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Futebol em campo, no campo da etnologia: o desporto bretão e a esportividade ameríndia

Football on the field, in the field of ethnology: football association and amerindian sportiveness

RESUMO

Este texto pretende debater a difusão do futebol em comunidades indígenas ecoando seu reconhecido potencial universalizante. Apesar de incipientes interpretações teóricas desde o ponto de vista etnológico, sua prática é amplamente descrita em etnografias de variadas regiões. A proposta é a retomada de obras que trabalharam o tema na demonstração de suas relações com instituições tradicionais e modalidades nativas. A expansão do futebol promove transformações que passam pela pacificação das relações interétnicas; esportificação de disputas corporais; ressignificação estética; anexação onomástica. Enfim, é incorporado a partir do conjunto de relações próprias a cada contexto. A conexão entre essas obras seminais e o material etnográfico elaborado em pesquisas realizadas junto aos Kalapalo do Alto Xingu visa demonstrar as possibilidades de desenvolvimento dos diálogos entre etnologia e antropologia das práticas esportivas.

PALAVRAS-CHAVE:
Futebol; transformações; esportividade ameríndia; relações interétnicas

ABSTRACT

This essay intends to discuss the dissemination of football in indigenous communities, echoing its recognized universalizing potential. Despite incipient theoretical interpretations from an ethnological point of view, its practice is widely described in ethnographies from different regions. The proposal is the resumption of works that drove on the theme demonstrating their relations with traditional institutions and native modalities. The development of football promotes transformations through the pacification of interethnic relations; sportification of bodily disputes; aesthetic resignification;

onomastic annexation. In short, it is incorporated from the set of relationships proper to each context. The connection between these seminal works and the ethnographic material elaborated in researches carried out with the Kalapalo of the Upper Xingu aims to demonstrate the possibilities of developing dialogues between ethnology and anthropology of sportive practices.

KEYWORDS:
Football; transformations; amerindian sportiness; interethnic relations

A vítima não se levanta. Na imensidão da grama verde, jaz o jogador. E na imensidão das arquibancadas, as vozes trovejam. A torcida inimiga ruge amavelmente: Morre!

Eduardo Galeano

AQUECIMENTO: APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

O futebol tem sido há tempos objeto de interesse para o pensamento social brasileiro, seja pela literatura, crônica esportiva ou produção sócio antropológica, autores trabalharam o fenômeno por variados pontos de vista. Obras inaugurais como “O Negro no Futebol Brasileiro” ([1947] 2003FILHO, Mario. [1947] 2003. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro, Mauad.) de Mário Filho, ou “Negro, Macumba e Futebol” de Anatol Rosenfeld ([1954] 2007)ROSENFELD, Anatol. [1954] 2007. Negro, Macumba e Futebol. São Paulo, Perspectiva . lançaram olhar frente aos principais temas da sociabilidade negra brasileira e a importância do futebol para a compreensão da realidade nacional. Neste caminho, afirma Simoni Guedes, pioneira na área desde a perspectiva antropológica: “deixar de se preocupar com fenômenos como futebol, carnaval ou umbanda seria equivalente a deixar de se preocupar com a bruxaria entre os Azande, o cerimonialismo entre os grupos Gê do Brasil Central ou a pajelança entre os Tupi” (Guedes, 1982: 61).

Após anos de pesquisas sobre os significados do futebol, diversificadas linhas emergiram desde o referencial antropológico.1 1 Sobre a consolidação temática dos esportes na antropologia brasileira: Camargo et al. (2021). Destaques para os temas da identidade nacional (DaMatta, 1982DAMATTA, Roberto. 1982. “Esporte e Sociedade: Um Ensaio sobre o Futebol Brasileiro”. In: DAMATTA, Roberto. (org.). Universo do futebol. Rio Janeiro, Pinakotheke, pp. 13-41.; Archetti, 2003ARCHETTI, Eduardo. 2003. Masculinidades: Fútbol, tango y polo en la Argentina. Buenos Aires, Editorial Antropofagia.); torcidas organizadas (Toledo, 1996TOLEDO, Luiz Henrique. 1996. Torcidas Organizadas de Futebol. Campinas, Autores Associados/Anpocs.; 2002TOLEDO, Luiz Henrique. 2002. Lógicas no futebol. São Paulo, Hucitec/FAPESP.; 2019TOLEDO, Luiz Henrique. 2019. Torcer: Perspectivas analíticas em Antropologia das práticas esportivas. São Carlos, tese de livre-docência, Universidade Federal de São Carlos.; Pimenta, 1997PIMENTA, Carlos. 1997. Torcidas Organizadas de Futebol. Violência e autoafirmação. Aspectos da construção das novas relações sociais. Taubaté, Vogal.; Buarque de Holanda, 2017BUARQUE DE HOLLANDA, Bernardo. (org.). 2017. Torcidas Organizadas na América Latina. Estudos Contemporâneos. Rio de Janeiro, 7 Letras.); gênero (Pisani, 2018PISANI. Mariane. 2018. “Sou feita de chuva, sol e barro”: o futebol de mulheres praticado na cidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado, Universidade de São Paulo.; Toledo e Camargo, 2019TOLEDO, Luiz Henrique; CAMARGO, Wagner Xavier. 2019. Futebol dos futebóis: dissolvendo valências simbólicas de gênero e sexualidade por dentro do futebol. FuLiA/UFMG, v. 3, n. 3: 93-107. DOI: https://doi.org/10.17851/2526-4494.3.3.93-107
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); mídia (Gastaldo, 2002GASTALDO, Édison. 2002. Pátria, chuteiras e propaganda. O brasileiro na publicidade da Copa do mundo. São Leopoldo, Editora Unisinos∕Annablume.; Andrade, 2013ANDRADE, André. 2013. Mídia, futebol e sociedade: controvérsias públicas midiatizadas em torno da escolha do Brasil como sede da Copa do mundo FIFA 2014. Niterói, tese de doutorado, Universidade Federal Fluminense.); ou mesmo balanços bibliográficos que, de tempos em tempos, refazem percursos analíticos (Toledo, 2001TOLEDO, Luiz Henrique. 2001. Futebol e teoria social: aspectos da produção acadêmica brasileira (1982-2002). Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , v. 52: 133-165. http://www.anpocs.com/index. php/edicoes-anteriores/bib-52
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; 2020TOLEDO, Luiz Henrique. 2002. Lógicas no futebol. São Paulo, Hucitec/FAPESP.; Alabarces, 2004ALABARCES, Pablo. 2004. Veinte años de ciências sociales y deporte em América Latina: un balance, una agenda. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, v. 58: 159-179.; Guedes, 2010GUEDES, Simone. 2010. “Esporte, lazer e sociabilidade”. In: DUARTE, Luiz Fernando Dias; MARTINS, Carlos. (org.). Horizontes das Ciências Sociais no Brasil: Antropologia. São Paulo, ANPOCS, pp. 431-456.; Spaggiari et al., 2016SPAGGIARI, Enrico; MACHADO, Giancarlo; GIGLIO, Sérgio (orgs). 2016. Entre jogos e copas. Reflexões de uma década esportiva. São Paulo, Intermeios/FAPESP.).

O objetivo ao debater a inserção e desenvolvimento da prática do futebol em áreas indígenas, com seus próprios e diferentes modos de absorção desse fenômeno mundial, reside exatamente nessa proposta de multiplicar significados. Futebóis no plural e não preso a uma definição normativa:

Muitos futebóis parecem dispersar ou borrar a figura de fundo que por muito tempo se manteve ativa na elaboração das alegorias sobre um país e sobre um único futebol de sucesso. O futebol masculino profissional, que figurou como pano de fundo de vários brasis, não ostenta mais sozinho o estado da arte em um cenário esportivo multiplicado por outras demandas (Itálicos nossos. Toledo, 2020TOLEDO, Luiz Henrique. 2020. Balanços bibliográficos e ciclos randômicos: o caso dos futebóis na Antropologia brasileira”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , v. 94: 1-32. DOI: http:// doi.org/10.17666/bib9404/2021
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: 23).

Apesar desta diversidade que se descola do futebol masculino profissional, alguns desses referenciais continuam a emprestar credibilidade e legitimidade aos trabalhos que se aventuram colocar o desporto bretão como eixo temático. Entretanto, deter-se nesses novos temas e perspectivas engendra riscos, como engessar abordagens teórico-metodológicas, principalmente, aquelas que partam de novos contextos. Por isso, nosso interesse em buscar nas etnografias as saídas para esses dilemas, mostrando os estudos sobre o futebol indígena em sua multiplicidade de práticas e significados, pois, como notou Arlei Damo projetando futuros passos do campo:

De um ponto de vista teórico nossa produção precisa avançar, desvencilhando-se do uso instrumental de certos autores consagrados, que não raras vezes aparecem mais para emprestar autoridade aos argumentos do que suscitar interpretações arrojadas (Damo, 2016DAMO, Arlei. 2016. “Posfácio. Novas abordagens sobre o esporte em Ciências Humanas no Brasil”. In: SPAGGIARI, Enrico; MACHADO Giancarlo; GIGLIO Sérgio. (orgs.). Entre jogos e copas: Reflexões de uma década esportiva. São Paulo, Intermeios∕Fapesp, pp. 325-349.: 334).

Com modesta intenção de avançar em “interpretações arrojadas”, este texto procura, via o futebol indígena, realçar aproximações entre antropologia das práticas esportivas e etnologia ameríndia. Por certo, o corpo seria um dos primeiros eixos teóricos a suscitar tal proximidade, sobretudo, através dos trabalhos pioneiros de Marcel Mauss ([1950] 2003)MAUSS, Marcel. [1950] 2003. Sociologia e Antropologia. São Paulo, Cosac & Naify. e a maneira como os esportes passam a ser objeto privilegiado de investigações sobre as técnicas do corpo, suas invenções, transmissões e diferenças. A noção de pessoa é quase uma continuidade temática, relação responsável por grandes trabalhos partindo do futebol masculino profissional e formação de jogadores (Araújo, 1980ARAUJO, Ricardo. 1980. Os gênios da pelota, um estudo do futebol como profissão. Rio de Janeiro, dissertação de mestrado, UFRJ/Museu Nacional.; Damo, 2007DAMO, Arlei. 2007. Do dom à profissão: A formação de futebolistas no Brasil e na França. São Paulo, Hucitec/Anpocs.).

