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O Vice-Rei do Norte: Juarez Távora entre inimigos e aliados

The Viceroy of the North: Juarez Távora between enemies and allies

Resumo:

Este artigo analisa o surgimento e os vários usos de “Vice-Rei do Norte”, expressão atribuída a Juarez Távora, político e militar que teve importantes atuações em momentos significativos da república brasileira. Para entender a constituição dessa expressão, será investigado seu surgimento na conjuntura do imediato pós-1930, qual seja, os meses finais do ano 1930 e os primeiros de 1931. Posteriormente, analisar-se-ão a consolidação da expressão e sua constituição como categoria política durante o Governo Provisório, quando foi amplamente utilizada pelos opositores de Távora. A seguir, serão observados os novos usos que a expressão vice-rei adquiriu durante a campanha presidencial de 1955, ressignificada nesse contexto por ele e seus aliados.

Palavras-chave:
Juarez Távora; Governo Provisório; eleições presidenciais de 1955.

Abstract:

This article analyses the emergence and the several uses of “Viceroy of the North”, a phrase attributed the politician and army man Juarez Távora, who had important roles in significant moments of the Brazilian Republic. To understand the formation of this term, it will be investigated its emergence in the post-30’s immediate context, specifically, the final months of 1930 and early 1931. Later it will be analyzed the consolidation of the term and its constitution as a category policy during the Interim Government, when it was widely used by Távora opponents. Next, it will be observed the new uses that the Viceroy term acquired during the presidential campaign of 1955, acquiring new meanings in this context by him and his allies.

Keywords:
Juarez Távora; Interim Government; presidential campaign of 1955.

I

Juarez Távora (1898-1975) teve intensa atividade política e militar por quase meio século. Sua atuação se iniciou com as revoltas tenentistas da década de 1920 e se estendeu até 1967, quando se retira da vida pública, após ser ministro da Viação do primeiro presidente da ditadura civil-militar instaurada em 1964. Um elemento determinante para entender sua trajetória é compreender a expressão pela qual ele é mais conhecido: Vice-Rei do Norte. A força dessa categoria é evidente e duradoura, mas ainda pouco problematizada.

Dois momentos-chave marcam sua longa vida pública e a própria história da expressão Vice-Rei do Norte. Um deles corresponde aos anos finais de sua carreira, momento em que já era general e foi candidato a presidente da República, em 1955, lançado pelo Partido Democrata Cristão (PDC) e apoiado pela União Democrática Nacional (UDN).2 2 A UDN apresentou Mílton Campos como candidato a vice e foi o partido que deu força e sustentação à candidatura. Somados ao PDC e à UDN, apoiaram Távora o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Libertador (PL). Ver, além de “Juarez Távora”, “Partido Democrata Cristão (1945)”, “Partido Socialista Brasileiro (1947-1965)” e “União Democrática Nacional (UDN)” no Dicionário histórico-biográfico brasileiro, disponível em <www.cpdoc.fgv.br> (doravante DHBB). Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas (Cpdoc/FGV). Nessa conjuntura, Juarez era um dos mais diletos representantes do grupo que, cada vez mais, caminhava para o rompimento institucional da ordem política. Entre os militares, pode ser classificado como integrante da corrente chamada de cosmopolitas de direita, composta por anticomunistas, antitrabalhistas e defensores da abertura nacional ao capital estrangeiro e do alinhamento com os Estados Unidos.3 3 Essa tipologia foi cunhada por José Murilo de Carvalho (1999, p. 344). Representando a oposição aos herdeiros do projeto varguista, Juarez Távora foi derrotado por Juscelino Kubitschek por uma pequena margem de votos que girou em torno de 5%. Essa era a vitória mais apertada de uma eleição presidencial de toda a história republicana até então, só sendo essa marca superada quase seis décadas depois.4 4 Para as eleições presidenciais na Primeira República, ver Cláudia Viscardi (2012). Para as estatísticas eleitorais a partir de 1945, ver <http://pdba.georgetown.edu/Elecdata/Brazil/brazil.html>. Acesso em: 8 jun. 2016. Em 2014, Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), venceu no segundo turno Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), por aproximadamente 3% dos votos.

Durante a campanha, Távora utilizou diversos materiais de publicidade para propagandear seu slogan: “a revolução pelo voto”. Um deles era uma pequena história em quadrinhos, que contava toda a sua vida, intitulada “Juarez Távora, o tenente de cabelos brancos”. Nela, quando seu envolvimento no movimento de 1930 é narrado, Juarez é retratado segurando um fuzil, fardado com trajes militares, em pé, sério e com um olhar contemplativo para o horizonte. Logo abaixo está a seguinte legenda:

Juarez Távora foi o chefe militar do Norte. Da Paraíba, as tropas rebeldes, sob seu comando, foram tomando o Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Piauí, estendendo-se mais tarde até o Maranhão. Também marcharam sobre Alagoas, Sergipe e Bahia. Juarez a tudo provia, tudo previa. As vitórias se sucediam. É daí o cognome que lhe adveio de “Vice-Rei do Norte”.5 5 Arquivo Juarez Távora. Cpdoc/FGV, dpf 1954.01.02 (681-692/784).

Vice-Rei do Norte aparece aqui com um sentido positivo de valor, o que foi bastante difundido. Nos anos 1950, Juarez já era amplamente conhecido por essa expressão, mobilizando, com essa categoria, feitos de seu passado político e militar. O Vice-Rei era, nesse momento, um personagem forte, com claro sentido heroico.

O segundo momento - com bem mais destaque do que o primeiro - foi sua ação nos últimos anos da década de 1920 e nos primeiros da década de 1930. Nesse período, Juarez foi um dos mais ferrenhos opositores da Primeira República, militando nas fileiras do tenentismo, e, após a derrubada de Washington Luís, um dos mais prestigiosos e destacados líderes do início da chamada Era Vargas. Foi nesse momento que Juarez Távora passou a ser chamado de Vice-Rei do Norte.

No entanto, o sentido que a expressão tinha nos anos 1930 era negativo e acusatório, sendo ressignificada e utilizada de forma elogiosa apenas mais tarde, na disputada campanha presidencial de 1955. Diante disso, entender as intenções que recobriram o surgimento é entender aspectos fundamentais da conturbada conjuntura política do imediato pós-1930 e das possibilidades de sua apropriação nas décadas posteriores.

Uma primeira consideração importante a se fazer para seguir o rastro do “Vice-Rei” é assinalar que, no longo arquivo pessoal de Távora, sua ação, durante o Governo Provisório, é vastamente documentada, correspondendo a cerca da metade de todos os documentos arquivados.6 6 O arquivo pessoal de Juarez Távora está sob a guarda do Cpdoc/FGV. Ele tem 16.200 documentos divididos em vários dossiês temáticos que compreendem 42.252 folhas, com as datas limites de 1911 e 1975. Somados os 15 dossiês que abarcam o Governo Provisório, constata-se que correspondem a cerca de 8.369 documentos divididos em 15.087 folhas. Em nenhum dos documentos sobre esse período a expressão aparece, o que é um forte indício para se entender como se deu sua construção. No entanto, nesse corpus documental, outra categoria fundamental e complementar à de vice-rei surge: Norte.

A designação Norte é usada como referência à grande região político-geográfica, formada no imediato pós-1930, pelos estados que abrangem as atuais regiões Norte e Nordeste, mais o Espírito Santo. O Norte, nesse sentido, era compreendido pelo território federal do Acre e por 12 estados: Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Espírito Santo.

São muitos os elementos que colaboram para a constituição do Norte como bloco político-geográfico articulado nessa conjuntura, mas valem ser destacados dois deles. O primeiro é que as principais lideranças políticas e militares desses estados, durante boa parte do Governo Provisório, chegaram aos postos de comando por indicação direta de Juarez Távora. O segundo é que esses personagens - e outros com menos destaque nos campos político e militar - reconheciam a liderança de Távora, adotando uma autodesignação que definia a identidade política com a qual queriam atuar e serem reconhecidos no período: a de revolucionários nortistas. Essa categoria, assim como Norte, é bastante presente no diversos e variados documentos que compõem o arquivo pessoal de Távora.7 7 Sobre a formação e a problematização das categorias Norte e revolucionários nortistas, ver o pioneiro e importante trabalho de Dulce Pandolfi (1980) e também de Lopes (2014).

