Complicações, manifestações clínicas da sífilis congênita e aspectos relacionados à prevenção: revisão integrativa

RESUMO

Objetivos:

identificar as evidências científicas acerca das complicações e manifestações clínicas da sífilis congênita e aspectos relacionados à prevenção.

Métodos:

revisão integrativa, mediante busca nas bases de dados LILACS e MEDLINE, realizada em março de 2018, utilizando os descritores “syphilis, congenital”, “complications”, “signs and symptoms”, resultando em 27 pesquisas selecionadas.

Resultados:

encontraram-se publicações entre os anos de 1966 e 2017, na maioria oriundas da América Latina e África. O desfecho desfavorável, a alteração laboratorial e as manifestações clínicas da sífilis congênita precoce e tardia mais evidenciados foram, respectivamente, baixo peso ao nascer, anemia, hepatoesplenomegalia e alterações odontológicas. Observou-se que a falta de tratamento da gestante no pré-natal foi a principal oportunidade perdida de prevenção das complicações da sífilis congênita.

Conclusões:

as evidências científicas analisadas apresentam graves complicações da sífilis congênita que seriam evitadas desde que oportunidades precoces de diagnóstico e tratamento da gestante não fossem perdidas durante o pré-natal.

Descritores:
Sífilis Congênita; Sinais e Sintomas; Complicações; Sífilis; Cuidado Pré-Natal

ABSTRACT

Objectives:

to identify the scientific evidence about the clinical complications and manifestations of congenital syphilis and aspects related to its prevention.

Methods:

integrative review after a search in the databases LILACS and MEDLINE, carried out in March 2018, using the descriptors “syphilis, congenital”, “complications”, and “signs and symptoms”, leading to the selection of 27 researches.

Results:

the publications found were published from 1966 to 2017, and most of them were from Latin America and Africa. Negative outcomes, laboratory changes, and the clinical manifestations in congenital syphilis, whether early or delayed, were, respectively: low weight at birth, anemia, hepatosplenomegaly, and dental alterations. The lack of treatment of the pregnant women in the prenatal was the most common occasion in which the opportunity to prevent the complications of congenital syphilis was lost.

Conclusions:

the scientific evidences analyzed showed serious complications of congenital syphilis that could be avoided if early opportunities of diagnosing and treating the pregnant women are not lost during the prenatal.

Descriptors:
Congenital Syphilis; Sings and Symptoms; Complications; Syphilis; Prenatal Care

RESUMEN

Objetivos:

identificar evidencias científicas sobre las complicaciones y manifestaciones clínicas de la sífilis congénita y aspectos relacionados a prevención.

Métodos:

revisión integrativa, mediante búsqueda en bases de datos LILACS y MEDLINE, realizada en marzo de 2018, utilizando los descriptores “syphilis, congenital”, “complications”, “signs and symptoms”, resultando en 27 investigaciones seleccionadas.

Resultados:

encontraron publicaciones entre 1966 y 2017, la mayoría oriundas de Latinoamérica y África. Desfecho desfavorable, la alteración laboratorial y manifestaciones clínicas de la sífilis congénita precoz y tardía más evidenciados fueron, respectivamente, bajo peso al nacer, anemia, hepatoesplenomegalia y alteraciones odontológicas. Observó que la falta de tratamiento de la embarazada en el prenatal fue la principal oportunidad perdida de prevención de las complicaciones de la sífilis congénita.

Conclusiones:

las evidencias científicas analizadas presentan graves complicaciones de la sífilis congénita que serían evitadas desde que oportunidades precoces de diagnóstico y tratamiento de la embarazada no fueran perdidas durante el prenatal.

Descriptores:
Sífilis Congénita; Signos y Síntomas; Complicaciones; Sífilis; Atención Prenatal

INTRODUÇÃO

A despeito de todas as tentativas para a eliminação da sífilis congênita (SC) como problema de saúde pública, estimativas mostram que a doença afeta um milhão de gestantes por ano em todo o mundo; e, se não adequadamente tratada, pode ocasionar mais de 300 mil mortes fetais e neonatais, colocando em risco de morte prematura cerca de 200 mil crianças^(1-3).

