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A educação permanente da equipe de enfermagem para o cuidado nos serviços de saúde mental

La educación permanente del equipo de la enfermería para el cuidado en los servicios de la salud mental

Permanent education of the team of nursing for the care in the services of mental health

Resumos

Estudo exploratório, cujo objetivo foi analisar a necessidade de educação permanente da equipe de enfermagem para o cuidar nos serviços de saúde mental. Foram estudados trinta e sete profissionais de enfermagem de saúde mental. Como resultados, verificou-se que a equipe de enfermagem de saúde mental demanda qualificação de amplo espectro. Conclui-se que a educação permanente da equipe de enfermagem de saúde mental exige, além de programas educacionais baseados em definição de competências específicas, processos educativos críticos que visem o desenvolvimento de conhecimentos de caráter interdisciplinar.

Saúde mental; Empatia; Educação continuada em enfermagem


Estudio exploratório, cuyo objetivo fue analizar la necesidad de la educación permanente del equipo de enfermera para cuidar en los servicios de la salud mental. Fueron estudiadas treinta siete profesionales de enfermería mental. Como resultados, se verificó que él equipe de la enfermería demanda calificación de vasto espectro. Se concluye que la educación permanente del equipo del oficio de enfermera de la salud mental exige más allá de programas educativos establecidos en la definición de las capacidades específicas, de procesos educativos crítico que tienen como objetivo el desarrollo del conocimiento del carácter a interdisciplinar.

Salud mental; Empatía; Educación continua en enfermería


Exploratory study whose objective was to analyze the necessity of permanent education of mental health care services nursing team. The subjects studied were thirty-seven mental health-nursing professionals. As results, we observed that the team of nursing the mental health requires qualification the spectre ample. It is concluded that the permanent education of the mental health nursing team demands beyond established educational programs in definition of specific abilities, critical educative processes that aim at the development of the interdisciplinar character of knowledge.

Mental health; Empath; Continuing nursing education


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

A educação permanente da equipe de enfermagem para o cuidado nos serviços de saúde mental

Permanent education of the team of nursing for the care in the services of mental health

La educación permanente del equipo de la enfermería para el cuidado en los servicios de la salud mental

Cláudia Mara de Melo Tavares

Doutora em Enfermagem. Vice-Coordenadora do Mestrado Profissional em Enfermagem. Professora Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Endereço Endereço: Cláudia Mara de Melo Tavares R. Dr. Tavares de Macedo, 20, Bl. A, Ap.1104 24.228-900 - Icaraí, Niterói, RJ. E-mail: claumara@vr.microlink.com.br

RESUMO

Estudo exploratório, cujo objetivo foi analisar a necessidade de educação permanente da equipe de enfermagem para o cuidar nos serviços de saúde mental. Foram estudados trinta e sete profissionais de enfermagem de saúde mental. Como resultados, verificou-se que a equipe de enfermagem de saúde mental demanda qualificação de amplo espectro. Conclui-se que a educação permanente da equipe de enfermagem de saúde mental exige, além de programas educacionais baseados em definição de competências específicas, processos educativos críticos que visem o desenvolvimento de conhecimentos de caráter interdisciplinar.

PALAVRAS-CHAVE: Saúde mental. Empatia. Educação continuada em enfermagem.

ABSTRACT

Exploratory study whose objective was to analyze the necessity of permanent education of mental health care services nursing team. The subjects studied were thirty-seven mental health-nursing professionals. As results, we observed that the team of nursing the mental health requires qualification the spectre ample. It is concluded that the permanent education of the mental health nursing team demands beyond established educational programs in definition of specific abilities, critical educative processes that aim at the development of the interdisciplinar character of knowledge.

KEYWORDS: Mental health. Empath. Continuing nursing education.

RESUMEN

Estudio exploratório, cuyo objetivo fue analizar la necesidad de la educación permanente del equipo de enfermera para cuidar en los servicios de la salud mental. Fueron estudiadas treinta siete profesionales de enfermería mental. Como resultados, se verificó que él equipe de la enfermería demanda calificación de vasto espectro. Se concluye que la educación permanente del equipo del oficio de enfermera de la salud mental exige más allá de programas educativos establecidos en la definición de las capacidades específicas, de procesos educativos crítico que tienen como objetivo el desarrollo del conocimiento del carácter a interdisciplinar.