Mesmo reconhecendo o peso e a presença dos termos Norte e revolucionários nortistas na documentação do período, produzida por aqueles ligados diretamente a Távora, é amplamente notório que são justamente Vice-Rei e Vice-Reinado do Norte os termos mais utilizados na bibliografia, inclusive não acadêmica,8 8 Entre as produções memoriais que citam Távora como Vice-Rei do Norte, ver Alzira Vargas do Amaral Peixoto (1960) e João Neves da Fontoura (1933). Nas obras destinadas ao grande público que reafirmam Távora como Vice-Rei, vale citar Boris Fausto (2006) e Lira Neto (2013). quando se fala sobre Juarez e sua região durante o Governo Provisório.

No que se refere aos trabalhos acadêmicos, muitas pesquisas se propuseram dar conta das realidades estaduais nortistas durante o Governo Provisório.9 9 Entre essas, destaco Dulce Pandolfi (1980); José de Ribamar Chaves Caldeira (1981); Francisca Simão de Souza (1982); Marlene da Silva Mariz (1984); Consuelo Sampaio (1992); Francisco Alcides do Nascimento (1994); e Fernando Achiamé (2010). Todos esses trabalhos - uns mais, outros menos - reconhecem o papel de Távora junto às interventorias nesse contexto. Tal constatação se deu, em grande parte, graças ao importante e clássico livro Estado e partidos políticos do Brasil (1930 a 1964), de Maria do Carmo Campello de Souza, publicado em 1976, do qual todos aqueles outros são tributários. Isto se dá porque essa obra pode ser considerada o primeiro grande trabalho acadêmico que busca analisar, dando conta de um longo e conturbado período, o sistema político e partidário nacional, abrindo frentes de trabalhos fecundas e que posteriormente foram exploradas em pesquisas subsequentes, como no caso das interventorias durante o Governo Provisório. Analisando a nomeação de Juraci Magalhães, afirma Maria do Carmo Campello de Souza que ele fora “indicado por Juarez Távora”, e por não ter “quaisquer raízes na política baiana” seu nome sofreu resistência, inclusive de J. J. Seabra, que almejava o cargo. No entanto, “essa hipótese foi afastada por Juarez”, sendo a nomeação do eminente político da Primeira República assim preterida (1976, p. 88). A autora aponta que houve tentativas de “agrupar sob uma mesma direção todos os interventores” e apoiadores da revolução, civis e militares, muito especialmente os chamados “tenentes”, sendo o Clube Três de Outubro e a União Cívica Nacional - grandes organizações com ramificações em todo o país - exemplos dessas iniciativas. Nesse processo, figuram Oswaldo Aranha, então ministro da Justiça, e “um subcomando, por assim dizer, para o Norte-Nordeste sob a chefia de Juarez Távora, por isso chamado de Vice-Rei do Norte” (1976, p. 91). Ou seja, não é novidade que Távora foi figura de relevo nessa conjuntura, mas a bibliografia especializada ainda não deu a devida atenção aos termos políticos que explicavam e compunham as arenas de disputas de poder daquele momento.

Tal constatação ressalta que a categoria de revolucionários nortistas, ao longo do tempo, foi perdendo força e amplitude se comparada às de Vice-Rei e de Vice-Reinado do Norte. Desse modo, apenas problematizando e historicizando-as é possível compreender como elas perduraram e adquiriram, ao longo dos anos, múltiplos significados. Essa estratégia não é nova, uma vez que outros importantes trabalhos já a adotaram, investigando outros conceitos e categorias, certamente mais “plásticos” e “longevos” na história brasileira.10 10 Entre os muitos trabalhos que se valeram dessa estratégia, cito Angela de Castro Gomes (2001) e Jorge Ferreira (2001). Destaco esses dois por suas excelências, assim como por a obra que compõem contribuir com a renovação dos estudos de história política e social no Brasil, não restringindo suas influências apenas a temas relacionados com a segunda metade do século XX. No entanto, isso não inviabiliza valer-se de procedimento semelhante para se debruçar sobre o termo Vice-Rei. Afrânio Garcia Júnior, em artigo intitulado “Os Vice-Reis do Norte: reconversão de elites agrárias e a revolução de 1930 (1920-1964)”, analisa o acesso ao poder das elites agrárias vencedoras do movimento de 1930 e a diversificação das correntes políticas nacionais. No entanto, não problematiza o termo-chave do título de seu artigo, mas conclui suas reflexões com uma inquietante provocação no último parágrafo do texto:

Restituir os significados e as conotações de uma expressão tão anacrônica, em 1930, como “Vice-Reis do Norte”, como em toda análise de um sistema de representações {…} pode, assim, ser uma via promissora para se compreender processos profundos de transformação social e política. (Garcia Jr., 2007GARCIA-JR., Afrânio. Os vice-reis do Norte: reconversão de elites agrárias e a Revolução de 1930 (1920-1964). Revista de Ciências Sociais, Universidade Federal do Ceará, v. 38, n. 2, 2007., p. 86)11 11 O autor sugere tal análise a partir dos métodos da antropologia social. Além disso, afirma que José Américo de Almeida também era chamado, de modo irônico, de Vice-Rei do Norte, o que explica o plural utilizado em seu artigo. Essa é a única referência que encontrei a essa aproximação entre José Américo e o termo Vice-Rei.

II

O reconhecimento do cearense Juarez do Nascimento Fernandes Távora como uma das mais destacadas lideranças tenentistas da década de 1920 se deu inegavelmente por seu aguerrido papel nesse movimento. Conspirador desde 1922, não teve grande atuação no primeiro 5 de julho, pois estava na lista dos primeiros amotinados a serem presos. Todavia, em 1924, no estado de São Paulo, tomou parte em diversos combates, ao lado do irmão, Joaquim Távora, morto por tropas federais enviadas por Artur Bernardes. O então presidente ordenou forte repressão aos movimentos oposicionistas, decretando sucessivos estados de sítio durante seu governo. Juarez, após a derrota do movimento paulista, ingressou na chamada Coluna Prestes-Miguel Costa, tornando-se logo subchefe do Estado-Maior das forças que percorreram milhares de quilômetros pelo país. Porém, antes da extinção da Coluna, foi preso. A partir desse momento, entre fugas e outras prisões, tornou-se importante conspirador contra o governo de Washington Luís, ao lado de Isidoro Dias Lopes, Siqueira Campos, Miguel Costa, João Alberto e Osvaldo Aranha.

Iniciado o movimento armado que derrubaria a Primeira República, foi o comandante em chefe das forças militares que sublevaram os estados, desde o Espírito Santo até o Amazonas, conseguindo sucessivas vitórias. Em 28 de outubro de 1930, desembarcou no Rio de Janeiro como o vitorioso chefe militar da “Revolução no Norte”. Tratando de sua chegada, o jornal carioca Correio da Manhã estampou em sua primeira página uma grande foto de Juarez com a legenda: “O herói chegou”. Na descrição dos festejos pela chegada de Távora, o periódico registrava que 200 mil pessoas ficaram “enfileiradas nos largos passeios”, enquanto Juarez era “glorificado por este povo hoje liberto”, sendo “indescritível a sagração do herói legionário do Norte”. Como fica evidente, imediatamente após a vitória do movimento de 1930, Juarez Távora foi alçado ao posto de herói nacional, sendo um dos mais prestigiados revolucionários e um dos grandes líderes da vitória que dava fim à Primeira República.12 12 Correio da Manhã, 29 out. 1930. Uma análise do processo de heroificação de Juarez Távora está em Lopes (2012).

Ao mesmo tempo que seus feitos eram exaltados, o que lhe garantia um importante capital simbólico para sua atuação política no Governo Provisório, seus opositores - e até mesmo alguns aliados - iniciam uma crítica irônica e ferina. Algo que não surpreende em um momento ainda bastante indefinido e de disputas abertas por posições no poder.