A morbidade e a mortalidade por SC se inserem como causas evitáveis e sensíveis às condições de atenção à saúde da mulher e da criança. O aprofundamento dos aspectos envolvidos na transmissão da sífilis da mãe para o bebê permite tanto a identificação dos fatores determinantes e de risco para sequelas e mortes de crianças quanto o desenvolvimento de estratégias de prevenção e controle.

O controle da SC faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)⁽⁴⁾⁾ propostos pela Organização das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário. Dentre os ODSs, existe a proposta de eliminar as mortes evitáveis de recém-nascidos (RN) e crianças menores de 5 anos. Acreditase que, em países onde a prevalência da SC é alta, a sua erradicação como problema de saúde pública impactaria positivamente para o alcance dessa meta.

A importância do controle da SC está relacionada, principalmente, às complicações que a infecção pode provocar no bebê^(5-7). Apesar de a maioria das crianças apresentarem-se assintomáticas ao nascer⁽⁸⁾, as manifestações da SC podem surgir até os 2 anos de idade, caracterizadas como SC precoce; ou após essa faixa etária, como SC tardia. Os sintomas geralmente estão associados a distúrbios dermatológicos, ósseos, oftalmológicos, auditivos, neurológicos, odontológicos, além de alterações laboratoriais⁽⁹⁾.

Considerando o problema que representa atualmente a epidemia de SC no mundo, é de extrema importância a divulgação das complicações e manifestações clínicas que essa infecção pode provocar nos bebês, bem como a identificação dos aspectos relacionados à sua evitabilidade.

OBJETIVOS

Identificar as evidências científicas acerca das complicações e manifestações clínicas da SC e aspectos relacionados à prevenção.

MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, delineada com os seguintes passos: delimitação da questão de pesquisa, busca ou amostragem na literatura (com definição de critérios de inclusão e exclusão), categorização das informações extraídas, avaliação dos estudos selecionados, interpretação dos resultados e, por fim, apresentação da uma revisão/síntese do conhecimento produzido^(10-11).

O problema da revisão (ou questão de pesquisa) foi estabelecido com base na estratégia PICO: P (população): gestantes e crianças; I (Interesse): sífilis congênita; O (desfecho, outcome): complicações e manifestações clínicas - não sendo aplicável o C (comparação) na busca. Assim, formulou-se a seguinte pergunta norteadora: Quais as evidências científicas acerca das complicações e manifestações clínicas da SC e o que os estudos apontam sobre os aspectos relacionados à prevenção?

O cenário on-line de busca se deu via Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Literatura Internacional em Ciências da Saúde (MEDLINE). A seleção dos estudos ocorreu em março de 2018, utilizando dois cruzamentos em pares, com três descritores em saúde (DECS/MeSH: 1) “syphilis, congenital” AND “complications”; 2) “syphilis, congenital” AND “signs and symptoms”. A utilização do operador booleano delimitador “AND” ocorreu a fim de restringir os achados às complicações e manifestações clínicas da SC.

Foram empregados os critérios de inclusão utilizando os filtros: artigos originais, disponíveis na íntegra e publicados nos idiomas português, inglês ou espanhol. Os artigos de revisão sistemática e metanálise também foram incluídos, visto que alguns periódicos os consideram como artigos originais. Com o intuito de alcançar um levantamento abrangente da literatura e considerando que a sífilis é uma infecção milenar cujas repercussões são foco de estudo em todo o mundo, não se estabeleceu delimitação temporal das publicações. Foram excluídos resumos, editoriais, cartas ao editor, informes técnicos, notas prévias, artigos repetidos e que não estivessem em consonância com o objetivo do estudo.