PALABRAS CLAVE: Salud mental. Empatía. Educación continua en enfermería.

INTRODUÇÃO

O governo federal adotou a política de educação permanente como estratégia fundamental para a recomposição das práticas de formação, de atenção, de gestão e de controle social no setor da saúde, criando em 2003, o Departamento de Gestão da Educação na Saúde e instituindo em 2004, os Pólos de Educação Permanente.

A discussão sobre a educação permanente dos profissionais passa a ser fundamental e estratégica para a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). O plano de reordenação política de recursos humanos no SUS preconiza a educação permanente no trabalho visando alcançar perfis profissionais orientados pelas necessidades da população, em cada realidade regional e em cada nível de complexidade. Aponta que esta qualificação se dá frente a ações concretas do mundo do trabalho.

A educação permanente parte do pressuposto da aprendizagem significativa. Os processos de capacitação do pessoal da saúde devem ser estruturados a partir da problematização do processo de trabalho, visando à transformação das práticas profissionais e a organização do trabalho, tomando como referência as necessidades de saúde das pessoas e das populações, da gestão setorial e o controle social em saúde.1

A educação é o processo pelo qual a sociedade atua constantemente sobre o desenvolvimento do indivíduo, no intuito de integrá-lo ao modo de ser vivente. É um processo político situado no tempo e no espaço. Um verdadeiro processo de educação não pode ser estabelecido se não através de uma análise das necessidades reais de determinada população.

O trabalhador, para conseguir uma melhor qualidade de vida, é obrigado a trabalhar ao mesmo tempo em que se educa. Assim, o desenvolvimento com uma educação que corresponda às necessidades das pessoas durante a vida, atrai pessoas comprometidas com a sociedade em que vivemos. Para tal feito, o fenômeno da educação permanente atraiu a atenção de numerosos educadores.

Historicamente, as políticas de educação profissional implementadas no Brasil foram voltadas para a formação de técnicos para os diversos ramos da indústria, tendo o estado brasileiro um papel secundário na capacitação de pessoal para os setores de serviços. Essa orientação repercutiu sobremaneira na formação de técnicos e auxiliares de enfermagem para serviços de saúde, já que resultou numa quase total inexistência de políticas de financiamento com esta finalidade.

Também a formação de trabalhadores de enfermagem de nível superior foi marcada por currículos arcaicos, centrados no modelo hospitalocêntrico, com carga horária excessiva, dissociação entre teoria e prática e entre ciclos básico e clínico, formação que favorece a utilização indiscriminada de tecnologia, prática profissional impessoal e descontextualizada.2

É grande a necessidade de se desencadear processos de capacitação de trabalhadores de enfermagem, já que o trabalho de enfermagem é entendido como central para a melhoria da performance e da atenção prestada pelos serviços de saúde.

A educação permanente é compreendida como sendo um processo educativo contínuo, de revitalização e superação pessoal e profissional, de modo individual e coletivo, com objetivo de qualificação, reafirmação ou reformulação de valores, construindo relações integradoras entre os sujeitos envolvidos para uma praxe crítica e criadora.2

No campo da saúde mental, a estratégia de educação permanente tem como desafio consolidar a reforma psiquiátrica. Para o alcance deste desafio, os tradicionais programas de educação continuada, destinados apenas a informar os indivíduos sobre recentes avanços em seu campo de conhecimento, devem ser substituídos por programas mais amplos de educação permanente que visem articular conhecimentos profissionais específicos com o de toda a rede de saberes envolvidos no sistema de saúde. Deste modo, a formação da enfermeira passa a exigir programas interdisciplinares de ensino que possibilitem análises mais integradas dos problemas de saúde.3

