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A Teoria do Direito e o Pós-Colonial: o subalterno como sujeito de direito espectral

Legal Theory and the Specter of the Post-Colonial: the subaltern as the spectral legal subject

Resumo

O objetivo deste artigo reside em investigar de que maneira algumas reflexões suscitadas por Gayatri Chakravorty Spivak em seu artigo, Can the subaltern speak?, podem ser relevantes para uma reconsideração crítica da subjetividade jurídica a partir da condição dos grupos subalternos. Partindo de uma concisa delimitação das questões suscitadas pela autora em torno do subalterno, o artigo pretende trazer à tona de que maneira a dinâmica do processo de colonização constrói a subalternidade em associação com a subjetividade jurídica. Recorrendo a uma breve revisão de literatura dos trabalhos de Peter Fitzpatrick e Costas Douzinas acerca do papel do sistema jurídico na dinâmica do colonialismo e da plasticidade subjacente à subjetividade jurídica, o artigo posiciona o subalterno, no horizonte da teoria do direito, como uma figura espectral, cujo reconhecimento ocorre em função de sua própria expropriação de capacidades jurídicas fundamentais.

Palavras-chave:
Colonialismo; Spivak; Desconstrução; Sujeito de Direito

Abstract

This article main objective is to investigate how some of Gayatri Chakravorty Spivak´s considerations that were made in her article, Can the subaltern speak?, could be important for a critical reconsideration of legal subjectivity through the very specific conditions of subaltern groups. Taking a concise exposition of some of most relevant questions raised by Spivak concerning the subaltern as its starting point, this research intends to bring it out how the dynamic process of colonization establish subalternity in a close relationship with legal subjectivity. Through a brief literature review of the works of Peter Fitzpatrick and Costas Douzinas that deals with the place of legal system within the dynamics of colonialism and the plasticity of the legal subjectivity, this article conceives the subaltern within legal theory as a spectral entity whose recognizement is directly associated with its own expropriation of fundamental legal capacities.

Keywords:
Colonialism; Spivak; Deconstruction; Legal Subject

Introdução**Agradeço a Carolina Leal Moraes Vieira por realizar a revisão do presente trabalho, pelas discussões que me auxiliaram a desenvolver parte dos argumentos e leituras fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa. Meu mais profundo agradecimento aos professores da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) Stéfano Gonçalves Régis Toscano, Manoel Carlos Uchôa de Oliveira e Danilo José Viana da Silva que sempre me ajudaram a desenvolver a minha formação teórica sem a qual não teria conseguido realizar as leituras necessárias para a realização dessa pesquisa. Por fim, considerável parte do desenvolvimento teórico acerca da subjetividade social e da categoria de reconhecimento foi influenciada por várias discussões propostas pelo Grupo de Estudos em Teoria Social e Subjetividades (GETSS/UFPE).

Já faz alguns anos que os pesquisadores da teoria do direito e da teoria política têm recepcionado e participado ativamente dos debates envolvendo pós-colonialismo e descolonialismo, seja para colocar em questão o desenvolvimento da própria dogmática jurídica nacional, seja para investigar as diferentes possibilidades de experimentação jurídica presentes no panorama histórico singular da América Latina. É também em meio a essa circunstância, ou especialmente a partir dela, que indagações até pouco tempo inéditas acerca das novas formas de subjetividade jurídica começaram a captar a imaginação e a capacidade analítica dos teóricos do direito, sobretudo no que concerne ao lugar do subalterno. Trata-se de investigar as possibilidades políticas que aqui se desenvolvem com o propósito de mobilizar novos imaginários sociais.

Os estudos pós-coloniais, a partir de uma absorção sofisticada de uma série de gestos teóricos do pós-estruturalismo francês, levaram adiante um descentramento das principais narrativas que estabelecem o Ocidente, ou apenas parte dele: a subjetividade racional, o progresso científico-tecnológico, a sobreposição do cristianismo frente a outras crenças, a relação instrumental com o meio ambiente, dentre outros. Como aqueles autores que deram início à investigação do colonialismo, percebe-se que a própria ideia de Oriente fora uma construção do Ocidente em meio aos seus anseios, projeções, temores e necessidades.

Um dos principais eixos de investigação dos estudos pós-coloniais fora a maneira a maneira ambivalente pela qual se deu a constituição das identidades políticas em meio aos diferentes processos políticos de independência e descolonização. A herança colonial e os arranjos institucionais herdados desse período geraram formas de subjetividade cujo senso de pertencimento e afinidade cultural se encontram em contínuo deslocamento, quando não acabaram destituídas das condições necessárias para a validação de suas falas e posicionamentos. A pergunta que integra o título daquele é dedicada a exposição de algumas questões importantes do artigo de Gayatri Chakravorty Spivak, Can the Subaltern Speak?, especialmente no que se refere a uma problematização do sujeito subalterno e as suas condições discursivas.

Muito embora o artigo não tenha pretensão de deslocar essa temática para o âmbito da teoria do direito ou de uma filosofia política acerca do jurídico, certas considerações de Spivak parecem ser bastante frutíferas para serem abordadas em meio aos problemas e questionamentos suscitados nesses campos. Não tem este artigo a pretensão de ser uma exposição profunda da complexa teoria desenvolvida por Spivak, nem de seu engajamento crítico tanto com autores pós-estruturalistas ou com os subaltern studies.

Será essa a principal pretensão deste artigo, cujo desenvolvimento atende ao seguinte recorte e estrutura. Primeiro, será apontado em linhas gerais algumas das principais questões referentes ao subalterno desenvolvidas por Spivak no artigo mencionado. Na seção subsequente, recorrendo às considerações de Peter Fitzpatrick, Costas Douzinas e outros, em torno da subjetividade jurídica, principalmente na maneira como a sua constituição ocorre em função – e a partir - de uma subjugação do poder político estabelecido. Nesta seção pretende-se analisar a maneira pela qual o subalterno é uma categoria espectral, em contínuo deslocamento e juridicamente destituída, habitando um espaço entre a liberdade protegida pelo ordenamento jurídico positivo e a completa ausência de liberdade dos que foram juridicamente destituídos de subjetividade, como os escravos e certos prisioneiros de campos de concentração.

O artigo foi realizado a partir de uma revisão de literatura que teve como principal eixo o mencionado artigo de Spivak. No que se refere à teoria do direito e à filosofia política, os trabalhos de Peter Fitzpatrick e Costas Douzinas foram significativos para operar uma transposição das questões suscitadas por Spivak para o horizonte dos problemas situados na interseção entre o jurídico e o político. No que se refere ao segundo grupo de autores, o ponto de partida fora a relação entre constituição da subjetividade jurídica e a sua subordinação à ordem jurídico-política.

Subalternidade, subjetividades e ideologia: reavaliando criticamente o pós-estruturalismo

O início do artigo Can the subaltern speak? estabelece de maneira pontual as restrições de Spivak a uma certa teorização do poder e da constituição da subjetividade, compreendida de maneira plural, oscilante e elusiva, mas que, em sua radicalidade, promove à conservação daquilo que se pretendeu erradicar: a conservação do próprio sujeito soberano moderno. Conforme a autora, esse sujeito conservado é o sujeito ocidental ou, em termos muito equivalentes, o próprio Ocidente como sujeito (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 271 e ss; SPIVAK, 1999SPIVAK, Gayatri Chakravorty. A Critique of Postcolonial Reason: Toward a History of the Vanishing Present. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999., p. 248 e ss). Essa dimensão geopolítica do sujeito moderno manteve-se tão persistente quanto encoberta: sua universalização implicara também na sobreposição do Ocidente/Europa sob as diferentes denominações do seu exterior, a exemplo dos bárbaros, pagãos ou, mais adiante, orientais (CHAKRABARTY, 2000CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press, 2000., p. 29 e ss; SPIVAK, 1999SPIVAK, Gayatri Chakravorty. A Critique of Postcolonial Reason: Toward a History of the Vanishing Present. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999., p. 215 e ss).

Spivak reformula e mobiliza essas considerações na problematização de certas reflexões de Michel Foucault e Gilles Deleuze apresentadas no curto diálogo, “Os Intelectuais e o Poder” (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 280; FOUCAULT; DELEUZE, 1979FOUCAULT, Michel; DELEUZE, Gilles. Os intelectuais e o poder. In: FOUCAULT, Michel; MACHADO, Roberto (org). Microfísica do Poder. Editora Graal, 1979, pp. 69-78., p. 69 e ss). A autora pondera se, por trás da radicalidade da crítica dos dois autores ao sujeito soberano moderno, não haveria a possibilidade de estar se retornando mais uma vez a essa concepção de sujeito (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., pp. 271-272). Um dos pontos persistentes no diálogo entre Foucault e Deleuze – e que de certa forma também alcança outros autores associados ao pós-estruturalismo, como Félix Guattari e Ernesto Laclau – é o de que as diferentes redes de associação de desejo, poder e interesse são tão diversas, multifacetadas e contingentes que resistem a serem incorporadas em uma única narrativa coerente, a exemplo da emancipação universal da classe operária (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 272; FOUCAULT; DELEUZE, 1979FOUCAULT, Michel; DELEUZE, Gilles. Os intelectuais e o poder. In: FOUCAULT, Michel; MACHADO, Roberto (org). Microfísica do Poder. Editora Graal, 1979, pp. 69-78., p. 74-75).

Em parte, esse fora um dos impactos decisivos das manifestações de Maio de 69, como também das diferentes lutas coloniais que envolveram o contexto histórico no qual foram escritas obras como “Anti-Édipo” e “Vigiar e Punir”. Se as grandes narrativas já estavam sendo confrontadas por meio da multiplicação de embates, objetos de disputas e das diferentes estratégias de mobilização política, o que será intensificado nas décadas subsequentes. Mais de uma década após o diálogo entre Deleuze e Foucault, na obra publicada em 1985 Hegemony and Socialist Strategy, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe adotaram como ponto de partida uma crítica ao essencialismo economicista que eles entendiam envolver não somente a distinção entre infraestrutura/superestrutura nos escritos de Marx, como considerável parte da teoria marxista desenvolvida em meados do século vinte (LACLAU; MOUFFE, 1985LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemony and Socialist Strategy: Towards a Radical Democratic Politics. London: Verso, 1985., p. 1 e ss; HALL, 2019HALL, Stuart. Race, Articulation, and Societies Structured in Dominance. In: HALL, Stuart; MORLEY, David (org). Essential Essays, v. 1. Durham and London: Duke University Press, 2019, pp. 172-221., p. 176 e ss). É explícita a preocupação de Laclau e Mouffe com relação à fragmentação – e mesmo dispersão – dos embates políticos, e uma dupla crise teórico-estratégica da esquerda.