A busca inicial dos artigos culminou em um quantitativo de 1.982 estudos, dos quais 1.390 foram excluídos por não estarem disponíveis na íntegra ou por se tratar de artigos publicados em outros idiomas diferentes do português, inglês e espanhol. Ademais, 77 foram descartados por serem artigos repetidos. Procedeu-se à leitura dos respectivos títulos e dos resumos; e, naqueles potencialmente considerados para inclusão, realizou-se uma leitura dinâmica dos resultados. Esse percurso possibilitou a seleção de 27 artigos para leitura na íntegra, categorização para análise, interpretação dos resultados e apresentação final da revisão (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma da seleção dos artigos, conforme busca realizada por descritores e critérios de inclusão propostos

Nota: BVS - Biblioteca Virtual em Saúde.

No intuito de reduzir os possíveis vieses, duas pesquisadoras realizaram, de forma independente, a etapa de seleção dos estudos para análise, havendo ainda uma terceira pesquisadora para resolver os eventuais casos discordantes.

Para a apresentação dos estudos, foram elaborados quadros, que incluíram dados de identificação, características metodológicas, nível de evidência⁽¹²⁾, resultados e conclusões. Diante da grande variedade de complicações e manifestações clínicas identificadas, a descrição dos resultados bem como a análise descritiva para a apresentação do conhecimento perscrutado para esta revisão foram compilados com base nos seguintes achados: desfechos desfavoráveis, alterações laboratoriais e radiológicas e manifestações precoces e tardias da SC.

RESULTADOS

Os dados dos estudos selecionados para análise mostram uma diversidade de desfechos desfavoráveis, alterações laboratoriais e/ou radiológicas e manifestações clínicas precoce e tardia da SC. Foram encontradas publicações de 1966 a 2017, entretanto houve intervalos de aproximadamente dez anos entre as primeiras publicações; e certa regularidade e aumento na quantidade a partir do ano de 2013. Na sua grande maioria, as publicações eram oriundas de países latino-americanos (n = 11) e africanos (n = 5). Ressalta-se que os estudos mais atuais foram conduzidos no Brasil (E1, E2, E3, E4, E6).

Observou-se predominância de estudos do tipo descritivo e delineamento transversal (n = 21). De todos os estudos analisados, somente quatro apresentavam algum tipo de seguimento das crianças (E9, E12, E17 e E19). Dois (E8 e E14) se tratavam de revisões sistemáticas, portanto, com nível de evidência I (Quadro 1).

Quadro 1
Caracterização dos artigos segundo autoria, ano de publicação, título, país, periódico, nível de evidência e tipo de estudo

