada y la observación. RESULTADOS: Los discursos obtenidos revelaron que los familiares pueden ofrecer apoyo y motivación, propiciando la adhesión del paciente al tratamiento, pudiendo también incentivarlo a no adherirse a la farmacoterapia. Se destacaron aun la influencia de la sobrecarga y la falta de preparación del familiar cuidador sobre la calidad de los cuidados prestados. CONCLUSIÓN: Los profesionales de la salud pueden intervenir junto a los familiares, haciendo que estimulen las interacciones que colaboran con el éxito del tratamiento e incentivándolos a modificar las interacciones que lo comprometen.

Esquizofrenia; Enfermería; Familia; Adhesión a la medicación; Relaciones interpersonales


OBJECTIVE: To identify, from the perspective of the people with schizophrenia and their family members, what occurs in the patient-family interaction related to medication adherence. METHODS: A qualitative study using the methodological framework of Grounded Theory, and assumptions of Symbolic Interactionism. Participating in the study were 36 people with schizophrenia in outpatient treatment and 36 family members. To obtain the data, we used recorded interview and observation. RESULTS: The depositions obtained revealed that family members can provide support and motivation, providing patient adherence to treatment; but they may also encourage them not to adhere to pharmacotherapy. Also highlighted was the influence of burden and the unpreparedness of family caregivers about the quality of care provided. CONCLUSION: Health professionals can intervene, together with families, encouraging interactions that contribute to successful treatment and encouraging them to modify interactions that can compromise it.

Schizophrenia; Nursing; Family; Medication adherence; Interpersonal relations


ARTIGO ORIGINAL

A interação entre pessoas com esquizofrenia e familiares interfere na adesão medicamentosa?* * Estudo extraído da tese de doutorado intitulada "Convivendo com uma ajuda que atrapalha: o significado da terapêutica medicamentosa para a pessoa com esquizofrenia" - apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil.

La interacción entre personas con esquizofrenia y familiares interfiere en la adhesión medicamentosa?

Kelly Graziani Giacchero VedanaI; Adriana Inocenti MiassoII

IPós-graduanda (Doutorado) do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIProfessora Doutora do Laboratório do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Kelly Graziani Giacchero Vedana Endereço: Avenida dos Bandeirantes, 3900. Monte Alegre Ribeirão Preto, SP. Brasil. CEP: 14040-902 Email: kellygiacchero@eerp.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Identificar, na perspectiva da pessoa com esquizofrenia e de seu familiar, como ocorre a interação paciente-familiar relacionada à adesão ao tratamento medicamentoso.

MÉTODOS: Estudo de abordagem qualitativa, com referencial metodológico da Teoria Fundamentada nos Dados e pressupostos do Interacionismo Simbólico. Participaram do estudo 36 pessoas com esquizofrenia em tratamento ambulatorial e 36 familiares. Para obtenção dos dados, usadas a entrevista gravada e a observação.

RESULTADOS: Os depoimentos obtidos revelaram que familiares podem fornecer apoio e motivação, propiciando a adesão do paciente ao tratamento, podendo também incentivá-lo a não aderir à farmacoterapia. Destacaram-se ainda a influência da sobrecarga e o despreparo do familiar cuidador sobre a qualidade dos cuidados prestados.

CONCLUSÃO: Profissionais da saúde podem intervir junto aos familiares, encorajando as interações que colaboram com o sucesso do tratamento e incentivando-os a modificar as interações que o comprometem.

Descritores: Esquizofrenia; Enfermagem; Família; Adesão à medicação; Relações interpessoais

RESUMEN

OBJETIVO: Identificar, en la perspectiva de la persona con esquizofrenia y de su familiar, cómo ocurre la interacción paciente-familiar relacionada a la adhesión al tratamiento medicamentoso.

MÉTODOS: Se trata de un estudio de abordaje cualitativo, con referencial metodológico de la Teoría Fundamentada en los datos y presupuestos del Interaccionismo Simbólico. Participaron del estudio 36 personas con esquizofrenia en tratamiento ambulatorio y 36 familiares. Para la obtención de los datos se usó la entrevista grabada y la observación.