Esta pequena digressão serve para elencar alguns fatores históricos e políticos que contribuíram ainda mais para a postulação das diferentes formas de articulação e conexão dos desejos e interesses, e de que maneira tendem a promover uma fragmentação dos embates políticos e formas de dominação (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 274 e ss). Spivak, porém, observara que, em paralelo a uma desconfiança à universalização da luta proletária como principal referencial teórico, político ou mesmo estratégico no que concerne aos embates emancipatórios, há também uma certa desconsideração do conceito de ideologia, quando não a sua desconsideração como um conceito que já não mais se encontra adequado ao diagnóstico da época (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 273 e ss; SPIVAK, 1999SPIVAK, Gayatri Chakravorty. A Critique of Postcolonial Reason: Toward a History of the Vanishing Present. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999., p. 279 e ss).

Para autora, porém, afastar o conceito de ideologia ao vinculá-lo a uma compreensão específica de sujeito produz consequências problemáticas tanto no que diz espeito à teorização política com pretensões emancipatórias quanto na prática política: a luta de classes permanece sendo para ela uma bandeira de ampla relevância na contemporaneidade (SPIVAK, 1990cSPIVAK, Gayatri Chakravorty. The Post-Modern Condition: The End of Politics? In: HARASYM, Sarah (org). The Post-Colonial Critic: Interview, Strategies, Dialogues. London: Routledge, 1990c, pp. 17-34., p. 27 e ss). Uma consideração ampla e geral da luta dos trabalhadores como uma narrativa homogênea, cujo desenvolvimento segue uma dinâmica de contraposição constante ao poder estabelecido, normalmente contra as forças burguesas que se apropriam da estrutura estatal, corre sério risco de considerar também as sucessivas “realidades” e contextos que se desdobram em meio ao capitalismo globalizado. Spivak comenta o enunciado que daquela maneira situa a luta dos trabalhadores:

A aparente banalidade assinala uma negação. O enunciado ignora a divisão internacional do trabalho, um gesto que frequentemente caracteriza a teoria política pós-estruturalista. A menção à luta dos trabalhadores é sinistra em sua própria inocência; ela é incapaz de lidar com o capitalismo globalizado: a produção da subjetividade trabalhadora e do desemprego em meio às ideologias do Estado-nação no seu Centro; a progressiva subtração da classe trabalhadora, na Periferia, da apropriação de sua mais-valia e, desta forma, do seu treino “humanístico” no consumismo; e a presença em larga-escala do trabalho paracapitalista assim como do status estrutural heterogêneo da agricultura na Periferia. Ignorar a divisão internacional do trabalho; tornar a “Ásia” (ou neste momento também a “África”) transparente (a menos que o sujeito seja explicitamente o “Terceiro Mundo”); reestabelecer o sujeito de direito do capital socializado – esses são problemas tanto do pós-estruturalismo quanto do estruturalismo (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 272)1 1 No original: “The apparent banality signals a disavowal. The statement ignores the international division of labor, a gesture that often marks postructuralist political theory. The invocation of ´the´ workers´ struggle is baleful in its very innocence; it is incapable of dealing with global capitalism: the subject-production of worker and unemployed within nation-state ideologies in its Center; the increasing subtract of the working class in the Periphery from the realization of surplus value and thus from "humanistic" training in consumerism; and the large-scale presence of paracapitalist labor as well as the heterogeneous structural status of agriculture in the Periphery. Ignoring the international division of labor; rendering "Asia" (and on occasion "Africa") transparent (unless the subject is ostensibly the "Third World"); reestablishing the legal subject of socialized capital - these are problems as common to much postructuralist as to structuralist theory”. .

A passagem acima reitera uma série de pontos que, segundo a autora, precisam ser considerados quando se empreende uma crítica ao sujeito soberano da Modernidade em função do seu Outro, daqueles que habitam e terminam por constituir a sua periferia. Desconsiderar as sucessivas formas de expropriação dos trabalhadores nos países de Terceiro Mundo, as sucessivas ondas de desemprego e de exclusão de amplos segmentos da população em meio aos mercados de trabalho formais nas economias em desenvolvimento, significa ao menos ocultar as diferentes dinâmicas que concorrem para a produção de formas variadas de dominação e controle (SWAIN; CLARKE, 1995SWAIN, Stella; CLARKE, Andrew. Negotiating Postmodernity: Narratives of Law and Imperialism. Law and Critique, v. 6, n. 2, 1995, pp. 229-256., p. 236 e ss; SPIVAK, 1999SPIVAK, Gayatri Chakravorty. A Critique of Postcolonial Reason: Toward a History of the Vanishing Present. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999., p. 377 e ss).

Na concepção de Spivak, no momento em que a formulação de Deleuze/Guattari sobre o desejo exclui o sujeito, por compreendê-lo em termos de uma formação fixada, permanente, o que se tem é uma descrição abstrata de subjetividades oscilantes sem que haja – ou mesmo possa haver, seguindo as reflexões da teórica – uma demarcação dos interesses que se organizam em meio a essa fluidez (FOUCAULT; DELEUZE, 1979FOUCAULT, Michel; DELEUZE, Gilles. Os intelectuais e o poder. In: FOUCAULT, Michel; MACHADO, Roberto (org). Microfísica do Poder. Editora Graal, 1979, pp. 69-78., p. 76 e ss). Em síntese, para a teórica, faltaria a Deleuze/Guattari uma teoria dos interesses que os permitisse ao menos delimitar relações de antagonismo minimamente consistentes, ainda que concebidas a partir de uma ontologia dos devires, fluxos e transformações incessantes (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 273; SPIVAK, 1999SPIVAK, Gayatri Chakravorty. A Critique of Postcolonial Reason: Toward a History of the Vanishing Present. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999., pp. 106-107).

Nessa direção, o deslocamento da noção de ideologia para um patamar secundário, senão de indiferença, é coerente com a ausência do tipo de teoria mencionada: é muito complicado, senão impraticável, uma teorização política dos interesses sem que haja qualquer associação a um conceito de ideologia. Por essa razão interessa a Spivak trazer à tona a oposição que tanto Deleuze/Guattari quanto Foucault acabam por estabelecer entre desejo e interesse (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 273 e ss).

Uma vez que os autores não admitem a possibilidade de que haja um desejo contra o próprio interesse, haja vista que o interesse segue o desejo e existe em meio ao que ele estabelece, então a concepção tradicional de ideologia como falsa consciência, já confrontada por Althusser, aqui perderia de vez o seu sentido e funcionalidade (SPIVAK, 1990bSPIVAK, Gayatri Chakravorty. The Problem of Cultural Self-Representation. In: HARASYM, Sarah (org). The Post-Colonial Critic: Interview, Strategies, Dialogues. London: Routledge, 1990b, pp. 50-58., p. 54 e ss; FOUCAULT; DELEUZE, 1979FOUCAULT, Michel; DELEUZE, Gilles. Os intelectuais e o poder. In: FOUCAULT, Michel; MACHADO, Roberto (org). Microfísica do Poder. Editora Graal, 1979, pp. 69-78., pp. 70-71). Neste ponto Spivak elenca duas ideias que são centrais para uma caracterização comum do posicionamento tanto de Deleuze/Guattari quanto de Foucault, ressalvadas as diferenças existentes entre eles: (1) a reintrodução de um sujeito soberano no discurso do poder; (2) uma valorização do oprimido como sujeito ao mesmo tempo em que desconsidera o papel da ideologia na reprodução das relações sociais de produção. Spivak observa:

Em nome do desejo, eles reintroduzem o sujeito não-dividido no discurso do poder. Foucault frequentemente parece equiparar “indivíduo” e “sujeito”; e o impacto de suas próprias metáforas é talvez intensificado em seus seguidores. Por conta do poder da palavra “poder”, Foucault admite utilizar a “metáfora do ponto que progressivamente irradia o seu entorno”. Tais deslizes se tornam a regra ao invés da exceção em mãos menos cuidadosas. E esse ponto que irradia, efetivamente animado um discurso heliocêntrico, preenche o lugar vazio do agente com o histórico sol da teoria, o Sujeito Europeu (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 274)2 2 No original: “In the name of desire, they reintroduce the undivided subject into the discourse of power. Foucault often seems to conflate "individual" and "subject"; and the impact on his own metaphors is perhaps intensified in his followers. Because of the power of the word "power", Foucault admits using the "metaphor of the point which progressively irradiates its surroundings". Such slips become the rule rather than the exception in less careful hands. And that radiating point, animating an effectively heliocentric discourse, fills the empty place of the agent with the historical sun of theory, the Subject of Europe”. .

