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Ex-cocama: identidades em transformação na Amazônia peruana

Resumos

Este artigo analisa a "aculturação", um conceito derivado da antropologia cultural, do ponto de vista da antropologia social. O termo "ex-Cocama" foi cunhado por antropólogos culturais para denotar a suposta perda ou recusa da identidade indígena pelos Cocama da Amazônia peruana, que pareceriam assim representar um caso clássico de "aculturação". Argumento, todavia, que este caso aparentemente clássico é melhor compreendido como mais um exemplo da sociológica indígena amazônica, pois revolve em torno dos temas da semelhança e da diferença, da afinidade potencial e dos processos onomásticos encontrados em outras sociedades indígenas da região. Essa continuidade de estrutura no seio de uma transformação radical levanta pois questões sobre a natureza da história amazônica que foram obscurecidas pelo conceito de aculturação.

Cocama; ex-Cocama; Amazônia; Aculturação; Análise Social


The article analyses ‘acculturation’, a concept deriving from cultural anthropology, from a social anthropological perspective. The term ‘ex-Cocama’ was coined by cultural anthropologists to denote the supposed loss or refusal of an indigenous identity by the Cocama people of Peruvian Amazonia. These people therefore seem to represent a classic case of ‘acculturation’. The article argues, however, that this apparently classical example of acculturation is better understood as yet another example of an indigenous Amazonian sociologic, for it is made out of classical themes of sameness and difference, potential affinity and onomastic processes as other indigenous Amazonian societies. This continuity of structure within radical transformation therefore raises questions about the nature of Amazonian history, questions that have simply been obscured by the very concept of acculturation.

Cocama; ex-Cocama; Amazonia; Acculturation; Social Analysis


"Ex-cocama": identidades em transformação na Amazônia peruana* Notas

Peter Gow

Professor de antropologia na University of St. Andrews, Escócia

RESUMO

Este artigo analisa a "aculturação", um conceito derivado da antropologia cultural, do ponto de vista da antropologia social. O termo "ex-Cocama" foi cunhado por antropólogos culturais para denotar a suposta perda ou recusa da identidade indígena pelos Cocama da Amazônia peruana, que pareceriam assim representar um caso clássico de "aculturação". Argumento, todavia, que este caso aparentemente clássico é melhor compreendido como mais um exemplo da sociológica indígena amazônica, pois revolve em torno dos temas da semelhança e da diferença, da afinidade potencial e dos processos onomásticos encontrados em outras sociedades indígenas da região. Essa continuidade de estrutura no seio de uma transformação radical levanta pois questões sobre a natureza da história amazônica que foram obscurecidas pelo conceito de aculturação.

Palavras-chave: Cocama, ex-Cocama, Amazônia, Aculturação, Análise Social

ABSTRACT

The article analyses ‘acculturation’, a concept deriving from cultural anthropology, from a social anthropological perspective. The term ‘ex-Cocama’ was coined by cultural anthropologists to denote the supposed loss or refusal of an indigenous identity by the Cocama people of Peruvian Amazonia. These people therefore seem to represent a classic case of ‘acculturation’. The article argues, however, that this apparently classical example of acculturation is better understood as yet another example of an indigenous Amazonian sociologic, for it is made out of classical themes of sameness and difference, potential affinity and onomastic processes as other indigenous Amazonian societies. This continuity of structure within radical transformation therefore raises questions about the nature of Amazonian history, questions that have simply been obscured by the very concept of acculturation.

Key words: Cocama, ex-Cocama, Amazonia, Acculturation, Social Analysis

Meu primeiro contato intelectual com a região do Ucayali na Amazônia peruana, onde mais tarde vim a fazer trabalho de campo, deu-se por meio do livro O Alto Amazonas, do arqueólogo norte-americano Donald Lathrap, publicado em 1970. Ele principia com a seguinte descrição de um fenômeno desalentador, embora corriqueiro:

"No curso inferior do Ucayali, na zona oriental do Peru, existe uma cidade em rápido crescimento chamada Juancito. A maioria dos seus habitantes vive ainda à base de uma agricultura de chacras, campos agrícolas preparados pelo sistema das queimadas, e que se internam cerca de um quilômetro na selva circundante. Duas das mais importantes culturas de rendimento são o tabaco e o arroz. No que diz respeito a trajos e costumes, o povo não difere sensivelmente dos habitantes das duas grandes cidades do Peru oriental, Iquitos e Pucallpa. Consideram-se representantes típicos da cultura peruana e ofender-se-iam se lhes chamássemos índios. Contudo, há uma geração, a maior parte dos habitantes de Juancito, ou seus antepassados, eram classificados de Cocamas, descendentes da grande nação de língua tupi que dominava o curso principal do Alto Amazonas no momento do primeiro contacto com os Europeus. Algumas mulheres de Juancito fazem ainda cerâmica segundo um estilo muito decadente, que constitui apenas um ténue reflexo da complexa tradição cerâmica dos seus antepassados; e, em caso de doença, é consultado um xamanista, que conservou os conhecimentos religiosos e médicos dos Cocamas. A despeito destes vestígios da antiga cultura, ou talvez por causa deles, os habitantes de Juancito são ainda menos tolerantes para com seus vizinhos índios do que os cidadãos peruanos comuns" (Lathrap 1970:17 [trad. portuguesa 1975:17]).

Buscando um termo abreviado para descrever essa situação, Lathrap cunha assim a expressão "ex-Cocama".

O fenômeno "ex-Cocama" ecoa outras tantas histórias familiares em toda a Amazônia e, de fato, nas Américas de modo geral: estamos diante de mais um caso de aculturação e abandono de identidade étnica. Como tal, a situação descrita por Lathrap é para mim instantaneamente reconhecível, mas esse reconhecimento me é também intelectualmente inquietante, uma vez que conceitos como "aculturação" e "identidade étnica" não fazem parte de minha caixa de ferramentas intelectuais enquanto antropólogo social. Esses conceitos derivam da antropologia cultural germânica e de seus descendentes nos Estados Unidos e no Brasil. As primeiras descrições de povos indígenas amazônicos foram produzidas por antropólogos culturais; foi apenas a partir da obra de Claude Lévi-Strauss que os antropólogos sociais vieram realmente a interessar-se pela área, o que os fez orientar suas pesquisas segundo as preocupações do mesmo Lévi-Strauss. Nessa medida, não se detiveram sobre o tipo de problema colocado pela aculturação, pelas identidades étnicas abandonadas e por fenômenos como o "ex-Cocama"1 1 À exceção de Gow (1991) e Taylor (1999). .