Código	Autor/Ano	Titulo	País	Periódico	Nível de evidência	Tipo de estudo
E1	Souza et al., 2017(13)	Analysis of congenital syphilis cases notification in a reference hospital of Niteroi, Rio de Janeiro State, from 2008 to 2015	Brasil	J Bras Doenças Sex Transm.	VI	Descritivo
E2	Cardoso et al., 2016(14)	Underreporting of Congenital Syphilis as a Cause of Fetal and Infant Deaths in Northeastern Brazil	Brasil	PLoS ONE	VI	Transversal
E3	Feliz et al., 2016(15)	Aderência ao seguimento no cuidado ao recém-nascido exposto à sífilis e características associadas à interrupção do acompanhamento	Brasil	Rev. Bras. Epidemiol.	VI	Descritivo
E4	Domingues; Leal, 2016(7)	Incidência de sífilis congênita e fatores associados à transmissão vertical da sífilis: dados do estudo Nascer no Brasil	Brasil	Cad. Saúde Pública	VI	Transversal
E5	Ferreira et al., 2016(16)	Skin rash: a manifestation of early congenital syphilis	Portugal	BMJ Case Reports	VI	Relato de caso
E6	Lafetá et l., 2016(17)	Sífilis materna e congênita, subnotificação e difícil controle	Brasil	Rev. Bras. Epidemiol.	VI	Descritivo
E7	Dou et al., 2016(18)	Epidemic Profile of Maternal Syphilis in China in 2013	China	BioMed Research International	VI	Transversal
E8	Arnesen; Serruya; Duran, 2015(19)	Gestational syphilis and stillbirth in the Americas: a systematic review and meta-analysis	-	Rev Panam Salud Publica	I	Revisão sistemática e metanálise
E9	Rac et al., 2014(20)	Progression of ultrasound findings of fetal syphilis after maternal treatment	Estados Unidos	Am J Obstet Gynecol.	IV	Coorte retrospectivo
E10	Chowdhary et al., 2014(21)	Early detection of congenital syphilis	Índia	J Indian Soc Pedod Prev Dent.	VI	Relato de caso
E11	Cavagnaro et al., 2014(22)	Sífilis congénita precoz: a propósito de 2 casos clínicos	Chile	Rev Chil Pediatr.	VI	Relato de caso
E12	Lago; Vaccari; Fiori, 2013(8)	Clinical features and follow-up of congenital syphilis	Brasil	Sex Transm Dis.	IV	Coorte
E13	Newman et al., 2013(6)	Global estimates of syphilis in pregnancy and associated adverse outcomes: analysis of multinational antenatal surveillance data	Pesquisa global	PLoS Med	VI	Descritivo
E14	Gomez et al., 2013(5)	Untreated maternal syphilis and adverse outcomes of pregnancy: a systematic review and meta-analysis	-	Bull World Health Organ.	I	Revisão sistemática e metanálise
E15	Arriagada et al., 2012(23)	Sífilis congénita: presentación como shock séptico después del período neonatal	Chile	Rev Chilena Infectol.	VI	Relato de caso
E16	Pessoa; Galvão, 2011(24)	Clinical aspects of congenital syphilis with Hutchinson's triad	Brasil	BMJ Case Rep.	VI	Relato de caso
E17	Zhu et al., 2010(25)	Maternal and congenital syphilis in Shanghai, China, 2002 to 2006	China	Int J Infect Dis.	IV	Coorte
E18	Kruger; Malleyeck, 2010(26)	Congenital syphilis: still a serious, under-diagnosed threat for children in resource-poor countries	Tanzânia	World J Pediatr.	VI	Descritivo
E19	Reyes et al., 2004(27)	Sífilis congénita: Optimizando el diagnóstico en 191 neonatos de madres seropositivas	Chile	Rev. chil. infectol.	IV	Coorte
E20	Peña et al., 2001(28)	Presentación de un caso y revisión de la literatura	México	Rev. méd. Hosp. Gen. Méx.	VI	Relato de caso
E21	McDermott et al., 1993(29)	Syphilis-associated perinatal and infant mortality in rural Malawi	Malawi	Bull World Health Organ.	IV	Transversal
E22	Boot et al., 1989(30)	Congenital syphilis in The Netherlands: diagnosis and clinical features	Holanda	Genitourin Med.	VI	Descritivo
E23	Chawla et al., 1988(31)	Congenital syphilis in the newborn	Zimbabwe	Arch Dis Child.	VI	Descritivo
E24	Ewing et al., 1985(32)	Early congenital syphilis still occurs	Inglaterra	Arch Dis Child.	VI	Descritivo
E25	Aguayo T et al., 1985(33)	Síndrome nefrótico secundario a lúes congénita	Chile	Rev. Chil. Pediatr.	VI	Relato de caso
E26	Wiggelinkhuizen et al., 1973(34)	Congenital syphilis and glomerulonephritis with evidence for immune pathogenesis	África do Sul	Arch Dis Child.	VI	Relato de caso
E27	Freiman; Super, 1966(35)	Thrombocytopenia and congenital syphilis in South African Bantu infants	África do Sul	Arch Dis Child.	VI	Descritivo

Dos 27 artigos analisados, 18 apresentam como objeto de estudo os desfechos desfavoráveis provocados pela SC, como baixo peso ao nascer (n = 11), natimortalidade (n = 9) ou morte neonatal (n = 9). À exceção do E8, todos trouxeram mais de um desfecho, que inclui aborto (n = 7), prematuridade (n = 8) ou morte pós-neonatal (n = 3). Somente o E14 contemplou como foco investigativo todos os desfechos observados nesta revisão (aborto, natimorto, óbito, prematuridade e baixo peso ao nascer) (Quadro 2).