A questão da fala incide com maior força neste segundo ponto, já que a necessidade de os presos falarem por si só fora defendida de maneira incisiva e contínua por Foucault, Pierre Vidal-Naquet e Jean Marie Domenach no Grupo de Informações sobre as Prisões (GIP) (YAZBEK, 2012YAZBEK, André Constantino. A “Transgressão do Universal”: O Intelectual e o Poder em Michel Foucault. Kriterion, Belo Horizonte, v. 125, 2012, pp. 251-262., p. 256 e ss). A ideia por trás da transparência é a de que, apresentadas as condições apropriadas, os oprimidos podem falar por si só e sabem muito bem quais são os seus problemas e as estruturas que os produzem: não reconhecer isso significa também contribuir para a indignidade de se falar pelo outro (YAZBEK, 2012YAZBEK, André Constantino. A “Transgressão do Universal”: O Intelectual e o Poder em Michel Foucault. Kriterion, Belo Horizonte, v. 125, 2012, pp. 251-262., p. 257; SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 272 e ss; FOUCAULT; DELEUZE, 1979FOUCAULT, Michel; DELEUZE, Gilles. Os intelectuais e o poder. In: FOUCAULT, Michel; MACHADO, Roberto (org). Microfísica do Poder. Editora Graal, 1979, pp. 69-78., p. 71). Na concepção de Spivak, isso faz com que Foucault pareça endossar uma valorização da “experiência concreta”, recurso que é igualmente assimilado por aqueles que propagam o capitalismo (SPIVAK, 1990bSPIVAK, Gayatri Chakravorty. The Problem of Cultural Self-Representation. In: HARASYM, Sarah (org). The Post-Colonial Critic: Interview, Strategies, Dialogues. London: Routledge, 1990b, pp. 50-58., p. 56 e ss)

Para a teórica, isso encerra um duplo gesto de reintrodução daquela concepção particular de sujeito que se pretendeu negar: o sujeito do desejo e do poder se converte no oprimido e os que não integram esse segmento – os intelectuais – somente podem mapear as diferentes forças e mecanismos que os envolvem (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 274 e ss). No entanto, como carecem de uma teoria dos interesses, desconsideram a relevância da ideologia e, por fim, em nome da transparência, recusam uma intervenção direta sobre as circunstâncias do oprimido, o que sobra são análises que, na concepção da autora, tornam-se esvaziadas. Observe-se a passagem na qual Spivak expõe essas questões:

Isto reintroduz o sujeito constitutivo em ao menos dois níveis: o Sujeito do desejo e poder como irredutível ao oprimido. Para além disso, os intelectuais, que não são nenhum desses S/sujeitos, tornam-se transparentes em meio a raça, haja vista que eles apenas relatam acerca do sujeito não-representado e analisam (sem analisar) a mecânica do (sujeito sem irredutivelmente pressuposto por) poder e desejo. A ´transparência´ produzida assinala o papel do ´interesse´; ele é mantido em meio a uma negação insistente: ´Agora, o papel do árbitro, juiz ou testemunha universal é um que eu absolutamente me recuso a adotar´” (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 74-75)3 3 No original: “This reintroduces the constitutive subject on at least two levels: the Subject of desire and power as an irreducible of the oppressed. Further, the intellectuals, who are neither of these S/subjects, become transparent in the relay race, for they merely report on the nonrepresented subject and analyze (without analyzing) the workings of (the unnamed Subject irreducibly presupposed by) power and desire. The produced ´transparency´ marks the place of ´interest´; it is maintained by behement denegation: ´Now this role of referee, judge, and universal witness is one which I absolutely refuse to adopt´”. .

Qual seria, portanto, a preocupação de Spivak ao confrontar Deleuze e Foucault a partir de um pequeno diálogo ao invés de um trabalho mais imersivo nas obras dos autores? Certamente não se trata de uma minuciosa análise crítica, inclusive pelo próprio objeto de análise que a autora escolhera: o que se tem um ponto de partida para que a autora desenvolva as suas considerações particulares sobre a temática. Para além da reintrodução do sujeito soberano europeu ou ocidental, também a possibilidade de se reiterar, ao invés de se combater, as diferentes formas de subjugação que hoje se inscrevem na vasta dinâmica da divisão internacional do trabalho (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 275 e ss). Ao confrontar Deleuze e Foucault, Spivak opera a sua própria releitura de Marx após Derrida, trazendo à tona não apenas os interesses de classe, como também o impacto estrutural do arcabouço econômico na condição material e simbólica do subalterno (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 283 e ss).

As disparidades econômicas, principalmente quando consideradas à luz da divisão internacional do trabalho, são fundamentais para que se possa compreender o caráter específico da constituição do sujeito colonial. Não significa tomar a economia como um significante transcendental intransponível, como uma referência última para análise das estruturas sociais, mas considerá-la como elemento irredutível e contínuo na condição do Outro como espectro e resquício do Sujeito da Europa, resto que, por mais que seja declarada a sua inexistência ou relevância menor, tende a retornar e habitar os diferentes discursos construídos a partir do centro (HALL, 2019HALL, Stuart. Race, Articulation, and Societies Structured in Dominance. In: HALL, Stuart; MORLEY, David (org). Essential Essays, v. 1. Durham and London: Duke University Press, 2019, pp. 172-221., p. 173 e ss; DERRIDA, 1994DERRIDA, Jacques. Specters of Marx: The State of the Debt, the Work of Mourning and the New International. London: Routledge, 1994., p. xix e ss). Como Frantz Fanon observara com precisão, no mundo colonizado a causa é tornada efeito: você é rico porque é branco e é branco porque é rico (FANON, 2004FANON, Frantz. The Wretched of the Earth. New York: Grove, 2004., p. 5)

Se Foucault localiza o surgimento da violência epistêmica a partir da redefinição da loucura ao final do século dezoito, Spivak a desloca para a dinâmica do projeto colonial e a construção do sujeito que emerge deste panorama como o Outro da Europa (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 280 e ss). Não se trata de negar a formulação de Foucault, mas de remetê-la a um contexto mais abrangente de subjugação de formas de saberes, práticas e conhecimentos: estes são continuamente desqualificados e apagados dos cânones, das narrativas oficiais que organizam os campos de saberes. Sempre tidos por insuficientemente elaborados, esses saberes são considerados ingênuos, inapropriados ou sempre abaixo dos requisitos mínimos de cientificidade exigidos para que sejam incorporadas ao lado daqueles que surgem no continente europeu e/ou dos segmentos que com eles desenvolvem profunda cumplicidade (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 281).

Quem seria, então, o subalterno? Considerando o mencionado artigo de Spivak, o conceito tem raízes na obra de Antônio Gramsci, ainda que não se trate de uma apropriação direta: trata-se preliminarmente de um segmento, um grupo, que não integra uma elite e dela permanece afastado (SPIVAK, 1996SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Subaltern Studies: Deconstructing Historiography. In: LANDRY, Donna; MACLEAN, Gerald. The Spivak Reader. New York: Routledge, 1996, pp. 203-236., p. 203 e ss; SPIVAK, 1990aSPIVAK, Gayatri Chakravorty. Negotiating the Structures of Violence. In: HARASYM, Sarah (org). The Post-Colonial Critic: Interview, Strategies, Dialogues. London: Routledge, 1990a, pp. 139-151., p. 141 e ss; SIMIONATTO, 2009SIMIONATTO, Ivete. Classes subalternas, lutas de classe e hegemonia: uma abordagem gramsciana. Revista Katálysis, v. 12, n. 1, 2009, pp. 41-49., p. 42 e ss). Não é um conceito cuja utilização demande um certo rigor e precisão analítica: é exatamente o seu caráter flutuante que reside a sua utilidade enquanto uma noção que marca uma contraposição às narrativas soberanas e aos seus sujeitos (SPIVAK, 1996SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Subaltern Studies: Deconstructing Historiography. In: LANDRY, Donna; MACLEAN, Gerald. The Spivak Reader. New York: Routledge, 1996, pp. 203-236., p. 204 e ss). É preciso considerar, então, a maneira como um sujeito que é tomado como causa pode ser o efeito da combinação de estruturas, narrativas, formações discursivas, ideológicas, dentre outras. Sobre este ponto e a maneira como ele se articula com alguns dos traços teóricos do pós-estruturalismo, a autora escreve:

Eu me encontro cada vez mais impelida a ler esse retraimento da consciência subalterna como aquilo que na linguagem pós-estruturalista seria chamado de efeito-sujeito do subalterno. Um efeito de sujeito pode ser rapidamente descrito da seguinte forma: aquilo que parece operar como sujeito pode ser parte de uma imensa rede descontínua (“texto” em sentido amplo) de fios que podem ser nomeados de política, ideologia, economia, história, sexualidade, linguagem, e assim por diante. (Cada um desses fios, se concebidos isoladamente, podem ser vistos como compostos por outros fios). Diferentes ataduras e configurações desses, determinados por determinações heterogêneas que são elas mesmas dependentes de uma série de circunstâncias, produzem o efeito de um sujeito operante (SPIVAK, 1996SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Subaltern Studies: Deconstructing Historiography. In: LANDRY, Donna; MACLEAN, Gerald. The Spivak Reader. New York: Routledge, 1996, pp. 203-236., p. 213)4 4 No original: “I am progressively inclined, then, to read the retrieval of subaltern consciousness as the charting of what in poststructuralist language would be called the subaltern subject-effect. A subject-effect can be briefly plotted as follows: that which seems to operate as a subject may be part of an immense discontinuous network ("text" in the general sense") of strands that may be termed politics, ideology, economics, history, sexuality, language, and so on. (Each of these strands, if they are isolated, can also be seen as woven of many strands). Different knottings and configurations of these strands, determined by heterogeneous determinations which are themselves dependent upon myriad circumstances, produce the effect of an operating subject”. .

Ao situar o subalterno dessa maneira, o conceito se torna elusivo, apontando para uma formação que escapa aos métodos e convenções da historiografia tradicional, como evita também adotar uma concepção positivista sobre o próprio sujeito. O subalterno não pode ser apreendido através de uma relação estática, muito menos mediante a demarcação de uma série de propriedades que lhe seriam persistentes em meio às diferentes configurações nas quais é mencionado (SPIVAK, 1990aSPIVAK, Gayatri Chakravorty. Negotiating the Structures of Violence. In: HARASYM, Sarah (org). The Post-Colonial Critic: Interview, Strategies, Dialogues. London: Routledge, 1990a, pp. 139-151., pp. 141-142; SPIVAK, 1990cSPIVAK, Gayatri Chakravorty. The Post-Modern Condition: The End of Politics? In: HARASYM, Sarah (org). The Post-Colonial Critic: Interview, Strategies, Dialogues. London: Routledge, 1990c, pp. 17-34., p. 25 e ss). Em contrapartida ao caráter espectral e volátil do subalterno, os Subaltern Studies pontuaram como o estabelecimento do sujeito soberano europeu emerge da construção de uma narrativa caracterizada pela persistência, continuidade e uniformidade (SPIVAK, 1996SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Subaltern Studies: Deconstructing Historiography. In: LANDRY, Donna; MACLEAN, Gerald. The Spivak Reader. New York: Routledge, 1996, pp. 203-236., p. 213 e ss; SWAIN; CLARKE, 1995SWAIN, Stella; CLARKE, Andrew. Negotiating Postmodernity: Narratives of Law and Imperialism. Law and Critique, v. 6, n. 2, 1995, pp. 229-256., p. 251 e ss).

