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Atividade larvicida do extrato bruto enzimático do fungo Duddingtonia flagras sobre larvas de primeiro estádio de Angiostrongylus vasorum

Larvicidal activity of a crude enzyme extract of the fungus Duddingtonia flagrans on first-stage larvae of Angiostrongylus vasorum

Resumos

INTRODUÇÃO: Angiostrongylus vasorum é um nematóide que parasita cães domésticos e eventualmente o homem. MÉTODOS: O objetivo deste trabalho foi observar a atividade predatória in vitro do extrato bruto enzimático do fungo Duddingtonia flagrans sobre larvas de primeiro estádio A. vasorum em condições laboratoriais no meio ágar-água 2%. RESULTADOS: Ao final do experimento, os percentuais de redução das L1 de A. vasorum observados foram de: 53,5% (24h) e 71,3% (48h) CONCLUSÕES: O extrato bruto enzimático do fungo D. flagrans destruiu in vitro as L1, podendo ser utilizado como controle biológico desse nematóide.

Fungos nematófagos; Angiostrongylus vasorum; Duddingtonia flagrans


INTRODUCTION: Angiostrongylus vasorum is a nematode parasite of domestic dogs and potentially of humans. METHODS: This study aimed to observe the predatory activity in vitro of a crude enzyme extract of the fungus Duddingtonia flagrans on first-stage larvae of A. vasorum in laboratory conditions on 2% water-agar. RESULTS: At the end of the experiment, the percentage reductions observed for A. vasorum L1 were 53.5% (24h) and 71.3% (48h). CONCLUSIONS: Crude enzyme extract of the fungus D. flagrans destroyed the L1 in vitro and can be used as a biological control for this nematode.

Nematophagous fungi; Angiostrongylus vasorum; Duddingtonia flagrans


COMUNICAÇÃO COMMUNICATION

Atividade larvicida do extrato bruto enzimático do fungo Duddingtonia flagras sobre larvas de primeiro estádio de Angiostrongylus vasorum

Larvicidal activity of a crude enzyme extract of the fungus Duddingtonia flagrans on first-stage larvae of Angiostrongylus vasorum

Fabio Ribeiro BragaI; Juliana Milani AraujoI; Alexandre de Oliveira TavelaI; Jackson Victor de AraújoI; Filippe Elias de Freitas SoaresII; Hugo Leonardo André GeniêrII; Walter dos Santos LimaIII; Lanuze Rose MozzerIII; José Humberto de QueirozII

IDepartamento de Veterinária, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG

IIDepartamento de Bioquímica e Biologia Molecular, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG

IIIDepartamento de Parasitologia Animal, Universidade Federal de Minas Grais, Belo Horizonte, MG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Fabio Ribeiro Braga Deptº de Veterinária/UFV Av. Ph Rolfes s/n, 36570-000 Viçosa, MG Tel: 55 31 3899-1458 e-mail: fabioribeirobraga@hotmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Angiostrongylus vasorum é um nematóide que parasita cães domésticos e eventualmente o homem.

MÉTODOS: O objetivo deste trabalho foi observar a atividade predatória in vitro do extrato bruto enzimático do fungo Duddingtonia flagrans sobre larvas de primeiro estádio A. vasorum em condições laboratoriais no meio ágar-água 2%.

RESULTADOS: Ao final do experimento, os percentuais de redução das L1 de A. vasorum observados foram de: 53,5% (24h) e 71,3% (48h)

CONCLUSÕES: O extrato bruto enzimático do fungo D. flagrans destruiu in vitro as L1, podendo ser utilizado como controle biológico desse nematóide.

Palavras-chaves: Fungos nematófagos. Angiostrongylus vasorum. Duddingtonia flagrans.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Angiostrongylus vasorum is a nematode parasite of domestic dogs and potentially of humans.

METHODS: This study aimed to observe the predatory activity in vitro of a crude enzyme extract of the fungus Duddingtonia flagrans on first-stage larvae of A. vasorum in laboratory conditions on 2% water-agar.

RESULTS: At the end of the experiment, the percentage reductions observed for A. vasorum L1 were 53.5% (24h) and 71.3% (48h).

CONCLUSIONS: Crude enzyme extract of the fungus D. flagrans destroyed the L1 in vitro and can be used as a biological control for this nematode.

Keywords: Nematophagous fungi. Angiostrongylus vasorum. Duddingtonia flagrans.