RESULTADOS: Los discursos obtenidos revelaron que los familiares pueden ofrecer apoyo y motivación, propiciando la adhesión del paciente al tratamiento, pudiendo también incentivarlo a no adherirse a la farmacoterapia. Se destacaron aun la influencia de la sobrecarga y la falta de preparación del familiar cuidador sobre la calidad de los cuidados prestados.

CONCLUSIÓN: Los profesionales de la salud pueden intervenir junto a los familiares, haciendo que estimulen las interacciones que colaboran con el éxito del tratamiento e incentivándolos a modificar las interacciones que lo comprometen.

Descriptores: Esquizofrenia; Enfermería; Familia; Adhesión a la medicación; Relaciones interpersonales

INTRODUÇÃO

A esquizofrenia é um transtorno de evolução crônica que requer tratamento prolongado com o uso de antipsicóticos. A adesão é fundamental para o sucesso do tratamento, visto que há uma associação entre a não adesão e recidivas, reospitalização e persistência de sintomas psicóticos (1).

Adesão ao tratamento pode ser definida como o grau em que o paciente segue as recomendações médicas ou do profissional de saúde, retorna e mantém o tratamento indicado(2). Desse modo, compreende o emprego de medicamentos exatamente, conforme a prescrição médica.

Para atuar efetivamente sobre os problemas relacionados à não adesão ao tratamento, é necessário investigar os fatores que levam o paciente a não aderir à terapia prescrita (3,4).

No contexto da desinstitucionalização, frequentemente, os familiares assumem a responsabilidade pelo cuidado do membro portador de esquizofrenia (5), inclusive no que se refere ao tratamento medicamentoso. Desse modo, a etapa final da terapêutica medicamentosa fica sob a responsabilidade de pacientes e familiares.

Assim, a família constitui um espaço privilegiado para a prática do cuidado, por isso, precisa ser inserida de forma efetiva nas discussões nesse novo paradigma de assistência, como facilitadora, aliada e foco de intervenções(6).

Profissionais de saúde precisam conhecer as características inerentes ao processo de participação da família nos cuidados relacionados à farmacoterapia, para que sejam implementadas ações efetivas destinadas ao preparo e suporte da família para o cuidado.

Tendo em vista a importância da adesão ao tratamento medicamentoso para o controle da esquizofrenia e a inclusão dos familiares como colaboradores no tratamento de pessoas com o transtorno, este estudo teve como objetivo identificar, na perspectiva da pessoa com Esquizofrenia e de seu familiar, como ocorre a interação entre paciente e familiares, no que se refere à adesão medicamentosa.

MÉTODOS

Este estudo é parte da tese de doutorado intitulada "UMA AJUDA QUE ATRAPALHA: o significado da terapêutica medicamentosa para a pessoa com Esquizofrenia, em sua perspectiva e na de seu familiar".

A pesquisa foi desenvolvida em um Serviço Ambulatorial de Clínica Psiquiátrica de um hospital geral, um Núcleo de Saúde Mental e um Centro de Atenção Psicossocial - localizados no interior paulista. A coleta de dados foi realizada entre julho de 2008 e outubro de 2010, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Processo HCRP nº 10183/2007). Todos os sujeitos do estudo assinaram o Termo de Consentimento Pós-esclarecido. A entrevista em profundidade gravada e a observação foram utilizadas para obtenção dos dados.

Participaram do estudo 36 pacientes e 36 familiares. O número de sujeitos resultou de um processo de amostragem teórica, conforme é preconizado pelo referencial metodológico empregado. Os critérios para a inclusão de pacientes no estudo foram: ter diagnóstico médico de Esquizofrenia, estar utilizando medicamento(s) psicotrópico(s) e estar apto a se expressar verbalmente. Para confirmação do diagnóstico do paciente e aquisição de informações sobre a medicação prescrita, foram consultados o prontuário do paciente e a equipe de saúde.

Os critérios de inclusão dos familiares no estudo foram: ser mencionado por uma pessoa com Esquizofrenia participante do estudo como o membro da família mais envolvido no tratamento e estar apto a se expressar verbalmente.

A entrevista gravada teve a seguinte questão norteadora para os pacientes: "Conte-me sobre como é para o Sr. (a) usar os medicamentos prescritos pelo médico do serviço de psiquiatria". E para os familiares: "Conte-me sobre como é para o seu familiar usar os medicamentos prescritos pelo médico do serviço de psiquiatria".

