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O conceito de utilidade em decisões empresarias

ARTIGOS

O conceito de utilidade em decisões empresarias* * A Revista de Administração de Empresas, em seu n. 27, v. 8, de junho de 1968, publicou um artigo do Prof. John Hammond III da Universidade de Harvard, versando sobre o mesmo assunto do presente trabalho (veja bibliografia). Devido à importância e oportunidade da matéria, o corpo redatorial da RAE opinou favoravelmente pela publicação deste trabalho, que certamente contribuirá para uma melhor compreensão das aplicações de teoria de preferência na tomada de decisão.

Rogério Machado

Professor na Escola de Administração de Empresas da Bahia; mestrando em Management pela Sloan School of Management, Massachusetts Institute of Technology (MIT); consultor no Scandinavian Institute for Administrative Research (SIAR)

1. INTRODUÇÃO

Praticamente todas as decisões empresariais importantes são tomadas em clima de incerteza. Estas decisões normalmente justificam estudos mais extensos e mais formais. Análise de decisão é uma disciplina para avaliação sistemática de alternativas disponíveis como base para uma escolha final dentre estas alternativas.

Executivos americanos na indústria, no comércio, no governo e em outras organizações estão fazendo uso contínuo dos princípios de análise de decisão numa gama variada de problemas. Casos podem ser citados de análise de localização industrial, análise de mercados para novos produtos, análise de alternativas que disputam os mesmos recursos, por exemplo, como os mais comuns: na área de governo, alocação de verbas entre educação e saúde; na empresa, alocação de verbas entre novos produtos e novos mercados.

Na bibliografia ao final deste artigo estamos relacionando recentes publicações acompanhadas de breves comentários - que os leitores interessados podem consultar.

Em artigo anterior1 1 Veja bibliografia, Machado. Recomendamos aos leitores não-familiarizados com os conceitos básicos de análise de decisão a leitura do artigo acima. apresentamos, sumariamente, a metodologia geral desenvolvida pela moderna teoria da decisão. Neste artigo o conceito de utilidade é introduzido, e uma aplicação é feita com o caso mercadológico deste artigo. Dois objetivos básicos orientam a discussão a ser desenvolvida: a) manter o problema simples para ensejar maior atenção aos novos conceitos; b) permitir continuidade e extensão à análise feita anteriormente.

2. CASO AGROPEC - UM PROBLEMA DE DECISÃO MERCADOLÓGICA

Consideremos para efeito de ilustração a situação simplificada, porém realista, confrontada por João Paulo, presidente da Agropec, Comércio & Indústria S.A., empresa que monta e comercializa equipamentos agrícolas no sul da Bahia.2 2 Nomes e empresa fictícios - veja nota de rodapé 1.

A empresa está planejando o lançamento de um novo modelo de pulverizador para a próxima safra de cacau. A firma deseja manter sua política tradicional de adquirir partes componentes sob contrato aos seus fornecedores, e fazer a montagem final do produto. Por questões técnicas e contratuais a Agropec deve decidir entre produzir (d1) 500, (d2) 750, ou (d3) 1.000 unidades do novo pulverizador. As demais unidades que não forem vendidas devem ser consideradas como perda de investimento. João Paulo antecipa que, se as condições do mercado estiverem favoráveis, a Agropec poderá vender 1.000 unidades; em caso contrário, ou seja, se o mercado não estiver favorável, acredita que apenas 600 unidades poderão ser vendidas.

Os elementos do problema estão apresentados na matriz de retornos, no quadro 1, e na árvore de decisão, na figura 1. Os resultados esperados são os lucros que a Agropec deve realizar na ocorrência conjunta de um determinado estado da natureza e decisão - conforme ficou estabelecido anteriormente.3 3 A obtenção dos resultados da matriz de retornos foi ilustrada no artigo citado na nota de rodapé 1. Vale acrescentar que uma decisão d 0 - não investir - muitas vezes é incluída em análises como esta. Não o fizemos porque as decisões d 2 e d 3 apresentam resultados maiores que zero - resultados de não investir - independentemente do estado da natureza que prevalecer. A decisão d 0, portanto, é "dominada" por d 2 e d 3 - tornando desnecessária sua inclusão.



Empregando o critério bayesiano - que estabelece que a melhor alternativa a ser seguida é aquela que produz o mais alto valor esperado - considerando P (θ1), probabilidade de vendas altas, igual a 0,7 e, conseqüentemente, P (θ2), probabilidade de vendas baixas, igual a 0,3, João Paulo obteve os seguintes valores esperados:4 4 Os valores monetários passam a ser referidos em milhares de cruzeiros.

