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Subsídios para a conceituacão da assistência de enfermagem rumo à reforma sanitária

ARTIGOS

Subsídios para a conceituacão da assistência de enfermagem rumo à reforma sanitária* * Documento elaborado pelos participantes da Oficina de Trabalho, promovida pela Associação Brasileira de Enfermagem (Comissão de Serviço) e Instituto Nacional da Previdência Social (Coordenadoria de Enfermagem).

PARTICIPANTES: Iara de Moraes Xavier (Coordenadora), Alina Maria Almeida de Souza (NESP/UNB), Edelita Coelho de Araújo (INAMPS-SRBA), Eleutério Rodriguez Neto (NESP/UNB), Eunice Orlando Souza (COFEn), Glória Briceño (OPS), Isabel Santos (OPS), Joana Azevedo (MS), Liani Bonilla S. Comino (Sind. Enf. RJ), Maria Auxiliadora Córdova Christofaro (UFMG), Maria Cecília Puntel (UFSP), Maria José Rossi (ABEn Central), Maria Romana Friedlander (USP), Nair Fábio da Silva (ABEn-BA),Roseni Rosângela Chompré (UFMG), Sábado Nicolau Girardi (NESCON/ENSP), Stella Barros (UFBA), Thereza Cristina Varella Vieira (INAMPS-DG)

1. APRESENTAÇÃO

Seguramente, a próxima SEMANA DE ENFERMAGEM constituir-se-a em um espaço privilegiado de discussão da REFORMA SANITÁRIA.

Este documento é uma contribuição da Comissão de Serviços da ABEn-Central a essa discussão. Busca, fundamentalmente, compreender e conceituar a assistência de enfermagem como parte contributiva da SAÚDE - ponto axial dos direitos inalienáveis dos habitantes do Território Nacional e deve ser garantido pelo ESTADO.

O seu conteúdo indica tão somente alguns pressupostos, considerações e diretrizes gerais na direção desta conceituação. Aqueles que participaram da sua elaboração o definiram como preliminar. Acredita-se que a análise e crítica produzida por toda a enfermagem o tornará um documento amplo, completo e significativo para a definição da ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM neste processo de mudança.

2. INTRODUÇÃO

A Comissão de Reforma Sanitária, constituída para dar encaminhamento às discussões da 8º Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em março de 1986, está encaminhando à Constituinte uma proposta para o conteúdo de Saúde na Nova Constituição Brasileira. Esta proposta está pautada nos seguintes princípios:

- O conceito de saúde deve ser ampliado considerando, não somente, a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde, mas todas as condições sociais (garantia de emprego, moradia, educação, alimentação, etc), que permitam à população brasileira melhores condições de vida e em conseqüência mais saúde.

- O direito à saúde é universal e cabe ao ESTADO provê-lo e controlá-lo.

- A organização de um Sistema Nacional de Saúde que garanta a integralidade da assistência, a universalidade, a descentralização, a eqüidade, a resolutividade e o controle social da população sobre as ações do Estado.

- Definição da Rede Nacional de Serviços de Saúde (RENASSA) comandada pelo Estado, constituída pelos serviços de saúde públicos federal, estaduais, e municipais e pelos serviços privados contratados, sob regimento do direito público.

- Financiamento do setor saúde de recursos fiscais e para-fiscais com valores estabelecidos em lei, definindo-se um percentual mínimo de 10% do PIB. Recursos estes submetidos a gestão única nos vários níveis do sistema nacional de saúde seja Federal, Estadual e Municipal.

- Subordinação das atividades de ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico e produção de insumos e equipamentos essenciais para o setor, às políticas de saúde.

Com base nestes princípios a Comissão da Reforma Sanitária está elaborando também uma proposta de conteúdo para uma nova lei do Sistema Nacional de Saúde, em substituição a lei 6.229/75.

Entre as diretrizes básicas da nova lei incluir-se-á a RENASSA (hierarquizada e regionalizada) objetivando a cobertura populacional e equipada para buscar a resolutividade em seus vários níveis, cuja natureza tem como pressuposto a integralidade da atenção à saúde, integralidade que por sua vez implica na qualificação da assistência. De acordo com estas diretrizes e pressupostos, a assistência prestada por uma equipe multiprofissional estaria pautada nas características epidemiológicas de cada local onde se inserem os serviços.

A assistência de enfermagem enquanto parte dessa assistência integral também é direito do cidadão e necessita ser repensada.