Desde o campo etnológico, a associação entre corpo e pessoa, embora com alguma inspiração maussiana, contudo, certamente atrelada ao contexto sul-americano, produziu nada menos que o “idioma da corporalidade” (Overing, 1977OVERING, Joanna. 1977. “Orientation for paper topics & Comments”. In: OVERING, Joanna. (org.). Social time and social space in Lowland South American societies, Actes du XLII Congrès International des Américanistes, Paris, pp. 9-10; 387-394.; Seeger et al., 1979SEEGER, Anthony; DAMATTA, Roberto; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1979. “A Construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras”. Boletim do Museu Nacional. Rio de Janeiro, v. 32: 2-19.; Viveiros de Castro, 1979VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1979. A fabricação do corpo na sociedade xinguana. Boletim do Museu Nacional , v. 32: 40-49.; Lima, 2002LIMA, Tânia. 2002. “Que é um corpo?”. Religião e Sociedade, v. 22, n. 1: 9-20.). Seguindo indicações já presentes nas Mitológicas, o “código anatômico”, esse idioma simbólico enfatiza as dificuldades conceituais de referenciais elaborados para outros contextos darem conta dos dados etnográficos sobre a região. Pesquisas passaram a buscar a fabricação, decoração, transformação, destruição dos corpos, abrindo caminhos para correntes como o perspectivismo ameríndio e a relação entre corpo e ponto de vista (Viveiros de Castro, 2002VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002. A Inconstância da Alma Selvagem e Outros Ensaios de Antropologia. São Paulo, Cosac & Naify .; Lima, 2005LIMA, Tânia. 2005. Um peixe olhou para mim: Os Yudjá e a perspectiva. São Paulo, Ed. UNESP/ISA/NuTI.).

Todavia, e passamos a propor nossa contribuição, aspectos definidores para debates corporais, como competitividade e ludicidade, acabam tidos por pouco relevantes ou não terem o devido polimento analítico. Não por conta de não estarem presentes nos cotidianos e rituais das aldeias, mas por falta, talvez, de interesse de pesquisa. Determinadas áreas carecem de aprofundamento, teórico e etnográfico, sobre como as populações pensam e agem sobre seus corpos. Refiro-me especificamente ao que autores têm chamado por “esportividade ameríndia” (Vianna, 2008VIANNA, Fernando. 2008. Boleiros do cerrado. Índios Xavantes e o futebol. São Paulo, Annablume Editora/ FAPESP/ISA.: 126) e como as práticas esportivas, nativas e exógenas, apresentam caminhos a serem percorridos através da constituição de sujeitos e diferenciações performáticas. Para tanto, ampliaremos descritivamente algumas dessas técnicas corporais colocadas em disputas, com objetivo de tomá-las relacionalmente ao futebol.

Expandindo proposições, o que pretendemos é a releitura de alguma bibliografia sobre futebol indígena, destacando nossos dados levantados em pesquisas realizadas no Alto Xingu.2 2 Os dados relativos ao Alto Xingu referem-se à pesquisa de campo que totalizou 14 meses na aldeia Tanguro, do povo Kalapalo, para tese de doutorado sobre a luta corporal (kindene) que encerra o ritual pós-funerário egitsü, mais conhecido como Quarup. A proposta foi pesquisar a luta e suas relações, incluídas modalidades como os dardos jawari e o próprio futebol (Costa, 2013). Os termos nativos do karib estão em itálico e de acordo com a Língua Karib do Alto Xingu. O espaço que o futebol passou a ocupar na região, tanto do ponto de vista da prática; das relações intra e interétnicas e o sistema de convites e formações dos times; da estética que modula o gosto pelos uniformes, chuteiras, pinturas corporais; da profusão onomástica que tem predileção pelos apelidos retirados desse vasto universo. Em suma, a maneira como essa “instituição zero” (Guedes, 1977GUEDES, Simone. 1977. O futebol brasileiro. Instituição zero. Rio de Janeiro, dissertação de mestrado, PPGAS/Museu Nacional.) foi ressignificada antropofagicamente. Ressignificações que precisam ser etnograficamente esmiuçadas porque cada região tem suas próprias maneiras de pautar o futebol e de colocá-lo em seus sistemas de signos e símbolos. Portanto, as relações estabelecidas com outras práticas esportivas, ou mesmo com outros modos relacionais, serão nossos temas.

Tais abordagens conceituais sobre o futebol indígena são embrionárias, em comparação com sua constância descrita nas etnografias. Esse caráter de epifenômeno, que pouco a pouco foi superado nas análises antropológicas da relação entre futebol e sociedade brasileira, também começa a ser alterado em virtude de novas pesquisas que intentam compreender o potencial transformador do futebol nessas comunidades. Nosso objetivo é pensar nas relações entre as relações, ou, seguindo Roberto DaMatta, estabelecer uma proposta etnográfica, uma vez que: “cada sociedade tem o futebol que merece, pois ela o molda e projeta nele um conjunto de temas que lhe são básicos” (1982: 16). Essa síntese será inspiração ao debater as conexões e diferenças entre os contextos.

Figura 1:
pintura corporal de lutador alto-xinguano com símbolo do time de futebol Corinthians, durante os combates na kindene, modalidade de luta esportiva que encerra o ritual pós-funerário egitsü.

1° TEMPO - FUTEBOL E ETNOLOGIA: TRANSFORMAÇÕES, RESSIGNIFICAÇÕES, RELACIONALIDADES

Um dos interesses iniciais ao pesquisar o futebol em comunidades indígenas é a história, a chegada desse esporte ao universo ameríndio. Autores que trataram do assunto mostram estar atrelada à presença do Estado, pela instalação de linhas de transmissão que avançavam rumo às terras indígenas, seja pelas missões religiosas que usavam o futebol como contrapartida na tentativa de “civilizar”, de “pacificar” populações e suas modalidades de disputas corporais.

Neste sentido, esportificação3 3 Para além da utilização frequente nas etnografias, que descrevem disputas corporais indígenas como esportes, pretendemos compreender os processos de esportificação (Elias e Dunning, 1992) e o desenvolvimento histórico desses fenômenos e suas relações com processos mais amplos sobre pacificação das relações. No modelo elisiano, esportificação remete a transformação e mudança, não é algo, mas processa a mudança de algo, processos históricos análogos ao que trabalharemos no contexto ameríndio. , e a prática do futebol, sobremaneira, foram facilitadoras do contato com os “índios bravos”, além de instrumentos que, com graus diversos de êxito, cumpriam a missão de fazer os indígenas abandonarem antigas práticas em nome da “civilização”.4 4 Souza Lima (1992) sobre as frentes de atração e pacificação. O que estava de acordo com políticas da época, segundo às doutrinas do Integracionismo e Assimilacionismo, que tinham como propósito: “integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional” (trecho que constava do art. 1º, Lei nº 6.001/73). Tais práticas nativas, geralmente com alto nível de violência entre os participantes, usando ou não de instrumentos como borduna, dardos, bastões, passam a se relacionar com o futebol, perdendo espaço e podendo deixar de serem praticadas, ou transformando a si e seus entendimentos.

Exemplo desse roteiro é a antiga presença do futebol em comunidades Kaingang relatada por José Fasshaber (2006)FASSHEBER, José. 2006. Etno-desporto indígena: contribuições da antropologia social a partir da experiência entre os Kaingang. Campinas, tese de doutorado, Unicamp. em trabalho pioneiro. Assim como outros elementos trazidos do contato, mas de forma diferente que outras invasões - como trabalho, religião -, o futebol tornou-se prática incorporada à vida Kaingang há muitos anos. Informantes mais velhos relatam que já praticavam o futebol em suas infâncias, de onde levanta-se a hipótese de que seja quase tão antigo para os Kaingang como o é para os demais brasileiros (op. cit.: 109-110). Ressalta, ainda, duas questões fundamentais para o entendimento do futebol indígena: a maneira como ele se ressignifica ao universo sociológico nativo; e como se relaciona com demais práticas corporais.

A separação dos times respeita preceitos sociológicos, da divisão em metades e da patrilinearidade, assim como a residência uxorilocal pós-casamento. Esse tipo de separação é indicativo de que a variedade etnográfica é mais importante do que qualquer tentativa de reificação. Do mesmo modo, as relações entre futebol e outras práticas corporais, no caso, a violência descrita pelo ritual Kanjire, que simula um campo de batalhas onde dois grupos arremessam tocos de madeira coletados pelas mulheres, que depois passam a recolher os feridos. Outro ritual, o Pinjire, é semelhante, mas realizado à noite com tocos acesos. Relatos dão conta que os resultados dos jogos eram sempre ferimentos graves, contusões, olhos furados, dedos quebrados, mas que isso nunca causava inimizade entre os participantes. Para Fasshaber, e apesar da continuidade da prática desses rituais, porém, menos recorrentes do que no passado, o futebol tornou-se uma modalidade que atualiza as relações entre as metades sem que haja necessidade dessa disputa que ocasionava invariavelmente muitos feridos.

Portanto, além da chegada histórica do futebol via Estado, missões religiosas, ou mesmo mídia radio-televisiva, o que nos guiará neste primeiro momento serão as relações entre o futebol e as práticas e cosmologias nativas. Partindo do projeto civilizador que o acompanha junto a seu potencial universalizante, seja em relação à sociedade nacional, seja pela expansão interétnica.