Para além do exposto, uma outra razão relevante pela qual Spivak adota o termo subalterno em detrimento a outros, como colonizado, operário, mulher, pobre, é a de que essas palavras podem não conseguir apreender as especificidades das diferentes experiências de opressão. O subalterno introduz uma preocupação com o circunstancial de maneira que escapa às análises mais compartimentadas focadas em gênero, classe econômica, etnia, dentre outros: a sua flexibilidade permite um grau de abrangência que foge a uma estrita análise de classe (SIMIONATTO, 2009SIMIONATTO, Ivete. Classes subalternas, lutas de classe e hegemonia: uma abordagem gramsciana. Revista Katálysis, v. 12, n. 1, 2009, pp. 41-49., p. 43 e ss). É importante reiterar que a experiência colonizadora é, em sua dinâmica, transversal: a maneira pela qual diferentes segmentos, classes e indivíduos serão socialmente e politicamente oprimidos.

Se a rigor essa opressão é abrangente, uma vez que incide sobre diferentes segmentos, ao concebê-la desta maneira se deixa de considerar, no nível da teoria, as maneiras específicas com as quais cada um desses segmentos é afetado e quais as suas implicações (SIMIONATTO, 2009SIMIONATTO, Ivete. Classes subalternas, lutas de classe e hegemonia: uma abordagem gramsciana. Revista Katálysis, v. 12, n. 1, 2009, pp. 41-49., p. 44 e ss). Existe sempre o perigo de que afirmações muito genéricas realizadas por teóricos ao almejar representar alguns desses segmentos acabem desconsiderando diferenças cruciais que haveria entre eles. O abismo entre o primeiro e o terceiro mundo, caso se faça uso dessa classificação, impõe também dificuldades significativas na própria representação que o próprio subalterno faz de si mesmo (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 283 e ss).

Uma vez deslocado o foco para o outro lado da divisão internacional do trabalho, para aqueles que tiveram a sua formação educacional, humanística e profissional tendo o mundo anglo-saxônico, em particular o continente europeu, como principal referência de validação e reconhecimento, quais são as condições de fala para o subalterno? Sendo a sua constituição envolvida por uma dupla tendência – a reiteração central do referencial europeu e a desqualificação contínua dos aspectos específicos e locais de sua formação – o que se tem, ao menos a princípio, é um sujeito subalterno cuja subalternidade não pode ser enunciada senão reforçando a violência epistêmica que é condição para a sua emergência, como observa Fanon ao se referir à caracterização do “bom negro” (FANON, 1986FANON, Frantz. Black Skin, White Masks. London: Pluto Press, 1986., p. 35 e ss). Spivak observa:

A contemporânea divisão de trabalho internacional é um deslocamento do campo cindido do imperialismo territorial do século dezenove. Resumidamente, um grupo de países, geralmente de primeiro mundo, estão na posição de investir capital; outro grupo, geralmente países de terceiro mundo, proporcionam o espaço para este investimento, tanto através de capitalistas industriais nativos como através de sua força de trabalho oscilante e mal protegida. No interesse de manter a circulação e o crescimento do capital industrial (e o trabalho concomitante de administrá-lo no contexto do imperialismo territorial do século dezenove), o transporte, o direito e um sistema de educação padronizado foram desenvolvidos – ao mesmo tempo em que as indústrias nacionais foram destruídas, a distribuição de terra fora rearranjada e a matéria-prima fora transferida para os países colonizadores (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 83)5 5 No original: “The contemporary international division of labor is a displacement of the divided field of the nineteenth-century territorial imperialism. Put simply, a group of countries, generally first-world, are in the position of investing capital; another group, generally third-world, provide the field for the investment, both through the comprador indigenous capitalists and through their ill-protected and shifting labor force. In the interest of maintaining the circulation and growth of industrial capital (and of the concomitant task of administration within nineteenth-century territorial imperialism), transportation, law and standardized education systems were developed - even as local industries were destroyed, land distribution was rearranged, and raw material was transferred to the colonizing country”. .

Na medida em que é forjado através de um sistema educacional e de um mercado voltado ao abastecimento do país colonizador, o sujeito subalterno se encontra em articulado em uma complexa cadeia de discursos nos quais a sua condição é atravessada pela indeterminação e pela ambiguidade (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., pp. 281-282). Por um lado, todo o aparato institucional que se encontra ao seu redor – a estrutura jurídica, o arcabouço político, o sistema educacional, as referências culturais – fora moldado para atender às demandas da nação colonizadora, por outro lado, permanece o resquício das histórias e narrativas muito anteriores à intervenção colonizadora e que tendem a ressurgir de diferentes e imprevisíveis maneiras (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 282 e ss; FANON, 1986FANON, Frantz. Black Skin, White Masks. London: Pluto Press, 1986., p. 18 e ss).

Por mais que o colonizador enxergue na colônia uma “folha em branco” na qual possa escrever a sua narrativa mestra, o resultado é instável, tenso e marcado por espaços de indeterminação no qual se estabelecem diferentes possibilidades para que se opere um descentramento das narrativas e formas de organização impostas pelo colonizador. Essa é uma das razões que levam autores associados aos estudos pós-coloniais, como Gayatri Chakravorty Spivak e Homi K. Bhabha, a enxergarem na desconstrução de Derrida um projeto teórico tão importante para o desenvolvimento das suas pretensões teóricas (SPIVAK, 1990cSPIVAK, Gayatri Chakravorty. The Post-Modern Condition: The End of Politics? In: HARASYM, Sarah (org). The Post-Colonial Critic: Interview, Strategies, Dialogues. London: Routledge, 1990c, pp. 17-34., p. 18 e ss; BHABHA, 1994BHABHA, Homi K. The Location of Culture. London: Routledge, 1994., p. 174 e ss).

Na medida em que o processo de colonização não subsiste sem a tentativa de estabelecer uma narrativa estruturada e centrada na figura do colonizador, é teoricamente importante observar como as diferentes dicotomias colonizado/colonizador, centro/periferia, por exemplo, são atravessadas por uma instabilidade que, não as anulando por completo, permite uma autoconsciência teórica no que se refere às diversas estratégias pelas quais o sujeito etnocêntrico se estabelece em meio a uma caracterização seletiva do Outro (BHABHA, 1994BHABHA, Homi K. The Location of Culture. London: Routledge, 1994., p. 90 e ss; FANON, 2004FANON, Frantz. The Wretched of the Earth. New York: Grove, 2004., pp. 4-5) A desconstrução apresenta afinidades interessantes para todos os teóricos ocidentais que reconhecem a historicidade do sujeito e acreditam que uma das suas tarefas, até uma das suas principais, resida na elaboração de uma análise crítica dessa mesma historicidade (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence. Marxism and The Interpretation of Culture. London: Macmillan Education, 1988, pp. 271-316., p. 292 e ss; BHABHA, 1994BHABHA, Homi K. The Location of Culture. London: Routledge, 1994., p. 59 e ss).

Uma das implicações, então, passa a ser a maneira problemática através da qual o reconhecimento do Outro é pensado sempre a partir de sua assimilação e descaracterização por meio do centro que, a princípio, estabiliza e “fecha” a narrativa, dotando-a de um fundamento e de um telos responsável pela organização do futuro a partir dos referenciais estabelecidos pela narrativa (CHAKRABARTY, 2000CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press, 2000., p. 98 e ss). Sendo assim, a título de exemplo, observe-se a maneira como diferentes noções de progresso e evolução se estabelecem em meio a um contínuo deslocamento de manifestações culturais e organizações sociais que paulatinamente são afastadas para os confins da periferia (CHAKRABARTY, 2000CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press, 2000., p. 7 e ss).

No que diz respeito à desconstrução, cabe não só mapear as formas de violências associadas ao fechamento da narrativa, como as maneiras diferentes em que o exterior, suprimido ou excluído, tende a ressurgir e borrar as distinções constitutivas da narrativa. Assim como a figura de Marx ressurge em meio ao “fim da história” e a uma suposta vitória intransponível do capitalismo, é também nessa direção que o subalterno é concebido em termos de uma espectralidade que incessantemente retorna e problematiza o presente, e que este trabalho associa também à composição do sujeito de direito (DERRIDA, 1994DERRIDA, Jacques. Specters of Marx: The State of the Debt, the Work of Mourning and the New International. London: Routledge, 1994., p. 3 e ss).

Subjetividade Jurídica, Teoria do Direito e Pós-Colonialismo

Situar o sujeito em meio ao desenvolvimento histórico da teoria do direito está longe de ser uma tarefa simples. Primeiramente, as teorias gerais do direito, como as desenvolvidas por H. L. A. Hart, Hans Kelsen ou Norberto Bobbio, não apresentam uma preocupação de aprofundamento analítico referentes aos que dispõem de direitos e deveres: a sua configuração normalmente se resume a apontá-lo como um indivíduo ou cidadão genérico, que se encontra subordinado e ao mesmo tempo reconhecido pelo poder estabelecido. O mecanismo de subjetivação no qual algo/alguém adquire o status jurídico mediante uma dupla dinâmica de subordinação e reconhecimento acaba não sendo uma questão significativa na composição das teorias gerais do direito.

Alguns teóricos do direito que, compartilhando entre si um engajamento crítico e uma proximidade com autores pós-estruturalistas, buscaram levar adiante uma reflexão sobre essa subjetividade, confrontando as pressuposições teóricas que informam não somente as teorias gerais do direito ao mesmo tempo em que exploram o vínculo histórico entre sujeito, violência e autoridade. Peter Fitzpatrick e Costas Douzinas são dois exemplos de teóricos que possuem essas preocupações.