A reforma questiona a função de saberes psiquiátricos, ao mesmo tempo em que a assistência tende a mudar do serviço hospitalar para os cuidados no território. Três eixos devem sedimentar teoricamente e orientar a formulação da proposta de educação permanente em saúde mental: a) a organização do trabalho em saúde, com ênfase no processo de trabalho dos trabalhadores da área de enfermagem em saúde mental, tendo como perspectiva sua transformação através da construção de práticas renovadas, em função dos desafios colocados pela necessidade de implementação efetiva dos princípios do SUS; b) a integralidade da atenção como princípio (re)orientador das práticas sanitárias e (re)organizador dos serviços de saúde. c) as bases para a construção de uma práxis pedagógica crítica que possa promover a formação de um novo profissional frente às demandas impostas pela necessidade de transformação da política de saúde, como uma forma e potência de explicitar toda a complexidade do processo de trabalho em saúde, assim como possibilitar a apreensão de novas habilidades necessárias à construção de uma prática mais qualificada em saúde mental.4

A presente pesquisa tem como objetivo analisar a necessidade de educação permanente da equipe de enfermagem para o cuidar nos serviços de saúde mental. Visa contribuir com novos elementos para a implantação da política nacional de educação permanente, em consonância com a política de educação e desenvolvimento para o SUS, proposta pelo Ministério da Saúde.

Considerando-se que a qualificação profissional dos trabalhadores do SUS é um componente fundamental no processo de transformação qualitativa dos serviços de saúde pública no Brasil, espera-se com este trabalho potencializar recursos e interesses para resolver problemas de capacitação profissional de trabalhadores de enfermagem na perspectiva da atenção a saúde mental individual e coletiva no âmbito de SUS.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo realizado com a equipe de enfermagem de serviços públicos especializados em saúde mental do município de Niterói - RJ.

Para a coleta de dados elaborou-se um instrumento, composto por um total de vinte questões abertas e fechadas. O instrumento foi previamente testado e aplicado aos membros da equipe de enfermagem.

Em respeito aos aspectos éticos e legais, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa com seres humanos do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal Fluminense (UFF). Todos os integrantes da amostra foram informados sobre os objetivos da pesquisa, atendendo a Resolução 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos.

A amostra do estudo foi definida a partir de entrevista com o coordenador municipal de estágio de saúde mental e a coordenadora de ensino e pesquisa da rede de saúde mental do município de Niterói/RJ. Participaram do estudo: 9 enfermeiros e 21 técnicos da equipe do Hospital Psiquiátrico Municipal; 3 enfermeiros e 4 técnicos da equipe dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Município. Desta forma a amostra final foi constituída por 37 membros da equipe de enfermagem (12 enfermeiros e 25 técnicos).

Os dados foram analisados e interpretados à luz da perspectiva teórica da enfermagem psiquiátrica. Através da integração de diferentes dados, utilizou-se a triangulação de dados para analisar dados objetivos e subjetivos, a fim de corrigir os "bias" de cada tipo de análise.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados mostram que nos últimos cinco anos não ocorreu atividade específica de capacitação para a equipe de enfermagem da rede de saúde mental do município de Niterói/RJ. Apenas alguns treinamentos locais foram realizados, como abordagem introdutória ao trabalho. A coordenação da rede de saúde mental destacou seu interesse por processos de educação permanente junto aos trabalhadores de enfermagem, mencionando as dificuldades apresentadas pela equipe de enfermagem nos processos de trabalhado junto a equipe multidisciplinar de saúde mental.

Perfil dos trabalhadores de enfermagem da área de saúde mental no município de Niterói - RJ

Os 16 enfermeiros e 102 técnicos de enfermagem de saúde mental do município estão lotados em serviços especializados (Hospital Psiquiátrico e CAPS). As unidades básicas de saúde do município não dispõem de equipe de enfermagem de saúde mental. Esta situação é fruto de uma política de saúde mental centrada na lógica da doença opondo-se ao modelo de promoção da saúde.

A tabela abaixo apresenta o perfil dos profissionais de enfermagem entrevistados.

Como podemos verificar na Tabela 1, 58% dos enfermeiros que atuam nos serviços especializados de saúde mental têm idade entre 23 a 33 anos, enquanto 56% dos técnicos entre 34 a 43 anos. Poder-se-ia dizer que os enfermeiros se comparados aos técnicos se encontram na fase ascendente de sua trajetória profissional e consequentemente, bastante receptiva a programas de atualização e desenvolvimento profissional.