A BOLA E AS TORAS: EQUILÍBRIO E COMPETITIVIDADE XAVANTE

O trabalho de Fernando Vianna (2008VIANNA, Fernando. 2008. Boleiros do cerrado. Índios Xavantes e o futebol. São Paulo, Annablume Editora/ FAPESP/ISA.) consolida uma abordagem mais direta sobre futebol indígena. Dentre os méritos em projetar o tema dessa perspectiva, destacamos: a) proposta metodológica - a relação sujeito/objeto, um ex-futebolista que adentrou na pesquisa etnográfica como técnico do time da aldeia; b) relacional - abrangência das relações tomadas a partir do futebol, principalmente entre futebol e corrida de toras; c) conceitual - desenvolvimento de um campo de estudos denominado por “esportividade ameríndia”, incipiente, porém, com grandes possibilidades de desdobramentos: “Em lugar de voos teóricos precipitados, o tema pede um tratamento comprometido com duas tarefas básicas: contribuir para o aumento do volume de dados empíricos e testar ferramentas analíticas disponíveis.” (Vianna, op. cit.: 29).

Alertado por Aracy Lopes da Silva sobre o espaço simbólico destinado ao campo de futebol para os Xavante, o pátio central da aldeia, numa cosmologia em que a espacialidade diz muitas coisas, Vianna demonstra não apenas sua chegada histórica, mas busca os significados assumidos em relação a suas principais instituições. Aliás, a prática e o gosto pelo futebol por parte dos Xavante já eram reconhecidos, como notou Maybury-Lewis: “a paixão, ou pode-se mesmo dizer, o vício do futebol [...] todos jogavam, jovens e velhos, e a toda hora.” (1984MAYBURY-LEWIS, David. 1984. A sociedade Xavante. Rio de Janeiro, Francisco Alves.: 61). Ou no relato de um padre: “sempre que se faz uma obra salesiana, a primeira coisa é fazer o campo de futebol. Depois, faz-se a capela e a sala de aula. Pode faltar a capela e pode faltar a sala de aula, mas nunca falta o campo de esporte” (Vianna, op. cit.: 154).

A proposta de colocar o futebol como tema etnológico oferece contribuições. Se uma das recomendações atuais da disciplina desvenda relações e transformações entre diferentes regiões etnográficas5 5 Por exemplo, o projeto do NuTI/PPGAS-Museu Nacional: “Transformações Indígenas: os regimes de subjetivação ameríndios à prova da história”: http://zellig.com.br/ppgas/nuti.html. Para um debate atual sobre áreas culturais e sistemas regionais ameríndios, do ponto de vista etnográfico e conceitual, Velden e Lolli (2020). A proposta aqui é demonstrar como o futebol pode ser um elemento a operar as comparações, similaridades e diferenças entre esses complexos regionais e suas transformações. Seja ao alargar as redes de relações interétnicas, seja ao especificar questões cosmológicas próprias a cada contexto. , cabe afirmar que o futebol é uma instituição presente em várias dessas regiões. Ainda pouco analisada, é verdade, mas sua prática é amplamente descrita, por isso, o caso Xavante merece destaque em decorrência de ser o mais completo sobre o futebol em áreas indígenas. Mais importante, contudo, é pensar nas relações entre o futebol e as toras:

Cabe dizer que, do ponto de vista Xavante, a corrida de toras oferece um modelo geral, abrangente e multifacetado para o entendimento do futebol [...] Noutras palavras: a passagem de uma a outra pode não ser exclusivamente um assunto de comparação, mas de colocá-las em posições contíguas na ordem do real. Com efeito, ao estabelecerem semelhanças e diferenças entre futebol e corrida, os xavantes têm em mente outras ideias - e não apenas ideias, mas sentimentos, vontades, disposições e práticas (Vianna op. cit.: 210).

Para evidenciar “semelhanças e diferenças”, tratemos futebol e corridas a partir de um assunto discutido na literatura Xavante, os pressupostos “equilibristas”, que se supunham fatores determinantes para seus entendimentos. Maybury-Lewis descreve uma corrida em que um dos times teria ficado para trás, fazendo com que aqueles que se posicionavam à frente diminuíssem o ritmo para, inclusive, ajudarem os adversários a carregar a tora. Este autor entende a ajuda como uma noção de “equilíbrio” intrínseca ao pensamento dualista, em que um time não poderia superar o outro. Destaca, ainda, que tomados esses acontecimentos os mais velhos exigiram que se realizasse outra corrida para reinstaurar o equilíbrio perdido.

A proposta da “esportividade ameríndia”, ao invés de ratificar essa noção de equilíbrio, parte do material etnográfico para diferenciar, no tempo e no conhecimento nativo, duas maneiras antagônicas de se posicionar sobre os dados. Ao levar essas observações do antropólogo inglês nos anos 1960 para um morador da aldeia Abelhinha na década de 1990 percebe-se a diferença entre as interpretações. Se para o autor clássico, corrida de toras, assim como outras instituições Xavante, pressupunham equilíbrio entre as metades, para o velho indígena as corridas necessariamente estabeleceriam desequilíbrio. Ainda que provocado a partir da competição, com tempo/espaço determinados, começo, meio e fim. O fato de terem perdido aquela corrida e a insistência na realização imediata de outra é entendida pelos nativos não como uma maneira de se equiparar as coisas, mas de demonstrar a vontade de ganhar na próxima disputa:

Xavantes da Abelhinha parecem situar a corrida em termos de um salutar desequilíbrio: “Perdeu aquela, mas na próxima você vai ganhar”, nas palavras de R.. O aspecto competitivo está tão presente que somos levados a pensar: ou os Xavante “equilibristas” de Maybury-Lewis são uma quimera ou os habitantes da Abelhinha manifestam, nos anos 1990, um claro distanciamento do que é ser xavante (Itálicos nossos. Vianna, op. cit.: 225).

Essa demonstração de força e empenho nas disputas nativas é enfatizada pelo autor na associação entre futebol e corridas. Não se trata apenas de equilíbrio entre as metades, contrapartida dos jogos à disjunção por eles promovidas6 6 Para retomar as clássicas análises de Lévi-Strauss em O Pensamento Selvagem ([1962] 2004) sobre a relação entre rito e jogo, conjunção e disjunção, notadamente por meio de ritos funerários. Ao contrário, a esportividade ameríndia não deveria ser reduzida de seu caráter competitivo, pois, é exatamente esse caráter que faz com que determinadas práticas assumam tão elevado prestígio. Tampouco, entendida somente por seu viés gregário, ratificando dicotomias que por muito direcionaram estudos sobre esportes. Nossa proposta, a partir das relações entre futebol e demais práticas, é trabalhar a ludicidade e os embates performáticos, suas transformações, por isso não há como retirar suas qualidades competitivas.

FUTEBOL YANOMÂMI: LUDICIDADE E TENSÕES

Outro autor a versar sobre futebol indígena, em grupos Yanomâmi na fronteira Brasil e Venezuela, Ángel Delgado parte do projeto desenvolvido por Pablo Alabarces na CLACSO, pautado em três pilares: cultura das arquibancadas; identidades territoriais; e globalização cultural. A proposta é ampliar esse projeto e incluir as populações indígenas (Delgado, 2010DELGADO, Angél. 2010, “Estructura y función del fútbol entre los yanomami del Alto Orinoco”. Revista Española de Antropología Americana, v. 40, n. 1: 111-138. https://revistas.ucm.es/index.php/REAA/article/view/REAA1010120111A
https://revistas.ucm.es/index.php/REAA/a...
: 109). Entre os Yanomâmi, relata pesquisas em mitologia, cosmologia, rituais, destacando trabalhos sobre xamanismo. Todavia, e apesar da constante presença em comunidades por ele visitadas, são quase inexistentes as menções ao futebol. Isso gera dúvidas iniciais, algumas pelas quais já passamos, sobre trabalhos que se aventuram a estudar os esportes em geral e o futebol em específico: “Sin embargo, poco o nada se ha escrito sobre el fútbol entre los yanomami, lo cual se explica, antes que por su inexistencia o poca relevancia, por la falta de atención o interés de los investigadores sobre este tema” (op. cit.: 112).

Os espaços e tempos da prática dependem das condições de cada aldeia ou mesmo dos interesses por detrás das disputas, se campeonatos ou amistosos. 30% do shapono (espaço da casa central a partir da qual se faz o círculo das casas) é usado para o campo de futebol. As diferenças entre as partidas que acontecem no dia a dia ou quando da realização dos campeonatos colocam o futebol como mediador de relações intra e intercomunitárias. Antes, porém, destaca o caráter lúdico das disputas:

Todos ganan si marcan gol, que es en definitivo el objetivo, la lógica que se mantiene aún en los shaponos o comunidades yanomami semiaisladas del Alto Orinoco; en donde el componente lúdico del fútbol sobrepasa la pura competición; en donde el rival es assumido como una dificultad del juego que hay que salvar, haciéndolo así más divertido (op. cit.: 122).

Essa característica lúdica é recorrente, uma visada sobre a maneira que o futebol contrasta com outras instituições e se coloca como mecanismo de divertimento, mais do que competição - como na relação entre bola e toras Xavante. Os desdobramentos entre lúdico/competitivo, equilíbrio/tensões, são temas na área dos fenômenos esportivos desde os trabalhos de Norbert Elias e Eric Dunning (1992ELIAS, Norbert & DUNNING, Eric. 1992. A busca da excitação. Lisboa, Diffel.) e a associação entre pacificação das relações e esportificação das práticas, o controle das emoções promovendo novas configurações das relações sociais. Numa perspectiva mais filosófica, poderíamos recuar ainda para o Homo Ludens (Huizinga, [1934] 1993HUIZINGA, Joan. 1993. Homo Ludens. São Paulo, Perspectiva.) ou a relação entre Jogo e sagrado (Caillois, [1950] 1988CAILLOIS, Roger. [1950] 1988. O Homem e o Sagrado. Lisboa, Edições 70.), enfatizando o caráter prazenteiro das disputas.