E (d1) = 0,7 (1.500) + 0,3 (- 500) = 900

E (d2) = 0,7 (1.000) + 0,3 (250) = 775

E (d3) = 0,7 (500) + 0,3 (500) = 500

que indicavam ser d1 a melhor decisão.

3. LIMITAÇÕES DE VALORES MONETÁRIOS COMO MEDIDAS DE OBJETIVOS

Nos problemas de decisão o administrador deve ser capaz de definir os resultados esperados. Estes resultados representam uma medida do(s) objetivo(s) que deseja alcançar. Durante muito tempo, em teoria microeconômica e na prática em geral, se manteve a suposição de que o único objetivo de uma firma era a maximização de lucros. Atualmente, tanto na teoria microeconômica como na prática de administração de empresas, vários e simultâneos objetivos são geralmente considerados na formulação de estratégias ou análises econômicas. Desde que seja aceitável simplificar a análise de problemas empresariais de decisão, é comum assumir que se deseja otimizar um único objetivo. Se este único objetivo é quantificável, um difícil problema de medida é evitado.

Na análise feita anteriormente para avaliação das alternativas do problema Agropec, João Paulo utilizou uma medida monetária, especificamente, lucros - na forma como ficou definido no texto do artigo.

Apesar do valor esperado ser mais alto para a decisão d1 - produzir 1.000 unidades - João Paulo não estava muito convencido de que valeria a pena expor-se ao risco de um prejuízo da ordem de Cr$ 500.000,00, insuportável na presente situação da empresa. João Paulo viu-se diante de um dilema - ele sentia que havia estruturado o problema convenientemente; havia levado em consideração os estados da natureza relevantes e havia empregado lucros como uma medida de desempenho que parecia satisfatória. No entanto, algo dizia que aquela não era "sua" decisão.

Diante de situações como esta e usando o tipo de análise desenvolvida até aqui, o executivo muitas vezes é levado a distorcer as probabilidades ou utilizar procedimentos insatisfatórios que alteram os resultados de modo a refletir sua atitude quanto a riscos.

De maneira geral, lucros maiores estão associados a riscos maiores. Torna-se desejável, conseqüentemente, incluir na análise os efeitos da atitude quanto a riscos do executivo responsável pela decisão.

Outras situações existem ainda, em que medidas financeiras apenas não satisfazem como representação do(s) objetivo(s) da empresa. Um procedimento para incorporar à análise a influência de outros objetivos é através do uso do conceito de utilidade.

4. CONCEITO DE UTILIDADE

Consideremos o caso de uma empresa que está estudando a compra de uma apólice de seguros contra incêndios. Vamos admitir que o bem a ser segurado é um armazém no valor (de mercado) de Cr$ 1.000.000,00, que a empresa estima que as chances de ocorrência de um incêndio são da ordem de uma em mil, e que a apólice custe Cr$ 1.500,00. Embora o preço da apólice seja cerca de Cr$ 500,00 maior que o valor esperado do prejuízo valor do armazém vezes a probabilidade de incêndio - a firma tenderá a comprar a apólice se este prejuízo representar uma ameaça de falência para ela. Por outro lado, a mesma firma poderia não estar interessada em comprar uma apólice contra incêndios que cobrisse uma garagem no valor de Cr$ 60.000,00 sob as mesmas condições de risco, ainda que a apólice custasse Cr$ 50,00.

Este comportamento não é, necessariamente, inconsistente conforme com a lógica. Pode refletir apenas uma preferência, ou seja, o valor (monetário) esperado do prejuízo pode não ser uma medida adequada do impacto total do evento incêndio na tomada da decisão de comprar ou não a apólice. Ou ainda, como se diz em economia, a utilidade da apólice do armazém é maior, na opinião da empresa, que o valor monetário que ela representa.

5. ÍNDICES DE UTILIDADE COMO MEDIDAS DE OBJETIVOS

O administrador precisa, então, de uma forma de incorporar em uma medida única o impacto total de cada resultado. Esta medida, associada algumas vezes diretamente com os eventos e, outras vezes com os resultados destes eventos, é chamada índice de utilidade. O significado deste termo em análise de decisão difere um pouco do significado geralmente atribuído em economia - em análise de decisão, significa apenas uma medida subjetiva de preferência associada com um determinado resultado. Alguns autores, inclusive, fazem uso dos termos "preferência" e "índices de preferência".