Quadro 2
Complicações e manifestações clínicas da sífilis congênita abordadas nos estudos analisados

Complicações e manifestações clínicas da sífilis congênita	Estudos analisados (n = 27)
Desfechos desfavoráveis	Número de estudos	Código dos estudos que apresentaram desfechos desfavoráveis* (n = 18)
Aborto/óbito fetal	07	E1; E2; E4; E6; E13; E14; E17
Natimorto	09	E1; E2; E6; E7; E8; E12; E13; E14; E21
Morte neonatal	09	E1; E2; E4; E7; E13; E14; E17; E21; E23
Morte pós-neonatal	03	E2; E14; E21
Prematuridade	08	E3; E4; E7; E11; E13; E14; E18; E24
Baixo peso ao nascer	11	E3; E4; E7; E11; E13; E14; E18; E20; E23; E24; E27
Alterações laboratoriais e radiológicas	Número de estudos	Código dos estudos que apresentaram alterações laboratoriais e radiológicas* (n = 14)
Anemia	11	E1; E5; E11; E12; E15; E20; E22; E23; E24; E26; E27
Trombocitopenia	08	E5; E11; E12; E15; E20; E22; E23; E27
Leucocitose	07	E11; E12; E15; E20; E22; E25; E27
Leucopenia	01	E12
Exame de VDRL duas vezes superior ao da mãe no parto	03	E11; E12; E15
Alteração em punção liquórica	07	E3; E11; E12; E15; E19; E20; E22
Achados em radiografia de ossos longos	10	E1; E3; E12; E15; E19; E20; E22; E24; E26; E27
Manifestações precoces	Número de estudos	Códigos dos estudos que apresentaram manifestações precoces* (n = 15)
Hepatomegalia	14	E5; E9; E11; E12; E15; E18; E19; E20; E22; E23; E24; E25; E26; E27
Esplenomegalia	14	E1; E5; E11; E12; E15; E18; E19; E20; E22; E23; E24; E25; E26; E27
Icterícia	09	E1; E11; E12; E18; E20; E23; E24; E25; E27
Rinite serossanguinolenta	08	E1; E12; E18; E20; E22; E23; E24; E27
Pênfigo palmo plantar	12	E5; E11; E12; E15; E18; E19; E20; E22; E23; E25; E26; E27
Rágades perioral ou perianal	05	E12; E15; E18; E20; E22
Palidez	02	E12; E27
Petéquias, púrpuras e/ou exantemas	05	E1; E11; E12; E22; E27
Linfadenopatia	02	E12; E22
Sofrimento respiratório	02	E12; E23
Pneumonia	03	E5; E12; E18
Febre	02	E12; E18
Ascite	03	E9; E25; E26
Hidropsia fetal	02	E12; E23
Edema generalizado	02	E25; E26
Pseudoparalisia	01	E23
Manifestações tardias	Número de estudos	Códigos dos estudos que apresentaram manifestações tardias* (n = 3)
Dentes de Hutchinson	02	E10; E16
Molares em amora	01	E10
Ceratite intersticial	01	E16
Surdez neurológica	02	E12; E16
Fronte olímpica	01	E12
Nariz em "sela"	01	E12

• Nota:
• ^*
  Os estudos podem ter apresentado mais de um tipo de desfecho; VDRL - Venereal Disease Research Laboratory.

Quatorze artigos identificaram crianças com alterações laboratoriais e/ou radiológicas relacionadas à SC. A alteração mais frequente foi anemia, detectada em 11 estudos, seguida por trombocitopenia (n = 8) e leucocitose (n = 7). Destaca-se que, em metade desses artigos, foram detectados no líquor do RN números elevados de proteínas e/ou leucócitos e exame de Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) reagente. Quanto aos achados radiológicos, dez publicações encontraram alterações de ossos longos, tais como periostite, osteocondrite, osteomielite ou sinal de Wimberg (Quadro 2).