A razão pela qual os antropólogos sociais evitaram o estudo dos povos "aculturados" da Amazônia é, indubitavelmente, de ordem metodológica. Os antropólogos sociais estão voltados para a busca, a descrição e a análise de sistemas coerentes de relações sociais, e provavelmente mantiveram-se distantes de fenômenos como o "ex-Cocama" por receio de que seu estudo não fosse capaz de extrair tal coerência ou, no mínimo, de que a complexidade do sistema coerente encontrado desafiasse as estratégias analíticas disponíveis. Os antropólogos culturais, todavia, trabalhando com diferentes métodos e postulados, tiveram bem menos dificuldades para lidar com tais fenômenos, mostrando-se, ao contrários de seus colegas, capazes de tomá-los como objeto de investigação. Dessa maneira, produziram descrições etnográficas importantes que, como procuro aqui demonstrar, podem ser relidas do ponto de vista da antropologia social. O objetivo é estender o fulcro e o alcance das análises socioantropológicas dos povos indígenas amazônicos a um território etnográfico explorado pioneiramente pela antropologia cultural.

Neste artigo, portanto, analiso a literatura etnográfica sobre os "ex-Cocama", utilizando categorias desenvolvidas na literatura socioantropológica sobre a Amazônia e, em particular, na literatura sobre o parentesco. Pretendo mostrar como o fenômeno "ex-Cocama" faz sentido enquanto uma variante transformacional de outros sistemas de parentesco amazônicos, e argumentarei que, nessa medida, ele não consiste em uma evidência do colapso da lógica social indígena, mas sim de sua contínua transformação2 2 O presente artigo estende a análise das sociedades amazônicas como sistemas historicamente transformacionais, desenvolvida em maior detalhe em Gow (2001). . Além disso, na medida em que a questão do modo como os Cocama se chamam a si mesmos é um problema de nominação, ela se presta ao tipo de análise estruturalista dos sistemas onomásticos inaugurado por Lévi-Strauss em O Pensamento Selvagem (1966 [1962]).

A Amazônia peruana

A Amazônia peruana compreende 37% do território do Peru, abrigando uma população de pouco mais de um milhão de pessoas, largamente concentrada nas duas cidades principais, Iquitos, no rio Amazonas, e Pucallpa, no Ucayali. Desde meados do século XIX, essa região tem sido economicamente dominada pelo setor comercial do extrativismo mercantil (exportação de produtos primários e importação de bens manufaturados). Este setor comercial é complementado por um setor de subsistência, do qual a maior parte da população local pobre depende na maior parte do tempo. O setor comercial caracteriza-se por dramáticos ciclos de expansão e retração: em seu pico, a fase de expansão absorve quase toda a mão-de-obra local e a produção para a subsistência praticamente cessa; nas fases de retração, a maior parte dessa mão-de-obra é absorvida pelo setor de subsistência. Na área, há muito pouca atividade industrial e, portanto, nada semelhante a um proletariado urbano — até recentemente, tampouco existia algo que pudesse ser descrito como um campesinato (ver San-Roman 1975, Regan 1993, Santos-Granero e Barclay 2000, para descrições mais detalhadas da região).

A armadura simbólica da economia regional é uma ideologia de raça que associa fortemente o setor comercial ao "branco" — ou seja, de ascendência exógena ou estrangeira — e o setor de subsistência ao "indígena" — ou seja, de ascendência autóctone (ver Gow 1994). Blanco e indígena constituem os dois pólos locais de um continuum mediado por mestizos, aqueles de ascendência tanto branca como indígena, seja esta reivindicada ou atribuída, associados tanto com o setor comercial quanto com a produção de subsistência. A ideologia racial tem ainda dois pólos externos: primeiro, indios bravos, que não se envolvem em nenhum tipo de produção ou troca comerciais, e extranjeros legítimos, que vivem fora da região e são o alvo das exportações e a fonte das importações de manufaturados. A existência desses pólos externos pode também ser usada para caracterizar toda a população local (excluindo os indios bravos) como mais ou menos "de sangue misturado".

Os "ex-Cocama"

No que se segue, emprego o termo "Cocama" em dois sentidos: para me referir diretamente aos Cocama propriamente ditos, La Gran Cocama, e como um rótulo geral para a combinação "Grande Cocama" e "Pequena Cocama"* * A origem das designações La Gran Cocama e Pequena Cocama é incerta; o autor sugere que possam derivar da expressão "la gran nación cocama", uma forma antiga usada por missionários [N. do T.]. , os Cocamilla. Peço desculpas pela confusão que isso possa causar. A divisão é antiga, embora os dois povos pareçam ter sido sempre virtualmente idênticos na língua e costumes.

Os Cocamilla ou "Pequena Cocama" estão concentrados em uma área dos vales do Marañon, especialmente no baixo Huallaga. Os Cocama distribuem-se ao longo dos rios Marañon, Ucayali e Amazonas, neste último caso espalhando-se rio abaixo até o Brasil. Muitos vivem em cidades da região, incluindo cidades grandes como Pucallpa e Iquitos, e mesmo Belém do Pará, na foz do Amazonas. É difícil estimar a população dos Cocama no Peru, por razões que logo ficarão evidentes: no censo de 1996, mais de 10 mil pessoas declararam-se Cocama ou Cocamilla (Brack Egg s/d), mas é provável, como se verá, que este número represente apenas uma fração reduzida da população, que vem se expandindo rapidamente (mais de 50% tem menos de 15 anos). E assim tem sido desde o início do século XX, quando o padre agostiniano Espinosa os estimou também em 10 mil (Espinosa 1935). O fato de um crescimento rápido e constante estar associado a uma população estável indica que boa parte dos Cocama se encontra, de fato, "des-aparecendo".

Citei acima as palavras de Lathrap sobre o povo de Juancito, mas a sua não é uma voz isolada. Seu aluno Peter Roe, por exemplo, discutindo a situação no Lago Yarinacocha, um subúrbio da cidade de Pucallpa, afirma: "Os ex-Cocama recém-europeizados, como camponeses de sangue misturado, estão ampliando seus domínios fundiários em nome da civilização contra os ainda visivelmente índios Shipibo-Conibo" (Roe 1982:81).