Já a soma entre a falta de uma perspectiva diretamente voltada ao futebol indígena, e o desenvolvimento das análises que consolidaram os esportes como tema antropológico, promovem novas propostas conceituais, sobretudo, relacionais, das maneiras pelas quais o futebol é ressignificado e as transformações advindas. Este é o problema: mais do que buscar as origens do futebol nas comunidades, ou lhe atribuir qualquer função pré-determinada, é mister estabelecer as relações desencadeadas a partir dele, tanto do ponto de vista interno, como do potencial universalizante tão reconhecido.

Assim, cabe tomar as relações entre futebol e práticas nativas, em especial aquelas em que algum tipo de arma tenha passado por processos de ressignificações de seus usos, ou seja, por “esportificações” que fizeram delas não mais armas de guerra ou caça (que é um tipo de guerra na cosmologia amazônica da predação), mas de disputas esportivas: arcos e flechas, dardos, zarabatanas, bordunas ou mesmo lutas corporais. Essas disputas acabam por delimitar fronteiras sociocosmológicas da alteridade, algo que o futebol simplesmente rompe ao aumentar significativamente a quantidade de possíveis confrontos (o que não reduziria o interesse pelo futebol ao “moderno” ou “civilizado”).

Em caminho paralelo, Delgado analisa a associação do futebol com outros rituais e as maneiras em que as disputas envolvidas, no caso uma luta corporal, podem ou não suscitar em estreitamento dos laços afetivos ou aumentar rusgas entre grupos participantes. A questão é tratada de modo a tomar o ritual reahu como um modelo tradicional de relacionamento interétnico e o futebol como um similar moderno:

Otro modo de catarsis individual y colectiva se produce por la práctica del himou y el wayamou, con la que se compite dialécticamente por parejas para descargar los malos humores y atajar los rumores, muy propios en estos lugares, diciéndose las cosas a la cara y sin tapujos. (...) La lucha ritual también constituye un ejercicio catártico, por el que se libera malhumor y agresividad a través de los golpes que alternativamente se irán dando los dos contendientes con el puño en el pecho. ¿Pero cómo se representa en el fútbol estos esquemas tradicionales y especialmente el de lucha? (Destaques nossos. op. cit.: 132).

Este ritual é o momento em que cantores vão se desafiar e proferir discursos, ocasião em que chegam a ficar dia e noite na alternância da palavra (Luciani, 2017LUCIANI, José. 2017. “On Yanomami ceremonial dialogues: a political aesthetic of metaphorical agency”. Journal de la Société des américanistes, v. 103, n. 1: 179-214. DOI: https://doi.org/10.4000/jsa.14892
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). A continuação do desafio se dá por meio da luta, que consiste em golpes de punho fechado na altura do coração, às vezes, segurando pedras na mão, ou mesmo atestando caracteres mágicos, que podem ocasionar, inclusive, a morte. Se ocorrer, a declaração de guerra seria eminente. O fim dos combates se dá de acordo para que outros comecem quando marcas já estão visíveis, sendo comum que os participantes não queiram parar, sinal de força e vitalidade. As cinzas de um morto são consumidas, estabelecendo associações entre rituais funerários interétnicos, discursos performáticos e disputas esportivas por meio de práticas nativas que estão numa relação limiar com práticas guerreiras.

Deste modo, futebol e luta têm, para além dos aspectos organizacionais entre as comunidades participantes, relações de contiguidades. Os reahu são menores, entre dois e cinco grupos participantes, e os convites são formais em linguagem falada. Já no futebol participam mais aldeias e os convites são escritos (diferenciação no sistema de convites que voltaremos). Em ambos ocorrem disputas, na linguagem e na luta num caso, no futebol no outro, e mexem com as emoções dos participantes. O autor retoma o caráter lúdico dessas atividades ao dizer que a luta, por conta da ausência de vencedores, é disputada para que ambos os competidores possam se tornar waitheri (“hombre fuerte y valiente”: 133), alternando golpes entre si e como o futebol, principalmente nas comunidades afastadas, também é guiado por esse aspecto lúdico, onde importa marcar gols, não quem marca mais.

Antecipando considerações, o futebol passa a tomar o lugar do campo de batalhas simulado entre os Kaingang refreando a violência da prática jogada. No caso Xavante, a relação entre futebol e corridas opera pela força e competitividade, em contendas que trazem o desequilíbrio controlado entre as metades. Para os Yanomâmi futebol e luta são neutralizadores dos antagonismos e tensões trazidos do convívio social e a característica lúdica sobressai durante as disputas para que não ocorra diferenciação entre vencedores e vencidos - que poderia ocasionar declarações de guerras:

Esta nueva actividad aporta a los yanomami una nueva forma de agonismo, um agonismo que lejos de producir sangre y muerte, se desarrolla en grupo, en clave pacífica y produce sensaciones placenteras. La actividad deportiva en general y el fútbol en particular, aprendido de agentes externos a la propia cultura, ha supuesto a los Yanomami un descubrimiento para ampliar las miras en el marco de los enfrentamentos interpersonales e intercomunitarios, con la aplicación de normas que trata a los contendientes de manera igualitaria, y se orientan hacia el control del conflicto y la violencia (Destaques nossos. op. cit.: 130).

Competitividade, ludicidade, controle da violência, transformações dos modelos de relações intra e interétnicas. Possibilidades demonstradas etnograficamente que ampliam os significados atribuídos ao futebol: “significante flutuante de valor simbólico zero, cuja única impossibilidade seria a ausência de significação” (Guedes, 1977GUEDES, Simone. 1977. O futebol brasileiro. Instituição zero. Rio de Janeiro, dissertação de mestrado, PPGAS/Museu Nacional.: 79). Confirmando a importância de colocar o tema na pauta etnológica, pois, como afirmou DaMatta: “Isso revela como uma dada instituição, no caso o football association inventado pelos ingleses, pode ser diferentemente apropriada e situada em termos de um sistema de relações específico” (1982: 26). Por hora, trataremos do futebol neste “sistema de relações específico” constante na literatura dos povos ameríndios, a guerra.

GUERRA, FUTEBOL E ESTADO: METÁFORAS ANALÍTICAS, TRANSFORMAÇÕES ONTOLÓGICAS

Neste tópico, indicaremos proximidades e diferenças conceituais ao tomar a guerra indígena em relação às disputas esportivas, notadamente, o futebol. O contexto etnográfico trata dos Urarina, povo da Amazônia peruana em pesquisas realizadas por Harry Walker (2013WALKER, Harry. 2013. State of play: the political ontology of sport in amazonian Peru. American Ethnologist, v. 40, n.2: 1-49. https://core.ac.uk/download/pdf/9694868.pdf
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). Os temas são mudanças trazidas por certas formas de poder estatal, diluídas em instituições como futebol, idioma, escolarização, e como tais transformações alteram as relações de poder a partir do que foi chamado “ontologia política”.

A questão inicial é como características da forma tradicional de vida dessa comunidade, baseada em interações cotidianas, na chefia sem coerção, na ausência de coletividade para fora dos limites das relações de parentesco, do nomadismo de caçadores coletores em pequenos grupos, e como esse modo de vida está se alterando com a expansão do poder político e territorial do Estado. O que modificaria radicalmente as identidades relacionadas a esses coletivos, com o argumento de que instituições como escola e futebol seriam mecanismos colonialistas de transformações e, a partir do futebol, noções como “coletividade” passam a ser vivenciadas. A passagem de um igualitarismo autônomo para uma estrutura hierárquica, ou, na imagem trazida pelo autor, mudança de uma identidade horizontal em vertical, rizomática em árvore, com a chegada de novas formas de liderança que embaralham as formas tradicionais de poder e socialidade: “We can therefore begin to see why soccer is such an important ingredient in the process of imagining and instituting a new mode of sociality, one requiring new forms of cooperation and a different kind of relation to the collectivity.” (op. cit.: 16).

Esta é a maneira como as relações intracomunitárias são transformadas a partir dos valores esportivos em contato com a cosmologia nativa. O ideal autárquico, de pequenos grupos nômades, que se colocam em relações de alteridade, são pensados e se pensam como outros, que constroem o parentesco por meio das relações cotidianas, enfim, passam a alterar suas relações frente ao universo do futebol. Para essa demonstração, Walker destaca a relação entre play e game, ou seja, o jogo passa a instaurar certas regras de sociedade estranhas a essas populações. Uma das mais importantes é a quebra na relação sênior/júnior, quando chefes mais velhos vão perdendo espaço para os professores/técnicos de futebol mais novos. Por conta do idioma, da relação de autoridade, da importância no cotidiano das relações intracomunitárias e mesmo nos convites para os festivais, que passam a ser enviados em espanhol e para os professores/técnicos, não formalmente para os antigos chefes. A formalidade do sistema de convites é ponto recorrente quando se trata de analisar relações interétnicas. As variedades regionais têm em comum a associação entre convites para festas, comidas, bebidas, danças, música, relações amorosas, disputas esportivas, mas também perigos e contradições imanentes aos outros.7 7 Magnus Course (2008) analisou esse sistema de relações entre convidadores e convidados no palin, esporte Mapuche, a partir da “afinidade potencial”. Outro ponto para debater como as cosmologias são pensadas contrastivamente, ou ainda, como modalidades de práticas esportivas são tomadas como mediadores de relações no plano intra e interétnico. No caso, o sistema de convites para a participação dos outros, especialmente em ritos funerários, faz a conexão entre processos de identidade e alteridade, o aparentamento que associa grupos aos falecidos e aqueles contra quem se opõem via disputas. Essa dinâmica é reiterada nos exemplos aqui levantados, sendo que no caso do egitsü alto-xinguano, que veremos a seguir, a formalidade das posições rituais e sistema de convites é base estrutural das alianças e rivalidades políticas vivenciadas através das relações entre os chefes e desenroladas nas lutas esportivas.