As manifestações clínicas da SC foram foco de 18 estudos. Ressalta-se, contudo, que 15 apresentaram as manifestações precoces; e 3, as tardias. Nesse contexto, observou-se predominância de dados relativos aos sintomas precoces da infecção (n = 16), como hepatomegalia e/ou esplenomegalia (n = 14) e lesões de pele descamativas, condizentes com pênfigo palmoplantar (n = 12). Destaca-se, também, a presença de icterícia (n = 9), secreções nasais espessas, purulentas e serossanguinolentas (n = 7), fissuras/rágades perioral ou perianal (n = 5) e petéquias, púrpuras e/ou exantemas (n = 5). Com relação às manifestações da SC tardia, foram identificados problemas oftalmológicos (ceratite intersticial), auditivos (surdez neurológica/perda de audição), ósseos (fronte olímpica e nariz em “sela”) e odontológicos (dentes de Hutchinson e molares em amora). Somente o E12, que se trata de uma coorte, trouxe os dois tipos de manifestações (Quadro 2).

Nos 27 artigos analisados, procurou-se identificar informações acerca das ações que pudessem evitar as complicações e manifestações clínicas da SC nos RNs. Em 21 estudos, identificou-se que muitas oportunidades são perdidas durante a assistência pré-natal para prevenção dos desfechos graves dessa infecção na criança.

As principais oportunidades perdidas identificadas foram o não tratamento da gestante durante o pré-natal (n = 9), diagnósticos tardios da gestante (n = 4), início tardio do pré-natal (n = 3), gestantes inadequadamente tratadas (n = 3) e mulheres com altas titulações do exame de VDRL no momento do parto (n = 3) (Quadro 3).

Quadro 3
Evitabilidade dos achados de complicações e manifestações clínicas da sífilis congênita com base nos estudos analisados

Oportunidades perdidas relacionadas à evitabilidade das consequências da sífilis congênita para o bebê	Número de estudos	Códigos dos estudos que apresentaram oportunidades perdidas* (n = 21)
Não realizou pré-natal	2	E12, E26
Início tardio do pré-natal	3	E04, E20, E24
Não foi testada no pré-natal	2	E13, E18
Diagnóstico tardio	4	E01, E07, E11, E12
Não realizou o tratamento no pré-natal	9	E03, E06, E12, E07, E13, E14, E18, E19, E22
Tratamento inadequado	3	E03, E12, E17
Alta titulação no momento do parto	3	E20, E21, E25

• Nota:
• ^*
  Os estudos podem ter apresentado mais de um tipo de oportunidade perdida.

DISCUSSÃO

Apesar do caráter milenar da sífilis e da disponibilidade de estudos que aumentam o conhecimento acerca da SC, essa infecção ainda se apresenta como um grave problema de saúde pública, especialmente em países pobres e em desenvolvimento. Evidenciou-se que a grande maioria dos achados nos bebês estavam relacionados a oportunidades perdidas de assistência à mãe.

Mesmo com o volume de estudos publicados, ainda é possível que, no Brasil, não se conheça efetivamente a magnitude dos danos causados por essa infecção⁽¹⁴⁾. A natimortalidade e a morte neonatal estão entre os desfechos desfavoráveis mais identificados nos artigos selecionados, sendo que os achados de revisão sistemática e metanálise revelam haver maior chance desses desfechos entre gestantes com diagnóstico de sífilis^(5-7) e naquelas não tratadas ou inadequadamente tratadas⁽¹⁹⁾.

Em relação as alterações laboratoriais e radiológicas das crianças, destaca-se que todos os bebês cujas mães com sífilis não foram tratadas ou foram inadequadamente tratadas devem realizar os exames de VDRL, hemograma, radiografia de ossos longos e punção liquórica, mesmo que assintomáticos ao nascer⁽³⁶⁾. Estudo realizado em Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil, mostrou que 25% das crianças que nasceram assintomáticas apresentaram alteração em algum desses exames⁽⁸⁾.