Anthony Stocks (1981), autor de uma importante etnografia sobre a comunidade cocamilla de Achual Tipishca, não usa o termo "ex-Cocama". Todavia, o título que deu a seu estudo, Los Nativos Invisibles, indica que o mesmo problema, ou um problema paralelo, é o objeto de suas preocupações. Em um artigo geral sobre os povos tupi da Amazônia peruana — os Omagua, Cocama e Cocamilla — ele escreveu o seguinte:

"É difícil saber até que ponto os povos tupi mantiveram um conjunto de costumes distintivos. Os relatos variam e a interpretação mais provável é a de que a extensão em que tais costumes foram mantidos varia grandemente ao longo da vasta região onde hoje se encontram os povos tupi. Os Cocama, nas áreas mais urbanizadas como Pucallpa, Iquitos e Requena, não se consideram mais indígenas em nenhum sentido, e tratá-los de Cocama ou a eles assim se referir seria um insulto. Em contraste, o povo indígena Cocamilla, que vive há muito tempo próximo às missões católicas nos rios Huallaga e Marañon, manteve um sentimento definido de ‘etnicidade’, e freqüentemente ouvem-se os homens cocamilla distinguindo-se dos ‘brancos’. Isto ocorre a despeito da aparente similaridade entre o modo de vida dos Cocamilla e o dos outros ribeirinhos" (Stocks 1977:60).

Stocks não fala em "ex-Cocama", mas a utilidade deste termo pode ser apreciada em face da incoerência desta sentença: "Os Cocama, nas áreas mais urbanizadas como Pucallpa, Iquitos e Requena, não se consideram mais indígenas em nenhum sentido, e tratá-los de Cocama ou a eles assim se referir seria um insulto". Não seria talvez esta própria frase, com sua afirmação seguida de uma negação, um insulto a muitos dos habitantes de Pucallpa, Iquitos e Requena? E o que poderia significar, afinal, deixar de considerar-se indígena?

Agüero, autor de um estudo a respeito do envolvimento dos Cocama na Hermandad de la Cruz, um movimento milenarista fundado pelo brasileiro Francisco da Cruz, escreve:

"Os Tupi-Cocama, por medo ou vergonha, não mais se consideram indígenas, mas sim ‘peruanos’. Existe, sem dúvida, devido à sua experiência histórica de contato com os brancos/mestiços, considerada adversa e negativa, uma espécie de encobrimento de sua própria identidade. Por causa disso, tentaram acomodar-se ao modo de vida daqueles que chamam ‘os peruanos’" (Agüero 1994:70).

A posição de Agüero é também algo paradoxal: como dizer que os Cocama se acomodam ao modo de vida daqueles que chamam "os peruanos" quando o autor mostra que é precisamente assim que eles chamam a si mesmos?

Regan, jesuíta e antropólogo, coordenador de um projeto etnográfico sobre a religião popular e as condições sociais na Amazônia peruana, escreve o seguinte sobre os relatos de seus informantes cocama que se dizem destratados por aqueles a quem chamam "pessoas de classe média":

"Os Cocama tentam, de várias maneiras, livrar-se desse tipo de tratamento. Vestem-se como os outros, vão à escola, consideram-se gente de sangue misturado ou ribeirinhos, não falam sua língua diante de estranhos e, às vezes, mudam de sobrenome. Em geral, os Cocama tentam apresentar-se como os milhares de mestizos da Amazônia peruana que têm ancestrais indígenas, mas sofrem por causa de seus sobrenomes. Um informante afirma: ‘Os que têm sobrenomes estrangeiros humilham aqueles de nós que têm sobrenomes peruanos’" (Regan 1993:111).

O relato de Regan oferece-nos uma pista do que poderia subjazer à reticência dos Cocama a admitir-se abertamente Cocama, ou pelo menos à sua recusa em identificar-se como indígenas. Podemos imaginar que a identidade indígena constitua um tipo de identidade de baixo status ou mesmo potencialmente perigoso na Amazônia peruana, e, portanto, que aqueles com possibilidade de escapar dela tentem fazê-lo. O modelo aqui seria o do "passing" [passar por], atitude por meio da qual, nos Estados Unidos, negros com a aparência de brancos negam suas identidades negras e comportam-se como se fossem brancos. Pode ser significativo o fato de que a maior parte dos autores que trataram desse aspecto no caso dos Cocama fossem eles mesmos norte-americanos.

O problema aqui é saber por quem os Cocama estariam tentando "passar-se". Regan nota que eles "tentam apresentar-se como os milhares de mestizos da Amazônia peruana que têm ancestrais indígenas". Mas quem são esses milhares de outros mestiços? Como notam Santos-Granero e Barclay (2000) em seu importante estudo recente da região, o conceito de uma população ribeirinha de sangue misturado data do século XX, e começou a ser amplamente reconhecido apenas após os anos 40. Como discutirei mais detalhadamente na conclusão deste artigo, o período do pós-guerra caracterizou-se por profundas transformações na região, transformações que abarcaram também os esquemas de classificação.

Isso significa ser inteiramente possível que os Cocama ou "ex-Cocama" não estejam buscando transitar de uma identidade estabelecida para outra identidade estabelecida, conforme o modelo do passing norte-americano. Em lugar disso, a desespecificação dos Cocama estaria ocorrendo precisamente no mesmo contexto em que emerge uma nova especificação — a de camponeses ribeirinhos de sangue misturado. É mesmo possível que essa nova gente seja os Cocama, e que o conceito de "ex-Cocama" registre simplesmente seu nome em mutação.

Desafiando essa possibilidade, contudo, Regan nota que o que distingue os Cocama desses outros mestiços, e produz seu sofrimento, são os sobrenomes. Dizia o informante: "Os que têm sobrenomes estrangeiros humilham aqueles de nós que têm sobrenomes peruanos". É, portanto, para o significado dos sobrenomes, estrangeiros ou peruanos, que agora me volto.

Onomástica Cocama

A importância dos sobrenomes constitui um tema destacado na etnografia disponível. Nos vales do Amazonas, Marañon e Ucayali, faz-se uma distinção entre apellidos humildes ["sobrenomes humildes"] e apellidos altos ["sobrenomes elevados"] ou apellidos de viracocha ["sobrenomes de branco"] (Stocks 1981:140-141; ver, também, Gow 1991 e Chibnik 1994). Como se dá em todo o mundo hispânico, as pessoas são identificadas por um prenome pessoal, pelo sobrenome do pai do pai e pelo sobrenome do pai da mãe. Assim, os homens transmitem seus sobrenomes paternos continuamente através das gerações, enquanto as mulheres transmitem os seus apenas por uma geração. A transmissão materna de sobrenomes paternos codifica, portanto, a individualidade de grupos de germanos. Além disso, os sobrenomes constituem um sistema global para a identificação de uma pessoa em relação a qualquer outra.