A questão norteadora apenas direcionou o ponto inicial a ser explorado. Novas questões foram acrescentadas, em seguida, com o intuito de esclarecer e fundamentar a experiência. É válido ressaltar que foi realizada observação dos participantes do estudo no período de espera por consultas e em visitas domiciliares.

Para preservar o anonimato dos sujeitos participantes do estudo, estes foram identificados, ao longo da pesquisa, com a letra "P" para pacientes e "F" para familiares, acrescidas do número que correspondeu à ordem de realização das entrevistas.

Neste estudo, a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) foi usada como referencial metodológico e o Interacionismo Simbólico foi escolhido, como referencial teórico. O Interacionismo Simbólico pressupõe que os indivíduos são ativos e dão significado às coisas, no presente, baseadas nas interações que realizam com outros e com eles mesmos (7).

A TFD permite a construção de teorias substantivas baseadas apoiadas nos dados coletados pela análise comparativa sistemática dos mesmos. Nos estudos que empregam a TFD, a coleta e análise dos dados caminham paralelamente (8).

A codificação é realizada em três etapas: na codificação aberta, os dados são fragmentados em unidades de análise e são nomeados originando códigos. Os códigos que são comparados entre si, de acordo com suas similaridades e diferenças constituindo categorias provisórias. Na próxima etapa (codificação axial), são elaboradas e testadas, no campo de estudo, as conexões entre as categorias e as subcategorias. Na codificação seletiva, todas as categorias são agregadas em torno de uma categoria central e, a partir daí, realiza-se a análise de suas relações. O resultado deste desse processo constitui-se em uma formulação teórica da realidade sob investigação(8).

A categoria central identificada no estudo em questão foi denominada "uma ajuda que atrapalha" e representa o significado da terapêutica medicamentosa para a pessoa com esquizofrenia. Neste artigo, será explanada a conexão entre a categorias que expressam a "Interação com familiares" e a opção de aderir ou não ao medicamento.

RESULTADOS

A análise dos dados do estudo permitiu identificar que a interação entre pacientes e familiares constitui-se em um fator interveniente nas estratégias de ação que a pessoa com esquizofrenia implementa em relação à terapêutica medicamentosa. Entre estas ações, está a opção de aderir ou não ao medicamento, conforme descrito nas categorias a seguir.

Considerando o apoio recebido

Ao interagir com familiares, a pessoa com esquizofrenia pode receber diferentes formas de apoio que podem interferir em seu tratamento, destacando-se o auxílio e a supervisão para a administração dos medicamentos prescritos, a aquisição dos fármacos no serviço que os disponibilizam, o acompanhamento do paciente a consultas e exames, bem como a motivação, para que o paciente mantenha o tratamento medicamentoso.

"Quando eu ponho o remédio, ela toma direitinho." (F5)

"Eles ajuda a lembrar de tomar o remédio, ajudam a manter a regularidade de tomar o remédio." (P11)

"Ela (irmã adotiva) busca (o medicamento) pra mim aqui e me dá, porque antes eu buscava e tomava tudo de uma vez, e agora ela controla." (P30)

A assistência dos familiares na administração dos medicamentos é fundamental, de maneira especial, quando o paciente tem limitações para a autoadministração dos fármacos prescritos ou está predisposto a não aderir à medicação por motivações internas.

"Eu falo: 'Vou tomar remédio', porque de vez em quando, eu esqueço dos remédios, não sei se tomei ou não." (P13)

"Por ele, ele não tomava remédio, não fazia tratamento. Ele não tem nada, ele não tem dor. Porque se você tem uma dor, você quer ficar aliviado." (F12)

"Aquele remedinho de pingar é difícil, porque eu não enxergo. Então, às vezes, quando meu irmão tá em casa, ele pinga. O menino, quando tá em casa, pinga. Mas, muitas vezes, eu mesmo pingo. eu não sei quantos pingos cai." (P19)

Sobretudo nestes casos, nos quais há uma propensão do paciente a não adesão ao tratamento, se a supervisão da automedicação foi menosprezada, o paciente poderá ficar exposto a riscos.