Em The Mythology of Modern Law, por exemplo, Peter Fitzpatrick analisa as diferentes mitologias que circunscrevem a formação e a consolidação do direito moderno. Em capítulos variados, as relações entre raça, colonialismo, Estado e formação do direito são trazidas à tona. Em uma das passagens desta obra, Fitzpatrick isola uma pressuposição etnocêntrica fundamental não só para o estabelecimento do direito moderno, mostrando como a ênfase na racionalidade é também um aspecto decisivo de uma narrativa cujo estabelecimento necessariamente passa por mecanismos de contenção e exclusão. Ele escreve:

Em meio ao pensamento transformador do Iluminismo, a cultura confronta a natureza nos termos míticos padrões. Os selvagens pertencem à natureza ao invés da cultura e a eles são negados o pensamento transformador ou a razão. Assim como os demônios da crença cristã, a quem eles foram frequentemente comparados, os selvagens não podem escapar da luz, sendo eternamente expulsas por ela. As identidades do Europeu e do Direito europeu foram conquistadas em meio a uma diferenciação desses seres (FITZPATRICK, 1992FITZPATRICK, Peter. The Mythology of Modern Law. London: Routledge, 1992., p. 63)6 6 No original: “In the transforming thought of Enlightenment, culture confronts nature in standard mythic terms. Savages are of nature rather than culture and they are denied transforming thought or reason. Like the devils of Christian belief, to whom they were constantly compared, savages cannot escape the light but are forever cast out by it. The identities of the European and of European law are achieved in their foundational difference from these beings”. .

Se as diferentes concepções formais do sujeito de direito tendem a desconsiderar os aspectos geográficos, étnicos e econômicos que tornariam o conceito mais circunstancial, Fitzpatrick observa como semelhante posicionamento nada mais seria do que um artifício por meio do qual uma concepção muito específica e bem localizada de sujeito é estabelecida. Uma vez que os selvagens são relegados ao plano da natureza, o plano da cultura contempla apenas aqueles dotados do pensamento transformador – ou racionalidade -, nada menos implicando do que a necessária inserção no ethos europeu em meio ao processo de formação de sua autoconsciência (FITZPATRICK, 1992FITZPATRICK, Peter. The Mythology of Modern Law. London: Routledge, 1992., p. 64 e ss).

Fundamental na expansão e desenvolvimento dessa narrativa é a noção de progresso, amplamente analisada por Fitzpatrick na sua já citada obra. Se a distinção entre natureza e cultura é útil para inserir uma demarcação entre aqueles que possuem racionalidade e os que são desprovidos dela, o progresso introduz uma dinâmica de transformação do social, no qual estágios mais primitivos evoluem para organizações mais complexas (HUSSAIN, 1999HUSSAIN, Nasser. Towards a Jurisprudence of Emergency: Colonialism and The Rule of Law. Law and Critique, v. 10, 1999, pp. 93-115., p. 101 e ss). Fizpatrick analisa como variações dessa dinâmica evolutiva integraram os escritos de Montesquieu, Adam Smith e, mais recentemente, Peter Stein em sua obra Legal Evolution (STEIN, 2009STEIN, Peter. Legal Evolution: The Story of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.).

Considerando que um dos aspectos mais significativos da consolidação do Iluminismo e, em paralelo, do direito moderno, reside em sua negação da etapa selvagem, a concepção do progresso em termos evolutivos é indispensável para a manutenção dessa narrativa. A maneira pela qual o mundo é assimilado, organizado e definido a partir de padrões especificamente europeus que, no entanto, são apresentados como inexoráveis e universais, constitui-se em um dos pilares da violência epistêmica que Spivak aponta no processo colonizador (SWAIN; CLARKE, 1995SWAIN, Stella; CLARKE, Andrew. Negotiating Postmodernity: Narratives of Law and Imperialism. Law and Critique, v. 6, n. 2, 1995, pp. 229-256., p. 233 e ss). Fitzpatrick escreve:

Um mundo completo é apropriado na constituição do ser europeu. Em sua apoteose, o direito moderno se move definitivamente e distintamente para além dos estágios anteriores que são diferentes do que ainda está por vir. A história do que o direito moderno não é transforma-se na história do que ele é. Este é o resultado da dinâmica mítica que impulsiona a progressão linear do direito, e da sociedade, e fornece os padrões pelos quais alguns são julgados como tendo progredido menos do que outros... Os padrões quase-universais eurocêntricos de socialidade, de complexidade ou de diferenciação na sociedade, de eficiência produtiva e de racionalidade permanecem prontamente identificados pela inadequação que eles expõem perante aqueles que foram suplantados (FITZPATRICK, 1992FITZPATRICK, Peter. The Mythology of Modern Law. London: Routledge, 1992., p. 107)7 7 No original: “A whole world is appropriated in the constitution of European being. In its apotheosis, modern law moves definitively and distinctly beyond prior stages which are different to yet of it. The history of what modern law is not becomes also a history of what it is. This is the outcome of mythic dynamics that both propel the linear progression of law, and of society, and provide the standards whereby some are judged as having progressed less than others... Eurocentric, quasi-universal standards of sociality, of complexity or differentiation in society, of productive efficiency and rationality remain readily identified by the inadequacies they reveal in those who have been superseded”. .

Um direito moderno concebido dessa maneira é também prontamente instrumentalizado pelo projeto imperialista: adotado como referência universal, será em nome desse direito que as potências imperialistas tomaram para si a tarefa de uma reorganização do continente africano, uma que apresentaria ao povo africano um padrão superior de civilidade e os valores trazidos por ele (FITZPATRICK, 1992FITZPATRICK, Peter. The Mythology of Modern Law. London: Routledge, 1992., p. 107 e ss; SWAIN; CLARKE, 1995SWAIN, Stella; CLARKE, Andrew. Negotiating Postmodernity: Narratives of Law and Imperialism. Law and Critique, v. 6, n. 2, 1995, pp. 229-256., p. 235 e ss).

Quando Spivak se refere ao efeito-sujeito do subalterno como composto por uma rede de diferentes fios, a presença do arcabouço jurídico se faz persistente entre eles, desempenhando um papel chave no processo de colonização: para que o sistema jurídico colonizado se desenvolva seria necessário torná-lo o mais próximo possível daquele que se faz presente na metrópole. O Outro colonizado, então, nada mais reflete do que as pretensões, anseios e imaginações específicas do colonizador (FITZPATRICK, 1995FITZPATRICK, Peter. Passions Out of Place: Law, Incommensurability and Resistance. Law and Critique, v. 6, n. 1, 1995, pp. 95-112., p. 105 e ss; FANON, 2004FANON, Frantz. The Wretched of the Earth. New York: Grove, 2004., p. 2 e ss).

Se a ordem jurídica civilizada se preocupa com a paz e a ordem, a concretização dessa realidade, por sua vez, leva ao desenvolvimento de um aparato penal regulador através do qual severas formas de violência podem ser infligidas em nome de um projeto civilizador e de sua ordem. Uma saída para a resolução desse impasse, conforme Fitzpatrick, fora a de estabelecer uma equiparação do processo colonizador com a imposição de uma ordem que paira sobre uma situação caótica e desordenada: a implementação de uma nova ordem jurídica proporcionaria as condições necessárias pelas quais o social, envolvido na desordem, gradualmente viesse a progredir, alcançando níveis mais elevados. Sobre essa relação entre colonialismo, ordem e desordem, Fitzpatrick observa:

...a colonização sempre esteve associada com o ato de trazer ordem em uma situação desordenada. O que existia a parte da ordem imperial fora o caos de uma pré-criação em que os nativos viviam, ou quase viviam, na anarquia, magia e terror. Qualquer meio de civilização é justificável ao se lidar com esta sua negação absoluta e abjeta (FITZPATRICK, 1992FITZPATRICK, Peter. The Mythology of Modern Law. London: Routledge, 1992., p. 108)8 8 No original: “…colonization is always associated with the bringing of order into a disordered situation. What existed apart from imperial order was the chaos of a pre-creation in which the natives lived, or barely lived, in anarchy, sorcery and terror. Any means of civilization is justified in dealing with this absolute and abject negation of it”. .

Mas de que maneira haveria um vínculo entre a implementação de um arcabouço jurídico em meio ao processo colonizador e a maneira como ele contribui para a formação de uma determinada forma de subjetividade? Em outras palavras, qual seria uma das consequências decorrentes de uma institucionalização forçada de certa cultura jurídica estrangeira na demarcação do que, neste panorama, pode ser nomeado sujeito de direito? Responder a essa indagação exige tecer algumas considerações em torno da natureza e da formação da própria subjetividade jurídica e em que medida ela conferiria um status distinto para aqueles que se encontram abrangidos por ela. É também por esse itinerário que seria possível discernir a dialética ambivalente entre liberdade e sujeição que se desenvolve no âmago da subjetividade jurídica: a fruição da liberdade só é possível em meio à sujeição da lei (BROPHY, 2013BROPHY, Susan Dianne. Freedom, Law, and The Colonial Project. Law and Critique, v. 24, 2013, pp. 39-61., p. 42 e ss)

Em um dos capítulos de sua obra, The End of Human Rights, Costas Douzinas desenvolve um esboço amplo, porém cuidadoso, do conceito de sujeito em meio a um duplo desdobramento histórico, o da própria filosofia e o da teoria do direito. Uma preocupação analítica forte em sua exposição reside em apontar algumas das condições que estão em jogo na maneira como o sujeito de direito emerge em meio ao contexto histórico mais amplo e indefinido da Modernidade. Escreve Douzinas:

O sujeito moderno inicia a sua trajetória nos anais e operações do direito enquanto sujeito de direito. Não poderia ser de outro modo; o sujeito passa a existir perante o Direito, sujeitado às suas normas e mantido responsável em seus tribunais. Direito e sujeito estão intimamente associados e os direitos humanos representam o lugar paradigmático no qual a humanidade, o sujeito e o direito se juntam. Em certo sentido, toda filosofia moral e jurídica moderna é uma longa meditação acerca do sentido do sujeito (jurídico) (DOUZINAS, 2000DOUZINAS, Costas. The End of Human Rights: Critical Legal Thought at The Turn of the Century. Oxford: Hart Publishing, 2000., p. 183)9 9 No original: “The modern subject started its journey in the annals and operations of law, as the legal subject of rights. It could not be otherwise; the subject comes to existence before the law, subjected to its norms and held responsible at its bar. Law and subject are intimately related and human rights are the paradigmatic place in which humanity, subject and the law come together. In a sense, all modern moral and legal philosophy is a long meditation on the meaning of the (legal) subject”. .