O que significam efetivamente os sobrenomes para os Cocama? Uso aqui como modelo o estudo de Stocks referente aos Cocamilla de Achual Tipishca3 3 Achual Tipishca é uma comunidade bastante atípica para os padrões Cocama/Cocamilla, excluindo residentes permanentes não-cocamilla e sendo largamente endógama. . Este autor mostra que, nesta localidade, os sobrenomes são índices daquilo que os Cocamilla chamam sangres, "sangues". O sangue é transmitido de um homem para seus filhos e é marcado pela transmissão de sobrenomes. Esses grupos de sangue assim nomeados estabelecem os limites do incesto e são, de fato, grupos de descendência patrilinear exógamos, ligados por um ideal de casamento entre primos cruzados bilaterais. Está claro que o que os Cocamilla entendem por "sangue" não é a substância biogenética imaginada por europeus e norte-americanos, mas antes uma substância corporal transmitida, juntamente com o nome correspondente, pelo homem a seus filhos. A lógica do sistema de nominação sugere que a mulher também transmite o sangue paterno, mas apenas por uma geração: a etnografia disponível é, infelizmente, silenciosa sobre este ponto.

A divisão entre sobrenomes "humildes" e "elevados" constitui uma importante forma de diferenciação de classe. Citei acima a descrição de Regan dos relatos de informantes cocama que dizem ser destratados por pessoas de "classe média". Ele dá um exemplo disso citando Rosa Arcelia da Silva, que diz sobre Requena, sua cidade natal: "Tem pessoas de sangue misturado e Cocama. Mais ninguém. Eles se dão bem. São separados, porém, por seus sobrenomes. Não é a mesma coisa ser chamado Da Silva e ser chamado Manuyama" (Regan 1993:112).

Manuyama é um nome distintivamente cocama, enquanto Da Silva é um nome distintivamente brasileiro — e "brasileiro" na Amazônia peruana tende a significar alto status. Da perspectiva cocamilla — quase certamente partilhada por Rosa Arcelia —, sobrenomes como Da Silva codificam a transmissão de sangue brasileiro de alto status, enquanto Manuyama codificaria a transmissão de sangue cocama, de baixo status. Esse sangue transmitido seria também associado a traços corporais; um rapaz incluído no estudo de Regan afirmou: "Sobre a relação entre as diferentes classes sociais, há muitas vezes um desprezo sutil da parte daqueles que se acham melhores que os outros porque são de sangue misturado, ou um pouco brancos, com olhos claros, e querem mandar em tudo" (Regan 1993: 110-111).

Todavia, como notei acima, Regan também afirma que os Cocama, às vezes, procuram mudar de sobrenome. Esta afirmação levanta um problema-chave: se os sobrenomes codificam a transmissão transgeracional de sangue, e se o sangue está associado a características corporais imediatamente visíveis, mudar de sobrenome por si só não vai ajudar muito quem esteja procurando eludir preconceitos desse tipo.

Regan não apresenta casos concretos de mudança de sobrenome, além do seguinte relato de José Chota Magipo, de Ollanta:

"Algumas famílias acreditam que mudando o sobrenome se farão melhores. Isso é o que aconteceu com uma família que se acha muito superior, eles falam que não casariam com ninguém daqui, porque se dizem gente fina, e estão sempre criando problemas. São conhecidos como maus elementos, e vivem fazendo fofoca sobre os vizinhos. Eles são os únicos que pensam que sabem de tudo, e sem nem mesmo reconhecer o sobrenome de seus pais brigam o tempo todo, brigam entre irmãos, com vizinhos etc. Pessoas pobres são sempre totalmente simples. Pode-se trabalhar com elas" (Regan 1993:111-112).

Sem saber mais sobre este homem, José Chota Magipo, e o estado das relações sociais em Ollanta, é difícil ter certeza sobre esse caso. Todavia, o teor do relato me sugere que os membros da família em questão estão tentando agir como patrões e tratar seus co-residentes como empregados, em lugar de aceitar que eles são na verdade seus parentes. Para usar uma expressão freqüentemente ouvida no Baixo Urubamba, as afirmações de Chota redundam na acusação de que essas pessoas "roubaram seu sobrenome" (Gow 1991:256, n. 1). Não se está dizendo que os Manuyama podem decidir um dia tornar-se Da Silva, mas que os autoproclamados Da Silva talvez sejam na verdade Manuyama mascarados. A mudança de nome consistiria, portanto, em uma acusação e não em um processo social.

Stocks, todavia, apresenta casos concretos de mudança de sobrenome, e estes, vale notar, se revelam generizados. Ele escreve:

"[ ] muitas meninas que partem para trabalhar como empregadas domésticas em casas de brancos ou mestiços mudam de sobrenome quando saem de seu primeiro emprego, para disfarçar sua identidade nativa; por exemplo, embora o sobrenome Pereyra seja historicamente brasileiro, ele é tão fortemente associado, no contexto local, aos Cocamilla, que em um desses casos foi mudado para Perea" (Stocks 1981:141).

Qual seria a lógica da mudança de sobrenome? Que vantagens poderiam estar sendo buscadas?

Uma resposta óbvia, visto que se trata de jovens moças solteiras, seria o casamento com alguém com um sobrenome "elevado". À primeira vista, contudo, parece altamente improvável que essas jovens moças acreditem que mudar de sobrenome irá por si só alterar seus traços corporais. Assim, a vantagem da mudança tem de estar em outro lugar. A desvantagem dos sobrenomes cocamilla não pode vir de que estes codifiquem publicamente seu sangue e assim seus atributos corporais visíveis, mas talvez resida no fato de que os sobrenomes sugerem a vigência de relações sociais possivelmente indesejáveis para seus maridos potenciais. Isto é, uma moça ex-Pereyra-agora-Perea está afirmando abertamente que não será esperado de seu marido de alto status que ele mantenha laços de afinidade ativos com gente cocamilla, laços que, dada a conexão entre sobrenome e classe, envolveriam um fluxo de recursos fortemente unidirecional do marido para seus afins cocamilla. O que as moças estão fazendo ao mudar de sobrenome não é, sugiro, disfarçar suas identidades, mas sinalizar que têm a intenção de abandonar seus laços de parentesco. Suspeito que algo muito similar esteja em jogo no caso descrito por José Chota, de Ollanta.

Isto posto, pode haver certamente um sentido em que essas moças sustentariam que seu sangue e seus traços corporais mudaram efetivamente. Desde o trabalho seminal de Seeger, DaMatta e Viveiros de Castro (1979), sabemos que, em toda a Amazônia indígena, o corpo é imaginado como alvo da ação social e seus atributos socialmente produzidos. Corpos aqui são feitos, não dados, e uma etnografia após a outra tem mostrado como os corpos são construídos e transformados por meio do compartilhamento de substâncias como os alimentos, as palavras e as doenças. Moças que viveram como domésticas em casas de brancos/mestiços teriam realmente modificado seus corpos por meio do contato diário e íntimo com brancos/mestiços, pelo menos aos seus próprios olhos e aos de seus parentes. A mudança de sobrenome registraria no plano onomástico esta modificação.