Quanto ao tempo de atuação profissional no campo da saúde mental, 50% dos enfermeiros trabalham na área de 1 a 5 anos e 36% dos técnicos de 6 a 10 anos. Esses achados indicam que os enfermeiros estão a menos tempo nos serviços de saúde mental, do que os técnicos.

Observa-se uma maior mobilidade entre os enfermeiros do que entre os técnicos nos serviços de saúde mental. Parte desta mobilidade profissional é explicada pela renda. Verifica-se na Tabela 1, que 58% dos enfermeiros e 52% dos técnicos recebem entre 2 a 3 salários, não havendo distinção salarial entre as duas categorias profissionais. Assim, o tempo de serviço contribui mais com o salário da equipe de enfermagem, do que a sua qualificação profissional.

Comparando estes resultados com os obtidos em estudo anterior5, confirma-se o fato de que a inserção do enfermeiro no mercado de trabalhode saúde mental ocorre por meio da primeiraoportunidade de emprego do recém-formado.

No que diz respeito ao sexo, a distribuição se dá de maneira praticamente uniforme, 50% dos enfermeiros e 48% dos técnicos são do sexo feminino. Considerando que os homens representam a grande minoria no universo de trabalhadores de enfermagem, é expressiva sua participação na psiquiatria. Este fato pode ser explicado pelas representações de violência sobre a instituição psiquiátrica, onde a força física masculina ainda é utilizada como forma de coerção e apaziguamento das formas de expressão incontrolável da loucura.

Quanto ao nível de escolaridade, convém salientar que 20% dos técnicos possui o 3º grau completo e 12%, incompleto. Esse dado demonstra o interesse dos trabalhadores de nível médio pela continuidade dos estudos, o que depõe a favor de processos de educação permanente. Também entre os enfermeiros observa-se essa diligência, já que 59% destes fizeram cursos de especialização e um (8%) está cursando o mestrado.

Entre os motivos apresentados pelos enfermeiros, da escolha da psiquiatria como campo de atuação profissional, destacam-se a oferta de emprego/concurso (67%) e a escolha pessoal (33%). Os motivos apresentados pelos técnicos coincidem: oferta de emprego/concurso (44%) e escolha pessoal (20%). A oferta de emprego contribui mais para os enfermeiros do que para os técnicos. Esse fato reflete a indeterminação em torno do trabalho do técnico e uma maior especificação do trabalho do enfermeiro em saúde mental.

A admissão do enfermeiro para trabalhar na psiquiatria era até a década de 80, associada a castigo, um lugar para onde poucos profissionais iam de livre escolha e para onde o funcionário-problema era transferido. O sentido da admissão para o quadro de funcionários tinha a mesma conotação de admissão de um paciente, absoluta falta de livre escolha.6

A insatisfação com o trabalho em psiquiatria é o motivo para 100% dos enfermeiros e 72% dos técnicos desejarem trabalhar em outra área da enfermagem. Os campos de trabalho indicados pelos enfermeiros como mais atraentes são o ensino (31%), a emergência/CTI (31%) e a saúde pública (26%), enquanto os técnicos gostariam de trabalhar em emergência/CTI (18%) e enfermagem do trabalho (14%).

A enfermagem clássica construiu um campo de ação identificado com a medicina, empreendendo esforços para classificar a ação que lhe é própria, são exemplos deste empreendimento diagnóstico de enfermagem e a consulta de enfermagem. Ancorada no positivismo científico a enfermagem buscou classificar sua ação, desenvolver protocolos e procedimentos referidos ao cuidado da doença e sua manifestação. Seguindo esse modelo, a enfermeira psiquiátrica referia sua ação profissional a dependência do diagnóstico e da ordem médica. A ação de enfermagem servia apenas para a manutenção de um ambiente terapêutico, palco de intervenções médico-centradas.6

A persistência de uma assistência desqualificada no campo da saúde mental faz com que os profissionais da área tenham um grande desinteresse por este campo de atuação. A falta de definição em torno do papel do enfermeiro psiquiátrico gera dificuldades no seu processo de trabalho em equipe.

