Acessibilidade / Reportar erro

Diagnóstico de fraturas vertebrais: oportunidades perdidas

RESUMO

As fraturas vertebrais são o tipo mais comum de fratura osteoporótica. As mulheres na pós-menopausa têm um risco aumentado de fraturas vertebrais osteoporóticas em comparação com as mulheres em idade fértil. As fraturas vertebrais estão associadas a um aumento na morbidade e mortalidade e à elevação do risco de fratura vertebral subsequente, independentemente da densidade mineral óssea. Apesar da ocorrência comum e das graves consequências das fraturas vertebrais, elas muitas vezes passam despercebidas ou são erroneamente diagnosticadas pelos radiologistas. Além disso, as fraturas vertebrais podem ser descritas com uma terminologia variável, que pode confundir em vez de esclarecer o médico solicitante. Foi feito um levantamento dos laudos das radiografias de coluna vertebral de um grupo de mulheres na pós-menopausa selecionadas para participar de um estudo de osteoporose no Centro de Pesquisa Clínica do Brasil. A análise descritiva avaliou a variabilidade dos laudos em sete pacientes. Quatro radiologistas gerais independentes emitiram laudos de avaliação das fraturas vertebrais por meio de uma análise cega. O objetivo deste estudo foi avaliar a consistência desses laudos. A análise descobriu uma acentuada variabilidade no diagnóstico das fraturas vertebrais e na terminologia usada para descrevê-las. Na prática clínica da comunidade, essa variabilidade poderia levar a diferenças no tratamento de pacientes com osteoporose, com o potencial de subtratamento ou tratamento exagerado, a depender das circunstâncias clínicas. Laudos precisos e inequívocos de fraturas vertebrais são susceptíveis de estar associados a melhores desfechos clínicos.

Palavras-chave:
Fraturas vertebrais; Fraturas osteoporóticas; Osteoporose

ABSTRACT

Vertebral fractures are the single most common type of osteoporotic fracture. Postmenopausal women are at increased risk for osteoporotic vertebral fractures compared with women of childbearing age. Vertebral fractures are associated with an increase in morbidity, mortality, and high risk of a subsequent vertebral fracture, regardless of bone mineral density. Despite the common occurrence and serious consequences of vertebral fractures, they are often unrecognized or misdiagnosed by radiologists. Moreover, vertebral fractures may be described by variable terminology that can confuse rather than enlighten referring physicians. We conducted a survey of spine X-ray reports from a group of postmenopausal women screened for participation in a study of osteoporosis at Centro de Pesquisa Clínica do Brasil. A descriptive analysis evaluated the variability of reports in 7 patients. Four independent general radiologists issued reports assessing vertebral fractures through a blinded analysis. The objective of this study was to evaluate for consistency in these reports. The analysis found marked variability in the diagnosis of vertebral fractures and the terminology used to describe them. In community medical practices, such variability could lead to differences in the management of patients with osteoporosis, with the potential for undertreatment or overtreatment depending on clinical circumstances. Accurate and unambiguous reporting of vertebral fractures is likely to be associated with improved clinical outcomes.