Sem dúvida, tal mudança de nome seria provavelmente vista como ilegítima pelo tipo de branco/mestiço que pode pagar empregados domésticos, pois essas pessoas operam com visões fortemente inatistas sobre a raça e os aspectos corporais visíveis. Mesmo elas, porém, aceitariam que a mudança de nome por parte da moça sinaliza uma falta de vontade de manter maior contato com seus parentes, e seria assim uma indicação de sua crescente "civilização" e aceitabilidade como esposa potencial para a "gente fina".

Esses dados da Amazônia peruana setentrional evocam fortemente minha própria etnografia do Baixo Urubamba, 800 km ao sul. Ali, a posse de sobrenomes elevados codifica o pertencimento a uma rede amplamente ramificada de confianza, que define a circulação atual e o potencial de crédito no setor comercial da economia. A posse de sobrenomes humildes, por outro lado, codifica o pertencimento à rede paralela dos paisanos, "compatriotas" ou "parentes", que define a circulação de comida e trabalho no setor de subsistência. A possibilidade de que esse mesmo tipo de lógica opere também no norte é sugerida por Rosa Lomas Pacaya, de Requena, citada por Regan:

"Há um certo desprezo por causa de sobrenomes ou dinheiro. Algumas vezes, as pessoas de sobrenome baixo, se são trabalhadores qualificados, são melhores que aquelas com sobrenomes elevados. Há um desprezo pela gente das tribos Os pobres não ajudam os ricos. Eles não se juntam" (Regan 1993:112).

Que os pobres não ajudem os ricos se deve, sugiro, ao fato de que os ricos não precisam nem querem a ajuda dos pobres. Pois o idioma da "ajuda" é um idioma das relações de parentesco, e ser rico significa sobretudo garantir que não se está ligado a pessoas pobres por este tipo de relação.

Estrangeiros e tribais

Pelo que foi visto até aqui, pode parecer que, nessa região, o caráter "elevado" ou "humilde" de um sobrenome seja algo auto-evidente; a situação, na verdade, é bem mais complicada. Stocks observa que a palavra "cocamilla" é usada muito raramente em Achual Tipishca, ocorrendo apenas em dois contextos. Um deles é quando se está referindo à língua, como em "língua cocamilla", a qual, aliás, conta com muito poucos falantes. O outro contexto é quando se está falando de sobrenomes. Alguns sobrenomes são fortemente associados ao fato de se ser Cocamilla, mas isto, curiosamente, inclui sobrenomes que são, ao mesmo tempo, definidos como "estrangeiros". Por exemplo, um homem brasileiro de nome Pereyra casou-se, no século XIX, com uma mulher cocamilla, e muitos de seus descendentes vivem hoje em Achual Tipishca, de modo que o sobrenome Pereyra passou a ser, na área do baixo Huallaga, fortemente associado com o povo cocamilla. Da mesma maneira, o sobrenome basco-espanhol Olórtegui é também considerado cocamilla; mas, como observa Stocks, "[ ] neste caso, a identificação não é completa, e a maioria dos Olórteguis que costumavam viver em Tipishca quando brancos-mestiços viviam ali mudou-se para sua própria Comunidade, para evitar ser identificada como cocamilla" (Stocks 1981:141).

Dada a importância do contraste entre sobrenomes "humildes" e "elevados", e o fato de os sobrenomes "elevados" serem estrangeiros e os "humildes", locais, que tipo de conceitualização do processo social pode fazer de um sobrenome "elevado" um sobrenome "humilde"?

Após observar que os Cocamilla apenas muito raramente se referem a si mesmos como "Cocamilla" na vida cotidiana, Stocks registra a seguinte discussão com dois informantes:

"Quando falamos sobre a origem de sobrenomes como Mashigashi ou Esperanza, [José] disse, ‘sim, Mashigashi é Aguaruna. É uma tribu, como os Cocama. Existem Cocama e Pequena Cocama. Meu sobrenome, Curitama, por exemplo, não é Cocamilla, mas Cocama mesmo. Nós Curitamas somos todos da Grande Cocama. Efrain e Froilán são ambos Lamistas, mas vivem agora exatamente como os Cocamilla. Wilfredo aqui é propriamente brasileiro. Seu avô [ ] veio e o deixou aqui, crescendo como uma árvore. Ele plantou a semente e veja hoje, o que você encontra? Uma árvore inteira, cheia de Pereyras’. Wilfredo abriu um claro sorriso e confirmou que seu avô ‘nos deixou aqui como Cocamilla’" (Stocks 1981:141).

Stocks traduz "tribu" como "tribal", ou "povo nativo relativamente não-aculturado" (1981:163), e, após a passagem citada, prossegue discutindo a extrema hostilidade dos Cocamilla a qualquer sugestão de que seriam uma tribu como os Aguaruna. Como compreender então a declaração de José Curitama de que seu sobrenome é cocama e de que os Cocama são tribu como os Aguaruna?

As afirmações aparentemente contraditórias de José fazem sentido se diferenciamos entre os Cocama como tribais no passado e os Cocamilla como tribais no presente. Da mesma forma que Wilfredo Pereyra é "propriamente brasileiro", mas foi "deixado aqui como Cocamilla", os Curitama eram originariamente tribais, mas não o são mais. Discuti isso alhures, focalizando as noções cocamilla de transformação no tempo (Gow 1993), mas aqui quero apontar para uma outra dimensão. Os sobrenomes codificam processos pelos quais povos separados se reúnem pelo casamento para formar um novo povo. Historicamente, os povos tribais, os Quechua Lamistas do alto Huallaga, os brasileiros etc., casaram-se entre si e fundaram um novo conjunto de comunidades e povos. Todavia, o estado originário de diferenciação precisa ser mantido como um traço por meio dos sobrenomes, pois são estes que permitem os casamentos no presente, mediante a diferenciação dos "sangues".

Essa imagem é familiar aos estudiosos das sociedades indígenas amazônicas desde que foi primeiro enunciada por Joanna Overing. Ela argumentava que essas sociedades se caracterizavam por uma mistura sutilmente administrada de diferenças perigosas, mas férteis, e de semelhanças seguras, mas estéreis. Ao cabo de uma comparação entre as sociedades das Guianas, do Brasil Central e do Noroeste Amazônico, ela escreveu:

"A sociedade só pode existir enquanto existir o contato e a mistura certa entre entidades e forças que são diferentes umas das outras [ ] a existência social é associada tanto à diferença como ao perigo, e a existência associal, à identidade e segurança" (Overing 1983-1984:333).