No momento que a sociedade brasileira continua a discussão sobre a reforma sanitária, iniciada na 8º CNS, a ABEn não devendo ficar alheia integra este processo, através da Comissão de Serviços de Enfermagem a qual organizou uma Oficina de Trabalho. Participaram 17 enfermeiros e 2 médicos, de instituições de ensino e serviços, de entidades representativas de enfermagem do país, com o objetivo de dar início a um processo de discussão e reflexão sobre "O QUE É ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM". Esse processo pretende contribuir com o movimento da Reforma Sanitária que exige a definição de uma nova prática de assistência integral à saúde, prática esta que apontará para novas ações e funções e, conseqüentemente, novos perfis profissionais.

Em um primeiro momento pode parecer que se trata de uma tarefa desnecessária, pois a conceituação de assistência de enfermagem já foi proposta por vários autores. Mas o que se observa é que tais conceituações têm assumido uma característica formal, estática, sem contemplar a dinâmica do contexto social de onde e de quando se realiza. A "praxis" da enfermagem tem construído e consolidado um conjunto de conhecimentos que enquanto SABER deve ser analisado e contextualizado, criticamente, de tal maneira que seja capaz de acompanhar e inserir-se no processo de mudanças sócio-político-econômico e técnico-científico.

3. PRESSUPOSTOS DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM

3.1 Assistência de enfermagem é aquela realizada por toda categoria de Enfermagem, ou seja: enfermeiro, técnico, auxiliar de enfermagem, visitador sanitário e atendente.

Segundo dados do IBGE, em 1980, existiam 15.158 enfermeiros, 7.203 técnicos, 64.227 auxiliares e 176.891 atendentes empregados no país. Na última década, observou-se um incremento em termos absolutos para toda a categoria, contudo o estudo COFEN/ABEN 1982-83 demonstra uma tendência de diminuição da prticipaçãodo enfermeiro que em 1956 representava 11,3% da força de trabalho e atualmente é apenas de 8%, um aumento significativo de pessoal técnico e auxiliar que passou de 4,6% para 27,7% e uma diminuição relativa de atendentes que passou de 84,1% para 63,8%.

Os estudos sobre a força de trabalho em saúde em geral vem demonstrando que na última década o emprego específico foi duplicado, sendo que as categorias que mais cresceram foram as de médico e atendentes (130% e 124% respectivamente). Para visualizar concretamente estes dados temos projeções que demonstram por exemplo que para cada 100 leitos no serviço público existem 33 médicos, 8,62 enfermeiros, 1,4 técnicos, 31,8 auxiliares de enfermagem e 40 atendentes; na rede privada esta projeção é de 17 médicos, 1,8 enfermeiros, 1,6 técnicos, 8,9 auxiliares de enfermagem e 21 atendentes. E também projeções sobre o pessoal empregado nos 57.000 serviços do tipo ambulatorial da rede públcia onde estão empregados 55.000 médicos, 4.000 enfermeiros, 700 técnicos, 17.000 auxiliares de enfermagem e 37.000 atendentes (em termos relativos para a totalidade da categoria enfermagem, e isto representa respectivamente 6,8% de enfermeiros, 1,2% de técnicos, 28,9% de auxiliares de enfermagem e 63% de atendentes).

3.2 O trabalho em saúde se caracteriza como um processo coletivo composto de áreas técnicas específicas como a medicina, odontologia, farmácia, serviço social, enfermagem, etc. A enfermagem enquanto trabalho é parte desse coletivo e também contém um processo onde as diferentes categorias compartilham parcelas deste trabalho para compor um conjunto complementar e interdependente referido ao todo.

3.3 A assistência de enfermagem tem especificidade.

3.4 A Assistência de enfermagem contribui para a integralidade da assistência de saúde.

4. ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM

Na busca de compreensão e conceituação da assistência de enfermagem procedeu-se a identificação dos procedimentos, tarefas e atividades que as categorias de enfermagem vêm concretamente realizando nos serviços de saúde do país.

A análise dos elementos identificados, distintos na aparência, apontou semelhanças essenciais, o que possibilitou, em uma primeira aproximação, a categorização desse conjunto em:

• Ações de natureza propedêutica e terapêutica complementares ao ato médico e de outros profissionais - Essas ações são determinadas em função do ato médico e/ou de outros profissionais. As ações propedêuticas complementares são aquelas que apoiam o diagnóstico e o acompanhamento do processo; nelas se incluem, entre outras, a observação do estado do paciente, o controle de sinais vitais, o controle de líquidos, a colheita de amostra para exames laboratoriais, o preparo para exames específicos, o controle ponderal e de estatura.