Um dos elementos que alimentaram determinantemente tais críticas veio de um fato aparentemente fortuito. Juarez Távora e outros líderes governistas tiveram um encontro com o ex-presidente Artur Bernardes, na cidade do Rio de Janeiro, em fins do mês de dezembro de 1930. O político mineiro, naquele momento, representava toda a repressão sofrida pelos que se identificavam como revolucionários e, desde 1922, lutavam contra os males da “República Velha”, um modelo político definido como carcomido e recheado de politicalhas. Vale lembrar que o primeiro movimento tenentista teve como um dos estopins a eleição de Bernardes à presidência, assim como o ocorrido dois anos depois lutava para derrubá-lo e pôr fim aos constantes estados de sítio que legitimavam o violento combate às oposições.

O jornal do Distrito Federal Correio da Manhã, simpático aos movimentos tenentistas - o que acarretou, inclusive, a suspensão de sua circulação por quase um ano e a prisão de seu proprietário, Edmundo Bittencourt -, era um dos mais fortes veículos antibernardistas e, em 1930, apoiador declarado da Aliança Liberal. Portanto, foi com espanto e surpresa que seus leitores se depararam com a matéria intitulada “Dolorosa desilusão”, publicada em 28 de dezembro de 1930, tratando do referido encontro:

Os srs. Osvaldo Aranha, ministro da Justiça, Juarez Távora e Góis Monteiro, chefes revolucionários do “Brasil novo”, estiveram anteontem longamente com o Sr. Artur Bernardes. Antes de serem recebidos, tiveram de esperar mais de uma hora no hall do Copacabana Palace, enquanto o ex-senador dos sítios, das violências e das dilapidações terminava outras conferências. É conveniente que o país tome conhecimento desse pequeno episódio. Os pés que, em marcha rápida e gloriosa, mediram de norte a sul a grandeza generosa do Brasil, encerraram sua campanha de quase dez anos descansando nos tapetes moles de um hotel, pacientando na antecâmara de um político - e que político! {…} Agora, que nos resta? De descrença em descrença, parece que já chegamos ao mais amargo, ao mais doloroso de nossas desilusões.13 13 Correio da Manhã, 28 dez. 1930.

Com tal divulgação, o assunto ganhou força, e quase que diariamente eram publicadas cartas de leitores censurando o encontro e avaliando seus efeitos. O mais criticado era Juarez Távora. Sua presença “escandalizou a opinião revolucionária do país”, pois ele representava, naquele momento, “a pureza revolucionária”, “cujas qualidades de energia e caráter, cujo heroísmo em combate, haviam arrebatado a imaginação nacional”. Em suma, na perspectiva dos “defensores da Aliança Liberal”, que o Correio da Manhã vocalizava, foi um “ato de lamentável transigência e inexplicável fraqueza de homens como Juarez Távora”.14 14 Correio da Manhã, respectivamente 30 e 31 dez. 1930. A inacreditável fraqueza do momento se explicava pelo longo passado de lutas, bem retratado em um pequeno poema irônico publicado no mesmo jornal:

Quem tal coisa suporia?
Quem tal podia prever?
O homem que ninguém via
Até o Juarez foi ver!
E é o próprio Artur que confessa
Recebendo a cortesia:
Não pensei que tão depressa
Você me desse anistia15 15 Correio da Manhã, 31 dez. 1930.

Mas por que Osvaldo Aranha e Góis Monteiro não foram tão criticados pelo encontro com o ex-presidente? A resposta é clara para muitos daqueles que se manifestaram sobre o “fato que mais impressionou a maioria dos republicanos” desde a “vitória da revolução”:

A atitude {…} {do} atual ministro da Justiça, e a do mencionado oficial superior do Exército {Góis Monteiro}, não teria motivado a menor impressão na opinião pública republicana, porque essas atitudes eram de dois antigos comandados pelo presidente do sítio, que foram reiterar o seu apreço ao seu antigo chefe supremo. Como é sabido, Osvaldo Aranha foi feito general em consequência do apoio militar que prestou na guerra civil, iniciada em 1924, depois do surto revolucionário em São Paulo, e Góis Monteiro foi o chefe do Estado-Maior do destacamento Mariante, em operações no estado da Bahia, que manobrou {…} contra a coluna libertadora de Miguel Costa, à qual pertenciam Luís Carlos Prestes e Juarez Távora.16 16 Correio da Manhã, 4 jan. 1931.

Como é fácil concluir, Juarez Távora representava o combate aos males da república decaída, muitos destes encarnados em Artur Bernardes, o presidente que o perseguiu e o combateu durante anos, o que acarretou, inclusive, a morte de seu irmão, Joaquim Távora. Ou seja, ao contrário dos outros líderes revolucionários, Juarez tinha uma trajetória “pura”, fora de “politicagens” e acordos espúrios. Criticavam-no fortemente porque ele representava mais: era um herói, um símbolo do que era esperado do novo momento político que se iniciava. Como disse um editorial do Correio da Manhã - sugestivamente intitulado “Queda de um anjo” -, a “impressão popular é que seu ídolo foi sacrilegamente profanado” e que “se deixou desviar de sua gloriosa trajetória”:

Na alma popular enraizou-se a crença de que o seu ídolo revolucionário, com esse contato pecaminoso, perdeu aquela auréola de anjo vingador, muito puro e luminoso, cuja espada brilhavam as esperanças da nossa redenção. Há por toda parte uma impressão de desmoronamento, um sentimento de indignação e de revolta, e ao mesmo tempo de tristeza. {…} A glória (é o caso do meu ilustre companheiro Juarez Távora) vive a olhar embevecida para os ídolos, não os deixa um minuto, e, ciumenta, não admite partilhas.17 17 Correio da Manhã, 6 jan. 1931.

Fica evidente a força política e simbólica que Juarez Távora tinha logo após a vitória de 1930, e que ela não se restringia apenas ao Norte. Mesmo para quem estava fora de sua região, ele era visto como portador de enorme poder e influência e, por isso mesmo, de grande responsabilidade no novo governo. Se no Norte esse poder era, de fato, exercido, no restante do país essa força política era reconhecida e respeitada.

Não demorou muito e Juarez manifestou-se sobre o caso. Vale dizer que foi o único, pois Aranha e Góis não fizeram o mesmo. Disse Távora, em uma longa entrevista à imprensa, que procurou Bernardes como “revolucionário”, já que o ex-presidente fora um dos apoiadores da Aliança Liberal e do movimento de 1930. Buscava, nesse encontro, apresentar-lhe as muitas queixas que recebera da população, de políticos e de correntes mineiras que se manifestavam contra a “política pessoal” que o ex-presidente vinha fazendo em seu estado. Ainda segundo suas palavras, não poderia fazer “um julgamento ouvindo apenas uma das partes”, e por isso o procurou, deixando claro que “nenhum de nós tem o direito de fazer política pessoal”, algo que seria uma “monstruosidade que nenhum dos governos passados jamais consumou”. Disse, por fim, que combatia “ideias, nunca indivíduos”, e por isso tal encontro não poderia significar que “Bernardes era candidato à presidência apoiado por mim e por outros”.18 18 Correio da Manhã, 7 jan. 1931.

A partir dessas declarações, a história ganha novo fôlego. De um lado, várias cartas e matérias continuavam criticando Juarez, afirmando que ele foi “tapeado brilhantemente” por Artur Bernardes, que, inclusive, declarara serem “excessivos os elogios derramados diariamente na imprensa” que “pretendem aureolar” o líder nortista, pois “talvez alguns cabos e sargentos mineiros tinham sido mais valentes e prestado serviço de maior valia à revolução do que o capitão Juarez Távora”. De outro, mais cartas e matérias elogiavam a postura de Juarez, dizendo que o ex-presidente não era um revolucionário, apesar do apoio dado ao movimento, e que Bernardes saíra do referido encontro com “as orelhas vermelhas dos puxões que lhes dera o grande Juarez”.19 19 Correio da Manhã, respectivamente 16, 25 e 27 jan. 1931.