"Tem que supervisionar e ter certeza de que tá tomando esse medicamento. A gente achava que ela poderia tomar esse medicamento sem nenhum tipo de supervisão, então, houve uma falha familiar nisso daí. Ela ficou muito mal." (F8)

O apoio fornecido pelos familiares poderá proporcionar ao paciente maior segurança no seguimento da terapêutica medicamentosa. Reconhecendo a importância da pessoa que lhe presta cuidados, há pacientes que temem a ausência do cuidador, como será discutido na próxima categoria.

Temendo ou experimentando a ausência do cuidador

A pessoa com esquizofrenia, ao avaliar a importância dos cuidados que lhes são prestados, pode temer a ausência do familiar que assume o papel de cuidador e provedor de suas necessidades.

"Aí, eu fiquei desse jeito. Até, tem hora que eu tenho medo de, assim, de perder meu pai, minha mãe porque eu, eu num sei mais trabalhar pros outros, eu num consigo." (P3)

O medo de que o paciente fique desassistido pela ausência de alguém que assuma os cuidados pode ser compartilhado por aqueles que se colocam como cuidadores.

"Quanto à doença dele, a gente preocupa sim, né? Porque eu num vou ser eterna... Eu queria ser eterna, queria ficar do lado dele até o fim da vida dele, certo? Mas, eu não vou ser eterna, eu preocupo sim com a doença dele". (F6)

Há entrevistados que vivenciaram o falecimento do cuidador. Nestes casos, há uma adaptação dos familiares à nova situação, podendo haver a eleição de um ou mais cuidadores. Entretanto, nem sempre há interesse das pessoas mais próximas ao paciente em lhe prestar cuidados, na ausência do antigo cuidador.

"Quem cuidava dele era a minha irmã, mas ela já faleceu. Depois que a minha irmã faleceu, ficou na minha responsabilidade." (F20)

"A irmã dele não quer saber. Eram três filhos, ele, ela e o meu marido falecido que era o mais velho e a caçula. Desde que a minha sogra faleceu, ela não quer nem saber se ele está vivo ou se está morto. Se eu virar as costas, ele não tem ninguém. Ele olha pra mim como se eu tivesse obrigação de cuidar dele." (F29)

Entre os cuidadores que substituíram o cuidador falecido, há os que reconhecem que o antigo cuidador, que previamente assumira esta função de forma espontânea, era mais dedicado.

"Meu pai faleceu já há uns 8 anos atrás. Quando meu pai tava vivo, ele ficava, ele dava mais atenção... Ele acompanhava e medicava (...) Agora a gente toma conta." (F8)

A presença do cuidador e o apoio por ele fornecido para à pessoa com Esquizofrenia são de fundamental importância. Entretanto, para assumir o papel de cuidador, há familiares que sofrem um intenso desgaste que influencia na qualidade dos cuidados fornecidos, como será discutido na categoria subsequente.

A sobrecarga e despreparo do familiar

Esta categoria demonstra que a sobrecarga do cuidador interfere no desempenho desse papel e, consequentemente, influencia no tratamento da pessoa com Esquizofrenia. Entre os familiares cuidadores do paciente, destacou-se a presença materna.

Verificou-se que o convívio e o cuidado com a pessoa com esquizofrenia podem interferir na vida dos familiares com diferente intensidade. Familiares participantes desta pesquisa relataram sobrecarga pela multiplicidade de tarefas, conflitos, agressões, despreparo e desgaste no manejo com o paciente, perdas financeiras, dificuldades para manter vínculo empregatício, restrições no convívio social e atividades de lazer, sentimento de culpa, impotência e medo do comportamento do paciente.

É válido destacar a existência de familiares que afirmaram necessitar de tratamento psiquiátrico em razão da sobrecarga emocional relacionada ao cuidado e ao convívio com o paciente.

"Então, isso (a crise do paciente) pra mim, era o fim. Num tinha... Ele era tudo pra mim, ele sempre foi (...) Minha filha até fala assim, 'mãe, para de sofrer desse jeito (... )eu também fui pra psiquiatria também." (F2)

"Faço tratamento psiquiátrico também por causa dele, né?" (F31)

Evidenciou-se que a sobrecarga do cuidador constitui-se em um fator interveniente no curso do tratamento do paciente. O desgaste do familiar cuidador pode ser intenso ao ponto de interferir em sua capacidade, disposição e paciência para cuidar e apoiar a pessoa com esquizofrenia.