Keywords:
Vertebral fractures; Osteoporotic fractures; Osteoporosis

Introdução

De acordo com a National Osteoporosis Foundation, 44 milhões de pessoas nos Estados Unidos têm osteoporose ou osteopenia.1Kanis JA, Johansson H, Oden A, Johnell O, De Laet C, Eisman JA, et al. A family history of fracture and fracture risk: a meta-analysis. Bone. 2004;35:1029-37.Estima-se que a osteoporose afete cerca de 200 milhões de mulheres em todo o mundo, com a ocorrência de uma fratura osteoporótica a cada três segundos e uma fratura vertebral a cada 22 segundos.1Kanis JA, Johansson H, Oden A, Johnell O, De Laet C, Eisman JA, et al. A family history of fracture and fracture risk: a meta-analysis. Bone. 2004;35:1029-37.,2Bandeira FA, Carvalho EF. Prevalência de osteoporose e fraturas vertebrais em mulheres na pós-menopausa atendidas em serviços de referência. Rev Bras Epidemiol. 2007;10:86-98. Nos Estados Unidos, a incidência anual de fraturas osteoporóticas é maior do que a incidência combinada de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico e câncer de mama. A prevalência de fraturas vertebrais em brancos com mais de 50 anos é de 20 a 25%. Na América Latina é de 12%.1Kanis JA, Johansson H, Oden A, Johnell O, De Laet C, Eisman JA, et al. A family history of fracture and fracture risk: a meta-analysis. Bone. 2004;35:1029-37.,3Van Staa TP, Dennison EM, Leufkens HE, Cooper C. Epidemiology of fractures in England and Wales. Bone. 2001;29:517-22. Além disso, as pessoas até 50 anos apresentam um maior risco de fratura osteoporótica (46 a 53% em mulheres e 21 a 22% em homens), fratura vertebral vista na radiografia (27% em mulheres e 11% em homens) e fratura vertebral clínica.4Samelson EJ, Hannan MT, Zhang Y, Genant HK, Felson DT, Kiel DP. Incidence and risk factors for vertebral fracture in women and men: 25-year follow-up results from the population-based Framingham study. J Bone Miner Res. 2006;21:1207-14. As mulheres na perimenopausa e pós-menopausa com uma fratura vertebral prevalente têm um risco duas a cinco vezes maior de apresentar uma fratura vertebral subsequente em comparação com mulheres sem uma fratura vertebral prevalente, independentemente da densidade mineral óssea.5Neer RM, Arnaud CD, Zanchetta JR, Prince R, Gaich GA, Reginster JY, et al. Effect of parathyroid hormone (1-34) on fractures and bone mineral density in postmenopausal women with osteoporosis. N Engl J Med. 2001;344:1434-41. Além disso, a presença de uma fratura vertebral aumenta a taxa de mortalidade e as chances de novas fraturas.6Genant HK, Lenchik L, Rogers LF, Delmas PD. Diagnosis of osteoporotic vertebral fractures: importance of recognition and description by radiologists. American Journal of Roentgenology. 2004;183:949-58.,7Lindsay R, Silverman SL, Cooper C, Hanley DA, Barton I, Broy SB, et al. Risk of new vertebral fracture in the year following a fracture. JAMA. 2001;285:320-3. No entanto, a incapacidade de identificar fraturas vertebrais no exame radiográfico é um problema comum em todo o mundo, com alguns relatos de que 34% das fraturas passam despercebidas. Isso leva a subtratamento e maus desfechos clínicos, incluindo dor nas costas, perda da independência e redução na qualidade de vida.6Genant HK, Lenchik L, Rogers LF, Delmas PD. Diagnosis of osteoporotic vertebral fractures: importance of recognition and description by radiologists. American Journal of Roentgenology. 2004;183:949-58.,8Delmas PD, Van de Langerijt L, Watts NB, Eastell R, Genant H, Grauer A, et al. Underdiagnosis of vertebral fractures is a worldwide problem: the Impact Study. J Bone Miner Res. 2005;20:557-63. Assim, fez-se uma pesquisa para avaliar a consistência e a divergência dos laudos de radiografias da coluna vertebral em um grupo de mulheres na pós-menopausa com diagnóstico de osteoporose.

Materiais e métodos

Foram feitas radiografias da coluna vertebral em sete mulheres que participaram de um estudo da osteoporose do Centro de Pesquisa Clínica do Brasil. O propósito dessas radiografias foi avaliar a procura de fraturas prevalentes da coluna vertebral. Imagens da coluna vertebral digitalizadas (incidências posteroanterior e lateral) foram enviadas a quatro radiologistas gerais, que estavam cientes do propósito das radiografias, para interpretações independentes e cegas. Os laudos foram então comparados para avaliar a consistência da terminologia e o diagnóstico de fraturas vertebrais.

Resultados

A interpretação de cada radiologista em relação ao diagnóstico e à caracterização das fraturas vertebrais é fornecida na tabela 1.

Tabela 1
Laudos radiográficos de radiografias da coluna vertebral de sete mulheres com osteoporose, elaborados por quatro radiologistas. Os dados mostram acentuada variabilidade na identificação e descrição das fraturas vertebrais