As ações terapêuticas complementares são aquelas que asseguram o tratamento prescrito. Como exemplo, citam-se a administração de medicamentos, a administração de dietas especiais, a aplicação de calor e frio, a oxigenoterapia, entre outros.

• Ações de natureza terapêutica e propedêutica da enfermagem - O foco dessas ações está na organização da totalidade da atenção de enfermagem prestada à clientela. Essa totalidade se dá através do diagnóstico e encaminhamento de situações que se verificam na relação entre a clientela, demais profissionais e a instituição. Elas caracterizam a necessidade de tempo e continuidade do trabalho da enfermagem. Como exemplo temos aquelas atividades que promovem conforto e segurança assim como aquelas referentes ao trabalho educativo realizado com a clientela.

• Ações de natureza complementar de controle de risco - A essência dessas ações prende-se à diminuição da probabilidade de agravos a saúde e/ou de suas complicações. Esse caráter de complementariedade refere-se ao fato de que essas ações são desenvolvidas pelo coletivo de profissionais de saúde. Estão incluídas nessa categoria as atividades referentes à vigilância epidemiológica e nutricional, às ações sobre o meio, ao controle de clientela de baixo risco (mulher e criança), ao controle de infecção hospitalar, ao controle de doenças crônico-degenerativas, ao controle de agravos produzidos à população trabalhadora no processo produtivo, entre outras.

• Ações de natureza administrativa - A essência dessas ações está na organização do processo do trabalho coletivo da enfermagem. Considera-se nessa categoria todas as ações referentes ao planejamento, gestão, coordenação, supervisão e avaliação da assistência de enfermagem.

• Ações de natureza pedagógica - Nessa categoria inscrevem-se todas as ações de treinamento, formação e educação continuada dirigida à força de trabalho de enfermagem empregada na rede de serviços.

Este conjunto de ações que caracteriza o trabalho de enfermagem nas instituições de saúde quando visto em sua globalidade permitem a visualização de dois aspectos importantes: um primeiro, ligado a essência da assistência, ou seja os serviços concretamente ofertados à clientela; e, um segundo correspondente ao apoio e a qualificação da assistência prestada.

No primeiro estão incluídas as ações de natureza propedêutica complementares ao ato médico e de outros profissionais; as ações de natureza propedêutica e terapêutica da enfermagem; e, as ações de natureza complementar de controle de risco. No segundo, incluise as ações de natureza administrativa e pedagógica que viabilizam o desenvolvimento das ações anteriores de forma integral, oportuna e com diminuição de risco.

Assim, pode-se conceituar Assistência de Enfermagem como um conjunto de ações de natureza diversa que se articulam e se complementam entre si na consecução da finalidade do trabalho em saúde. A garantia do cumprimento dessa finalidade requer a continuidade e a oportunidade dessa assistência.

5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM ATUALMENTE PRATICADA NO BRASIL

A assistência de enfermagem que se realiza hoje no Brasil tem aderência às políticas de saúde, cuja lógica intrínseca privilegia a quantidade em detrimento da qualidade dessa assistência. Nas últimas décadas, observou-se uma tendência marcada de deterioração da assistência em geral e especialmente da enfermagem.

Na área hospitalar as condições concretas para organização do trabalho tem diminuído as possibilidades de alcançar qualidade. A escassez de pessoal e material além das condições do equipamento físico se traduzem cada vez mais em fonte de risco para a clientela assim como para o trabalhador em enfermagem. Na rede de serviços básicos as condições de trabalho não são diferentes pelo contrário, estão agravadas pela falta de identidade e compreensão do objeto específico de modo a promover a organização do trabalho de uma forma global.

Tomando por base a categorização apresentada anteriormente, pode-se dizer que, na prática atual, predominam as ações de natureza propedêutica e terapêutica complementares ao ato médico. As demais não têm maior expressão no conjunto da prática assistencial da enfermagem. Além disso, observa-se:

• fragmentação e descontinuidade do processo de assistência,

• alta probabilidade de risco para a clientela,

• favorecimento da iatrogenia,

• improvisação das atividades de apoio, ou seja, as de natureza administrativa e pedagógica,

• insuficiência de cobertura, e

• insatisfação da clientela e da categoria.

Em conseqüência pode-se caracterizar de uma maneira geral, a assistência de enfermagem prestada no país como de má qualidade e não contributiva para a resolutividade dos serviços de saúde.