É no meio desse debate que a imprensa mineira se manifesta. O jornal O Estado de Minas publicou, em 30 de janeiro de 1931, um editorial no qual atacava duramente Juarez Távora, mesmo sem citar o ex-presidente. Seu título era “Vice-Rei”. A longa citação se justifica por sua importância e eloquência:

É estranha a atitude em que se mantém o Sr. Juarez Távora, em face do governo mineiro. O bravo general {…} recusou aceitar qualquer cargo administrativo. Mas parece que com esse procedimento não objetivou desapegar-se do poder para voltar à sua missão no Exército. Ao contrário, o que os fatos demonstram é que o Sr. Juarez Távora, com tal atitude, recusou a aceitar um cargo da administração, em que a sua ação seria limitada, para, buscando uma posição superior, colocar-se assim à feição de fiscal ou mentor dos atos de todos os governos do país, com atuação mais direta sobre o Norte, cujos interventores nomeou, aliás, com rara infelicidade. {…} É um censor do Governo Provisório. É um Vice-Rei, com jurisdição limitada em todo o país, mas plena no que se refere aos estados que vão da Bahia ao Amazonas. A atitude que assumiu e em que a fraqueza dos homens o conserva é arrogante e constrangedora e até mesmo vexatória para o Sr. Getúlio Vargas. O Sr. Juarez Távora tem ares de quem manda e desmanda sem ser governo. Há qualquer caso no Norte do país? Os interventores se dirigem ao capitão, consultando e pedindo deliberar. E o Sr. Juarez Távora resolve soberanamente. Trata-se de substituir um interventor no Norte? O Sr. Juarez Távora é que fala decisivamente. Até mesmo em outros estados se procura intrometer e intervir. Pondo de parte a apreciação dos atos do Sr. Juarez Távora nessa sua qualidade de Vice-Rei, gerada espontaneamente, é preciso que se conheça que tal procedimento, tolerado e admitido, está criando uma situação de embaraços e vexames para o Sr. Getúlio Vargas e o seu governo, sujeitos a uma tutela descabida e importuna, exercida com arrogância e espalhafato, de forma a torná-la mais irritante e também mais ridícula.20 20 O Estado de Minas, 30 jan. 1931.

No dia seguinte, o Correio da Manhã comentou esse editorial, dizendo que “a imprensa bernardista de Minas ataca o Sr. Juarez Távora”.21 21 De fato, o jornal mineiro apoiara o movimento de 1930, mas caminhava para oposição ao Governo Provisório, assim como seu proprietário, Assis Chateaubriand. O periódico, nesse processo, ligava-se cada vez mais ao setor do Partido Republicano Mineiro, liderado por Artur Bernardes. Informações retiradas de O Estado de Minas. In: DHBB. Cpdoc/FGV. A repercussão no Rio citava o título e seus parágrafos finais. A partir desse momento, a designação Vice-Rei aparece na imprensa do Distrito Federal, da qual não mais sairia.

III

Indícios apontam que o termo não foi criado nesse momento. É o que sugere uma carta de João Neves da Fontoura a Borges de Medeiros, datada de 8 de dezembro de 1930. Nela, diz Fontoura que “desde logo, há uma deliberação alarmante - a criação do Vice-Reinado setentrional, confiado ao ‘general’ Juarez Távora {…}. A ele prestam vassalagem doze unidades da federação - toda a costa do Atlântico, desde o Espírito Santo até o Amazonas. {…} Távora indicou, ou melhor, nomeou (pois a alguns deu posse antes do decreto) os capitães-mores”. Ou seja, o termo Vice-Reinado circulava entre opositores do Governo Provisório antes do imbróglio envolvendo o encontro com Artur Bernardes. Como tal missiva só veio à luz anos depois que foi escrita,22 22 A transcrição da carta está no livro Acuso! (1933, p. 43-63), de João Neves da Fontoura. Mesmo ligado ao movimento de 1930, Neves da Fontoura não foi um dos apoiadores do Governo Provisório, e esse livro, como já fica evidente por seu título, critica duramente Vargas e seus aliados. Foi escrito quando seu autor estava no exílio por sua participação na guerra civil de 1932 ao lado da corrente paulista. Ver João Neves da Fontoura. In: DHBB. Cpdoc/FGV. é importante que se concentre a análise no momento em que tais categorias surgem na imprensa.

Assim, como se lê no editorial do jornal mineiro, fica evidente que o termo Vice-Rei surge como uma alcunha depreciativa, um epíteto acusatório a Juarez Távora, o que explica o fato de não estar presente em seu arquivo pessoal. Mesmo estando claramente ligada ao “Norte”, ela o extrapola, ou seja, seus poderes vão para além de sua região, apesar de ficarem mais evidentes quando se percebe sua atuação nessa área, notadamente ao nomear os interventores. Além disso, essa ação, que vai para além das fronteiras dos estados nortistas, era ameaçadora para Vargas, que via um importante aliado concorrendo, com enorme força, com sua liderança e poder. Nesse conturbado contexto, a liderança do presidente ainda não estava solidificada, nem sua imagem de “grande líder inconteste” estava, sequer, em construção.23 23 Sobre isso, ver Angela de Castro Gomes (1997).

O epíteto de Vice-Rei é o outro lado da moeda do herói. Juarez como herói, como grande líder do Norte, representava toda a esperança depositada no futuro com o fim da Primeira República. Já feito Vice-Rei, era caracterizado como aquele que exercia o poder de forma indiscriminada, sem respeitar protocolos e posições de governo, reproduzindo modelos decaídos do passado.

Com o passar do tempo, essa alcunha foi se tornando uma verdadeira categoria política, posto seu amplo alcance, difusão e, principalmente, os usos que foi adquirindo. Assim, ela foi se sobrepondo a outros termos pejorativos atribuídos a Juarez e ficando cada vez mais atrelada a ele e ao Norte, muito em especial na imprensa opositora ao Governo Provisório. Um exemplo paradigmático vem do jornal Diário Carioca, pois, “como os termos por que as designam, de Vice-Rei, de condestável, de corregedor do Norte, são anacrônicas as funções que está exercendo o capitão Juarez Távora”. O líder nortista, em sua atividade, “dissídios provoca, em vez de dirimir”, o que “perfeitamente se ajusta às tradições do Brasil velho, do Brasil onde havia corregedores…”.24 24 Diário Carioca, 21 fev. 1931. Ou seja, assim como o “título” que a definia, a ação de Juarez estava fora de lugar e de tempo na história nacional, destinada a tornar-se ultrapassada e obsoleta, pois estava fora de sintonia com as mudanças pregadas pelo movimento de 1930, uma vez que é uma clara referência ao período colonial, derrubado pelo império e enterrado pela república.

Desse modo, fica evidente nas muitas e diversas fontes que circularam no período que os “súditos” do Vice-Reinado são a identidade negativa dos revolucionários nortistas. É como eles são vistos por seus opositores e como o projeto político que defendiam arduamente para a região era criticado pelas outras correntes com as quais concorriam.

A ação de Juarez ao lado dos revolucionários nortistas ficava, com o passar dos meses, cada vez mais clara nacionalmente. Juarez atuava no Norte, investido de um cargo sui generis, criado por Vargas, exclusivamente para ele, graças à sua própria pressão: a Delegacia Militar do Norte. Esse órgão foi criado por Vargas em dezembro de 1930 e, segundo seu decreto que o instituiu, cabia a seu titular exclusivo, junto aos “estados do Norte”, “tomar as medidas que julgar conveniente ao interesse público, podendo propor demissões, nomeações, transferências, e outros atos que lhe pareçam necessários”. Em resumo, era Juarez, feito delegado, aquele que indicava ao presidente os interventores e principais lideranças administrativas, políticas e militares a serem nomeadas nos estados nortistas, além de ser o representante dessa nova elite regional junto ao governo federal.25 25 Arquivo Juarez Távora. Cpdoc/FGV, dpf 1930.12.08 (2/7455). A Delegacia Militar do Norte, sua criação, extinção e desdobramentos, assim como a própria ação de Juarez Távora durante o Governo Provisório, estão em Lopes (2014). Como se vê, um cargo que garantia a Juarez Távora plenos poderes para liderar o Norte e gerir as relações político-administrativas daquela grande região geopolítica com o Governo Provisório. Desse modo, para os opositores de Juarez e dos revolucionários nortistas, o Vice-Reinado do Norte e a Delegacia da região se enlaçavam, como fica exemplarmente claro por esta passagem:

Qual fosse a pessoa investida do cargo {de delegado militar do Norte} a que, desde logo, se deu, com feliz ironia, a designação de “Vice-reinado do Norte”, sobre o absurdo dessa criação, nos teríamos pronunciado sem reservas, salientando os inconvenientes que daí teriam de advir, e advieram de fato {…}. Se estivessem os interventores do Brasil setentrional subordinados diretamente, como os do meridional, à autoridade do Sr. Getúlio Vargas, não teriam eles sido tantos a desmandar-se, colocando em xeque a própria personalidade prestigiosa do aludido oficial.26 26 Diário Carioca, 29 jul. 1931.