Discussão

A osteoporose é uma doença osteometabólica que leva à baixa densidade mineral óssea, deterioração da microarquitetura do osso e fragilidade esquelética e predispõe o indivíduo a fraturas com trauma mínimo.9Samelson EJ, Cupples LA, Broe KE, Hannan MT, O’Donnell CJ, Kiel DP. Vascular calcification in middle age and long-term risk of hip fracture: the Framingham Study. J Bone Miner Res. 2007;22:1449-54.,1010 Majumdar SR, Kim N, Colman I, Chahal AM, Raymond G, Jen H, et al. Incidental vertebral fractures discovered with chest radiography in the emergency department: prevalence, recognition, and osteoporosis management in a cohort of elderly patients. Arch Intern Med. 2005;165:905-9. As mulheres pós-menopáusicas com osteoporose têm maior risco de fratura vertebral causada pela fragilidade óssea em comparação com mulheres em idade fértil. Além disso, as fraturas vertebrais prévias aumentam a taxa de mortalidade associada a fraturas futuras, o que destaca a importância do diagnóstico radiográfico precoce das fraturas vertebrais.1Kanis JA, Johansson H, Oden A, Johnell O, De Laet C, Eisman JA, et al. A family history of fracture and fracture risk: a meta-analysis. Bone. 2004;35:1029-37.,6Genant HK, Lenchik L, Rogers LF, Delmas PD. Diagnosis of osteoporotic vertebral fractures: importance of recognition and description by radiologists. American Journal of Roentgenology. 2004;183:949-58.,1111 Kanis JA. WHO Technical Report. Sheffield: University of Sheffield; 2007. p. 66. Atualmente, a melhor maneira de confirmar a presença de uma fratura vertebral é por meio de uma radiografia da coluna vertebral, de preferência seguida de avaliação e tratamento apropriados para reduzir o risco de fraturas futuras. Tratamentos eficazes estão amplamente disponíveis e podem reduzir a ocorrência de fraturas vertebrais futuras em 30 a 70%. No entanto, apesar de as fraturas vertebrais serem bastante comuns e estarem associadas à diminuição da qualidade de vida e ao aumento da mortalidade, muitas vezes não são detectadas ou são erroneamente diagnosticadas pelos radiologistas.1Kanis JA, Johansson H, Oden A, Johnell O, De Laet C, Eisman JA, et al. A family history of fracture and fracture risk: a meta-analysis. Bone. 2004;35:1029-37.,1212 Clark P, Cons-Molina F, Ragi S, Deleze M, Haddock L, Zanchetta J, et al. The prevalence of vertebral fractures in Latin American countries: the Latin American Vertebral Osteoporosis Study (Lavos). Osteoporos Int. 2009;20:275-82.

Em um estudo retrospectivo recente com 934 mulheres de 60 anos ou mais havia evidências radiográficas de fraturas vertebrais moderadas ou graves em 132 delas (14%), mas apenas 50% dos laudos radiológicos mencionaram essas fraturas.6Genant HK, Lenchik L, Rogers LF, Delmas PD. Diagnosis of osteoporotic vertebral fractures: importance of recognition and description by radiologists. American Journal of Roentgenology. 2004;183:949-58. Em outro estudo com 2.000 mulheres pós-menopáusicas com osteoporose, a precisão das interpretações das radiografias de coluna vertebral foi avaliada pela comparação dos resultados dos laudos radiográficos locais com um laboratório radiográfico central.8Delmas PD, Van de Langerijt L, Watts NB, Eastell R, Genant H, Grauer A, et al. Underdiagnosis of vertebral fractures is a worldwide problem: the Impact Study. J Bone Miner Res. 2005;20:557-63. Esse estudo mostrou taxas de falso-negativos entre 27 e 45% para o diagnóstico de fraturas vertebrais.8Delmas PD, Van de Langerijt L, Watts NB, Eastell R, Genant H, Grauer A, et al. Underdiagnosis of vertebral fractures is a worldwide problem: the Impact Study. J Bone Miner Res. 2005;20:557-63.Além disso, quando uma deformidade vertebral era identificada, frequentemente foi usada terminologia ambígua nos laudos, o que levou a potencial confusão no diagnóstico das fraturas vertebrais.6Genant HK, Lenchik L, Rogers LF, Delmas PD. Diagnosis of osteoporotic vertebral fractures: importance of recognition and description by radiologists. American Journal of Roentgenology. 2004;183:949-58.,8Delmas PD, Van de Langerijt L, Watts NB, Eastell R, Genant H, Grauer A, et al. Underdiagnosis of vertebral fractures is a worldwide problem: the Impact Study. J Bone Miner Res. 2005;20:557-63. Apesar do pequeno número de pacientes, os resultados do presente estudo são semelhantes aos da literatura internacional.1313 Burge R, Dawson-Hughes B, Solomon DH, Wong JB, King A, Tosteson A. Incidence and economic burden of osteoporosis-related fractures in the United States, 2005-2025. J Bone Miner Res. 2007;22:465-75. Este é o primeiro estudo sobre as oportunidades perdidas de diagnóstico de fraturas vertebrais no Brasil.