A socialidade amazônica é transformada pela sociabilidade esportiva; a guerra se transforma em disputa. O respeito às regras, a pacificação, as posturas perante os outros vão se alterando de modo que, a partir de um evento histórico8 8 Lei de Comunidades Nativas de 1974 que exigia reconhecimento identitário para garantia territorial. , esse “senso de comunidade” (Overing, 1991OVERING, Joanna. 1991. A estética da produção: o senso de comunidade entre os Cubeo e os Piaroa. Revista de Antropologia , v. 34: 7-33. DOI: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1991.111249
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) passa a disputar com um sentimento nacionalista - como na obrigação de cantar o hino nacional antes das competições no futebol e a presença das bandeiras do Peru. Apesar dos Urarina terem sido um dos últimos grupos a radicarem suas associações e participações nos fóruns regionais, a ação colonialista impondo o sentimento nacionalista, visando a dominação territorial, acabou se consolidando por meio de imposições mais ou menos aceitas, como idioma, escolarização e esportificação via futebol.

Como dissemos, o futebol é tomado em duas dimensões: uma lúdica, indicada pelo play, basilar, sem regras. E outra, competitiva, do domínio do game, que instaura outras formas de sociabilidade atreladas ao aqui chamado Estado-nação. Isso resulta numa transformação do lugar do poder na comunidade, pois, o poder do chefe tradicional era basicamente o “chefe clastreano”, sem autoridade, que as pessoas seguiam devido sua generosidade e habilidades, inclusive no discurso. O novo local do poder, que mantém o discurso, mas troca a língua nativa pelo espanhol, apresenta novas características, como a burocratização das relações formais entre as comunidades e setores do Estado - poderes municipais, estaduais e nacional. A tese, resumidamente, é a de que a guerra amazônica, tomada conceitualmente em Clastres, é feita para causar dispersão, fragmentação, contra o Um. Já os esportes e seus valores, ao contrário, promovem integração e comunhão, um protoplasma da ascensão estatal:

As Clastres argued long ago, the overall function and consequence of Amazonian warfare is fragmentation, the promotion of dispersal and multiplicity through a negation of reciprocity. It is the political counterpart of a perspectival cosmology, a celebration of multiplicity, a cosmic politics grounded in the irreducible difference of viewpoints over and against any unifying tendency. Sporting tournaments, by contrast, are precisely a mode of generalized reciprocity, with an overall drive toward centralization and unification. Sport consolidates in a way that warfare does not; it links up groups and constitutes them as parts of a larger whole (op. cit.: 33).

Enquanto a guerra fragmenta e dispersa, o esporte centraliza e unifica, atestando os sentidos das transformações trazidas por essas novas formas de sociabilidade. Para Walker, o pensamento ameríndio seria radicado na multiplicidade da natureza frente a unicidade da cultura, oposto à ontologia ocidental, da qual os esportes fazem parte, onde o que se busca é o Um: “Sports and games epitomize Western political ontology because they exemplify the logic of the state, the ontology of the One, of sovereignty, unification, and control over and against anarchic multiplicity.” (op. cit.: 34). Ou seja, os esportes ajudam na imposição dos ideais de nacionalização, na entrada do Estado e na expansão territorial e dominação colonial, transformando substancialmente a ontologia política nativa. O que não seria um tipo de guerra metafórica, imagem que o autor diz ser comumente usada para expressar o entendimento do futebol em comunidades indígenas, mas uma inversão da lógica guerreira - no sentido clastreano aqui entendido.

Todavia, é preciso relativizar parte deste argumento, uma vez que nossa proposta desde o início foi estabelecer relações entre futebol e cosmologias de cada contexto, suas conexões junto a práticas nativas. Enquanto o futebol é entendido como uma inversão do sentido da guerra clastreana, uma oposição entre os princípios da fragmentação e unificação, outras disputas corporais continuam a promover os ideais disruptivos e consequentes alianças estratégicas - atualizadas pelos sistemas de convites formais - mesmo que fazendo isso em contextos de pacificação. A guerra indígena pressupõe uma aliança em outro plano e a instabilidade e desconfiança recíproca dessas relações:

aliança, que não é desejada como um fim, mas apenas como um meio: o meio de atingir a empresa guerreira com os menores riscos e os menores custos... Em resumo, a realidade da aliança possibilita uma troca completa que respeita não somente aos bens e serviços, mas às relações matrimoniais” (Clastres, 1980CLASTRES, Pierre. 1980. “Arqueologia da Violência: A Guerra nas Sociedades Primitivas”. In: CLASTRES, Pierre; GAUCHET, Marcel; ADLER, Alfred; LIZOT, Jacques. (orgs.). Guerra, Religião, Poder. Lisboa, Edições 70 , pp. 11-47.: 36-37).

As alianças firmadas para os rituais que veremos a seguir, fundadas no parentesco cognático entre “donos”9 9 O debate sobre a categoria “dono” é recorrente. Como sugere Fausto (2008: 330): “designa uma posição que envolve controle e/ou proteção, engendramento e/ou posse, e que se aplica a relações entre pessoas (humanas e não-humanas) e entre pessoas e coisas (tangíveis ou intangíveis)”. , aliados e homenageados, demonstram tal importância estratégica, mesmo que realizadas em contextos de pacificação social. Neste sentido, as diferenças entre futebol, luta e dardos, são exemplares na demonstração e consolidação da pax xinguana.

2° TEMPO - FUTEBOL NO CAMPO: LUTA, DARDOS E A INSTABILIDADE DA PAX XINGUANA

Após variados significados assumidos pelo futebol, de acordo com especificações regionais e práticas nativas a ele relacionadas, voltaremos atenção para nossa pesquisa de campo. No Alto Xingu, a entrada do futebol se mostrou intensa em vários sentidos: pela prática quase cotidiana - menos na época dos rituais interétnicos; pela espacialidade central destinada aos campos nas aldeias circulares - mesmo local em que ocorrem as outras disputas; pelo interesse espectador/torcedor - como se o futebol fosse uma referência estética do outro, refletido nos uniformes dos times que se apropriam dos mais variados modelos; pela onomástica - que tem um depositário quase inesgotável de nomes para serem tomados.10 10 Na onomástica Kalapalo os nomes são cumulativos e transmitidos via alternância de gerações, com proibição de serem pronunciados pelos afins. Devido ao estoque ser limitado, o que acontece com frequência cada vez maior é a referência a jogadores de futebol para nomear os filhos ou se autonomear, enquanto aguardam outros nomes. Todavia, vale dizer que esses nomes fazem parte do estoque acumulado durante a vida, de onde lembramos o tema do “canibalismo onomástico” de Patrick Menget (2001) e a maneira como esses nomes adentram nessa economia simbólica, senão mais tomados na guerra, através do universo do futebol.

Não obstante, destacaremos as relações entre futebol e práticas nativas, notadamente, aquelas disputadas em rituais: a luta (kindene) que encerra o ciclo do egitsü e os dardos (jawari). Para tanto, é necessário estabelecer previamente a composição desse multiétnico e multilinguístico complexo regional, situado na porção sul do Território Indígena do Xingu (Coelho, 1993COELHO, Vera. (org.). 1993. Karl von den Steinen: Um Século de Antropologia no Xingu . São Paulo, EDUSP .; Franchetto e Heckenberger 2001FRANCHETTO, Bruna; HECKENBERGER, Michael (orgs.). 2001. Os Povos do Alto Xingu: história e cultura . Rio de Janeiro, EDUFRJ.).11 11 Para detalhes do Decreto Lei nº 50.455 de 14 de abril de 1961 que criava o Parque Indígena do Xingu: Menezes Bastos (1989: 392) e Lea (1997: 73). Atualmente as associações indígenas preferem Território ante Parque. Kalapalo, Kuikuro, Nahukua, Matipu (karib); Wauja, Mehinaku, Yawalapiti (aruak); Aweti, Kamayurá (tupi) seriam os povos que, num gradiente de distância, “viraram gente” (Basso, 1973BASSO, Ellen. 1973. The Kalapalo Indians of Central Brazil. New York, Holt, Rinehart & Winston.; Coelho de Souza, 2001COELHO DE SOUZA, Marcela. 2001. “Virando gente: notas a uma história Aweti”. In: FRANCHETTO, Bruna; HECKENBERGER, Michael. (orgs.). Os Povos do Alto Xingu: história e cultura. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, pp. 358-400.) numa classificação onde, segundo os Kalapalo, se dividem em: kuge hekugu (gente de verdade), kuge (gente), ngikgogo (outros, bravos) e kagaiha (brancos).

Figura 2:
Uniforme da aldeia Kalapalo Barranco Queimado, inspirado no time italiano Roma. Oma Götze é o nome do jovem que organiza a confecção. Oma, nome nativo, Götze, em referência ao jogador alemão Mario Götze.

Tomados numa relação de “complementaridade” (Menezes Bastos, 1989MENEZES BASTOS, Rafael. 1989. “Exegeses Yawalapití e Kamayurá da Criação do Parque Indígena do Xingu e a Invenção da Saga dos Irmãos Villas Boas”. Revista de Antropologia, 30/31/32, (1987/1988/1989): 391-426. https://www.jstor.org/stable/41825762
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: 397) os rituais do egitsü e do jawari apresentam semelhanças e diferenças a partir de pontos fundamentais para uma análise da relação de transformação entre guerra e ritual, tão presente na literatura: “the categorical claim, of the both, the Xinguanos and their reserches, that the ritual takes the place of war”12 12 Ainda, na reconhecida frase de um Mehinaku para Gregor: “We don’t make war; we have festivals for the chiefs to which all of the villages come. We sing, dance, trade, and wrestle” (1990: 108). (Hugh-Jones et al., 2015HUGH-JONES, Stephen; GUERREIRO, Antonio; ANDRELLO, Geraldo. 2015. Space-time Transformations in the Upper Xingu and Upper Rio Negro. Sociologia & Antropologia, v. 5, n. 3: 699-723. DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752015v533
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: 699). Ambos são rituais pós-funerários em homenagens aos chefes falecidos, mortes decorridas por conta da feitiçaria (Vanzolini, 2010VANZOLINI, Marina. 2010. A flecha do ciúme. O parentesco e seu avesso segundo os Aweti do Alto Xingu. Rio de Janeiro, tese de doutorado, UFRJ/Museu Nacional.). O egitsü é de origem aruak/karib, com uma narrativa mitológica que fundamenta suas realizações e etapas, sendo as lutas corporais (kindene) seu auge.13 13 Um tipo de luta agarrada em que o vencedor é quem toca a parte de trás da perna ou derruba o oponente. https://youtu.be/VYuRFl5FJh0 Este vídeo da Associação Yawalapiti, sintetiza os principais acontecimentos. O jawari é de origem tupi, uma disputa de arremesso de dardos nos adversários que devem acertar à altura da coxa, para não ocasionar golpes mortais.14 14 Como ensinou Sol, um dos gêmeos demiurgos, estabelecendo desde a mitologia a pacificação das relações entre os povos que realizam essas disputas (Galvão, [1949] 1979).