Uma vez estabelecidos os índices de utilidade, o administrador pode empregar o critério bayesiano de decisão para selecionar, dentre as alternativas disponíveis, aquela que apresentar o maior índice de utilidade esperado - o procedimento é análogo ao adotado no cálculo do valor esperado conforme veremos adiante. Convém lembrar que um critério de decisão é um conjunto de regras ou padrões utilizado pelo administrador para classificar as alternativas em ordem de preferência.

6. OBTENÇÃO DE CURVAS DE UTILIDADE - UMA METODOLOGIA

Se for possível determinar uma curva (ou função) que associe com cada resultado um índice de utilidade, de modo que o critério bayesiano de decisão possa ser empregado, a análise fica completa. Esta curva é definida como a curva (ou função) de utilidade do administrador. No caso Agropec, os resultados estão formulados em termos de lucro e a curva de utilidade a ser determinada irá permitir associar a estes resultados índices de utilidade que refletem a atitude quanto a riscos de João Paulo.

A metodologia discutida tem a vantagem de ser simples e facilmente aplicável a um grande número de problemas. A discussão, no entanto, não pretende ser exaustiva. Deve ficar claro ainda que curvas assim determinadas refletem as preferências do administrador diante de um problema particular e em um determinado instante no tempo. Além do mais, como o leitor já deve ter observado, estamos falando de "o" executivo responsável e decisões em grupo requerem uma formulação mais sofisticada e fora dos objetivos deste trabalho.

O processo envolve as seguintes etapas em que o administrador deve:

1. Selecionar um resultado de referência que seja pelo menos tão favorável quanto o melhor dos resultados possíveis. Chamaremos este resultado de R* - R máximo.

2. Selecionar um resultado de referência que seja pelo menos tão desfavorável quanto o pior dos resultados possíveis. Chamaremos este resultado de R* - R mínimo.

Desta forma define-se um intervalo que cobre todos os resultados possíveis. Para o problema da Agropec podemos tomar R*= - 500 e R* = 1.500.

3. Associar a R* o índice de utilidade 0 (zero) e a R* o índice 1 (um).5 5 Estes valores foram escolhidos por conveniência - matematicamente qualquer intervalo seria válido desde que respeitada a ordem de preferência.

4. Obter um número suficiente de índice intermediários de modo a poder traçar a curva de utilidade com boa aproximação.

Estes índices intermediários podem ser obtidos aplicando-se o artifício de "apostas" sucessivas envolvendo dois resultados com probabilidades P = 0,50 cada. Na obtenção destes pontos intermediários faremos uso do conceito de valor equivalente certo ou, simplesmente, valor equivalente. O conceito de valor equivalente deve ser bem compreendido uma vez que é fundamental na definição de curvas de utilidade - vamos esclarecê-lo através de um diálogo que imaginamos tenha ocorrido entre João Paulo e um analista (ou outra pessoa) que o estava ajudando na análise do problema.

Analista - Uma vez que temos os valores R* = - 500 e R* - 1.500, vamos empregá-los numa aposta inicial. Suponhamos que você esteja diante da seguinte aposta: é feito o lançamento de uma moeda (tira uma moeda do bolso) e na ocorrência de cara você perde Cr$ 500,00 e na ocorrência de coroa você ganha Cr$ 1.500,00. Por quanto você "venderia" o direito a participar nesta aposta? Em outras palavras, qual o valor equivalente desta aposta para você?

Graficamente:

João Paulo - (Com certa hesitação.) Realmente parece ser uma excelente aposta. Entretanto, perder Cr$ 500,00 é algo que nem posso pensar. (Ri)

Analista - Porém apostas como esta vão nos permitir avaliar sua atitude quanto a riscos. Se você estivesse indiferente a riscos desta grandeza, poderia ter ficado satisfeito com a análise feita anteriormente. Em termos de valor esperado esta aposta vale:6 6 Lê-se: E (a 1; θ k)_ valor esperado da aposta a 1 sobre os estados da natureza θ k - onde θ k representa neste caso os eventos cara e coroa - é igual a Σ P( θ k) Rk1 somatório dos produtos das probabilidades de θ k pelos resultados Rk1 associados com θ k, que é igual a Cr$ 500.000,00. Convém lembrar que P (cara) = P (coroa) = .50.