Parece claro que os Cocamilla de Achual Tipishca também se vêem como resultado, precisamente, de um tal processo de mistura bem-sucedida, em que a diferenciação potencialmente perigosa entre seus ancestrais, causa de guerra e exploração, foi domesticada pelo intercasamento. Similarmente, como veremos, a indiferenciação potencialmente perigosa dos mesmos ancestrais, que levava ao incesto, é neutralizada pela transmissão continuada das diferenças originais na forma de sobrenomes.

Isso pode permitir uma interpretação mais caridosa da ação dos Olórteguis: talvez, incapazes de viver bem com seus co-residentes em Achual Tipishca, eles tenham partido para fundar sua própria comunidade. Os Pereyras, por sua vez, com tantos direitos quanto eles de reivindicar um "sobrenome elevado", estavam satisfeitos em ser "deixados como Cocamilla", e ficaram.

Parentes, afins e estrangeiros

A perspectiva dos Cocama sobre a diferença e a semelhança emerge muito claramente no relato de um informante cocama citado por Regan. Alfonso Amia Ahuanari, de Indiana, narrando um mito sobre o dilúvio, ao chegar ao ponto em que a balsa que leva os sobreviventes alcança terra firme, explica:

"[ ] e nós somos daquela família. Nós nos tornamos muitos [a partir] de suas noras, seus genros, e não apenas de um só e mesmo pai, como esses de antes, que eram todos apenas parentes. Depois, os estrangeiros de outros países chegaram para separar essa família, e eles introduziram os sobrenomes para nos distinguir"(Regan 1993:111).

A história é um pouco críptica, e Regan não publica o texto completo dessa versão4 4 Regan publicou uma outra versão que não se refere a este episódio (1993: 124-125). , mas a implicação parece ser de que, antes do dilúvio, as pessoas se casavam entre parentes próximos, filhos de um mesmo pai, e de que após o dilúvio, a verdadeira afinidade passou a vigorar, de modo que os Cocama contemporâneos descendem da multiplicidade das alianças dos sobreviventes.

Essa narrativa pareceria, à primeira vista, contraditória com a questão dos "sobrenomes humildes". Pois esse problema, decerto, não é que esses sobrenomes, como Manuyama, têm uma origem local auto-evidente? Que sentido faz dizer que "os estrangeiros de outros países" trouxeram sobrenomes cocama para o povo cocama? Poder-se-ia, concebivelmente, argumentar que o narrador esteja se referindo (e talvez mesmo resistindo) à bem conhecida imposição da ordem colonial sobre o caos indígena amazônico. Talvez, mas a história segue uma lógica social distintivamente ameríndia: nomes, mesmo quando se referem a diferenças autóctones, vêm de outras gentes.

Viveiros de Castro, em sua reconsideração dos ditos sistemas dravidianos da Amazônia, argumentou em favor da centralidade daquilo que chama a "afinidade potencial". Ele nota que a afinidade real é consistentemente apagada nesses sistemas, sendo associada à consangüinidade: ao longo do tempo, afins reais são consangüinizados. Nesses sistemas, o lugar da afinidade como alteridade é mais plenamente marcado pelo afim potencial, aqueles com quem não se trocam cônjuges, mas antes hipóstases de cônjuges:

"O verdadeiro afim é aquele com quem não se trocam mulheres, mas outras coisas: mortos e ritos, nomes e bens, almas e cabeças. O afim efetivo é sua versão enfraquecida, impura e local, contaminada real ou virtualmente pela consanguinidade: o afim potencial é o afim global, clássico e prototípico" (Viveiros de Castro 1993:179).

O que diz o mito cocama? "Depois os estrangeiros de outros países chegaram para separar essa família, e eles introduziram os sobrenomes para nos distinguir." Ou seja, depois que as relações de afinidade sucederam às relações incestuosas, vieram com elas os afins potenciais que não dão esposas, mas sobrenomes. Esses nomes marcam o fato da afinidade real em seu aspecto não incestuoso, e garantem sua realidade através da referência ao afim potencial por excelência, o estrangeiro.

Deve estar claro, a esta altura, que os Cocama não estão operando com um modelo de ação social baseado no contraste entre o biogenético e o cultural — em lugar disso, o contraste-chave aqui remete à diferenciação originária entre tribu e estranjero. Uma vida propriamente social é constituída pela mistura segura dessas diferenças perigosas. Mas mistura não quer dizer apagamento das diferenças, pois estas precisam ser mantidas nas bordas do sistema para gerar sua contínua dinâmica.

Esta análise explica o que significa ser "ex-Cocama". "Ex-Cocama" são aqueles que têm sobrenomes cocama, mas não são Cocama no sentido de povo tribal. Os Cocama tribais existiam no passado, e são os ancestrais dos Cocama contemporâneos. Situada entre povo tribal e estrangeiros, essa gente de hoje não é nem uma coisa nem outra.

Roe (1982), como notei acima, considerava os Cocama "europeizados", mas não penso que os precedentes da vida social cocama contemporânea se encontrem na Europa. Em lugar disso, como mostrei aqui, essa vida cocama contemporânea parece constituir uma variante da lógica social indígena amazônica, e suas origens são quase certamente locais. Há grandes evidências de que esse tipo de lógica social é antigo, e fortemente distintivo das Américas. Em um artigo clássico sobre guerra e comércio na América do Sul, Lévi-Strauss apontava que

"Está, aliás, fora de dúvida, desde a descoberta das Antilhas, habitadas no século XVI por indígenas karib, cujas mulheres atestavam ainda, pela sua língua especial, suas origens aruák, que processos de assimilação e dissimilação sociais não são incompatíveis com o funcionamento das sociedades centro e sul-americanas. [ ] Mas, como no caso das relações entre a guerra e o comércio, os mecanismos concretos dessas articulações ficaram por muito tempo despercebidos" (Lévi-Strauss 1976:338).

O fato de os Cocama contemporâneos usarem termos como "estrangeiros" e "tribais" para gerar suas relações sociais reflete apenas a contingência histórica de que esses termos estão à mão no ambiente social onde, presentemente, eles se encontram.