Ou seja, Vice-Reinado era, para os opositores, um modo irônico e agressivo de se referir à Delegacia administrada por Távora. Dito de outro modo, de forma mais clara, o termo Vice-Rei, definitivamente, consolidava-se como uma categoria política, e não como um epíteto. Enquanto uma alcunha se limita a ter um sentido que adjetiva valor de qualificação ou de injúria, a categoria política - que também pode ter esses sentidos - se refere, essencialmente, a um modo de classificação de objetos ou sujeitos a partir de critérios historicamente situados.

Perceber essa mudança de significação, levando em conta o valor empregado pelos sujeitos durante o processo, estimula novas interpretações sobre a história política do período, uma vez que os “acontecimentos” que a compõem não podem ser encarados como monolíticos e estanques. Como assevera Angela de Castro Gomes,

{…} a história política privilegia, sem sombra de dúvida, o “acontecimento” (político tout court ou não), que não pode ser superestimado nem banalizado, mas sim investido de um valor “próprio” que lhe é em grande parte atribuído/vivenciado pelos seus contemporâneos; tal valor deve ser resgatado pelo analista, numa dialética entre memória-história cada vez mais considerada e praticada nos estudos político-culturais. (1996, p. 63)

Com o passar das décadas, o próprio Juarez reconhece que Vice-Rei do Norte era uma categoria política com essa trajetória, qual seja, surgida como um epíteto calunioso, mas que se torna um critério político de classificação que seus adversários imputaram a ele e à sua corrente. Em sua vasta obra autobiográfica, produzida na década de 1970, apenas uma única vez Juarez Távora se refere ao termo Vice-Rei. Isso ocorre no terceiro capítulo do segundo volume, intitulado “O ‘vice-reinado do Norte’”, quando rememora sua ação à frente da Delegacia Militar do Norte. Como reconheceu o antigo delegado, décadas depois, ela era um “posto sui generis, que a imprensa do país batizaria, com malícia, de ‘Vice-Reino do Norte’” (Távora, 1976TÁVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas - memórias: a caminhada no altiplano. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1976. v. 2., p. 28).27 27 As memórias de Juarez, Uma vida e muitas lutas, escritas quando se retirou da vida pública, foram divididas por ele em três volumes: o primeiro, datado de 1973, intitulado Da planície à borda do planalto, abrange o período de sua infância até o movimento militar de outubro de 1930; o segundo, de 1974, chamado de A caminhada no altiplano, compreende desde a vitória do movimento de 1930 até o suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1954; e o terceiro, de 1976, publicação póstuma (Juarez faleceu em 18 de julho de 1975), recebeu o título de Voltando à planície e vai da chefia do Gabinete Militar da presidência da república no governo Café Filho até março de 1967, quando deixou o Ministério de Viação.

O Norte que Juarez Távora liderava - e, de certo modo, encarnava - é aquele formado pelos revolucionários nortistas, que passaram o ocupar, por sua indicação direta, os principais postos de comando da região, quer militares, nas guarnições do Exército, quer políticos, muito especialmente nas interventorias. A categoria Vice-Rei ganha força, assim, graças ao amplo reconhecimento público que se tinha da liderança de Juarez Távora no Norte, por mais que esta não seja encontrada em seu arquivo pessoal, uma vez que nele há a predominância da categoria revolucionários nortistas.

O Norte da Delegacia, nesse sentido, era diferente do que se referia ao Vice-Reinado. Enquanto o Norte de Juarez e dos revolucionários nortistas era, para eles, um reduto revolucionário que garantia a vitória da Revolução de 1930 contra a investida dos políticos “decaídos” e empenhados com o combate ao constitucionalismo - tema central a partir de meados de 1931 -, o Norte do Vice-Reinado era outro para seus opositores:

O insigne Vice-Rei fala precipuamente pelo Norte {…}. O Norte, diz seu intérprete {Távora}, está contentíssimo com o regime de espoliação militar dos seus governos. Esquece de acrescentar que esse Norte rejubilado com os governichos de camaradas é o Norte dos reacionários e prestistas - desde o Espírito Santo até o Amazonas. O Norte satisfeito é o inimigo da Revolução, o Norte da politicalha sem escrúpulos, sem ideais, sem entranhas, o Norte dos aproveitadores, o Norte que passa sem um gemido da tirania dos antigos sobas para a servidão militar.28 28 Diário Carioca, 30 jan. 1932.

Assim, com o acirramento do embate político entre “revolucionários” e “constitucionalistas” ao longo dos anos 1931 e 1932, o Vice-Rei, na ótica de seus opositores, geria seus domínios exercendo exclusivamente a função de nomear os interventores da região:

Competindo {…} ao Sr. Getúlio Vargas escolher e nomear os interventores federais nos estados, o chefe da nação abandonou na rua esse direito essencialmente político e deixou que lhe usurpassem a função mais grave, mais delicada, talvez a única realmente nacional das que se compreende nos seus poderes discricionários. Em consequência dessa incompreensível deserção, formou-se um conselho áulico presidido pelo sr. major Távora que se vangloriava de um título que nunca teve expressão legal: o Vice-Rei do Norte. Pois esse conselho chamou a si prover os governos do setentrião. As capitanias foram distribuídas por camaradas e amigos. Os estadistas improvisados geralmente não apresentavam nenhum título para recolherem a prebenda e o benefício.29 29 Diário Carioca, 7 jun. 1932.

É importante que se reforce um ponto fundamental: para os opositores de Juarez, a Delegacia do Norte, entendida como o “Vice-Reinado”, é definida como, quase que exclusivamente, a nomeação dos interventores. É inegável a ação de Juarez nesse processo, que é bastante complexo. Apenas para mostrar a força de Távora nesses embates políticos envolvendo as elites estaduais, os militares e o próprio presidente, vale dizer que entre a vitória da Revolução de 1930 e o início da Guerra de 1932, ocuparam as interventorias nortistas, oficialmente, 26 interventores. Todas essas nomeações tiveram a influência direta de Juarez Távora.30 30 Sobre a nomeação de interventores no Norte, ver Lopes (2014, p. 121-163).

Entretanto, as funções do Delegado eram bem maiores do que essa, pois Juarez também atuava em assuntos administrativos e políticos, gerindo os estados do Norte e construindo a sólida aliança entre os revolucionários nortistas e Vargas, que vigorou durante todo o Governo Provisório, sendo evidente, muito especialmente, durante a guerra civil de 1932. As muitas ações da Delegacia no Norte se destacam, sobretudo, pela variedade. Em uma pálida amostra de suas diversas ações, fica evidente que elas vão desde aquelas de caráter político-moralizador (“resolvo, como Delegado Federal do Norte, aconselhar todos {os} interventores desta zona do país a {…} obrigarem pelos meios mais eficazes os defraudadores provados da fortuna pública a entrarem com as quantias desviadas para os cofres do estado ou dos respectivos municípios”), passando pela defesa financeira dos estados junto ao Ministério da Fazenda (“venho apelar v. excia. sentido conceder esse favor bancos pequeno capital existentes todas capitais Norte”), até mesmo à promoção de ações educativas conjuntas na região (“sugiro a todos os estados Norte {…} remeter a São Paulo um professor capaz bem assimilar fundamentos reforma ali elaborada e transplantá-la com indispensáveis adaptações para seu estado”31 31 Arquivo Juarez Távora. Cpdoc/FGV, dpf 1930.12.08 (228; 250; 234-235/7455). Respectivamente, datados de 10 mar. 1931; 10 mar. 1931 e 12 mar. 1931. ).