Tais rituais promovem e consolidam a pax xinguana. Em ambos, um complexo organizacional determina as relações entre os participantes: anfitriões, aliados e adversários, por meio de intricados sistemas de formalidades e convites. As disputas esportivas são contrapostas às possibilidades das trocas matrimoniais, comerciais, múltiplas manifestações artísticas, músicas, cantos, danças e oferendas alimentares que fundamentam a conjunção entre os povos. Analiticamente, e a despeito de dileta bibliografia (Agostinho, 1974AGOSTINHO, Pedro. 1974. Kwarìp: mito e ritual no Alto Xingu. São Paulo, EPU/EDUSP.; Carneiro, 1993CARNEIRO, Robert. 1993. “Quarup: A Festa dos Mortos no Alto Xingu”. In: COELHO, Vera. (org.). Karl von den Steinen: Um Século de Antropologia no Xingu. São Paulo, EDUSP, pp.405-429.; Junqueira e Vitti, 2009JUNQUEIRA, Carmen; VITTI, Taciana. 2009. O Kwaryp Kamaiurá na Aldeia de Ipavu. Estudos Avançados, v. 23, n. 65: 133-148. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-40142009000100010
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), esses rituais são melhores considerados nas obras de Menezes Bastos sobre o jawari (1993MENEZES BASTOS, Rafael. 1993. “A Saga do Yawari: Mito, Música e História no Alto Xingu”. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo (orgs.). Amazônia: Etnologia e História Indígena. São Paulo, Editora USP-NHII/FAPESP, pp. 117-146.; 2001MENEZES BASTOS, Rafael. 2001. “Ritual, História e Política no Alto Xingu: Observações a Partir dos Kamayurá e do Estudo da Festa da Jaguatirica (Jawari)”. In: FRANCHETTO, Bruna; HECKENBERGER, Michael (orgs.). Os Povos do Alto Xingu: história e cultura . Rio de Janeiro, Editora UFRJ , pp. 335-357.) e Guerreiro sobre o egitsü (2012GUERREIRO, Antonio. 2012. Ancestrais e Suas sombras: Uma Etnografia da Chefia Kalapalo e Seu Ritual Mortuário. Brasília, tese de doutorado, Universidade de Brasília.; 2015GUERREIRO, Antonio. 2015. “Quarup: Transformações do Ritual e da Política no Alto Xingu”. Mana, v. 21, n. 2: 377-406. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-93132015v21n2p377
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).

A pax xinguana ratifica um contexto firmado no “amansamento” dos povos bravos a partir da expansão de um comportamento típico de não agressividade pública, de um regime alimentar antivenatório e anticanibal, de uma etiqueta da vergonha (ihütsu), em grande parte via este complexo cerimonial regional e do sistema matrimonial. Enquanto a feitiçaria seria a antítese desse santuário pacífico, as disputas corporais, as práticas esportivas nativas, deixariam de ser voltadas à eliminação do inimigo para a busca pela vitória contra o adversário, tanto pelas armas, como pelos combates corporais. É nesse cenário de pacificação regional que o futebol expande tal modelo de relações.

Do ponto de vista Kalapalo, a luta ritual é a expressão mais restrita do que poderia ser considerado povo, por meio do sistema de convites que conecta aqueles que se reconhecem parentes aos falecidos homenageados - é provável que todos lutadores Kalapalo lutem no mesmo time, apesar de rusgas faccionais existirem. Já o futebol é o que mais agrega alteridades, sendo disputado contra qualquer um. Nesse modelo de constituição dos times e seus adversários, o jawari ocuparia uma posição intermediária por conta de sua tradição histórica, dada pelo amansamento dos subgrupos tupi na época de consolidação dos limites da terra indígena.

Se uma das características do futebol é sua expansão em escala global, o mesmo pode-se dizer no universo alto-xinguano. Enquanto a luta reduz as possibilidades de confrontos, o futebol amplia. É jogado contra os coaldeões, contra povos vizinhos, os ngikgogo, e mesmo contra os brancos. O jawari é jogado entre os grupos arawak/ karib perante os “kamayúla”, ou seja, os diversos grupos tupi que se avizinharam historicamente. Já a kindene é disputada apenas entre aqueles que se consideram “gente”, os nove povos descritos, e é propriedade de diferenciação e especificação étnica. Futebol, dardos e luta, deste modo, ajudam na proposta que não se resume a destacar o potencial desportivo dos povos indígenas, mas pretende esmiuçar etnograficamente suas diferenças e transformações sofridas ao longo da história, a pacificação das relações pela esportificação das práticas.

O que nos traz de volta a este importante assunto, o convite, que formula relações de oposições e alianças estratégicas. Nos torneios interétnicos de futebol disputam entre si competições em que levam seus próprios times. Mesmo quando de eventos maiores, como no torneio de futebol do Posto Leonardo15 15 Posto Indígena de Vigilância que foi rebatizado em homenagem ao sertanista Leonardo Villas-Boas. Este vídeo do cineasta Takuma Kuikuro retrata a última edição em dezembro de 2020, realizada na aldeia Aiha Kalapalo por conta da covid-19: https://www.youtube.com/watch?v=9eOm_ln00Ew que ocorre anualmente, cada aldeia leva seus times. Além de não existirem convites formais, não se escala, por exemplo, uma seleção de futebol Kalapalo: Aiha, principal aldeia, leva seus times, Tanguro leva os seus etc. Já para o jawari e para o egitsü o convite é precedido de formalidades que acontecem na aldeia Aiha, cabendo aos chefes de lá retransmitirem aos demais chefes/aldeias Kalapalo, indicando disputas políticas faccionais que envolvem as modalidades nativas.

Figuras 3 e 4
seleção e convocação dos hotuko, os primeiros a lutar pelo time anfitrião (esquerda) e confronto entre kindotoko, os campeões (direita).

O chefe que assume a responsabilidade de organizar o egitsü ocupa uma posição ambígua em torno das relações intra e interétnicas. Enquanto é encarado como “superpai” para seu povo, exaltando a importância da consanguinidade na formação desse grupo mais restrito que se reúne em torno do morto a partir do parentesco cognático, ele exerce uma “função Onça” perante os inimigos/adversários, isto é, os convidados. É ele também quem seleciona os melhores lutadores para serem os hotuko, os primeiros a lutar.16 16 Para os confrontos finais, donos e chefes aliados se reúnem no centro da aldeia para a convocação dos melhores lutadores e estabelecem a ordem de suas apresentações, sendo os melhores os primeiros. Os campeões, futuros chefes, passam por uma fabricação do corpo diferenciada através da reclusão pubertária intensa e prolongada, sendo escondidos dentro de casa. Em contrapartida, nos momentos rituais suas lutas são alvos de grande visibilidade, com combates realizados um de cada vez. Lutadores “comuns” lutam posteriormente, com diversas refregas ao mesmo tempo. Para um debate sobre a “política da reclusão” e a relação entre fabricação corporal dos campeões e chefia, Costa (2020).

Deste modo, os “donos do morto”, de um lado, são intermediários entre mortos e vivos quando cumprem essa mediação no plano interno à aldeia e aos aliados. De outro, perante os convidados, eles seriam os “donos da morte”, de onde Guerreiro retoma Lévi-Strauss para falar sobre o jogo da vida e da morte e como disputas esportivas cumprem a função de estabelecer essa diferenciação (2012: 471). Isso quer dizer que a formação dos times é resultante de alianças estratégicas temporárias visando objetivos específicos. A esportificação das práticas é uma transformação da guerra em ritual que atualiza as relações entre esses povos: a obtenção da vitória sobre os adversários e não mais a morte dos inimigos. E tão logo a empreitada seja concluída, finda-se a aliança, atestando o caráter ambíguo dessa relação17 17 A instabilidade das relações de aliança na formação dos times é exemplificada quando, na chegada do povo aliado, por volta de uma semana antes do final do ritual, o time de lutadores anfitrião luta contra os que serão seus aliados. Esses combates são contundentes, ocasionando, inclusive, lesões que podem tirar lutadores do evento final, causando prejuízo aos próprios anfitriões. .

Dado esse caráter dúbio das relações, a feitiçaria precisa ser colocada na análise e como os torneios de futebol, ampliando as possibilidades de relações entre os outros, também passam a ser momentos determinantes para sua realização. Vanzolini (op. cit.: 65) descreve a angústia de um avô que andava pela aldeia carregando uma espingarda enquanto acusava o feiticeiro responsável pela morte de sua neta. As acusações eram dirigidas ao rapaz que organizara o torneio de futebol no Posto Leonardo, momento em que a menina havia sido atingida.

Este relato não é o único a atribuir ao futebol causas da feitiçaria. Às vésperas de um egitsü em Tanguro, uma seção realizada para descobrir o agente responsável por atacar o chefe da aldeia, foi liderada por um poderoso xamã (Cardoso et al. 2008CARDOSO, Marina; GUERREIRO, Antonio; NOVO, Marina. 2008. “As flechas de Maria: xamanismo, hierarquia política e transformação no Alto Xingu”. In: Anais da 26º Reunião Brasileira de Antropologia, Porto Seguro.; Franco Neto, 2017). Após seu transe, que consistia em fumar muito e “morrer”, desmaiar, saia em busca pelo feitiço nos caminhos entre a casa e a roça. Ele repetiu algumas vezes a operação até que levaram colares e cinturões de todos os tipos como pagamento aos espíritos e encontraram o feitiço ao pé de um cupinzeiro. O xamã leu a lasca de madeira e confirmou que tinha sido “trabalhada”, agenciada, apontando para ela sua lanterna e demonstrando aos demais. Passou o pedaço para alguém e retornaram exaustos para a casa, onde outros xamãs haviam ficado cuidando do paciente. Após a volta com a confirmação da descoberta do feitiço, auxiliaram o xamã numa última seção de tabaco que, em transe, afirmou onde havia acontecido: durante o torneio de futebol disputado no posto Leonardo, no ano anterior aos primeiros sintomas sentidos pelo paciente, a saber, perda do apetite e emagrecimento.