Conclusão

Este estudo mostra uma grande variabilidade na identificação e descrição das fraturas vertebrais em mulheres pós-menopáusicas com osteoporose. Os médicos que dependem de laudos precisos dos radiologistas podem, por sua vez, tratar seus pacientes de modo diferente, a depender de qual laudo é recebido. Quando uma fratura vertebral não é reconhecida ou quando a descrição de uma deformidade vertebral não é clara, as decisões para a avaliação e o tratamento do paciente podem ser incorretas. A melhoria na precisão e consistência dos laudos de fraturas vertebrais é susceptível de aprimorar o atendimento ao paciente.

Agradecimento

Gostaríamos de agradecer aos radiologistas que se dispuserem a avaliar as radiografias feitas - Bruno L.B. Cherulli, Elisa Cristina Dias, Priscilla Piuzana Nogueira, Sérgio Viana - e à médica Ludmilla Pavlik Haddad pela colaboração.

Referências

  • 1
    Kanis JA, Johansson H, Oden A, Johnell O, De Laet C, Eisman JA, et al. A family history of fracture and fracture risk: a meta-analysis. Bone. 2004;35:1029-37.
  • 2
    Bandeira FA, Carvalho EF. Prevalência de osteoporose e fraturas vertebrais em mulheres na pós-menopausa atendidas em serviços de referência. Rev Bras Epidemiol. 2007;10:86-98.
  • 3
    Van Staa TP, Dennison EM, Leufkens HE, Cooper C. Epidemiology of fractures in England and Wales. Bone. 2001;29:517-22.
  • 4
    Samelson EJ, Hannan MT, Zhang Y, Genant HK, Felson DT, Kiel DP. Incidence and risk factors for vertebral fracture in women and men: 25-year follow-up results from the population-based Framingham study. J Bone Miner Res. 2006;21:1207-14.
  • 5
    Neer RM, Arnaud CD, Zanchetta JR, Prince R, Gaich GA, Reginster JY, et al. Effect of parathyroid hormone (1-34) on fractures and bone mineral density in postmenopausal women with osteoporosis. N Engl J Med. 2001;344:1434-41.
  • 6
    Genant HK, Lenchik L, Rogers LF, Delmas PD. Diagnosis of osteoporotic vertebral fractures: importance of recognition and description by radiologists. American Journal of Roentgenology. 2004;183:949-58.
  • 7
    Lindsay R, Silverman SL, Cooper C, Hanley DA, Barton I, Broy SB, et al. Risk of new vertebral fracture in the year following a fracture. JAMA. 2001;285:320-3.
  • 8
    Delmas PD, Van de Langerijt L, Watts NB, Eastell R, Genant H, Grauer A, et al. Underdiagnosis of vertebral fractures is a worldwide problem: the Impact Study. J Bone Miner Res. 2005;20:557-63.
  • 9
    Samelson EJ, Cupples LA, Broe KE, Hannan MT, O’Donnell CJ, Kiel DP. Vascular calcification in middle age and long-term risk of hip fracture: the Framingham Study. J Bone Miner Res. 2007;22:1449-54.
  • 10
    Majumdar SR, Kim N, Colman I, Chahal AM, Raymond G, Jen H, et al. Incidental vertebral fractures discovered with chest radiography in the emergency department: prevalence, recognition, and osteoporosis management in a cohort of elderly patients. Arch Intern Med. 2005;165:905-9.
  • 11
    Kanis JA. WHO Technical Report. Sheffield: University of Sheffield; 2007. p. 66.
  • 12
    Clark P, Cons-Molina F, Ragi S, Deleze M, Haddock L, Zanchetta J, et al. The prevalence of vertebral fractures in Latin American countries: the Latin American Vertebral Osteoporosis Study (Lavos). Osteoporos Int. 2009;20:275-82.
  • 13
    Burge R, Dawson-Hughes B, Solomon DH, Wong JB, King A, Tosteson A. Incidence and economic burden of osteoporosis-related fractures in the United States, 2005-2025. J Bone Miner Res. 2007;22:465-75.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2014
  • Recebido
    07 Dez 2014
Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbre@terra.com.br