Mesmo que as categorias de Vice-Rei e Vice-Reinado tenham permanecido - e ainda permaneçam - mais fortes e frequentes do que Delegacia do Norte e revolucionários nortistas na bibliografia corrente que trata do Governo Provisório, elas não são sinônimas e nem se limitam ao ato de nomear interventores. São categorias diferentes, que revelam processos distintos e complexos, mas que se completam para entender o Norte constituído no imediato pós-1930, assim como a própria trajetória política de Juarez Távora. Por meio das primeiras delas, Vice-Rei e Vice-Reinado, é possível perceber como Juarez Távora e seus aliados eram vistos por outras correntes políticas do período. As duas outras, Delegacia do Norte e revolucionários nortistas, permite compreender os aliados de Juarez Távora a partir dos próprios sentidos que atribuíam à sua identidade de grupo. Ou seja, elas se complementam e dialogam entre si na montagem identitária do “eu” e do “outro”; do se ver e de ser visto em determinado contexto de tempo e espaço.

Tendo como guia as reflexões de Reinhart Koselleck acerca dos conceitos, entendo tais termos não como “‘meras’ palavras utilizadas comumente no campo político e social”, mas como categorias que dão unidade à ação política e, por isso mesmo, são relevantes para o “campo da experiência” da história social e política. Sua utilização de forma rigorosa é um dos “indicadores de transformações políticas e sociais de profundidade” em uma dada conjuntura. Dito de outra maneira, “a luta pelos conceitos” tem grande relevância social e política, sendo o vocabulário um índice fundamental da análise (Koselleck, 2006KOSELLECK, Reinhart. História dos conceitos e história social. In: KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2006.).32 32 No mesmo livro, ver também “‘Espaço de experiência’ e ‘horizonte de expectativa’: duas categorias históricas”.

Desse modo, defendo que, se Vice-Rei for pensado apenas como uma alcunha que desqualificava Juarez, a análise fica obliterada, pois se perde bastante da complexidade que a luta por significados colocava naquela conjuntura. Mas, interpretando Vice-Rei como categoria política a partir de sua historicidade, evidencia-se que o termo reflete e carrega significados que explicam a ação política dos muitos sujeitos na excepcional arena de disputas de um momento evidentemente conturbado do cenário político nacional.

IV

A atuação de Juarez Távora na chamada Revolução de 1930 foi, inegavelmente, um “acontecimento biográfico” em sua longa trajetória política e militar. Assim como para outros personagens políticos, acontecimentos desse tipo podem adquirir, ao longo dos anos, um “duplo sentido”, podendo “ser conotados como altamente positivos ou perigosamente negativos”. A importância e a perenidade da participação de Távora nos primeiros anos da década de 1930 se constatam tanto “pelas marcas que tal experiência produziu na construção de sua imagem para si mesmo e para seus aliados mais próximos” quanto “pelos desdobramentos que essa imagem provocou na movimentação de seus opositores”.33 33 A inspiração para tal reflexão vem de Angela de Castro Gomes (2006).

Nesse sentido, a categoria política de Vice-Rei é fundamental. Ela é uma porta de entrada para se entender Juarez Távora e como em sua trajetória, diante de determinadas conjunturas, seu passado é relembrado, ou melhor, construído. Desse modo, é importante deixar claro alguns aspectos que considero importantes.

O primeiro é que, historicizando a categoria de Vice-Rei, é possível pôr luz em elementos importantes do imediato pós-1930, que, por terem se desenrolado em um curto espaço de tempo, e, por isso mesmo, acabaram sendo pouco observados. O “nascimento” da expressão Vice-Rei como epíteto pejorativo e sua posterior transformação em categoria política é apenas um dos diversos “acontecimentos” de rearranjos políticos que foram tecidos naqueles confusos e conturbados meses, nos quais nem Vargas era ainda uma liderança plenamente estabelecida, nem mesmo oposição e situação estavam claramente situadas no jogo político.

Em segundo lugar, tendo em mente o processo de historicidade da categoria Vice-Rei, é possível entender melhor como determinadas correntes políticas foram construídas e se articularam nas disputas de poder em momentos distintos da história política nacional. Uma coisa é ser taxado de Vice-Rei nos anos 1930, outra, completamente diferente, é ser exaltado como Vice-Rei a partir da segunda metade dos anos 1950. Nesse percurso, muitos projetos políticos foram derrotados, e as aproximações e os acordos que lhes davam sustentação também foram apagados. O “embate” entre Vice-Rei e Delegado do Norte é exemplar nesse sentido: enquanto o segundo, fortemente presente nos papéis pessoais de Távora, tem seu projeto derrotado ainda nos anos 1930, o primeiro, sua identidade negativa, amplamente divulgada na imprensa, se sobrepõe àquele nas décadas posteriores.

Assim, o termo Vice-Rei é “ressuscitado” e difundido de modo deliberado na disputada campanha presidencial de 1955 por ação daquele que foi seu principal alvo, o próprio Juarez Távora. Em um “Depoimento pessoal feito em ‘ditafone’” produzido 1955 e certamente utilizado na campanha presidencial, Távora rememorava sua trajetória e sua “luta, que todos vocês conhecem”, além de garantir estar “vivo e com forças”. Nesse depoimento, como não poderia deixar de ser, o Vice-Rei ressurge, nestes termos:

Exatamente porque as coisas mais importantes que se processavam entre os governos do Norte e o Governo Central vinham por meu intermédio surgiu, no espírito crítico da imprensa, esse título “Vice-Rei do Norte”, aqui no Rio de Janeiro. O título foi criado aqui e apenas aceito com uma certa fleuma e até um certo contentamento pela população nordestina e do norte do Brasil.34 34 Arquivo Juarez Távora. Cpdoc/FGV, JT pio p Távora, J. 1955.00.00.

Ou seja, mesmo reconhecendo a crítica, Juarez o reutiliza nesse contexto construindo um “contentamento” para o termo, algo que efetivamente não existiu nos anos 1930. Essa estratégia foi utilizada para aproximá-lo do Governo Provisório, vale destacar, na medida certa, com “certa fleuma”, qual seja, no limite entre um forte revolucionário militar e um líder político afastado de Vargas. No fim das contas, aquela autonomia que tinha e estimulou o “espírito crítico da imprensa” para a criação do título Vice-Rei acabou sendo muito útil, pois a oposição à herança varguista era uma marca fundamental da base de apoio à sua candidatura e não poderia passar em brancas nuvens em sua campanha eleitoral. Como nos ensina René Rémond, “a campanha é parte integrante de uma eleição, é seu primeiro ato. Não é apenas a manifestação das preocupações dos eleitores ou a explicação dos programas dos candidatos e dos temas dos partidos, é a entrada em operação de estratégias, a interação entre os cálculos dos políticos e os movimentos de opinião” (2003, p. 49).

O pleito de 1955 é comumente lembrado pelo que se sucedeu após o resultado das urnas, quando forças golpistas tentaram tomar o poder, mas foram impedidas por uma intervenção articulada por militares nacionalistas e legalistas, liderados pelo general Henrique Teixeira Lott. Durante todo ano 1955, mas em especial de agosto a setembro, ou seja, imediatamente antes das eleições, uma ampla campanha golpista foi encadeada por militares direitistas e a ala da UDN, liderada por Carlos Lacerda.35 35 O melhor trabalho que analisa esse processo é o de Jorge Ferreira (2005), em especial o Capítulo 4: “Trabalhadores e soldados do Brasil: a Frente de Novembro”. Tendo em mente essa análise, é importante ressaltar um ponto que considero fundamental: para compreender o que se sucedeu após o pleito, é necessário entender o próprio pleito.