A relação estabelecida pelo autor entre o sujeito moderno e o sujeito de direito articula-se através da específica dinâmica de sujeição por meio da qual a subjetividade poderá vir a emergir. Douzinas chama atenção para uma ideia que será estabelecida de uma vez por todas pela filosofia kantiana e cujas implicações ainda tendem a alcançar diferentes maneiras de teorização acerca do direito: trata-se do profundo vínculo entre subjetividade, liberdade e normatividade (BROPHY, 2013BROPHY, Susan Dianne. Freedom, Law, and The Colonial Project. Law and Critique, v. 24, 2013, pp. 39-61., p. 41 e ss). Muito antes, porém, as diferentes demarcações associadas à subjetividade jurídica já expressavam também o seu caráter contingente e problemático. Quais entes poderiam portar direitos e deveres?

Ser humano é uma resposta imediata à indagação, mas ela traz consigo também algumas sutilezas que teoricamente precisam ser exploradas. A primeira delas reside em conceber o ´humano´ em termos muito evidentes, como se o ente por si só se autodeterminasse. Em termos históricos, porém, é perceptível que as diferentes formulações dos direitos naturais propunham características distintas referentes aos seres humanos. Como Douzinas bem observa, a força normativa dos direitos humanos fora extraída precisamente da demarcação das necessidades e da natureza do humano (DOUZINAS, 2000DOUZINAS, Costas. The End of Human Rights: Critical Legal Thought at The Turn of the Century. Oxford: Hart Publishing, 2000., p. 184).

Seria possível, então, uma definição específica dos direitos sem antes haver uma outra definição, também clara e pontual, sobre o humano? A pergunta interessa a este trabalho por ao menos dois motivos: o primeiro deles é que sendo o humano a resposta mais direta para a indagação referente aos portadores de direitos e deveres, então a resposta de uma questão está condicionada ao que se respondera na questão anterior; segundo porque, uma vez que a força normativa dos direitos é extraída da definição do humano, e o seu sentido passa por oscilações históricas por vezes radicais, as demarcações entre o humano e o não-humano são também continuamente afetadas e reconfiguradas.

As consequências dessa dinâmica não apenas alcançam à contemporaneidade dos atuais Estados Democráticos de Direito, como foram fundamentais para os processos de subjugação presentes no colonialismo. Se, outrora, nas sociedades da Grécia antiga e da Roma antiga, ao escravo não lhe fora atribuído humanidade, Douzinas observa que na Idade Média diferentes animais, como porcos e galinhas, podiam figurar como partes processuais, podendo ser condenados e executados (DOUZINAS, 2000DOUZINAS, Costas. The End of Human Rights: Critical Legal Thought at The Turn of the Century. Oxford: Hart Publishing, 2000., p. 184). Esses pequenos exemplos são trazidos por Douzinas com o propósito de destacar que historicamente o reconhecimento jurídico não fora necessariamente compatível ou alinhado com a compreensão moderna de ´humanidade´.

Para além das condições que permitem a efetivação dos direitos conquistados, o grau de abrangência, de existência concreta e definida desses direitos permanece aberto a sucessivas reconfigurações, que podem extrair, contrair ou mesmo suprimi-los por completo. Perante a realidade dos campos de concentração, das inúmeras áreas afligidas pela miséria e profunda precariedade material, para além da produção de tecnologias de vigilância e intercepção cada vez mais letais, a categoria de humano tende a oscilar conforme os usos e as conveniências daqueles que possuem as condições econômicas, bélicas e políticas para imporem a sua vontade, tal como também é perceptível na dinâmica do processo colonizador. Escreve Douzinas:

Na metade do século dezenove e após a abolição da escravatura, a humanidade alcança a sua definitiva formulação moderna na justaposição do mundo não-humano dos animais e dos objetos. Mas esse “verme não-humano” dos campos de concentração, a possibilidade da aniquilação mundial por meio das armas nucleares e os desenvolvimentos recentes na tecnologia genética e na robótica, indicam que mesmo essas definições mais banais e óbvias não são nem definitivas, nem conclusivas. A maestria da humanidade, assim como a onipotência de Deus, inclui a habilidade de redefinir quem ou o que conta como humano, e mesmo de destruir a si mesmo (DOUZINAS, 2000DOUZINAS, Costas. The End of Human Rights: Critical Legal Thought at The Turn of the Century. Oxford: Hart Publishing, 2000., p. 187)10 10 No original: “By the middle of the nineteenth century and after the abolition of slavery, humanity reached its final modern formulation in juxtaposition of the non-human world of animals and objects. But the "non-human vermin" of the concentration camps, the potential of world annihilation of nuclear weapons and recent developments in genetic technology and robotics, indicate that even this most banal and obvious of definitions is not definite and conclusive. Humanity´s mastery, like God´s omnipotence, includes the ability to re-define who or what counts as human and even to destroy itself”. .

Em meio às considerações de Douzinas e Fitzpatrick, então, o sujeito de direito pode ser pensado como uma categoria performativa e plástica: ela traz consigo condições e possibilidades por meio das quais os diferentes indivíduos, a princípio, poderiam traduzir e fazer valer as suas vontades perante a autoridade estabelecida, o que ao mesmo tempo também contribui para a impossibilidade de um autêntico reconhecimento entre colonizador e colonizado (BHANDAR, 2011BHANDAR, Brenna. Plasticity and Post-Colonial Recognition: ´Owning, Knowing and Being´. Law and Critique, v. 22, 2011, pp. 227-249., p. 229). Essa relação de subjugação atravessa diferentes possibilidades de aquisição e destituição de prerrogativas, seja no nível da composição das narrativas até atingir diretamente as circunstâncias materiais que envolvem as prerrogativas dos indivíduos (BHANDAR, 2011BHANDAR, Brenna. Plasticity and Post-Colonial Recognition: ´Owning, Knowing and Being´. Law and Critique, v. 22, 2011, pp. 227-249., p. 243 e ss).

Se as narrativas deslocam as condições de enunciação dos indivíduos para a periferia, logo para a sua ocultação, as condições materiais, por sua vez, permitem, fortalecem e dão continuidade à expropriação dos direitos e das prerrogativas que essas pessoas, mesmo quando reconhecidas como sujeitos de direito, não conseguem fazer uso (GORDON, 2017GORDON, David M. Apartheid in South Africa: A Brief History with Documents. New York: Bedford/St. Martin’s, 2017.). A título de exemplificação, o regime do Apartheid na África do Sul expões nitidamente a vinculação entre formações discursivas – o regime como solução para a preservação cultural de etnias distintas - e a maneira como seletivamente um segmento do social fora amplamente destituído de prerrogativas básicas que, a rigor, lhes eram atribuídas: o direito ao voto, exceto em situações muito específicas, a possibilidade de manter negócios em áreas demarcadas para os brancos, a aquisição de propriedade territorial, o deslocamento por determinados lugares, dentre outros. A destituição fora gradual, porém decisiva, sendo amplamente presente e justificada não somente pela produção legislativa, como por seu aparato institucional (DUBOW, 2014DUBOW, Saul. Apartheid, 1948-1994. Oxford: Oxford University Press, 2014., p. 32 e ss)

Alguns exemplos emblemáticos dessa produção legislativa são a Lei de Proibição dos Casamentos Mistos de 1949 e a Lei de Reserva dos Benefícios Sociais de 1953. A primeira reforça a segmentação dos grupos distintos, tornando ilegal a celebração de casamento entre etnias distintas, enquanto a segunda opera uma incisiva segmentação do espaço social em termos étnicos, reservando áreas, transportes, praias, espaços públicos em geral para uma determinada categoria em detrimento das demais (FANON, 2004FANON, Frantz. The Wretched of the Earth. New York: Grove, 2004., p. 15 e ss). Esses mecanismos de exclusão se desenvolvem e se consolidam em meio ao temor e à ansiedade constitutivas do processo de colonização e de reafirmação de uma certa segmentação social (WALT, 2004WALT, A. J. Van Der. Rendition/Eviction: A Post-Apartheid Reflection. Law and Critique, v. 15, 2004, pp. 321-344., p. 328 e ss).

Reafirmando a linha de argumentação estabelecida por Spivak, a existência dessas leis implica, desde o seu início, na expropriação inexorável do sujeito subalterno, no âmbito jurídico, das capacidades necessárias para propor mudanças sociais mais profundas e duradouras no que diz respeito à organização do social. O estudo do Apartheid deixa claro que, em diversas circunstâncias históricas, os atos de resistência das minorias só poderiam ocorrer em paralelo ou para além dos limites da estrita legalidade encarnada no ordenamento jurídico positivo, buscando assim novas formas simbólicas de construção da humanidade e das relações em comum (CORNELL, 2014CORNELL, Drucilla. Fanon today. In: DOUZINAS, Costas; GEARTY, Conor. The Meanings of Rights: The Philosophy and Social Theory of Human Rights. Cambridge: Cambridge University Press, 2014, pp. 121-136., p. 136 e ss; FANON, 2004FANON, Frantz. The Wretched of the Earth. New York: Grove, 2004., p. 3 e ss). A criminalização da oposição, portanto, converte-se em uma estratégia discursiva e institucional para anular de maneira fulminante a resistência. A única expressão válida para o subalterno reside em se autoanular em sua inserção nos segmentos socialmente demarcados (FANON, 1986FANON, Frantz. Black Skin, White Masks. London: Pluto Press, 1986., p. 25 e ss).

Uma lógica muito semelhante pode ser observada também na doutrina segregadora do “separate, but equals”, contemplando uma considerável parcela da história dos Estados Unidos, desde o final do século dezenove até a metade do século vinte, quando teve declarada a sua inconstitucionalidade (LUXENBERG, 2020LUXENBERG, Steve. Separate: The Story of Plessy v. Ferguson, and America’s Journey from Slavery to Segregation. New York: W. W. Norton & Company, 2020., p. 263 e ss). Também nesta doutrina pode ser observada uma série de mecanismos de destituição/restrição de direitos, de limitações espaciais e de representações culturais nos quais a negritude fora reiteradamente deslocada para um papel periférico, subserviente e secundário na formação da identidade nacional dos Estados Unidos (LUXENBERG, 2020LUXENBERG, Steve. Separate: The Story of Plessy v. Ferguson, and America’s Journey from Slavery to Segregation. New York: W. W. Norton & Company, 2020., p. xvi e ss). O jurídico e o político convergem para a formação de uma estrutura social que desestimula, senão veemente impede, qualquer possibilidade de valorização da negritude, a menos que por vias marginais, periféricas, que se desenvolvem em meio a deslocamentos das referências e códigos culturais hegemonicamente estabelecidos.