"Ele ficou uma semana assim, de a gente não suportar, por exemplo assim, de ele tá aqui dentro e eu precisar ficar lá fora. (...) Quando ele tava pra fora, eu entrava pra dentro." (F3)

"É três pessoa, e só eu pra cuidar. Num tem lógica, de eu tê de lembrar de ter que dar remédio pra ele na hora certa, pro meu marido e pro meu irmãozinho...é muita coisa pra minha cabeça." (F6)

A indisponibilidade de outras pessoas para assessorar o indivíduo que se encarrega- do cuidado é apontada, como um fator que intensifica a sobrecarga do familiar cuidador.

"Então, ela (irmã) tá sentindo que ela num tá assim, com aquele pique pra ficar cuidando de mim. Ela fica brigando com eu e o outro irmão porque ele não quer ajudar." (P4)

Além da sobrecarga, o familiar também pode identificar despreparo para exercer o cuidado. Foram evidenciados familiares que manifestaram ter pouco conhecimento sobre a esquizofrenia. Entre os entrevistados, há os que não conseguiam nomear adequadamente o transtorno.

"O médico prefere que eu vou, até pra esclarecer. Às vezes, ela (tia que também é cuidadora) não vai saber falar detalhe, ela é uma pessoa simples, sabe! Então, é mais fácil uma pessoa, né? Que sabe melhor assim, pra estar acompanhando ele." (F13)

"Nunca foi falado que foi'"Esclezofenia'." (F2)

"Ele tem a 'Equizofrenia'." (F6)

"Então, o médico nunca explicou muito sobre a medicação pra mim." (F14)

"Olha, sobre a doença dele eu não sei nada não. Eu não sei te explicar." (F20)

"Não sei falar o nome certo (risos)... não sei falar o nome certo." (F34)

Na tentativa de atenuar a sobrecarga, há familiares que compartilham a responsabilidade do cuidado com outros membros da família e delegam responsabilidades ao paciente.

"Nós passamos a fazer um revezamento entre os três irmãos... Tem uma escala que nós fazemos. A minha irmã fica segunda e quarta. Sexta e sábado é o meu irmão. Aí, o domingo, a gente reveza. Hoje, nós damos rigorosamente os remédios da P8... porque é escala, cada um faz a sua parte. Nós temos uma escala aqui (no ambulatório) também. Uma escala pra trazer a P8, uma escala fazer o exame de sangue." (F8)

"Não preciso mais faltar no serviço pra trazer ele no retorno... Agora, ele pega o ônibus lá no lugar certinho. Na hora que ele pega lá eu pego lá... Então, a gente se encontra aqui e depois a gente vai embora junto." (F9)

As categorias anteriores apontam as interações com familiares, como relações de apoio, auxílio e promoção do tratamento. Contudo, estas interações, em algumas situações, podem predispor o paciente a não seguir o tratamento adequadamente.

Sendo desmotivada a seguir a prescrição medicamentosa

Na interação com familiares, o paciente pode ser desencorajado a seguir o tratamento medicamentoso.

O desconhecimento sobre a evolução da Esquizofrenia e a não aceitação do acometimento do paciente por um transtorno mental podem fazer com que o familiar considere o tratamento medicamentoso desnecessário. Desse modo, ele pode incentivar o paciente a descontinuar o tratamento.

"Ah, meu irmão, uma vez, falou pra mim: "cê num tem nada, para com isso aí (tratamento medicamentoso), toma pinga que sara" (P2)

"Ah, a minha esposa já falou isso (para interromper o tratamento medicamentoso), mas eu falei: "Ah, não tem jeito, já tem tempo que eu faço, não dá pra parar', é por que ela não entende." (P24)

A oposição à manutenção do tratamento medicamentoso também pode ser identificada entre os familiares, sobretudo quando o medicamento ocasiona efeitos colaterais. Nos casos em que o indivíduo possui um relacionamento conjugal estável, a interferência do medicamento sobre a libido do paciente pode fazer com que ele seja incentivado pelo (a) parceiro (a) sexual a descontinuar o tratamento.