O suicídio de Getúlio Vargas, sem sombra de dúvida, foi um evento político extremamente relevante e que se torna um “fato da memória” nacional para amplos setores da população brasileira (Gomes, 2011GOMES, Angela de Castro. (Org.). Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2011.; Ferreira, 2011FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos do 24 de agosto. In: GOMES, Angela de Castro (Org.). Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2011.), marcando profundamente o processo eleitoral que se seguiu. Para meses depois, ainda em 1954, estavam marcadas eleições legislativas federais, e houve tenso e amplo debate sobre a realização ou não delas. De fato, elas ocorreram na data estabelecida - como de praxe na época, na efeméride de 3 de outubro -, resultando no crescimento do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e na queda da UDN no número de cadeiras na Câmara Federal. A escolha presidencial de 1955 seria realizada exatamente um ano após as eleições legislativas, novamente em 3 de outubro, e seus candidatos, como fizeram os de 1954, não poderiam esquecer o ex-presidente. No caso de Juarez Távora, a situação era ainda mais peculiar, pois ele fora um aliado de Vargas no passado, mas naquele conturbado presente era o candidato da oposição ao varguismo à presidência da república. Além disso, após o suicídio, Távora tornou-se chefe do Gabinete Militar do presidente Café Filho, sabidamente o ex-vice-presidente que rompera com Getúlio no meio da crise que culminou no suicídio. Diante disso, era amplo e notório que Távora precisava, em sua campanha, reconstruir seu passado ao lado de Vargas. Para tal, a estratégia foi amplamente divulgada: reabilitar seus feitos militares da década de 1930 pela “reconstituição” de seu Vice-Reinado, condição fundamental para realizar o que chamava de sua “revolução pelo voto”.

Desse modo, é exemplar como o jornal Última Hora, forte aliado do projeto varguista e apoiador da candidatura de Juscelino Kubistchek, utilizou a categoria Vice-Rei durante a campanha de 1955. Quando se referia a Távora, ela é amplamente utilizada, de modo ambivalente. Em certos momentos, essencialmente quando oriundos de declarações de alguns personagens ou em colunas políticas, é apresentada com características semelhantes àquelas de quando de seu surgimento: o Vice-Rei, fazendo no Norte “todas as nomeações”, era, nos anos 1930, “o maior distribuidor de empregos que o Brasil já teve em qualquer época da sua História”. Sendo assim, ela é uma “alcunha pitoresca”, pois “o carioca, no pior da tragédia, jamais perdeu o sentido do pitoresco do humor!”36 36 Última Hora, 30 maio, 28 e 29 set. 1955, respectivamente. Refiro-me à declaração do deputado federal Rafael Correia de Oliveira, da UDN/PB, e à coluna Revista dos Jornais. Em maio, a UDN ainda não havia oficializado seu apoio a Juarez.

No entanto, o Última Hora, a despeito de ser opositor a Távora, não podia negar a força que o termo assumiu na eleição presidencial. Nas matérias jornalísticas sobre a campanha, “o Vice-Rei {…} parte para a reconquista do Nordeste”, “relembrando os tempos heroicos de 30”. Tratando da passagem de Juarez por sua terra natal, o periódico estampava: “Lenços vermelhos ao pescoço, os cearenses têm aclamado da capital ao interior o antigo Vice-Rei do Norte, saudando com entusiasmo o revolucionário que confessa haver trocado as armas pelo voto do povo.”37 37 Última Hora, 25 maio, 21 e 24 jun. 1955, respectivamente.

Como se vê, em 1955 o termo ainda estava em disputa entre aliados e inimigos de Juarez Távora. Só que agora o próprio outrora revolucionário de 1930 o mobilizava para reavaliar sua proximidade, de modo relativo, com Getúlio Vargas, como deixava claro a já apresentada história em quadrinhos utilizada amplamente como material de campanha. Nesse material, a crise de 1954 - da qual Juarez foi ativo participante e um dos signatários de um manifesto de generais que exigia o afastamento de Vargas do poder - é assim retratada: “Os ânimos dia a dia se exacerbavam. E embora amigo do Presidente Getúlio Vargas, Juarez colocou-se ao lado dos seus camaradas do Exército…”38 38 Arquivo Juarez Távora. Cpdoc/FGV, dpf 1954.01.02 (681-692/784). É a versão heroica do Vice-Rei, construída e divulgada em uma prosaica história em quadrinhos, que Juarez procurou cristalizar em sua busca da presidência da república: um herói militar, um soldado impoluto, um líder arrojado, aclamado pelas multidões. Nos anos 1950, o Vice-Rei era aquele que “tudo provia e tudo previa”, e a “revolução pelo voto” só viria reabilitando a experiência dos anos 1930, em especial do imediato pós-1930.

Tal iniciativa, construída na década de 1950, foi certamente vitoriosa, visto sua ampla difusão na literatura, sobrepondo-se a outras categorias e/ou alcunhas com que concorria, apagando, assim, projetos e alianças articulados ainda nos anos 1930.

Isso fica evidente em um dos últimos momentos - senão o último - no qual o termo Vice-Rei aparece na política nacional: as sessões do Congresso Federal de 1975 que homenagearam Juarez Távora, morto havia cerca de um mês. Nos discursos necrológicos, realizados em um momento de restrição aos direitos civis e políticos daqueles que se opunham ao regime em voga no país, como é de se esperar, a imagem pública de Távora é reconstruída, com usos nem sempre fiéis à sua trajetória.

Para o senador Lázaro Barbosa do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) de Goiás, Juarez, “vivo, já era uma legenda e, morto, tomou o lugar que a sua vida de muitas lutas lhe reservou no panteão da História”. Já Franco Montoro, do mesmo partido de São Paulo, lembrou-se do homenageado por “sua luta pela liberdade e pela democracia”, assim como por sua bandeira de “valorização do voto como o grande instrumento do homem para realizar, por via pacífica, as transformações sociais”.39 39 Homenagem ao marechal Juarez Távora. Discurso do senador Luiz Viana Filho, na Sessão Especial do Senado Federal, 27 ago. 1975. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/91134>. Acesso em: 13 nov. 2015.

Na Câmara, o deputado paulista Cunha Bueno, da Aliança Renovadora Nacional (Arena), afirmou que “mais do que ‘Vice-Rei do Nordeste’, alcunha que um jornalista inadvertidamente lhe outorgou, Juarez Távora foi o ‘Rei da Legalidade’ e nessa condição merece sempre o respeito unânime de toda a nação”, rememorando que o termo nasceu entre seus inimigos.40 40 Diário do Congresso Nacional. Câmara dos Deputados, ano XXX, n. 077, 7 ago. 1975, p. 5482-5483. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/diarios.asp>. Acesso em: 17 jun. 2016.

Já o senador baiano Luiz Viana, também da Arena, disse sobre Juarez que “seria ele - assim o aclamaram as multidões fascinadas e reconhecidas - o Vice-Rei do Norte. Por mais que o desejasse, não lograra desvencilhar-se dos pesados encargos decorrentes do triunfo”,41 41 Homenagem ao marechal Juarez Távora. Discurso do senador Luiz Viana Filho, na Sessão Especial do Senado Federal, 27 ago. 1975. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/91134>. Acesso em: 13 nov. 2015. lembrando que a famosa categoria fora reapropriada por seus aliados.

Quer seja uma alcunha caluniosa atribuída por seus inimigos no imediato pós-1930, quer uma categoria política acusatória que definia a ele e a sua corrente política para seus opositores durante o Governo Provisório, ou ainda um termo laudatório nos anos 1950 que relembrava seu passado para o construí-lo como um político forte, digno e poderoso perante seus aliados e eleitores, “Vice-Rei do Norte” foi o cargo que Juarez carregou por mais tempo em sua vida política e militar. Estava certo o senador ao dizer que Távora não conseguia se afastar desse pesado encargo. Nem mesmo depois de morto.