Além disso, os enfermeiros possuem um vínculo de trabalho mais precário do que do restante dos demais enfermeiros. O fato de algunsenfermeirosserem funcionários cooperados enfraquece as suas relações com a instituição. O vínculo frágil nãogarante a continuidade do trabalho e, portanto, da assistência, como seria desejado.

Por tudo isso, a enfermagem psiquiátrica, não obteve grandes avanços no Brasil. Embora se observe uma tendência de mudança na prática dos enfermeiros, especialmente, relativa à sua aproximação do cliente, desenvolvendo práticas terapêuticas e grupais, assim como um espaço mais definido e reconhecido na equipe de saúde mental.

Em países mais desenvolvidos o enfermeiro passou a assumir mais atividades com finalidade terapêutica por intermédio do relacionamento terapêutico e programas de educação a pacientes e familiares,7 o que garante maior autonomia e satisfação profissional.

Constatou-se que 75% dos enfermeiros e 48% dos técnicos de enfermagem que hoje atuam nos serviços de saúde mental do município, já trabalharam com pacientes psiquiátricos em outras instituições. Parte significativa da equipe de enfermagem atua nos demais serviços psiquiátricos do município e também do estado. Nesse sentido, é de grande importância o estabelecimento de programas de educação permanente, já que mesmo não desejando, tais profissionais constituem a força de trabalho de enfermagem de saúde mental da região.

A fragilidade na qualificação da equipe de enfermagem de saúde mental

A Tabela 2 demonstra que o manejo do paciente é a principal dúvida dos profissionais de enfermagem nos serviços de saúde mental. 92% dos enfermeiros abordados e 72% dos técnicos relatam dificuldades em realizar com qualidade do atendimento de enfermagem ao paciente psiquiátrico. Considerando-se que o primeiro passo para cuidar de um paciente com transtorno psiquiátrico é estabelecer uma relação terapêutica8 torna-se urgente e necessário a qualificação destes profissionais.

Historicamente, a ação de enfermagem não alvejava o paciente, mas a manutenção do "ambiente terapêutico", para ser um verdadeiro palco de intervenções médico-centradas.5 Este afastamento institucionalmente autorizado parece explicar a admissão de profissionais de enfermagem que não reunam qualificações mínimas para o cuidado do paciente psiquiátrico. O enfermeiro psiquiátrico tem dúvidas sobre o significado de seu papel profissional e pouco utiliza o julgamento clínico para realização das atividades de enfermagem.9

27% dos enfermeiros e 39% dos técnicos apresentam dúvida em como lidar com pacientes que apresentam comportamento agressivo. A agressividade é um comportamento que visa ameaçar ou prejudicar a segurança ou a auto-estima da vítima, quase sempre visa punir.8 A ação de subordinação, dependência e violência são a marca da psiquiatria tradicional. Desta forma, entendemos, que a violência está associada ao próprio modelo tradicional de atenção em psiquiatria e a vigilância das atitudes agressivas coube historicamente a equipe de enfermagem. A ilusão e o desejo de autonomia administrativa, da manutenção da ordem institucional necessária para o exercício do poder disciplinar, alimentava o exercício de um poder perverso da enfermagem, obtido por meio de mecanismos de prevalecimento ou coação dos pacientes.6

Uma outra dificuldade destacada, especialmente pelos técnicos de enfermagem, é lidar com a sexualidade do paciente nos espaços institucionais. Há uma carência de discussão na instituição psiquiátrica sobre o assunto sexualidade. Um silêncio institucional que não registra esse tipo de ocorrência e não discute a manifestação da sexualidade dos pacientes, havendo uma negação do próprio sexo em si. Em especial para o grupo de técnico de enfermagem, a sexualidade não é um domínio portador de significação especial na construção da pessoa. Os técnicos de enfermagem em saúde mental se submetem a regras de moralidade que advêm da definição de posições sociais no interior da família, combinadas com a classificação de gênero. Representações acerca do corpo e sexualidade associadas a noção de respeito, moral e vergonha, são fruto de um sistema de valores que está relacionado com a concepção de pessoa que preside a visão de mundo das classes populares.10 Comparando percentuais de enfermeiros e técnicos neste estudo podemos observar que este tema apresenta maior dúvida entre os técnicos.