Angiostrongylus vasorum (Baillet, 1866) Kamensky, 1905, é um nematóide protostrongilídeo, de distribuição cosmopolita. O parasita adulto pode ser encontrado no ventrículo direito, artérias pulmonares e suas ramificações, o que pode causar consequências graves para o hospedeiro definitivo (cães domésticos e canídeos silvestres) e eventualmente o homem. Embora não existam dados sobre a prevalência do A. vasorum no Brasil, trabalhos têm demonstrado sua ocorrência em diferentes estados1. O ciclo biológico do A. vasorum é do tipo heteroxeno, diversas espécies de moluscos aquáticos e terrestres são os hospedeiros intermediários. Nas arteríolas pulmonares do hospedeiro definitivo, ocorre o embrionamento dos ovos até o desenvolvimento das larvas de primeiro estádio (L1), que eclodem e passam ativamente para os alvéolos, bronquíolos e brônquios. Estas L1 migram para a traquéia e são expelidas junto a secreções pulmonares ou são deglutidas e eliminadas junto com as fezes1,2. As L1permanecem no bolo fecal, ou podem alcançar coleções de água. Moluscos terrestres ou aquáticos infectam-se ingerindo L1 via trato digestivo, ou pela penetração delas pelas partes moles do molusco. Após os cães ingerirem as larvas infectantes, estas penetram na parede do trato digestivo migram até os linfonodos mesentérios, onde ocorre a muda de L3 para larva de quarto estádio (L4), por volta do terceiro dia de infecção e a muda de L4 para larva de quinto estádio (L5), em torno do quinto dia de infecção3. O conhecimento do ciclo vital de Angiostrongylus, apesar de incompleto, mostra uma complexidade de situações nas quais o homem pode aparece como hospedeiro eventual. Nos animais, os sintomas clínicos mais frequentes são tosse, dispnéia, intolerância ao exercício, perda de peso, sinais neurológicos, deficiências cardíacas e morte4,5.

A maioria dos anti-helmínticos não age bem sobre A. vasorum no hospedeiro definitivo, portanto, medidas alternativas que possam ser empregadas no combate à disseminação ambiental deste parasito e de suas formas infectantes são importantes, como o uso de antagonistas naturais de helmintos. Fungos predadores são certamente os grupos mais estudados e que apresentam o maior potencial de biocontrole de hemintos6. A espécie Duddingtonia flagrans produz clamidósporos e pode produzir uma série de enzimas, dentre essas as proteases. Além disso, tem sido utilizado com sucesso no combate as formas infectantes de nematóides potencialmente zoonóticos7,8 e, o desenvolvimento de formulações fúngicas para uso no controle biológico é um dos principais passos para a produção comercial destes microorganismos9 .

O objetivo deste trabalho foi observar a atividade predatória in vitro do extrato bruto enzimático do fungo D. flagrans sobre larvas de primeiro estádio de A. vasorum.

Foi utilizado um isolado de D. flagrans (AC001), oriundo de solo brasileiro, do município de Viçosa na zona da mata de Minas Gerais, (latitude 20º45'20"S, longitude 42º52'40" W, a 649m do nível do mar). O fungo foi mantido em tubos de ensaio a 4ºC contendo cornmeal-ágar 2% (CMA 2%), no escuro por 10 dias. Micélios fúngicos foram obtidos através da transferência de discos de cultura (cerca de 5mm de diâmetro) dos isolados fúngicos mantidos em corn meal ágar 2% (CMA 2%) para frascos erlenmeyers (250mL) contendo 50mL de meio líquido de acordo com a metodologia descrita por Meyers e Wiebe7. O meio líquido foi composto por: glicose (10g/l), caseína (18,409g/l), K2HPO4 (5,0g/l), MgSO4 (0,10g/l), ZnSO4 (0,0050g/l); FeSO4 (0,001 g/l) e CuSO4 (0,50mg/l). Os frascos erlenmeyers contendo o inóculo fúngico cresceram em aparelho Shaker sob agitação de 120rpm e pH 9,0. Depois de seis dias o sobrenadante foi coletado e filtrado, em papel filtro Whatman n.º 1 a 4ºC.

A cepa utilizada de A. vasorum foi originalmente isolada das fezes de dois cães naturalmente infectados, prodecentes do município de Caratinga, MG10. Esta cepa vem sendo mantida por passagens sucessivas em cães.