Em síntese, nas duas circunstâncias apresentadas acima o valor da igualdade fora simultaneamente concedido e expropriado: considerando a generalidade e abrangência do sujeito de direito, brancos e negros dispunham de prerrogativas e capacidades jurídicas formalmente iguais, mas no caso dos negros, as suas prerrogativas fundamentais foram expropriadas, inclusive colocando em xeque a cidadania de alguns deles (ROMANELLI; TOMIO, 2017ROMANELLI, Sandro Luís Tomás Ballande; TOMIO, Fabrício Ricardo de Limas. Suprema Corte e segregação racial nos moinhos da Guerra Fria. Revista Direito GV, v. 13, n. 1, Jan/Abr 2017, pp. 204-235., p. 207 e ss). A disparidade das condições materiais entre eles, entretanto, não só obstruía o exercício daquelas prerrogativas, como fortaleceria o seu não-reconhecimento como sujeito de direito tal como dispunha a lógica de preservação étnica conforme a doutrina do “separate, but equals” ou e do próprio Apartheid sul-africano. O subalterno segregado, então, vive em um espaço no qual liberdade/opressão se entrelaçam: não sendo escravos, também não lhes é dada a oportunidade e a capacidade para atuarem nos espaços políticos, tomando parte nas questões coletivas que lhe dizem respeito (HUSSAIN, 1999HUSSAIN, Nasser. Towards a Jurisprudence of Emergency: Colonialism and The Rule of Law. Law and Critique, v. 10, 1999, pp. 93-115., p. 100 e ss)

Ao que pese as particularidades sócio-histórica das duas nações, a formação da subjetividade subalterna é duplamente perceptível no que diz respeito a parcelas quantitativamente expressivas da população dessas sociedades. Em ambos os casos, as formações discursivas foram acompanhadas pela mobilização de sentimentos de ansiedade direcionados para a possibilidade de uma crise social iminente, tendo uma das consequências a erradicação dos costumes e valores tradicionais (FITZPATRICK, 1995FITZPATRICK, Peter. Passions Out of Place: Law, Incommensurability and Resistance. Law and Critique, v. 6, n. 1, 1995, pp. 95-112., p. 106 e ss). Nisso a ausência teórica do conceito de subalterno, valorizada por Spivak em função de sua flexibilidade e abrangência, permite associar e conectar experiências distintas de subjugação racial e expropriação das condições básicas para o exercício das prerrogativas distintas.

É também a ansiedade que discursivamente acaba por justificar as reações violentas do aparato jurídico-político frente às diferentes formas de oposição ao tipo de configuração social descrito acima, especialmente no tocante à manutenção dos privilégios do status quo (WALT, 2004WALT, A. J. Van Der. Rendition/Eviction: A Post-Apartheid Reflection. Law and Critique, v. 15, 2004, pp. 321-344., p. 324 e ss). Os movimentos sociais se convertem em organizações terroristas à serviço do caos e da implementação de ditaduras descomprometidas com os mínimos valores civilizados. A existência mesma desses movimentos assinala a possibilidade constante de subversão da ordem dominante. Homi K. Bhabha expõe as ambivalências da ideia de nacionalidade e da criação de uma narrativa nacional da seguinte maneira:

Entretanto, a narrativa e a força psicológica que a ideia de nação tende a trazer para a produção cultural e projeção política é efeito da ambivalência da ´nação´ como estratégia narrativa. Enquanto aparato do poder simbólico, ela produz um contínuo deslizamento de categorias, como sexualidade, afiliação de classe, paranoia territorial ou ´diferença cultural´ na atividade de escrever a nação (BHABHA, 1994BHABHA, Homi K. The Location of Culture. London: Routledge, 1994., p. 140)11 11 No original: “However, the narrative and psychological force that nationness brings to bear on cultural production and political projection is the effect of the ambivalence of the ´nation´ as a narrative strategy. As an apparatus of symbolic power, it produces a continual slippage of categories, like sexuality, class affiliation, territorial paranoia, or ´cultural difference´ in the act of writing the nation”. .

As estratégias jurídico-políticas de contenção acabaram sendo facilmente reconhecidas em meio à sua incessante repetição histórica: a construção de categorias anti-jurídicas, como a de terrorista, permite ao aparato estatal proporcionar um tratamento casuístico, que ignora os direitos e garantias fundamentais concedidos pelas cartas constitucionais, em prol da defesa da sociedade. Políticas racistas e xenofóbicas não raro tendem a estar amparadas na possibilidade, jamais erradicada, de uma crise social iminente atrelada a determinados segmentos, normalmente destituídos de voz e visibilidade, inseridos e isolados nos espaços socialmente periféricos (HUSSAIN, 1999HUSSAIN, Nasser. Towards a Jurisprudence of Emergency: Colonialism and The Rule of Law. Law and Critique, v. 10, 1999, pp. 93-115., p. 100 e ss).

Neste espaço nebuloso e profundamente diversificado, o étnico se mistura com a precariedade econômica e política. Dos imigrantes ilegais aos refugiados, passando pelo amplo espectro das minorias vistas como improdutivas e parasitárias, diversas são as justificativas que permitem ao Estado declarar uma circunstância especial, urgente, cujo apaziguamento exige medidas severas e inusitadas. Em artigo que explora as políticas racistas e nacionalistas desde um viés psicanalítico, Ari Hirvonen escreve o seguinte:

O terrorismo global e local é a principal área de reconhecimento dos objetos de risco, ameaça ou temor. Mas a mesma lógica funciona também em outros campos marcados pela mentalidade da crise, do medo e da repugnância. Os refugiados são vistos como ameaças em termos humanos, sociais e de segurança econômica... Este discurso do medo justifica leis anti-imigratórias e práticas judiciais e administrativas que violam os direitos humanos, o direito internacional dos refugiados e legislação nacional de imigração (HIRVONEN, 2017HIRVONEN, Ari. Fear and Anxiety: The Nationalist and Racist Politics of Fantasy. Law and Critique, v. 28, pp. 249-265, 2017., p. 251)12 12 No original: “Local and global terrorism is the main area for recognizing the objects of risk, threat and fear. But the same logic functions in many other fields with crisis mentality, fear and loathing. The refugees are seen as a threat in terms of human, social and economic security... This discourse of fear justifies anti-immigration laws and administrative and judicial practices that violates human rights, international refugee law and national migration legislation”. .

O panorama descrito por Hirvonen, de fato, remete às múltiplas circunstâncias históricas ocorridas ao longo do século vinte e que tendem a persistir, mesmo que assumindo configurações distintas. A criminalização dos Black Panthers e os diferentes embates entre o Civil Rights Movement e as forças policiais, a exemplo da detenção de Rosa Parks ocorrida no dia primeiro de dezembro de 1955, em Montgomery, Alabama, ou, no caso da África do Sul, o incidente de Sharpeville, ocorrido em 1960, onde diversos manifestantes negros foram alvejados pelas costas, culminando em uma margem considerável de mortos e feridos (FANON, 2004FANON, Frantz. The Wretched of the Earth. New York: Grove, 2004., p. 35 e ss). No mesmo rastro, pode-se apontar para o massacre de Jallianwala Bagh, ocorrido durante a ocupação britânica na Índia, cujas estatísticas oficiais apontam para mais de 379 mortos (HUSSAIN, 1999HUSSAIN, Nasser. Towards a Jurisprudence of Emergency: Colonialism and The Rule of Law. Law and Critique, v. 10, 1999, pp. 93-115., p. 94 e ss).

Um dos principais paradoxos referentes à subalternidade reside em que as tentativas de lhe dar voz e expressão, de lhe buscar situar um lugar determinado na formação de uma história nacional, ocorrem através dos mesmos mecanismos que permitiriam essas formas de destituição (BHABHA, 1994BHABHA, Homi K. The Location of Culture. London: Routledge, 1994., p. 140 e ss). Ainda que se pretenda operar estratégias de revisionismos históricos, almejando estabelecer critérios que promovam maior representativa nos espaços e segmentos culturais, as experiências subalternas particulares são apagadas em meio aos diferentes mecanismos burgueses comprometidos com a inclusão.

Dipesh Chakrabarty já havia pontuado as diferentes estratégias e mecanismos por meio das quais o nacionalismo, enquanto projeto, depende da força produtiva da imaginação coletiva na composição da comunidade e de seu povo (CHAKRABARTY, 2000CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press, 2000., p. 149 e ss). Seguindo as formulações desse autor, o nacionalismo é concebido em termos de percepção, uma forma de ver na qual povos, tradições, mitos, não são apenas amarrados em uma narrativa persistente, sendo atravessados pela imaginação coletiva.

A insistência de Spivak de que a soberania do sujeito subalterno é um efeito decorrente do discurso dominante da elite permite uma indagação crítica referente às condições institucionais por meio das quais a autonomia dos sujeitos de direito pode – ou não – existir em plena realidade material em que os indivíduos colocam em prática os seus projetos existenciais, o que fora muito bem observado nas abordagens jurídicas informadas pelo marxismo, tal como remete Susan Dianne Brophy (BROPHY, 2013BROPHY, Susan Dianne. Freedom, Law, and The Colonial Project. Law and Critique, v. 24, 2013, pp. 39-61., p. 44 e ss). Ao longo do século vinte as diferentes doutrinas segregacionistas expuseram diferentes artifícios discursivos e institucionais não apenas de exclusão do periférico, como a sua própria anulação em meio à construção de uma narrativa nacional que se desenvolve e se impulsiona tendo como base a atuação, os interesses e os sacrifícios da classe dominante (BROPHY, 2013BROPHY, Susan Dianne. Freedom, Law, and The Colonial Project. Law and Critique, v. 24, 2013, pp. 39-61., p. 45 e ss).