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  • SOUZA, Francisca Simão de. Interventorias no Ceará: política e sociedade (1930-1935). Dissertação (Mestrado), PUC-SP, São Paulo, 1982.
  • SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e partidos políticos do Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Alfa-Ômega, 1976.
  • TÁVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas - memórias: a caminhada no altiplano. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1976. v. 2.
  • VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.
  • 2
    A UDN apresentou Mílton Campos como candidato a vice e foi o partido que deu força e sustentação à candidatura. Somados ao PDC e à UDN, apoiaram Távora o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Libertador (PL). Ver, além de “Juarez Távora”, “Partido Democrata Cristão (1945)”, “Partido Socialista Brasileiro (1947-1965)” e “União Democrática Nacional (UDN)” no Dicionário histórico-biográfico brasileiro, disponível em <www.cpdoc.fgv.br> (doravante DHBB). Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas (Cpdoc/FGV).
  • 3
    Essa tipologia foi cunhada por José Murilo de Carvalho (1999, p. 344).
  • 4
    Para as eleições presidenciais na Primeira República, ver Cláudia Viscardi (2012). Para as estatísticas eleitorais a partir de 1945, ver <http://pdba.georgetown.edu/Elecdata/Brazil/brazil.html>. Acesso em: 8 jun. 2016. Em 2014, Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), venceu no segundo turno Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), por aproximadamente 3% dos votos.
  • 5
    Arquivo Juarez Távora. Cpdoc/FGV, dpf 1954.01.02 (681-692/784).
  • 6
    O arquivo pessoal de Juarez Távora está sob a guarda do Cpdoc/FGV. Ele tem 16.200 documentos divididos em vários dossiês temáticos que compreendem 42.252 folhas, com as datas limites de 1911 e 1975. Somados os 15 dossiês que abarcam o Governo Provisório, constata-se que correspondem a cerca de 8.369 documentos divididos em 15.087 folhas.
  • 7
    Sobre a formação e a problematização das categorias Norte e revolucionários nortistas, ver o pioneiro e importante trabalho de Dulce Pandolfi (1980) e também de Lopes (2014).
  • 8
    Entre as produções memoriais que citam Távora como Vice-Rei do Norte, ver Alzira Vargas do Amaral Peixoto (1960) e João Neves da Fontoura (1933). Nas obras destinadas ao grande público que reafirmam Távora como Vice-Rei, vale citar Boris Fausto (2006) e Lira Neto (2013).
  • 9
    Entre essas, destaco Dulce Pandolfi (1980); José de Ribamar Chaves Caldeira (1981); Francisca Simão de Souza (1982); Marlene da Silva Mariz (1984); Consuelo Sampaio (1992); Francisco Alcides do Nascimento (1994); e Fernando Achiamé (2010).
  • 10
    Entre os muitos trabalhos que se valeram dessa estratégia, cito Angela de Castro Gomes (2001) e Jorge Ferreira (2001). Destaco esses dois por suas excelências, assim como por a obra que compõem contribuir com a renovação dos estudos de história política e social no Brasil, não restringindo suas influências apenas a temas relacionados com a segunda metade do século XX.
  • 11
    O autor sugere tal análise a partir dos métodos da antropologia social. Além disso, afirma que José Américo de Almeida também era chamado, de modo irônico, de Vice-Rei do Norte, o que explica o plural utilizado em seu artigo. Essa é a única referência que encontrei a essa aproximação entre José Américo e o termo Vice-Rei.
  • 12
    Correio da Manhã, 29 out. 1930. Uma análise do processo de heroificação de Juarez Távora está em Lopes (2012).
  • 13
    Correio da Manhã, 28 dez. 1930.
  • 14
    Correio da Manhã, respectivamente 30 e 31 dez. 1930.
  • 15
    Correio da Manhã, 31 dez. 1930.
  • 16
    Correio da Manhã, 4 jan. 1931.
  • 17
    Correio da Manhã, 6 jan. 1931.
  • 18
    Correio da Manhã, 7 jan. 1931.
  • 19
    Correio da Manhã, respectivamente 16, 25 e 27 jan. 1931.
  • 20
    O Estado de Minas, 30 jan. 1931.
  • 21
    De fato, o jornal mineiro apoiara o movimento de 1930, mas caminhava para oposição ao Governo Provisório, assim como seu proprietário, Assis Chateaubriand. O periódico, nesse processo, ligava-se cada vez mais ao setor do Partido Republicano Mineiro, liderado por Artur Bernardes. Informações retiradas de O Estado de Minas. In: DHBB. Cpdoc/FGV.
  • 22
    A transcrição da carta está no livro Acuso! (1933, p. 43-63), de João Neves da Fontoura. Mesmo ligado ao movimento de 1930, Neves da Fontoura não foi um dos apoiadores do Governo Provisório, e esse livro, como já fica evidente por seu título, critica duramente Vargas e seus aliados. Foi escrito quando seu autor estava no exílio por sua participação na guerra civil de 1932 ao lado da corrente paulista. Ver João Neves da Fontoura. In: DHBB. Cpdoc/FGV.
  • 23
    Sobre isso, ver Angela de Castro Gomes (1997).
  • 24
    Diário Carioca, 21 fev. 1931.
  • 25
    Arquivo Juarez Távora. Cpdoc/FGV, dpf 1930.12.08 (2/7455). A Delegacia Militar do Norte, sua criação, extinção e desdobramentos, assim como a própria ação de Juarez Távora durante o Governo Provisório, estão em Lopes (2014).
  • 26
    Diário Carioca, 29 jul. 1931.
  • 27
    As memórias de Juarez, Uma vida e muitas lutas, escritas quando se retirou da vida pública, foram divididas por ele em três volumes: o primeiro, datado de 1973, intitulado Da planície à borda do planalto, abrange o período de sua infância até o movimento militar de outubro de 1930; o segundo, de 1974, chamado de A caminhada no altiplano, compreende desde a vitória do movimento de 1930 até o suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1954; e o terceiro, de 1976, publicação póstuma (Juarez faleceu em 18 de julho de 1975), recebeu o título de Voltando à planície e vai da chefia do Gabinete Militar da presidência da república no governo Café Filho até março de 1967, quando deixou o Ministério de Viação.
  • 28
    Diário Carioca, 30 jan. 1932.
  • 29
    Diário Carioca, 7 jun. 1932.
  • 30
    Sobre a nomeação de interventores no Norte, ver Lopes (2014, p. 121-163).
  • 31
    Arquivo Juarez Távora. Cpdoc/FGV, dpf 1930.12.08 (228; 250; 234-235/7455). Respectivamente, datados de 10 mar. 1931; 10 mar. 1931 e 12 mar. 1931.
  • 32
    No mesmo livro, ver também “‘Espaço de experiência’ e ‘horizonte de expectativa’: duas categorias históricas”.
  • 33
    A inspiração para tal reflexão vem de Angela de Castro Gomes (2006).
  • 34
    Arquivo Juarez Távora. Cpdoc/FGV, JT pio p Távora, J. 1955.00.00.
  • 35
    O melhor trabalho que analisa esse processo é o de Jorge Ferreira (2005), em especial o Capítulo 4: “Trabalhadores e soldados do Brasil: a Frente de Novembro”.
  • 36
    Última Hora, 30 maio, 28 e 29 set. 1955, respectivamente. Refiro-me à declaração do deputado federal Rafael Correia de Oliveira, da UDN/PB, e à coluna Revista dos Jornais. Em maio, a UDN ainda não havia oficializado seu apoio a Juarez.
  • 37
    Última Hora, 25 maio, 21 e 24 jun. 1955, respectivamente.
  • 38
    Arquivo Juarez Távora. Cpdoc/FGV, dpf 1954.01.02 (681-692/784).
  • 39
    Homenagem ao marechal Juarez Távora. Discurso do senador Luiz Viana Filho, na Sessão Especial do Senado Federal, 27 ago. 1975. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/91134>. Acesso em: 13 nov. 2015.
  • 40
    Diário do Congresso Nacional. Câmara dos Deputados, ano XXX, n. 077, 7 ago. 1975, p. 5482-5483. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/diarios.asp>. Acesso em: 17 jun. 2016.
  • 41
    Homenagem ao marechal Juarez Távora. Discurso do senador Luiz Viana Filho, na Sessão Especial do Senado Federal, 27 ago. 1975. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/91134>. Acesso em: 13 nov. 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2016
  • Aceito
    17 Jan 2017
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