Não há espaço aqui para uma discussão extensa da história cocama, mas existem evidências sugestivas de que o fenômeno "ex-Cocama" é bastante antigo. Em 1845, Paul Marcoy visitou os Cocama. Marcoy era um excelente observador, e através de seus olhos enxergamos os Cocama, definitivamente, em seu todo esplendor ancestral. Ele escreveu:

"Dissemos que todos os indivíduos da raça cocama, há muito batizados e bastante cristãos, mudaram seus trajes ao mesmo tempo que suas crenças, vestindo calças e camisas européias. Além disso, nada resta dos antigos costumes dessa nação, e seus atuais representantes apagaram tão extensamente sua memória que me é impossível obter, desses costumes, qualquer noção. A língua de seus pais é a única evidência do passado que os Cocama conservaram, e essa língua, já alterada pelo contato diário com os brasileiros a leste e os peruanos a oeste, está ameaçada de desaparecer como tudo o mais" (Marcoy 1869, II:230).

Cerca de 120 anos separam as observações de Marcoy daquelas de Lathrap, e isso é, para quase todos os padrões, um tempo bastante longo. De onde procede essa notável continuidade na reação dos observadores dos Cocama?

Pode-se argumentar que, ao longo desses 120 anos, uma mudança-chave teve lugar: o disseminado abandono da língua cocama. Essa mudança é real, e não é minha intenção negá-la. É preciso considerar, porém, um recente desenvolvimento no campo da lingüística. A língua cocama sempre constituiu um embaraço para os estudiosos das línguas amazônicas, dada sua clara proximidade com o tupinambá, a língua dominante na costa brasileira no início do período colonial. Por que a língua mais próxima ao tupinambá seria encontrada tão a oeste na Amazônia peruana? Os Tupinambá moviam-se muitíssimo, mas ninguém jamais aventou a possibilidade de que teriam se deslocado para tão longe.

Greg Urban (1996) propôs, recentemente, uma intrigante solução para esse problema, sugerindo que a língua cocama que começou a desaparecer entre os séculos XIX e XX já não seria a língua cocama original, mas sim, efetivamente, o tupinambá. Ele argumenta que, no final do século XVI e começo do XVII, os Cocama teriam adotado o tupinambá como língua de comércio, de modo que o cocama constituiria, portanto, o primeiro dialeto da Língua Geral, a língua franca da Amazônia brasileira baseada no tupinambá. No caso cocama, essa língua de comércio acabou prevalecendo e tornou-se uma língua materna. A hipótese de Urban é inteiramente razoável e, se correta, sugere que o fenômeno ex-Cocama, como um processo de transformação do fim do século XX, consiste em um tipo de processo social já experimentado pelos ancestrais remotos de seus atuais protagonistas.

Peruanos

Lathrap dizia, dos Cocama de Juancito, que eles "consideram-se representantes típicos da cultura peruana e ofender-se-iam se lhes chamássemos índios" (1970:17). Não posso imaginar ninguém na Amazônia peruana dizendo algo como "somos típicos representantes da cultura peruana". Posso, contudo, conceber o seguinte cenário: diante de um antropólogo americano que lhes pergunta se são indígenas, o povo de Juancito o negaria, e se então perguntados quem são ("¿Qué clase de gente son Uds., entonces?"), responderiam muito possivelmente, "somos peruanos, no más".

Tal afirmação tem, no contexto, uma obviedade pragmática. Visto que, como mostrei, a identidade de "estrangeiro" tem alta saliência social para os Cocama, a estraneidade de Lathrap os teria interessado, e se você nasceu e foi criado no Ucayali, não é de surpreender que se chame de "peruano" Se, ademais, você não quer se ver ofendido por novas perguntas quanto a se é indígena ou não, você pode bem responder que é "apenas peruano".

Há, todavia, um ponto mais profundo aqui relativo ao contexto histórico do fenômeno "ex-Cocama", que remete à relação dessas pessoas com o Estado peruano. Lathrap estava descrevendo um período em que as categorias da antropologia cultural americana estavam adquirindo um significado material direto para o povo cocama, através das atividades da organização missionária norte-americana Summer Institute of Linguistics (SIL). No final da década de 40, o Estado peruano, por complicadas razões geopolíticas, entregou efetivamente o controle de quase todos os aspectos de suas relações com os povos indígenas amazônicos a essa organização. O SIL, em troca da permissão para trabalhar com a Bíblia e traduzi-la para todas as línguas indígenas da área, concordou em encarregar-se de educar os indígenas e, principalmente, de educá-los como cidadãos peruanos (ver Stoll 1982).

O SIL tinha sua própria agenda, a saber, a tradução da Bíblia para todas as línguas humanas conhecidas, e compreendia essa estranha missão em termos afetados pela antropologia cultural americana: uma língua distinta implicava um povo distinto com uma cultura distinta. Shell e Wise oferecem assim a seguinte definição: "[ ] o termo ‘grupo idiomático’ refere-se a um grupo étnico cuja língua se distingue das demais: a) porque não é compreensível para os falantes de outras línguas; b) porque seu sistema fonológico demanda um alfabeto distinto" (1971:9).

Os Cocama apresentavam um problema para o SIL, visto que poucas pessoas, exceto os mais velhos, não-alfabetizados, falavam a língua. Foi decidido que não valia a pena traduzir a Bíblia para eles. Os Cocama, de sua parte, tampouco tinham interesse na educação bilíngüe5 5 A etnografia de Stocks sugere uma outra possível dimensão da resistência ao projeto do SIL, quando ele observa que a língua cocamilla é associada a cantos e ação xamânicos (1981:143). . Conseqüentemente, nas condições políticas dos anos 50 e 60, embora estivessem entre os mais numerosos grupos indígenas da região, os Cocama não tinham seu status de indígenas reconhecido pelo SIL e, portanto, pelo Estado peruano.

Não é absolutamente minha intenção, entretanto, sugerir que o SIL ou a nação peruana sejam capazes de "interpelar" os Cocama como "ex-Cocama", para usar as categorias althusserianas que parecem inconscientemente subjacentes a tantas discussões supostamente foucaultianas da identidade em antropologia. Em lugar disso, acredito que os termos e relações implicados em tais interpelações institucionais se cruzam sempre, necessariamente, com os termos e relações que seus alvos consideram significativos em suas próprias vidas. No caso presente, interpelações institucionais pelo SIL ou pelo Estado cruzaram-se decisivamente com as categorias cocama de maneiras que não haviam sido previstas por aquelas agências.