Frente a este panorama e tendo em vista o movimento da sociedade brasileira e particularmente dos profissionais de saúde no sentido de operacionalizar os princípios da reforma sanitária é fundamental que o coletivo de enfermagem se posicione. A reforma sanitária aponta para uma assistência de saúde integral cuja natureza exigirá novos atores e novas funções. O posicionamento da enfermagem deve estar direcionando para dois campos interdependentes e complementares: um primeiro relativo à organização do processo de trabalho de enfermagem e o segundo às transformações no setor saúde e sua inserção nesse processo como um todo de modo a contribuir para o alcance da integralidade da assistência à saúde.

Somente o esforço organizado da enfermagem em cada local de trabalho, Município, Estado, dará suporte a este posicionamento e possibilitará a definição de estratégias de atuação que contribuam para superar a atual situação.

No sentido de subsidiar essa discussão colocam-se algumas questões:

• Como profissionalizar o grande contingente de pessoal auxiliar de enfermagem?

• Como redirecionar os programas de graduação e pós-graduação?

• Como capacitar e atualizar o pessoal de enfermagem atualmente inserido nos serviços de saúde?

• Como participar ativamente dos processos de decisão política?

• Como contribuir para a reorganização dos serviços de saúde, integrando-se ao processo já deflagrado em Estados e Município?

• Como influir para a melhoria das condições de trabalho?

• Como coordenar a assistência de enfermagem prestada por agentes comunitários?

• Como interagir com a clientela para estabelecer um processo de avaliação do trabalho realizado pela instituição de saúde?

• Como ajustar a lei do exercício profissional as novas exigências da reforma sanitária?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ALMEIDA, Maria Cecília Puntel de & ROCHA, Juan Stuardo. O saber de Enfermagem e sua dimensão prática, São Paulo, Cortez, 1986. 128 p.

2. BRASIL, Leis, decretos, etc... Lei do exercício profissional nº 7498 de 26/06/1986. Diário Oficial da União, Brasília, (secção 1) 26 Jun. 1986. p. 9273-5.

3. CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. O exercício da Enfermagem nas instituições de saúde do Brasil: 1982-83. Força de trabalho em Enfermagem. Rio de Janeiro, CO-FEn/ABEn, 1983. V. 1.

4. DOCUMENTOS básicos da reforma sanitária. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 8, Rio de Janeiro, nov. 1985. ABRASCO, 1985. 39 p.

5. GERMANO, Raimunda Medeiros. Educação e ideologia da Enfermagem no Brasil, São Paulo, Cortez, 1983, 118 p.

6. MELO, Cristina. Divisão social do trabalho e Enfermagem. São Paulo, Cortez, 1986. 94 p.

7. NOGUEIRA, Roberto. Dinâmica da força de trabalho em Saúde.

8. SILVA, Graciette Borges da. Enfermagem profissional, análise crítica. São Paulo, Cortez, 1986. 143 p.

  • 1. ALMEIDA, Maria Cecília Puntel de & ROCHA, Juan Stuardo. O saber de Enfermagem e sua dimensão prática, São Paulo, Cortez, 1986. 128 p.
  • 2
    BRASIL, Leis, decretos, etc... Lei do exercício profissional nº 7498 de 26/06/1986. Diário Oficial da União, Brasília, (secção 1) 26 Jun. 1986. p. 9273-5.
  • 3. CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. O exercício da Enfermagem nas instituições de saúde do Brasil: 1982-83. Força de trabalho em Enfermagem. Rio de Janeiro, CO-FEn/ABEn, 1983. V. 1.
  • 4. DOCUMENTOS básicos da reforma sanitária. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 8, Rio de Janeiro, nov. 1985. ABRASCO, 1985. 39 p.
  • 5. GERMANO, Raimunda Medeiros. Educação e ideologia da Enfermagem no Brasil, São Paulo, Cortez, 1983, 118 p.
  • 6. MELO, Cristina. Divisão social do trabalho e Enfermagem. São Paulo, Cortez, 1986. 94 p.
  • 7. NOGUEIRA, Roberto. Dinâmica da força de trabalho em Saúde.
  • 8. SILVA, Graciette Borges da. Enfermagem profissional, análise crítica. São Paulo, Cortez, 1986. 143 p.
  • *
    Documento elaborado pelos participantes da Oficina de Trabalho, promovida pela Associação Brasileira de Enfermagem (Comissão de Serviço) e Instituto Nacional da Previdência Social (Coordenadoria de Enfermagem).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1987
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