27% dos enfermeiros e 11% dos técnicos apresentam dúvidas de como intervir na crise de emergência psiquiátrica. Situações de crise psiquiátrica são aquelas em que o funcionamento geral é gravemente prejudicado e o indivíduo se torna incompetente ou incapaz de assumir responsabilidades pessoais. Os indivíduos que apresentam uma crise têm uma necessidade urgente de assistência e apoio do enfermeiro para ajudar a mobilizar os recursos necessários para resolver a crise. A metodologia básica é calcada principalmente em técnicas organizadas de resolução de problemas e atividades estruturadas visando mudanças.8

Nesse sentido, um preparo mais consistente é exigido do profissional, incluindo a devida habilidade para utilizar o julgamento clínico.

A tabela a seguir apresenta as dificuldades apontadas pela equipe de enfermagem no processo de cuidar dos usuários dos serviços de saúde mental, admitindo mais de uma resposta por profissional.

De acordo com a tabela 3, a maior dificuldade apresentada pelos enfermeiros para atuar no campo da saúde mental é interagir com a equipe (24%), seguida da interação com a família do paciente (16%). Em relação aos técnicos, a maior dificuldade é a interação com a família (18%) e a interação com a equipe (13%). Vale ressaltar que a equipe de enfermagem aponta dificuldades em praticamente todos os aspectos relacionados ao campo de cuidado em saúde mental, demonstrando a fragilidade de sua formação. Isto ressalta que existe uma nova forma de organização do processo de trabalho de enfermagem e da instituição psiquiátrica, exigindo além da conscientização acerca dos princípios que orientam as práticas, uma revisão do papel da enfermeira.11

Para dirimir dúvidas, 26% dos enfermeiros disseram discutir o problema com a equipe multiprofissional, enquanto 20% dos técnicos disseram procurar a chefia imediata. Com base nesse resultado, podemos constatar que a maioria da equipe permanece com dúvidas.

A tomada de decisões através de reuniões de equipe e a pronta disponibilidade dos participantes de contribuírem para avaliação e intervenção nas diferentes situações que se apresentam no cotidiano de um serviço de saúde mental parece ser uma estratégia para superação das dificuldades educativas no âmbito da equipe de enfermagem.12,13

Necessidade de educação permanente da equipe de enfermagem de saúde mental

Quanto à realização de processos de educação permanente, 100% dos enfermeiros e 84% dos técnicos têm interesse em participar. 50% dos enfermeiros e 80% dos técnicos disseram ter procurado atividades relacionadas à educação permanente nos últimos 5 anos, por conta própria, com pouco ou nenhum incentivo por parte da instituição onde trabalham. As dúvidas apresentadas no processo de trabalho em saúde mental, a expectativa de melhoria do vínculo de trabalho e as vantagens salariais são os principais motivos relacionados a busca por capacitação.

Quanto ao investimento na qualificação profissional 92% dos enfermeiros afirmam que pagariam por um curso que fosse do seu interesse, 75% gostariam de fazer mestrado em enfermagem, 50% de fazer o doutorado, enquanto 42% fariam mestrado em outra área. A maioria dos técnicos (92%) também pagaria por um curso que fosse do seu interesse. 40% gostariam de fazer graduação em enfermagem, 24% gostariam de fazer mestrado na mesma área, 32% teriam interesse de fazer doutorado. 24% dos entrevistados afirmaram que só poderiam estudar se o curso fosse gratuito.

Quanto a processos de busca individual de educação permanente 67% dos enfermeiros adquiriram no último ano pelo menos um livro da área de saúde mental, enquanto 60% dos técnicos não adquiriram nenhuma obra. 25% das obras lidas pelos enfermeiros foram indicadas por livreiros e 25% por professores. 30% das obras lidas por técnicos foram indicadas por algum membro da equipe de saúde e 30% não lembram de quem foi à indicação.