Fezes de cães infectados foram colhidas e colocadas em aparelho de Baermann modificado para a recuperação das L111 . As fezes permaneceram no aparelho por 12h, e o sedimento foi centrifugado a 200Xg, por 2min. O sobrenadante foi desprezado e o sedimento contendo as L1 de A. vasorum foi ressuspenso em 5mL de salina 0,8% e alíquotas de 10µL foram contadas com auxílio de estereomicroscópio no aumento de 25x e estimou-se a quantidade total de larvas recuperadas.

Dois grupos foram formados em tubos eppendorf de 1,5mL estéreis, um grupo tratado e um grupo controle nos horários de 24 e 48h, sendo feitas seis repetições para cada grupo em cada horário estudado. No grupo tratado, 50L1(20µl) de A. vasorum foram vertidas em tubos eppendorf de 1,5mL estéreis contendo 150µl de extrato bruto enzimático de D. flagrans (AC001). O grupo controle continha 50 L1 (20µl) de A. vasorum em 150µl de extrato enzimático bruto fervido por 10min no tubo eppendorf de 1,5ml estéril. Os tubos foram incubados a 25ºC, no escuro, por 24-48h. Após incubação, foi contado o número total das L1 de A. vasorum presentes em cada tubo - tratamento de acordo com a metodologia descrita por Niu cols12.

Os dados obtidos nesse ensaio foram analisados estatisticamente pela análise de variância em níveis em níveis de significância de 1 e 5% de probabilidade. A eficiência de predação das L1 em relação ao controle em cada tempo (24 e 48h) foi avaliada pelo teste de Tukey ao nível de 1% de probabilidade.

O percentual de redução da média de larvas foi calculado de acordo com a seguinte equação:

No intervalo de 24h, o extrato bruto enzimático de D. flagrans (AC001) apresentou um percentual de redução de 53,5% sobre as L1 de A. vasorum. Para o intervalo de 48 horas, o extrato bruto enzimático de AC001 foi capaz de destruir 71,3% das L1. Por outro lado, foi notada diferença (p < 0,05) no número de larvas destruídas presentes nos grupos tratados em relação às larvas presentes nos grupos controle, nos dois intervalos de tempo estudados. A comprovação da atividade larvicida do extrato enzimático de AC001 sobre as L1 de A. vasorum está demonstrada na Figura 1 (A-B).


A. vasorum, além de sua importância médico-veterinária, como parasita cardiopulmonar de cães domésticos e canídeos silvestres, requer atenção especial e investigação, uma vez que pode infectar o homem13. Em trabalho recente, Braga cols8 demonstraram que AC001 crescido meio de cultura sólido (AA 2%) em placas de Petri destruiu 80,3% das L1 de A. vasorum ao final de sete dias. Comparando sua atividade predatória no presente trabalho, nota-se que a utilização do seu extrato bruto enzimático é promissora, uma vez que, a destruição das larvas ocorreu após 24h (53,5%) e se manteve até o final do experimento com atividade predatória de 71,3% (48h). Este é o primeiro relato da atividade predatória de extrato bruto enzimático obtido a partir de um fungo nematófago, D. flagrans, o que poderá contribuir no futuro como uma ferramenta para novas pesquisas no combate as formas infectantes de nematóides. Na Figura 1 (B), pode-se observar a hidrólise da cutícula pela ação enzimática do extrato, o que permitiu que o mesmo também atuasse no interior do nematóide, causando a sua destruição.

Barçante4 demonstrou que a infecção de cães com L3 de A. vasorum pode ocorrer, independente da ingestão do hospedeiro intermediário e que cães podem se infectar ingerindo alimentos ou bebendo água onde tenham moluscos infectados. Além disso, pelo fato das larvas estarem livres no ambiente, abre-se a possibilidade de infecção humana, uma vez que outros parasitos do gênero Angiostrongylus são comprovadamente zoonóticos14,15. Nesse contexto, sugere-se a aplicabilidade dos fungos nematófagos, destacando-se o isolado AC001 da espécie D. flagrans.

Os resultados obtidos no presente trabalho confirmam trabalhos anteriores da eficiência de fungos nematófagos no controle de larvas de nematóides potencialmente zoonóticas.

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declaram não haver nenhum tipo de conflito de interesse no desenvolvimento do estudo.

SUPORTE FINANCEIRO

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Recebido para publicação em 13/05/2010

Aceito em 05/01/2011

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Fabio Ribeiro Braga
    Deptº de Veterinária/UFV
    Av. Ph Rolfes s/n, 36570-000 Viçosa, MG
    Tel: 55 31 3899-1458
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      05 Jan 2011
    • Recebido
      13 Maio 2010
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