"Se tinha que comprar um remédio e, às vezes, eu ainda tinha um pouquinho de reação adversa, ele já ficava contra a vontade minha de tomar aquele remédio." (P10)

"Ela (esposa) quer também que reduza a dose, porque tá difícil o relacionamento." (P16)

Utilizando-se da definição de que a adesão ao medicamento consiste no cumprimento da prescrição médica, o uso de medicamentos não prescritos, constitui-se em não adesão ao tratamento. Há situações em que familiares do paciente, não pertencentes à classe médica, "receitam" medicamentos ao paciente, expondo-o aos riscos do uso indevido de medicações.

"Sabe como eu comecei (a tomar remédio)? Por que a minha cunhada, quando eu fiquei doente, eu fui procurar recurso com ela. aí ela me receitou o Diazepam." (P27)

"Ela foi morar no fundo da casa da sogra, e foi ficando ruim (...) ao invés de ele levar ela no médico, a sogra trabalhava no hospital e trazia todo dia medicamento, cada dia dava um. Então, eu ia lá, ela estava dopada, ela estava impregnada, que urinava na cama, não mexia nem a língua, eu tive que levar ela pra desempregnar, entendeu?" (F27)

Outra forma de interação que constitui em uma condição interveniente no comportamento da pessoa com Esquizofrenia é o contato com outras pessoas com transtorno mental na família.

Observando outras pessoas com transtorno mental na família

Há entrevistados que possuem pessoas da família que também receberam algum diagnóstico de transtorno mental.

"Ele (irmão) também tem (Esquizofrenia). E sou gêmeo de um moço que também tem, são os dois e mais eu." (P7)

"Meu filho. Tem essa mesma doença que eu tenho. É essa (filha) daí que tem Bipolar. Na minha família, não tem ninguém mais, só eles, da minha família." (P28)

A interação com os membros da família com transtorno mental pode prover ao paciente exemplo de desfechos variados do transtorno vivenciados por tais pessoas. Desse modo, os indivíduos com Esquizofrenia podem perceber, por meio das experiências vividas por outras pessoas que a interrupção do uso medicamento pode ser arriscada.

"Eu sei que a minha mãe tem problema, usa remédio, tal. Sei que se ficá sem, eu sei o problema que dá. Minha vó também. Minha tia tem três filhos que dá problema... Direto fica internado, tal. Dá problema direto, isso eu sei! O irmão da minha mãe, ele usava a medicação, parou, aí, chegou num ponto que ele cometeu suicídio. O outro tio meu, que, a mulher dele é irmã da minha mãe também cometeu suicídio... O mesmo problema fazia acompanhamento, tal, aí, abandonou o remédio." (P1)

Nas interações com outros familiares com transtorno mental, o indivíduo com esquizofrenia pode identificar nas experiências dessas pessoas elementos que a façam refletir sobre a importância da adesão ao tratamento.

As experiências relatadas nos resultados desta pesquisa permitem a compreensão de que, na interação estabelecida com a pessoa com esquizofrenia, os familiares podem tanto facilitar a adesão medicamentosa como investir em ações, para que a farmacoterapia seja interrompida.

DISCUSSÃO

Os dados do presente estudo revelaram que os familiares têm uma posição privilegiada junto ao paciente, podendo interferir promovendo ou dificultando a adesão medicamentosa, que é um desafio no tratamento da Esquizofrenia.

Os Estudos revelam que 40% a 50% dos pacientes com esquizofrenia não tomam os fármacos, conforme a prescrição (9-11), embora exista uma tendência entre pacientes a negar problemas de não aderência(12).

O envolvimento da família no suporte ao paciente é recomendado, pois há evidências de que esta pode colaborar significativamente com o sucesso no tratamento, inclusive no que se refere ao tratamento medicamentoso(9,13).

O apoio de familiares, a supervisão da autoadministração dos fármacos e a avaliação continua da motivação, limitações e aptidões do paciente para o exercício da autoadministração da medicação são elementos relevantes que podem favorecer a adesão ao tratamento, conferindo maior segurança ao indivíduo com Esquizofrenia.

Verificou-se a existência de preocupações e temores em relação à possibilidade de que o paciente fique desassistido pela ausência, morte ou envelhecimento do cuidador. Entretanto, em casos em que o familiar cuidador fica impedido de desempenhar esse papel, frequentemente, a família organiza-se para adaptar-se a essa situação. Recomenda-se que estratégias de psicoeducação incluam o preparo e apoio aos familiares para lidar com tais situações.