Importante observar que enquanto a leitura dos técnicos de enfermagem é favorecida pela equipe de saúde, a dos enfermeiros está relacionada a professores e livreiros. O enfermeiro tem maior autonomia para a tomada de decisão quanto a sua própria formação do que os técnicos.

75% dos enfermeiros e 100% dos técnicos acreditam que processos de educação permanente, voltados para a saúde mental devam ser realizados em conjunto com a equipe de enfermagem, com ênfase nos aspectos técnicos e profissionais.

Percebe-se que os técnicos, mais do que os enfermeiros, encontram-se na dependência da relação com a equipe de enfermagem. Embora o enfoque técnico do aprendizado é defendido pelas duas categorias profissionais.

Constatou-se que 92% dos enfermeiros e 68% dos técnicos possuem acesso e utilizam a Internet. Este dado é significativo por facilitar o acesso a informações e a processos de educação à distância. Fazer uso desta ferramenta auxilia programas de qualificação, o que permite uma agilização nos processos comuncacionais necessários à educação permanente. Além de permitir a discussão quanto as possibilidades de uso desta tecnologia.14

Entretanto, o mais importante, é perceber que o uso das tecnologias da comunicação não muda, em princípio, as velhas questões para a proposição de um projeto de educação permanente: para quem? Para quê? Como este projeto será desenvolvido? Sem parâmetros pedagógicos e dos conteúdos a serem veiculados, o uso da tecnologia servirá muito pouco a qualificação da equipe de enfermagem de saúde mental.

83% dos enfermeiros gostariam de aprofundar seus conhecimentos em saúde mental. Os assuntos apontados como de maior interesse para a equipe de enfermagem são psicofarmacologia (75%), conhecimentos relacionados a aspectos clínicos do cuidado com a pessoa portadora de sofrimento psíquico, dependência química, emergência psiquiátrica e promoção da saúde mental (75%). 67% dos enfermeiros demostram interesse em temas relacionados à arte, reabilitação psicossocial e diagnóstico de enfermagem. 80% dos técnicos apresentam interesse pelos aspectos clínicos do cuidado ao paciente, 80% demonstram interesse pelo SUS, seguido de 76% que gostariam de saber mais sobre informática, enfermagem psiquiátrica e promoção da saúde mental.

Os temas apontados pela equipe de enfermagem indicam interesse por processos educativos amplos. Com base nos dados encontrados, podemos afirmar que a educação permanente é necessária e desejada pela equipe de enfermagem de saúde mental, que já vem adotando algumas iniciativas no sentido de promovê-la.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como indicam os resultados, há uma necessidade premente de se estabelecer processos de educação permanente junto à equipe de enfermagem de saúde mental. A falta de um vínculo trabalhista estável, aliada a deficiência de formação no campo da saúde mental pode interferir na qualidade da assistência prestada pela equipe de enfermagem nos serviços de saúde mental.

A equipe de enfermagem de saúde mental apresenta grande interesse em participar de processos de educação permanente. A possibilidade de mudar a situação de vida e as oportunidades salariais e profissionais decorrentes da qualificação profissional foi o fator mais importante na decisão de participar de cursos. Ao investigar que tipos de educação extra-muros são procuradas pela equipe, constatou-se predomínio nos cursos de pós-graduação lato senso.

Acredita-se que a educação permanente dos trabalhadores de enfermagem da área de saúde mental exige além de programas educacionais baseados em definições de competências específicas, processos educativos mais amplos e problematizadores que visem o desenvolvimento de conhecimentos de caráter interdisciplinar. Assim, é preciso assegurar apoio à construção de sistemas integrais de educação permanente no âmbito do próprio serviço. Estes devem auxiliar no conhecimento de estratégias inovadoras de cuidar, favorecer o intercâmbio de experiências e a aliança entre os serviços de saúde e as instituições acadêmicas.

Espera-se que este estudo seja uma oportunidade para reafirmar que a adequada formação profissional é fundamental para a execução plena das políticas do setor de saúde mental e que a cooperação entre serviço-universidade fortalecem e desenvolvem a força de trabalho em saúde.

Recebido em: 29 de novembro de 2005.

Aprovação final: 02 de maio de 2006.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      02 Maio 2006
    • Recebido
      29 Nov 2005
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