Os achados radiográficos desempenham importante papel no diagnóstico de SC. Na Holanda, estudo detectou achados radiológicos em oito de dez crianças com evidências de SC⁽³⁰⁾. Tais alterações variaram de uma ligeira reação periosteal por descalcificação dos ossos longos a características consistentes de osteomielite. No Brasil, as proporções de alterações em radiografias de ossos longos identificadas foram de 1,6% no estado do Paraná (PR)⁽¹⁵⁾⁾ e 9,6% no Rio de Janeiro (RJ)⁽¹³⁾.

É importante que os profissionais de saúde estejam atentos a outros achados que não são clássicos de crianças com SC e que, apesar de inespecíficos, podem indicar complicações ou patologias associadas. Nesta revisão, foram identificados casos de crianças com SC que apresentaram sinais de disfunção hepática⁽¹⁶⁾, problemas renais condizentes com síndrome nefrótica⁽³⁵⁾, aumento de creatinina e lesões histopatológicas em biópsia renal^(16,33-34).

Outro aspecto importante é a identificação das manifestações clínicas precoces da SC por meio da realização do exame físico minucioso do RN, auxiliando no diagnóstico e manejo em tempo oportuno. Esta conduta contribui para redução das sequelas da infecção, especialmente porque crianças sintomáticas ao nascer têm maior chance de morrer quando comparadas às assintomáticas⁽¹⁴⁾.

Quanto às manifestações da SC tardia, estudo de caso realizado na Índia com duas crianças mostrou que as únicas evidências de SC eram os dentes de Hutchinson e molares em amora⁽²¹⁾. Essas manifestações apresentam-se por meio de incisivos medianos superiores deformados, em forma de chave de fenda, bandeirinha ou chanfrados, geralmente acompanhados dos molares que se assemelham a uma amora devido às múltiplas cúspides. Os autores alertam que a presença de molares em amora gera grande suscetibilidade à carie, podendo resultar em perda precoce de dentes, por isso as crianças necessitam de avaliação e acompanhamento odontológico^(21,24).

Outros achados, como fronte olímpica e nariz em “sela”, além de atrasos no desenvolvimento, foram detectados em pesquisa realizada em Porto Alegre (RS), Brasil⁽⁸⁾. Nesse estudo, as crianças que apresentaram alterações laboratoriais ao nascer tiveram chances 20 vezes maiores de desenvolver sequelas tardias da SC. Diante do exposto, é notório ainda ocorrer diagnóstico tardio de SC, cujas causas podem evidenciar falhas nas estratégias de prevenção e tratamento nos diferentes níveis de atenção⁽³⁷⁾.

A maioria dos estudos avaliou os RNs durante os dez dias de internação na maternidade para tratamento da SC, possivelmente devido à dificuldade de acesso a essas crianças após a alta hospitalar. O seguimento ambulatorial parece ser um desafio, e as poucas pesquisas existentes mostram que é comum o abandono do seguimento por parte dessas crianças. Em Merseyside, Inglaterra, ainda no ano de 1985, duas entre sete crianças com SC que deveriam ser acompanhadas ambulatorialmente até os 3 anos de idade se apresentaram apenas uma vez para avaliação⁽³²⁾. Mais recentemente, no Brasil, nas cidades de Porto Alegre (RS)⁽⁸⁾ e Curitiba (PR)⁽¹⁵⁾, estudos mostraram que é grande a proporção de crianças que não comparecem aos serviços de saúde para acompanhamento.

Todos os estudos que analisaram achados clínicos em crianças com SC precoce revelaram alguma falha na gestão do cuidado à gestante, especialmente relacionada à captação precoce, ao diagnóstico e tratamento adequado^(8,28,32). Pesquisas realizadas no Chile, México e Inglaterra expuseram casos de SC precoce, cujas mães tiveram resultado reagente apenas na segunda testagem ou no parto^{(22-23,27-28,32)}. É possível que estas tenham sido infectadas durante a gestação e tenham apresentado titulações altas no momento do parto, o que corresponde ao estágio recente da infecção.