E (a1; θk) = .50 x 1.500 + .50 x (- 500) = 500

João Paulo - Acredito que vale bem menos! Venderia o direito a esta aposta por Cr$ 100,00.

Analista - E se fosse oferecido Cr$ 25,00?

João Paulo - Olha, acredito que por Cr$ 25,00 eu preferiria manter a aposta. Por menos de Cr$ 50,00 não abro mão da aposta.

Analista - Cr$ 40,00?

João Paulo - Cr$ 50,00!

Analista - Bem, parece que conseguimos o nosso primeiro ponto intermediário. O valor equivalente, ou seja, o valor certo pelo qual você ficaria indiferente entre apostar ou vender o direito a esta aposta - dada sua situação atual - seria então Cr$ 50,00.

O índice de utilidade para Cr$ 50,00 é obtido calculando a utilidade esperada de a1 da seguinte maneira:7 7 Lê-se: U (50) - utilidade de Cr$ 50.000,00 ou utilidade do valor equivalente, de uma maneira geral - é E [ U ( a 1; θ k) ] - a utilidade esperada da aposta a 1 sobre os estados da natureza θ k. Veja também notas de rodapé 6 e 8.

Obtemos assim o ponto (50; .50) assinalado no gráfico da figura 2.


Acredito que o conceito de valor equivalente tenha ficado esclarecido. Podemos continuar nossas "apostas"?

João Paulo - Certamente.

Analista - Considere agora que você esteja diante da seguinte aposta: cara paga Cr$ 1.500,00 e coroa paga Cr$ 50,00. Qual o valor equivalente desta aposta para você?

João Paulo - (Rindo.) Este é o tipo de aposta que me agrada. Qual é mesmo o valor esperado?

Analista - Temos:

João Paulo - Eu aceitaria vendê-la por Cr$ 500,00 certos para não arriscar terminar com Cr$ 50,00.

Analista - Que tal Cr$ 400,00?

João Paulo - (Com confiança.) Acredito que entendi a idéia de valor equivalente. Neste caso é Cr$ 500,00, firmes!

Analista - Cr$ 500,00, então. E qual o índice de utilidade?

João Paulo - Vejamos - a utilidade esperada da aposta é a utilidade do valor equivalente, no caso, Cr$ 500,00.

U (500) = E [U(a2; θk)] = .50 x U (1.500) + .50 x x U (50) = .50 x 1,00 + .50 x 0,50 = = 0,75 (veja figura 2)

Analista - Mais uma aposta. Dessa vez entre Cr$ 50,00 e Cr$ -500,00.

João Paulo - Esse é o tipo de negócio que eu pago pra me ver livre.

Analista - O que é perfeitamente consistente com sua atitude quanto a riscos, pelo que vi até agora. Quanto então?

João Paulo - Deixa ver.

Um prejuízo da ordem de Cr$ 500,00 seria insuportável para a empresa. Para evitar esta possibilidade aceitaria pagar Cr$ 300,00.

Analista - E agora temos:

U (-300) = E [U(a3; θk)] = .50 x U (-500) + .50 x x U (50) = .50 x 0,00 + .50 x 0,50 = = 0,25 (veja figura 2)

Os pontos intermediários obtidos foram colocados na figura 2. Na figura 3 é apresentada a curva traçada à mão-livre que melhor se ajusta aos pontos. As curvas de utilidade podem, evidentemente, ser ajustadas numericamente a uma função matemática empregando procedimentos de cálculo ou por tentativas.


6.1 Testes de consistência

Uma vez traçada a curva preliminar, alguns testes de consistência devem ser feitos empregando-se resultados e índices intermediários. Como exemplo, um teste de consistência poderia ser feito com a aposta:

cujo valor equivalente certo é:

Da figura 3 obtemos para 0,37 o valor de R4 = -130. No caso de valor calculado acima não coincidir com a resposta do administrador, deve-se proceder ajustes até que uma curva seja estabelecida de modo a refletir com confiabilidade as preferências do administrador.

7. AVALIAÇÃO DE ALTERNATIVAS COM CURVAS DE UTILIDADE

Para avaliação das alternativas empregando os índices de utilidade e o critério bayesiano de decisão, o administrador deve:

1. Determinar os índices de utilidade correspondentes aos resultados possíveis através da curva de utilidade obtida.

2. Preparar uma matriz com os índices obtidos na etapa anterior conforme mostra o quadro 2.


3. Calcular a utilidade esperada das alternativas e selecionar a que apresentar o maior índice de utilidade esperado.

Para o nosso problema teríamos os seguintes índices determinados a partir da figura 3:

U (1.500) = 1,00

U ( 1.000) = 0,92

U (500) = 0,75

U (250) = 0,62 - exemplificado no gráfico.