Este é o outro lado da transformação da guerra em ritual, pois, a feitiçaria ocupa papel central nessa relação dupla que mantém com a chefia.18 18 De onde retomamos, por outro prisma, o problema da dispersão anárquica. O modelo de resolução Kalapalo para as mortes atuais, a acusação de feitiçaria, desdobra-se na fragmentação territorial e aumento no número de aldeias. Atualmente são em torno de 10 aldeias, expansão que ocorreu no sentido sul/ leste do território. Modelo que contrasta com a solução Wauja, voltada para a confecção de máscaras e o aumento no prestígio dos chefes que realizam esses rituais. O duplo efeito político da feitiçaria, eliminar ou exilar os adversários de um chefe, ou se voltar contra este para comprometer seu prestígio (Barcelos Neto, 2006). As relações entre os povos alto-xinguanos são recheadas de perigos e contradições, mas também de disputas e comunhões, o que sugere que as práticas esportivas podem ser lidas como modelos diferenciados de relações intra e interétnicas e a maneira como o futebol é incorporado nesse universo. Seja para ampliar os sentidos de comunhão com outros povos, “amansá-los”, seja pelo perigo da feitiçaria, como se sabe, responsável pelas mortes atuais.

O futebol é agregador, expansionista, unificador (se joga contra todo mundo; a simplicidade das regras; economia material). Não há convites, danças, pinturas corporais; simplesmente, os embates contra os outros. Já as práticas nativas são endógenas, limitantes e limitadas. No Alto Xingu “só é gente quem sabe lutar” e todo o arcabouço que traz consigo: formalidade do sistema de convites, flautas típicas dos campeões, pinturas e adereços corporais agentivos, danças, técnicas, a “linguagem comum”. Isso demonstra as variadas maneiras como o futebol é ressignificado ao adentrar nas cosmologias. Seja pelo lado lúdico, aquele jogado na aldeia ao final dos dias antes dos banhos; competitivo, disputado nesses torneios interétnicos maiores; ou mesmo nessa transformação regional da guerra em ritual, estilizada em embates performáticos. Como nos disse uma liderança em ocasião de um torneio disputado entre aldeias Kalapalo: “futebol é igual festa, para tudo!”.19 19 Fausto (2007: 30) divide os rituais alto-xinguanos em “festas para espíritos e festas para pessoas importantes”. Perrone-Moises (2016) para relação entre festa e guerra no pensamento ameríndio.

Em contrapartida, ressaltamos que se o futebol assume esse papel nas disputas intra e interétnicas, também passa a ser momento determinante da prática da feitiçaria. Trabalhos recentes confirmam a relação entre o aumento no número de rituais e a ampliação no número de mortes de chefes. Por essa premissa, os ritos funerários, momentos definidores das disputas interétnicas via práticas esportivas, aumentariam em quantidade tendo a repetição como condição de sua manutenção. A morte precisa continuar a ocorrer, senão mais via a guerra, via a feitiçaria, o terceiro vértice desse triangulo, que vai culminar na realização de rituais em homenagem aos chefes falecidos. Rituais que passam a contar também com os torneios de futebol, seja pelas uniões entre os aliados, oposições perante os adversários ou mortes para os inimigos.

Figura 5:
Gol!

FIM DE JOGO: TROCA DE CAMISAS E COMENTÁRIOS À PARTIDA

Nestes breves comentários finais, tendo em nota copioso tema, enfatizamos às mútuas contribuições, as trocas de camisas, entre etnologia e antropologia das práticas esportivas. A análise comparada dessas modalidades é campo privilegiado para a compreensão de complexos baseados em rituais esportivos e articulação das unidades sociais com o exterior. Esta questão se insere em uma discussão mais ampla sobre a formação e o funcionamento de polities regionais na América do Sul indígena e tem o potencial de complexificar modelos em voga sobre o lugar da alteridade, da violência e dos rituais, temas fundamentais no atual estágio da disciplina no continente. A abordagem tratou contextos etnográficos e o espaço simbólico ocupado pelo futebol nessas sociocosmologias. Com ênfase nas relações entre as relações, isto é, tomando a entrada do futebol a partir dos modos de vida tradicionais e as maneiras pelas quais se adequou junto às modalidades nativas, pesaram termos como ressignificações e transformações.

Mais importante do que buscar as origens do jogo é tomá-lo relacionalmente, pois, se a esportificação é paralela à pacificação, temos no universo ameríndio novas configurações desses processos, como a pax xinguana. O que pretendemos trazer foram variações no entendimento do futebol, a inspiração dammatiana, para ilustrar como a esportividade não é exclusividade das sociedades ocidentais, atestando a expansão dos processos de pacificação via práticas esportivas. Se torna nítida a diferenciação entre os esportes ocidentais, no caso o futebol, das práticas nativas.

Para confirmar a tese de que as práticas disruptivas e anárquicas da guerra primitiva deveriam ser opostas aos esportes, por serem estes gregários e civilizadores, que almejam o Um, precisaria saber quais os espaços simbólicos de outras disputas nativas. Exatamente porque não dá para fazer a leitura, como muito se fez sobre a luta alto-xinguana, de que seria uma prática de “arrefecimento de tensões” de “busca pelo equilíbrio”. Pelo contrário, como demonstramos etnograficamente, e acompanhamos a tese de Vianna sobre a corrida de toras Xavante, tais disputas são competições em seu mais pleno sentido, duras, entre adversários altamente preparados, cujas técnicas e habilidades são colocadas a prova a cada novo confronto, promovendo embates e a excitação da torcida a cada vitória (Costa, 2021COSTA, Carlos. 2021. Practices of looking, transformations in cheering: alliances and rivalries in Upper Xinguan wrestling. Anuário Antropológico, v. 46, n. 2: 254-270. DOI: https://doi.org/10.4000/aa.8339
https://doi.org/https://doi.org/10.4000/...
).

Então, se o futebol é visto como agente dos valores do Estado, essas práticas, muitas vezes tomadas por ressignificações nos usos de armas ou combates corporais, não são, pelo menos imediatamente, algo tidas por centralizadoras. As disputas faccionais, por exemplo, são o mote nas escolhas dos times de luta nos egitsü. Ao invés de serem “resolvidas” nas lutas, são intensificadas, quando chefes opostos no plano da aldeia não se solidarizam na realização dos rituais de seus rivais ou mesmo nos desentendimentos interétnicos - que exigem habilidades políticas dos chefes para não engendrarem em brigas e rompimento de relações. Aí voltamos a este outro ensinamento fundamental da guerra clastreana: se existe a inimizade de um lado é porque existe a aliança de outro, objetivando o melhor desempenho performático dos anfitriões, apesar da ambiguidade característica que marca essa associação momentânea.

Todavia, o próprio Clastres já se dizia descrente sobre a continuidade da possibilidade da prática guerreira. Por uma série de fatores, dentre os quais incluímos a expansão colonial que coloca escola e esportes no cotidiano nativo como mecanismos de pacificação. Porém, a proposta é pensar as transformações internas que se consolidaram, grupos que antes guerreavam entre si, cuja memória da guerra ainda se encontra em pessoas vivas que narram esse tempo de violência, mas que, historicamente resolveram alterar suas práticas. Nesse sentido, a guerra não deixa de existir, mas é vivida diferencialmente, ou, a política como continuação da guerra por outros meios, numa inversão da máxima de Clausewitz, trabalhada por Guerreiro na análise do ritual pós-funerário egitsü (2012GUERREIRO, Antonio. 2012. Ancestrais e Suas sombras: Uma Etnografia da Chefia Kalapalo e Seu Ritual Mortuário. Brasília, tese de doutorado, Universidade de Brasília.: 27). A guerra não está ausente do ritual, foi transformada em discursos e disputas e o futebol é mais uma possibilidade de se lidar com a alteridade nessa constante espiral da ambiguidade do outro.

Por certo, está mais do que na hora de fortalecer as aproximações entre antropologia das práticas esportivas e etnologia indígena. Senão pelo esgotamento de outras temáticas, como parentesco, mitologia, xamanismo, pelo enorme interesse que tais modalidades, nativas ou exógenas, despertam. Tomar essas práticas seria chave metodológica para pensar no conjunto de relações intra e interétnicas e seus processos de pacificação, ou, outra maneira de considerar as transformações entre guerra e ritual através da esportificação e sua imensa variedade etnográfica.