Uma vez perdidas as oportunidades de prevenção da SC durante a assistência pré-natal, podemse prevenir as suas complicações tardias nos RNs, desde que esses bebês sejam manejados adequadamente ao nascer. No estado de Minas Gerais, Brasil, um estudo mostrou que o VDRL não foi realizado em 25,8% dos bebês; e 42,2% não realizaram hemograma, radiografia de ossos longos nem punção liquórica⁽¹⁷⁾. É possível que existam dificuldades nos serviços de saúde para garantir a realização dos exames necessários ao diagnóstico da SC, o que pode, em longo prazo, desencadear aumento de casos de crianças com sequelas graves.

A transmissão da sífilis para o bebê está relacionada ao estágio clínico da infecção na mãe, podendo chegar a 100% quando na fase recente^(38-39). Altas titulações dos testes não treponêmicos na mãe representam estágio recente da infecção e contribuem para a maior ocorrência de desfechos desfavoráveis. Em Shanghai, na China, gestantes com exame de Rapid Plasma Reagin (RPR), reagente com titulação ≥ 1:16, obtiveram maiores taxas de SC quando comparadas àquelas com titulação ≤ 1:8⁽²⁴⁾. Ademais, na África, a natimortalidade se associou às altas titulações do VDRL^(26,29).

Esses achados chamam atenção para a importância da melhoria tanto da cobertura de prénatal quanto da captação precoce da gestante, ocasião em que as oportunidades de testagem e tratamento não devem ser perdidas. Favorecer que o diagnóstico e tratamento da sífilis ocorram o mais precocemente possível, de preferência no primeiro trimestre de gestação, evita exposição prolongada do bebê ao treponema. Assim, salienta-se que a melhoria da qualidade da assistência pré-natal é fundamental para a prevenção de desfechos provocados pela SC, considerando que estudo realizado usando a base de dados da Organização Mundial da Saúde identificou que 66% dos eventos adversos ocorreram em crianças cujas mães haviam frequentado o pré-natal⁽⁶⁾.

Nos Estados Unidos, um estudo constatou a importância do tratamento da gestante com sífilis para a prevenção de complicações no RN. Por meio de acompanhamento ultrassonográfico, pôde-se identificar redução de achados anormais (hepatomegalia, placentomegalia, polidrâmnio, ascite e alteração na avaliação do doppler arterial cerebral médio) em fetos após o tratamento materno⁽²⁰⁾.

Vale ressaltar que, mesmo no caso de haver falhas na atenção à gestante, é possível reduzir as complicações da SC quando o diagnóstico e o tratamento no RN ocorrem o mais precocemente possível. Uma coorte que acompanhou casos de SC até os 5 anos de idade encontrou crianças que apresentaram alterações ao nascer, mas que não desenvolveram sequelas por terem iniciado o tratamento dentro dos primeiros sete dias de vida⁽⁸⁾.

Limitações do estudo

Apresenta-se como fator limitante deste estudo a não exaustão da literatura, pois um número considerável de pesquisas não estava disponível na íntegra, em acesso aberto. Além disso, alguns estudos eram relatos de casos, o que limitou o poder de abrangência e/ou inferências aos achados individuais.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Este estudo traz importantes contribuições na medida em que apresenta um compilado das complicações da SC e revela que esses achados poderiam ser evitados. Por esse motivo, pode favorecer a elaboração de políticas públicas de saúde que proporcionem a melhoria da qualidade da assistência pré-natal. Ademais, auxilia os profissionais de saúde na identificação das manifestações clínicas, diagnóstico precoce, manejo adequado do RN e redução de sequelas graves da SC.

CONCLUSÕES

As evidências científicas analisadas apresentam desfechos desfavoráveis graves da SC como natimortalidade, morte neonatal e baixo peso ao nascer, assim como alterações laboratoriais, radiológicas e grande diversidade de manifestações clínicas precoces e tardias. Tais achados poderiam ser evitados considerando que oportunidades precoces de diagnóstico e tratamento da gestante foram perdidas durante a assistência pré-natal.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Elucir Gir

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  14 Jul 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  17 Jul 2019
• Aceito
  18 Abr 2021