U (-500) = 0,00

Se as estimativas de probabilidade para os estados da natureza θ1 e θ2 forem, respectivamente, 0,7 e 0,3, teremos:8 8 Lê-se: U ( di; θ j) - utilidade da decisão di sobre os estados da natureza θ j - sendo θ j vendas altas e vendas baixas; E [ U (d i; θ j) ] - utilidade esperada da decisão di - é igual a Σ P ( θ j) U (Rij) somatório dos produtos das probabilidades de θ j pela utilidade dos resultados Rij obtidos na ocorrência conjunta de θ j e di.

E a decisão ótima é, portanto, d2 - produzir 750 unidades do novo pulverizador.

8. ALGUNS COMENTÁRIOS FINAIS

8.1 Outros tipos de curvas

A curva obtida para o executivo da Agropec caracteriza um tipo bastante comum de atitude quanto a riscos, conhecida como (atitude) de aversão a riscos. Outras formas possíveis de curvas de utilidade são apresentadas na figura 4. A linha reta caracteriza a atitude de indiferença a riscos; a curva inferior, tendência a riscos.


8.2 Riscos e probabilidades

O objetivo do emprego de "apostas" simuladas é isolar as estimativas das probabilidades dos estados da natureza relevantes ao problema para se concentrar na atitude do administrador quanto a riscos.

Nos problemas onde funções de utilidade não são empregadas há uma tendência natural do administrador a incorporar às estimativas das probabilidades sua atitude quanto a riscos, deformando, desta maneira, os valores esperados uma vez que esta incorporação não é feita de uma maneira explícita e consistente.

Com o uso de curvas de utilidade - conforme frisa Hammond -9 9 Veja bibliografia, Hammond. a separação entre estimativas de probabilidades dos diversos estados da natureza e atitudes quanto a riscos torna-se não apenas possível como absolutamente essencial. Assim, o administrador, ao analisar as apostas, deve concentrar-se exclusivamente nelas. Não deve dar a mínima atenção ao fato das mesmas serem totalmente hipotéticas - os valores equivalentes devem ser a correta representação do que ele realmente pagaria "se" estivesse diante de um risco daquela ordem.

Do mesmo modo, ao fazer as estimativas das probabilidades de ocorrências dos estados da natureza, o administrador não deve colocar nas respostas sentimentos de receio ou preferência pelos riscos envolvidos. Em outras palavras, o administrador deve compreender que estas estimativas devem ser feitas - do ponto de vista teórico e bastante desejável na prática - com absoluta objetividade.

8.3 Problemas de decisão na prática

É comum acontecer que executivos expostos aos princípios de teoria da decisão se entusiasmem no início e se sintam, posteriormente, incapazes de formular problemas reais por si só. E resolvem, precipitadamente, que "análise de decisão não funciona". Lembramos apenas que apesar dos princípios de equilíbrio e movimento serem os mesmos - é preciso caminhar antes de correr.

Problemas reais de decisão envolvem normalmente um número maior de estados da natureza, múltiplos períodos, decisões encadeadas, vários executivos, além de vários objetivos - muitas vezes conflitantes e/ou não-quantificáveis. A contribuição maior de análise de decisão está em prover ao administrador uma metodologia para formulação de problemas - uma metodologia que pressupõe ou estabelece definições explícitas e precisas de objetivos, alternativas, eventos e preferências que de outra forma poderiam não ser considerados. Porém, não é a análise - e sim o executivo - quem tem a palavra final e, conseqüentemente, a responsabilidade pela decisão.

Problemas mais complexos, evidentemente, requerem formulações mais extensas, teorias mais robustas e volumes de cálculos maiores. Nestas aplicações é comum o uso de rotinas em computador para os cálculos e simulações necessárias nas análises de sensitividade desenvolvidas para os diversos parâmetros.10 10 O leitor pode fazer uma análise de sensitividade para este problema de maneira análoga a que apresentamos no artigo citado na nota de rodapé 1; pode, inclusive, também utilizar a curva inferior da figura 4 para comparar as conclusões obtidas.