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  • 1
    Sobre a consolidação temática dos esportes na antropologia brasileira: Camargo et al. (2021)CAMARGO, Wagner; PISANI, Mariane; ROJO, Luiz. (orgs). 2021. Vinte anos de diálogos. Os esportes na Antropologia Brasileira. Brasília, Curitiba, Brasil Publising/ABA..
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    Os dados relativos ao Alto Xingu referem-se à pesquisa de campo que totalizou 14 meses na aldeia Tanguro, do povo Kalapalo, para tese de doutorado sobre a luta corporal (kindene) que encerra o ritual pós-funerário egitsü, mais conhecido como Quarup. A proposta foi pesquisar a luta e suas relações, incluídas modalidades como os dardos jawari e o próprio futebol (Costa, 2013COSTA, Carlos. 2013. Kindene hekugu: Uma etnografia da luta e dos lutadores no Alto Xingu. São Carlos, tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos.). Os termos nativos do karib estão em itálico e de acordo com a Língua Karib do Alto Xingu.
  • 3
    Para além da utilização frequente nas etnografias, que descrevem disputas corporais indígenas como esportes, pretendemos compreender os processos de esportificação (Elias e Dunning, 1992ELIAS, Norbert & DUNNING, Eric. 1992. A busca da excitação. Lisboa, Diffel.) e o desenvolvimento histórico desses fenômenos e suas relações com processos mais amplos sobre pacificação das relações. No modelo elisiano, esportificação remete a transformação e mudança, não é algo, mas processa a mudança de algo, processos históricos análogos ao que trabalharemos no contexto ameríndio.
  • 4
    Souza Lima (1992)SOUZA LIMA, Antônio. 1992. “O governo dos índios sob a gestão do SPI”. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo, Companhia das letras, pp.155172. sobre as frentes de atração e pacificação.
  • 5
    Por exemplo, o projeto do NuTI/PPGAS-Museu Nacional: “Transformações Indígenas: os regimes de subjetivação ameríndios à prova da história”: http://zellig.com.br/ppgas/nuti.html. Para um debate atual sobre áreas culturais e sistemas regionais ameríndios, do ponto de vista etnográfico e conceitual, Velden e Lolli (2020)VELDEN, Felipe; LOLLI, Pedro. 2020. Das áreas culturais às redes de relações: os sistemas regionais ameríndios em análise. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , v. 94: 1-57. DOI: http://doi.org/10.17666/bib9406/2021
    https://doi.org/http://doi.org/10.17666/...
    . A proposta aqui é demonstrar como o futebol pode ser um elemento a operar as comparações, similaridades e diferenças entre esses complexos regionais e suas transformações. Seja ao alargar as redes de relações interétnicas, seja ao especificar questões cosmológicas próprias a cada contexto.
  • 6
    Para retomar as clássicas análises de Lévi-Strauss em O Pensamento Selvagem ([1962] 2004LÉVI-STRAUSS, Claude. [1962] 2004. O Pensamento Selvagem. Campinas, Papirus Editora.) sobre a relação entre rito e jogo, conjunção e disjunção, notadamente por meio de ritos funerários.
  • 7
    Magnus Course (2008)COURSE, Magnus. 2008. Estruturas de diferença no palin, esporte mapuche. Mana - Estudos de Antropologia Social , v. 14, n. 2: 299-328. DOI: https://doi. org/10.1590/S0104-93132008000200002
    https://doi.org/https://doi. org/10.1590...
    analisou esse sistema de relações entre convidadores e convidados no palin, esporte Mapuche, a partir da “afinidade potencial”. Outro ponto para debater como as cosmologias são pensadas contrastivamente, ou ainda, como modalidades de práticas esportivas são tomadas como mediadores de relações no plano intra e interétnico. No caso, o sistema de convites para a participação dos outros, especialmente em ritos funerários, faz a conexão entre processos de identidade e alteridade, o aparentamento que associa grupos aos falecidos e aqueles contra quem se opõem via disputas. Essa dinâmica é reiterada nos exemplos aqui levantados, sendo que no caso do egitsü alto-xinguano, que veremos a seguir, a formalidade das posições rituais e sistema de convites é base estrutural das alianças e rivalidades políticas vivenciadas através das relações entre os chefes e desenroladas nas lutas esportivas.
  • 8
    Lei de Comunidades Nativas de 1974 que exigia reconhecimento identitário para garantia territorial.
  • 9
    O debate sobre a categoria “dono” é recorrente. Como sugere Fausto (2008: 330): “designa uma posição que envolve controle e/ou proteção, engendramento e/ou posse, e que se aplica a relações entre pessoas (humanas e não-humanas) e entre pessoas e coisas (tangíveis ou intangíveis)”.
  • 10
    Na onomástica Kalapalo os nomes são cumulativos e transmitidos via alternância de gerações, com proibição de serem pronunciados pelos afins. Devido ao estoque ser limitado, o que acontece com frequência cada vez maior é a referência a jogadores de futebol para nomear os filhos ou se autonomear, enquanto aguardam outros nomes. Todavia, vale dizer que esses nomes fazem parte do estoque acumulado durante a vida, de onde lembramos o tema do “canibalismo onomástico” de Patrick Menget (2001)MENGET, Patrick. 2001. Em Nome dos Outros. Classificação das Relações Sociais entre os Txicão do Alto Xingu. Lisboa, Assírio & Alvin. e a maneira como esses nomes adentram nessa economia simbólica, senão mais tomados na guerra, através do universo do futebol.
  • 11
    Para detalhes do Decreto Lei nº 50.455 de 14 de abril de 1961 que criava o Parque Indígena do Xingu: Menezes Bastos (1989MENEZES BASTOS, Rafael. 1989. “Exegeses Yawalapití e Kamayurá da Criação do Parque Indígena do Xingu e a Invenção da Saga dos Irmãos Villas Boas”. Revista de Antropologia, 30/31/32, (1987/1988/1989): 391-426. https://www.jstor.org/stable/41825762
    https://www.jstor.org/stable/41825762...
    : 392) e Lea (1997LEA, Vanessa. 1997. “Laudo Antropológico Pericial Relativo à Carta de Ordem Nº 780/94 do processo 00.0003594-7, relativo à identificação e limitadção do Parque Indígena Xingu. Campinas: Unicamp.: 73). Atualmente as associações indígenas preferem Território ante Parque.
  • 12
    Ainda, na reconhecida frase de um Mehinaku para Gregor: “We don’t make war; we have festivals for the chiefs to which all of the villages come. We sing, dance, trade, and wrestle” (1990GREGOR, Thomas.1990. “Uneasy Peace: Intertribal Relations in Brazil’s Upper Xingu”. In: HAAS, Jonathan. (org.). The Anthropology of War. Cambridge, Cambridge University Press, pp.105-124.: 108).
  • 13
    Um tipo de luta agarrada em que o vencedor é quem toca a parte de trás da perna ou derruba o oponente. https://youtu.be/VYuRFl5FJh0 Este vídeo da Associação Yawalapiti, sintetiza os principais acontecimentos.
  • 14
    Como ensinou Sol, um dos gêmeos demiurgos, estabelecendo desde a mitologia a pacificação das relações entre os povos que realizam essas disputas (Galvão, [1949] 1979GALVÃO, Eduardo. [1949] 1979. O Uso do Propulsor Entre as Tribos do Alto Xingu. Revista do Museu Paulista, Nova Série, n. 4: 353-368. Republicado em Encontros de Sociedades: Índios e Brancos no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, pp. 39-56.).
  • 15
    Posto Indígena de Vigilância que foi rebatizado em homenagem ao sertanista Leonardo Villas-Boas. Este vídeo do cineasta Takuma Kuikuro retrata a última edição em dezembro de 2020, realizada na aldeia Aiha Kalapalo por conta da covid-19: https://www.youtube.com/watch?v=9eOm_ln00Ew
  • 16
    Para os confrontos finais, donos e chefes aliados se reúnem no centro da aldeia para a convocação dos melhores lutadores e estabelecem a ordem de suas apresentações, sendo os melhores os primeiros. Os campeões, futuros chefes, passam por uma fabricação do corpo diferenciada através da reclusão pubertária intensa e prolongada, sendo escondidos dentro de casa. Em contrapartida, nos momentos rituais suas lutas são alvos de grande visibilidade, com combates realizados um de cada vez. Lutadores “comuns” lutam posteriormente, com diversas refregas ao mesmo tempo. Para um debate sobre a “política da reclusão” e a relação entre fabricação corporal dos campeões e chefia, Costa (2020)COSTA, Carlos. 2020. Política da reclusão: chefia e fabricação de corpos no Alto Xingu. Revista R@U, v. 12, n. 1: 145-172. DOI: https://doi.org/10.52426/rau.v12i1.335
    https://doi.org/https://doi.org/10.52426...
    .
  • 17
    A instabilidade das relações de aliança na formação dos times é exemplificada quando, na chegada do povo aliado, por volta de uma semana antes do final do ritual, o time de lutadores anfitrião luta contra os que serão seus aliados. Esses combates são contundentes, ocasionando, inclusive, lesões que podem tirar lutadores do evento final, causando prejuízo aos próprios anfitriões.
  • 18
    De onde retomamos, por outro prisma, o problema da dispersão anárquica. O modelo de resolução Kalapalo para as mortes atuais, a acusação de feitiçaria, desdobra-se na fragmentação territorial e aumento no número de aldeias. Atualmente são em torno de 10 aldeias, expansão que ocorreu no sentido sul/ leste do território. Modelo que contrasta com a solução Wauja, voltada para a confecção de máscaras e o aumento no prestígio dos chefes que realizam esses rituais. O duplo efeito político da feitiçaria, eliminar ou exilar os adversários de um chefe, ou se voltar contra este para comprometer seu prestígio (Barcelos Neto, 2006BARCELOS NETO, Aristóteles. 2006. De divinações xamânicas e acusações de feitiçaria: imagens wauja da agencia letal. Mana - Estudos de Antropologia Social, v.12, n. 02: 285-313. DOI: https://doi. org/10.1590/S0104-93132006000200002.
    https://doi.org/https://doi. org/10.1590...
    ).
  • 19
    Fausto (2007FAUSTO, Carlos. 2008. Donos Demais: Maestria e Domínio na Amazônia. Mana - Estudos de Antropologia Social , v. 14, n. 2: 329-366. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-93132008000200003
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    : 30) divide os rituais alto-xinguanos em “festas para espíritos e festas para pessoas importantes”. Perrone-Moises (2016)PERRONE-MOISÉS, Beatriz. 2016. Festa e Guerra. São Paulo, tese de livre-docência, Universidade de São Paulo. para relação entre festa e guerra no pensamento ameríndio.
  • FINANCIAMENTO:

    O texto usa dados coletados durante trabalho de campo realizado para pesquisa de doutorado, defendida em 2013. Essa pesquisa de doutorado foi financiada pela FAPESP.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2020
  • Aceito
    01 Abr 2021
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