Nos depoimentos deste estudo, foi possível perceber a sobrecarga e o despreparo do familiar cuidador, bem como o impacto desses fatores na qualidade do cuidadoa ser prestado. É válido destacar que a indisponibilidade de outras pessoas para assessorar o cuidador constitui-se um agravante na sobrecarga do familiar. Além de oferecer suporte, trabalhadores da saúde podem incentivar que o familiar cuidador do paciente seja assessorado por terceiros.

Familiares de indivíduos com transtornos mentais podem experimentar sobrecarga financeira, física, emocional e de cuidado(6), vivenciar alterações na dinâmica familiar, podendo sentir-se desassistidos e despreparados para o cuidado aos pacientes (6,14,15).

Uma boa aliança terapêutica entre profissionais de saúde e familiares de pacientes com Esquizofrenia diminui a sobrecarga dos familiares e a propensão de recaída e reospitalização dos pacientes(16).

A Reforma Psiquiátrica não pode ser reduzida à devolução dos pacientes às famílias, sem o preparo das mesmas para o cuidado com o paciente(5). É necessário oferecer à família de pessoas com transtornos mentais orientação, suporte social organizado que minimize sua sobrecarga e atenda às suas demandas e apoio(6). Para que possam colaborar efetivamente no tratamento do portador de Esquizofrenia, os familiares devem receber o preparo e apoio adequado às suas necessidades

A interação com os familiares não é um fator que sempre interfere na adesão ao tratamento, promovendo-a. Familiares podem desencorajar o paciente a seguir o tratamento prescrito, podendo também incentivá-lo a utilizar medicações não prescritas e outras substâncias psicoativas. A esse respeito, estudo revela que a qualidade das interações familiares desempenha um papel importante na estabilização do paciente(17).

Intervenções psicossociais podem ser adotadas para aumentar a aderência do paciente e devem ser estendidas também aos familiares(1,18-19).

CONCLUSÃO

Pautando-se nos dados deste estudo, foi possível apreender que, na interação estabelecida entre pacientes e familiares, podem ser identificadas potencialidades e entraves para o seguimento da terapêutica medicamentosa. Desse modo, é imperativa a implementação de pesquisas e estratégias que incluam os familiares como parceiros e alvo dos cuidados.

Preconizamos o envolvimento da família no suporte ao paciente e o preparo desta devidamente para assumir tal função.

Ressaltamos a importância de conhecer as preocupações, experiências, crenças, conhecimento e características das interações entre pacientes e familiares no que se refere ao tratamento. Assim, os profissionais da saúde poderão intervir junto aos familiares encorajando as interações que colaboram e incentivando-os a modificar as interações que comprometem o sucesso do tratamento.

Recomendamos que os familiares colaborem na supervisão da autoadministração dos fármacos prescritos, bem como na avaliação continua da motivação, limitações e aptidões do paciente para o exercício dessa tarefa.

Deve ser oferecido aos familiares e pacientes um atendimento individualizado, humanizado, personalizado e longitudinal que os incentivem à corresponsabilização e participação ativa nas decisões relativas ao tratamento.

Este estudo demonstra demonstrou que o seguimento da terapêutica medicamentosa destinada ao controle da esquizofrenia não se limita a à sua dimensão biológica.

As sugestões aqui citadas foram embasadas na análise dos dados do estudo, ressaltamos que merecem investigação aprofundada em outros contextos e na avaliação de seu impacto sobre as mesmas.

Acreditamos que os achados deste estudo possam contribuir significativamente para a melhoria na qualidade da assistência às pessoas com esquizofrenia e familiares.

AGRADECIMENTO

Agradecemos à FAPESP e CNPq pelo fomento para a realização deste estudo.

Artigo recebido em 04/02/2011 e aprovado em 13/04/2012

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  • Autor Correspondente:
    Kelly Graziani Giacchero Vedana
    Endereço: Avenida dos Bandeirantes, 3900. Monte Alegre
    Ribeirão Preto, SP. Brasil. CEP: 14040-902
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    Estudo extraído da tese de doutorado intitulada "Convivendo com uma ajuda que atrapalha: o significado da terapêutica medicamentosa para a pessoa com esquizofrenia" - apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      04 Fev 2011
    • Aceito
      13 Abr 2012
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