BIBLIOGRAFIA

  • Brown, Rex V. et alii. Decision analysis: overview. Holt, Rinehart & Winston, 1974.
  • Hammond, John S. III. Melhores decisões com a teoria da preferência. Revista de Administração de Empresas, v. 8, n. 27, p. 151-95, jun. 1968.
  • Hax, Arnoldo & Wiig, Karl M. The use of decision analysis in capital investment problems. Sloan Management Review, MIT, p. 19-41, Winter 1976.
  • Keeney, R. L. An illustraded procedure for assessing multiattribute functions. Sloan Management Review, MIT, p. 37-50, Fall 1972.
  • ______. Examining corporate policy using multiattribute utility analysis. Sloan Management Review, MIT, p. 63-76, Fall 1975.
  • ______ & Raiffa, H. Decision analysis with multiple conflicting objectives. Joan Wiley & Sons, 1976.
  • Machado, Rogério A. Avaliação de alternativas na tomada de decisão. Revista de Administração de Empresas, v. 16, n. 2, abr. 1976.
  • Raiffa, H. Decision analysis. Addison-Wesley, 1970.
  • Schlaifer, Robert. Analysis of decisions under uncertainty. McGraw-Hill, 1969.
  • Spetzler, Carl S. & Zamora, Ramon M. Decision analysis of a facilities investment and expansion problem. Report Stanford Research Institute, n. 3, p. 172-87.
  • *
    A
    Revista de Administração de Empresas, em seu n. 27, v. 8, de junho de 1968, publicou um artigo do Prof. John Hammond III da Universidade de Harvard, versando sobre o mesmo assunto do presente trabalho (veja bibliografia). Devido à importância e oportunidade da matéria, o corpo redatorial da
    RAE opinou favoravelmente pela publicação deste trabalho, que certamente contribuirá para uma melhor compreensão das aplicações de teoria de preferência na tomada de decisão.
  • 1
    Veja bibliografia, Machado. Recomendamos aos leitores não-familiarizados com os conceitos básicos de análise de decisão a leitura do artigo acima.
  • 2
    Nomes e empresa fictícios - veja nota de rodapé 1.
  • 3
    A obtenção dos resultados da matriz de retornos foi ilustrada no artigo citado na nota de rodapé 1. Vale acrescentar que uma decisão
    d
    0 - não investir - muitas vezes é incluída em análises como esta. Não o fizemos porque as decisões
    d
    2 e
    d
    3 apresentam resultados maiores que zero - resultados de não investir - independentemente do estado da natureza que prevalecer. A decisão
    d
    0, portanto, é "dominada" por
    d
    2 e
    d
    3 - tornando desnecessária sua inclusão.
  • 4
    Os valores monetários passam a ser referidos em milhares de cruzeiros.
  • 5
    Estes valores foram escolhidos por conveniência - matematicamente qualquer intervalo seria válido desde que respeitada a ordem de preferência.
  • 6
    Lê-se:
    E (a
    1;
    θ
    k)_ valor esperado da aposta
    a
    1 sobre os estados da natureza
    θ
    k - onde
    θ
    k representa neste caso os eventos cara e coroa - é igual a Σ
    P(
    θ
    k)
    Rk1 somatório dos produtos das probabilidades de
    θ
    k pelos resultados
    Rk1 associados com
    θ
    k, que é igual a Cr$ 500.000,00. Convém lembrar que
    P (cara) =
    P (coroa) = .50.
  • 7
    Lê-se:
    U (50) - utilidade de Cr$ 50.000,00 ou utilidade do valor equivalente, de uma maneira geral - é
    E [ U (
    a
    1;
    θ
    k) ] - a utilidade esperada da aposta
    a
    1 sobre os estados da natureza
    θ
    k. Veja também notas de rodapé 6 e 8.
  • 8
    Lê-se:
    U (
    di;
    θ
    j) - utilidade da decisão
    di sobre os estados da natureza
    θ
    j - sendo
    θ
    j vendas altas e vendas baixas;
    E [
    U (d
    i;
    θ
    j) ] - utilidade esperada da decisão
    di - é igual a Σ
    P (
    θ
    j) U (Rij) somatório dos produtos das probabilidades de
    θ
    j pela utilidade dos resultados
    Rij obtidos na ocorrência conjunta de
    θ
    j e
    di.
  • 9
    Veja bibliografia, Hammond.
  • 10
    O leitor pode fazer uma análise de sensitividade para este problema de maneira análoga a que apresentamos no artigo citado na nota de rodapé 1; pode, inclusive, também utilizar a curva inferior da
    figura 4 para comparar as conclusões obtidas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1976
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