Em particular, teria ficado claro para os Cocama que o reconhecimento dos povos indígenas pelo SIL e pelo Estado peruano coincidia exatamente com sua própria categoria de tribu, que, como vimos, pode corresponder a uma categoria de ancestrais Cocama, mas não pode aplicar-se aos Cocama atuais. Todo caso de "povo indígena" reconhecido pelo SIL — e pelo Estado —, como os Conibo ou Aguaruna, consiste em uma tribu aos olhos cocama. Toda tentativa por parte do Estado peruano, ou por antropólogos e missionários, de fazer os Cocama reafirmarem sua identidade indígena desembocou em um diálogo de surdos. Antropólogos e missionários interpretaram a recusa cocama da identidade indígena como tentativas de má-fé de passing, enquanto os Cocama, por sua vez, devem ter escutado tais sugestões como afirmações de que eles eram "tribais" e de que, portanto, toda sua história de construção comunitária não teria, de fato, ocorrido (ver Stocks 1981 e a discussão do caso cocamilla em Gow 1993).

Nessa nova batalha em torno de identidades, os Cocama parecem, todavia, ter agora tomado a ofensiva. Constantemente pressionados para se autodefinirem, e muito relutantes em se tornarem um "povo tribal/indígena" e esquecer assim sua história, eles apossaram-se de um novo nome, "peruanos". Como vimos, nomes têm sua importância na Amazônia peruana, e as relações sociais na região podem ser caracterizadas como de uma guerra onomástica endêmica, na qual sobrenomes perdem peso conforme suas conotações de "estraneidade" se vêem contaminadas por outras de origem autóctone. Os brancos mantêm a "elevação" de seu sobrenome afirmando a pureza de sua "estraneidade". Isto, é claro, os expõe à acusação de que são, de fato, basicamente "estrangeiros", no novo e perigoso sentido de "não realmente peruanos". Pois ser "não realmente peruano" consiste em uma posição desconfortável em um período de crescente nacionalização do cotidiano na Amazônia peruana do fim de século XX.

Na medida em que cresce a preocupação do Estado em fazer de seus cidadãos amazônicos bons peruanos, abre-se para as pessoas de "sobrenome humilde" a possibilidade de um novo round na batalha onomástica, reconfigurando seus "sobrenomes humildes" como nomes peruanos, e assim a si mesmos como sendo os verdadeiros peruanos. Nas palavras de um informante de Regan: "Os que têm sobrenomes estrangeiros humilham aqueles de nós que têm sobrenomes peruanos". É um argumento astuto, que os detentores de sobrenomes elevados teriam grande dificuldade em refutar, dada a importância que conferem a suas origens estrangeiras. Aqui, o que um dia foi um nome "estrangeiro", a saber, "peruano", é tomado como uma determinação do Eu perfeitamente evidente... Os "ex-Cocama" estão, assim, em via de apropriar-se da mais importante posição identitária da região6 6 Devo enfatizar que esta análise se baseia em dados etnográficos coletados entre os anos 1960 e 1980, referindo-se especificamente a esse período. Fernando Santos-Granero, comentando uma versão anterior deste artigo, apontou para o fato de que muitos dos Cocama experimentaram transformações sociais e políticas profundas ao longo da década de 90, que levaram a um aumento do interesse pela identidade indígena mediado por formas de representação política, reconhecimento legal e políticas educacionais. Como ele observou, todavia, essas transformações mais recentes não invalidam a análise oferecida aqui, e levantam questões interessantes sobre o significado da reafirmação da identidade cocama no século XXI. .

Lathrap abriu seu livro O Alto Amazonas com a descrição dos "ex-Cocama" de Juancito por uma razão. Ele estava preocupado em mostrar como as etnografias contemporâneas da Amazônia podiam ser conectadas com os dados arqueológicos para revelar continuidades e processos culturais uniformes na região ao longo de vários milhares de anos. Sob a aparência de aculturação, argumentou Lathrap, os "ex-Cocama" davam continuidade a uma luta de milênios por terra agricultável. Se não estou certo quanto ao conteúdo específico da análise de Lathrap, concordo com seu escopo. O fenômeno "ex-Cocama", e a assunção dessa nova identidade de "apenas peruanos", corresponde a um processo contínuo e uniforme de transformação do Outro no Eu que data, na Amazônia peruana, de pelo menos quinhentos anos, e é muito provavelmente bem mais antigo.

* Minha reinterpretação dos materiais discutidos neste artigo teria sido impossível sem o trabalho dos vários etnógrafos dos Cocama; a dívida que guardo para com eles é clara, mesmo ali onde minha análise difere das suas. Agradeço também a Eduardo Viveiros de Castro, Edward Simpson, Fernando Santos-Granero, Carlos Fausto e aos participantes do Friday Morning Seminar do Departamento de Antropologia da London School of Economics por seus comentários a versões anteriores deste artigo.

Recebido em 15 de setembro de 2002

Aprovado em 15 de novembro de 2002

Tradução de Marcela Coelho de Souza

É autor de Of Mixed Blood: Kinship and History in Peruvian Amazonia (1991) e An Amazonian Myth and its History (2001).

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  • Notas
  • 1
    À exceção de Gow (1991) e Taylor (1999).
  • 2
    O presente artigo estende a análise das sociedades amazônicas como sistemas historicamente transformacionais, desenvolvida em maior detalhe em Gow (2001).
  • 3
    Achual Tipishca é uma comunidade bastante atípica para os padrões Cocama/Cocamilla, excluindo residentes permanentes não-cocamilla e sendo largamente endógama.
  • 4
    Regan publicou uma outra versão que não se refere a este episódio (1993: 124-125).
  • 5
    A etnografia de Stocks sugere uma outra possível dimensão da resistência ao projeto do SIL, quando ele observa que a língua cocamilla é associada a cantos e ação xamânicos (1981:143).
  • 6
    Devo enfatizar que esta análise se baseia em dados etnográficos coletados entre os anos 1960 e 1980, referindo-se especificamente a esse período. Fernando Santos-Granero, comentando uma versão anterior deste artigo, apontou para o fato de que muitos dos Cocama experimentaram transformações sociais e políticas profundas ao longo da década de 90, que levaram a um aumento do interesse pela identidade indígena mediado por formas de representação política, reconhecimento legal e políticas educacionais. Como ele observou, todavia, essas transformações mais recentes não invalidam a análise oferecida aqui, e levantam questões interessantes sobre o significado da reafirmação da identidade cocama no século XXI.
  • *
    A origem das designações
    La Gran Cocama e
    Pequena Cocama é incerta; o autor sugere que possam derivar da expressão "la gran nación cocama", uma forma antiga usada por missionários [N. do T.].
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jul 2003
    • Data do Fascículo
      Abr 2003

    Histórico

    • Aceito
      15 Nov 2002
    • Recebido
      15 Set 2002
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