Se, porém, a elite de um país busca desenvolver uma narrativa linear, com protagonistas claramente estabelecidos, as pequenas histórias das lutas e das minorias, apagadas ou marginalizadas na grande narrativa nacional, formam um suplemento, para utilizar um termo próprio da desconstrução de Derrida, insistente elusivo e sempre inconveniente (DERRIDA, 1988DERRIDA, Jacques. Signature Event Context. In: DERRIDA, Jacques. Limited Inc. Evanston, IL: Northwestern University Press, 1988, pp. 1-24., p. 4 e ss; DERRIDA, 1976DERRIDA, Jacques. Of Grammatology. Baltimore and London: John Hopkins University Press, 1976., p. 152 e ss). Os embates simultaneamente complementam e acrescentam algo à grande narrativa: na medida em que deixaram rastros e traços, cada luta se encontra suscetível de ser apropriada, investigada, trazendo também novas questões para a suposta coerência e fechamento da grande narrativa nacional. Ao contrário do que as elites pretendem, as histórias e narrativas formam elos cujas conexões e aberturas apontam para caminhos ainda inexplorados, mas sempre passíveis de subverter as diferentes estratégias as quais se recorreu para apagar a existência ou relevância grupos e segmentos inteiros (BHABHA, 1994BHABHA, Homi K. The Location of Culture. London: Routledge, 1994., p. 86 e ss).

Os exemplos ilustrativos dos regimes de segregação da África do Sul e dos Estados Unidos desempenharam um duplo papel na estrutura do presente trabalho: primeiro, o de observar os motivos pelos quais a crítica ideológica é importante para Spivak, mesmo com a sua aproximação com o pós-estruturalismo; segundo, apontar duas situações nas quais a estrutura jurídica não só fora crucial para a implementação de formas opressivas de organização social, como também foi instrumental na destituição de capacidades e prerrogativas que permitiriam aos subalternos transformar as suas circunstâncias.

Teriam os dois regimes segregacionistas destituídos apenas as capacidades jurídico-políticas. Observa-se neste panorama como as duas doutrinas segregacionistas atuaram na reprodução das relações sociais de produção, destituindo amplos segmentos de condições simbólicas e materiais mínimas que lhes permitiriam tomar partido nos processos de transformação social através das instituições estabelecidas, panorama semelhante àquele descrito por Fanon ao se referir ao maniqueísmo do mundo colonizado (FANON, 2004FANON, Frantz. The Wretched of the Earth. New York: Grove, 2004., p. 6 e ss).

Se no artigo, Can the Subaltern Speak?, o engajamento crítico com Foucault e Deleuze/Guattari se desenvolvera a partir de certos eixos específicos, todos eles convergem para a maneira como cada teórico concebe o papel do subalterno em meio às narrativas e formações institucionais estabelecidas. Quem estaria certo ou errado não é o mais pertinente: o esforço disciplinado e meticuloso em considerar as diferentes maneiras pelas quais os subalternos são apagados precisamente quando se almeja representá-los e a maneira como essa representação é estabelecida, mostra-se uma contribuição mais produtiva do engajamento crítico proposto por Spivak.

Considerações Finais

O objetivo deste artigo fora o de apontar um elo viável entre as considerações de Spivak em torno da representação do subalterno em seu artigo, Can the Subaltern Speak?, para uma reflexão crítica acerca em torno da subjetividade jurídica, principalmente no que concerne à sua presença não apenas nos processos de colonização, como na persistente subjugação dos grupos subalternos. O artigo desenvolveu essas pretensões tendo como base uma estrutura dividida em duas grandes seções, a primeira mais especificamente se detendo na exposição de algumas das posições apresentada por Spivak no seu referido artigo, a segunda mais focada em tentar operar uma transposição das indagações da autora para uma área de interseção entre teoria do direito e teoria política.

Sem ter como pretensão realizar uma análise abrangente e aprofundada do rico artigo da autora, a primeira seção apenas isolou alguns dos principais pontos da crítica desenvolvida pela autora com a pretensão de resgatá-los sobre uma outra roupagem na segunda seção do trabalho. O principal fora o seguinte: a ausência de um conceito de ideologia compromete a realização de uma crítica na qual formas de subjugação e opressão são continuamente reproduzidas pelas instituições de modo a apagar, senão anular, a presença do subalterno em meio à composição da narrativa nacional. Isso implica também, ao menos para Spivak, desconsiderar as severas consequências que a divisão internacional do trabalho tende a acarretar para a representação dos grupos subalternos, das suas histórias e conquistas, nos países de terceiro mundo.

A despeito de pretensões teóricas radicais, o descuido com essas questões acabaria, conforme a autora, por reiterar a soberania do Ocidente como sujeito e as suas narrativas hegemônicas, ao mesmo tempo em que priva uma teorização que confronta os seus mecanismos de expansão e consolidação. Obstrui-se, assim, as tentativas de uma problematização das narrativas e do lugar que elas proporcionam à exposição das lutas específicas dos subalternos. Se a leitura que Spivak faz das abordagens de Foucault e Deleuze/Guattari mostra-se adequada ou fecunda, trata-se de objeto de uma discussão a ser feita em outro momento: o importante, para fins deste trabalho, fora que por meio desse engajamento crítico, a autora desenvolve o seu engajamento particular com Marx após Derrida. Em meio ao panorama teórico do pós-estruturalismo, intencionalmente ou não, Spivak acabara por realizar uma apropriação distinta de Marx e da rica herança da teoria marxista.

Na segunda seção, partindo das considerações de Peter Fitzpatrick referentes ao papel das estruturas jurídicas nos processos de colonização e da composição das narrativas nacionais apresentados em The Mythology of Modern Law, o objetivo dessa seção fora exclusivamente apontar para o caráter performativo, oscilante e plástico da subjetividade jurídica. De início, recorrendo às colocações de Fitzpatrick, observa-se como em paralelo à transposição da cultura jurídica do colonizador, o que se tem são noções de transformação social concebidas em termos evolutivos que tendem a justificar a intervenção colonizadora: a cultura jurídica, em um sentido mais amplo que compreende também as suas instituições, categorias e formas de procedimento judiciais.

Como Fitzpatrick bem apontara, a cultura jurídica é parte fundamental do espírito nacional, logo a sua transposição é também uma estratégia por meio da qual os referenciais valorativos do colonizador são reproduzidos e disseminados nas dinâmicas institucionais do colonizado. Se a subjetividade moderna, conforme Douzinas, emerge primariamente a partir da normatividade jurídica, a subjetividade subalterna é, em parte, também um efeito das diferentes práticas jurídicas.

Reformulando a linha de reflexão adotada por Douzinas, pode-se dizer que o momento inicial de constituição da subjetividade subalterna, então, é o seu contato com as diversas segmentações e formas de representação jurídica, que oscila com base nos interesses e necessidades dos grupos hegemônicos. É também com base nessa dinâmica que se pode cogitar a subjetividade jurídica como plástica, indeterminada e oscilante, tal como Douzinas aludira. Para fins de ilustrar certas consequências da intervenção colonial na produção de subjetividades subalternas, o artigo menciona sucintamente e sem ter maiores pretensões de análise, duas políticas segregacionistas que marcaram a história dos Estados Unidos e da África do Sul.

Nas duas experiências de segregação, o subalterno adquire uma dimensão espectral e indeterminada: embora dotados de certos direitos, as prerrogativas mais básicas referentes à sua inserção na coletividade foram amplamente expropriadas. Integrando um espaço entre a plena destituição, exemplificada pela escravidão ou por campos de concentração, e uma plenitude de direitos e deveres tal como os grupos hegemônicos dispõem, o subalterno é também uma figura que, marcada pela sua invisibilidade, é concebido como uma ameaça em potencial constante não somente ao tipo de segmentação social que o oprime, como aqueles que julgam necessário mantê-la.

Mesmo quando a violência colonizadora é manifestada da maneira mais vasta e brutal, existe sempre a possibilidade, para o colonizador, de que esta seja a sua última manifestação. Em sua subordinação, o espectro do subalterno é causa contínua de ansiedade para seus opressores: a colonização só pode se manter se for continuamente reiterada a cada momento, mas cada circunstância subsequente, por sua vez, traz consigo também a possibilidade da descolonização, da ruptura e do surgimento de novas configurações sociais e humanitárias. O espectro traz sempre consigo uma oscilação temporal através da qual o passado retorna e chega em meio às condições mais singulares e imprevistas, um rastro que continuamente desloca, perturba e desestabiliza o futuro tal como calculado e projetado pelo presente. O espectro representa o resquício perene da violência que não se deixa cessar com a passagem do tempo, incessantemente retornando para lembrar o que fora feito, tal como os fantasmas shakespearianos em Macbeth e Hamlet.

  • 1
    No original: “The apparent banality signals a disavowal. The statement ignores the international division of labor, a gesture that often marks postructuralist political theory. The invocation of ´the´ workers´ struggle is baleful in its very innocence; it is incapable of dealing with global capitalism: the subject-production of worker and unemployed within nation-state ideologies in its Center; the increasing subtract of the working class in the Periphery from the realization of surplus value and thus from "humanistic" training in consumerism; and the large-scale presence of paracapitalist labor as well as the heterogeneous structural status of agriculture in the Periphery. Ignoring the international division of labor; rendering "Asia" (and on occasion "Africa") transparent (unless the subject is ostensibly the "Third World"); reestablishing the legal subject of socialized capital - these are problems as common to much postructuralist as to structuralist theory”.
  • 2
    No original: “In the name of desire, they reintroduce the undivided subject into the discourse of power. Foucault often seems to conflate "individual" and "subject"; and the impact on his own metaphors is perhaps intensified in his followers. Because of the power of the word "power", Foucault admits using the "metaphor of the point which progressively irradiates its surroundings". Such slips become the rule rather than the exception in less careful hands. And that radiating point, animating an effectively heliocentric discourse, fills the empty place of the agent with the historical sun of theory, the Subject of Europe”.
  • 3
    No original: “This reintroduces the constitutive subject on at least two levels: the Subject of desire and power as an irreducible of the oppressed. Further, the intellectuals, who are neither of these S/subjects, become transparent in the relay race, for they merely report on the nonrepresented subject and analyze (without analyzing) the workings of (the unnamed Subject irreducibly presupposed by) power and desire. The produced ´transparency´ marks the place of ´interest´; it is maintained by behement denegation: ´Now this role of referee, judge, and universal witness is one which I absolutely refuse to adopt´”.
  • 4
    No original: “I am progressively inclined, then, to read the retrieval of subaltern consciousness as the charting of what in poststructuralist language would be called the subaltern subject-effect. A subject-effect can be briefly plotted as follows: that which seems to operate as a subject may be part of an immense discontinuous network ("text" in the general sense") of strands that may be termed politics, ideology, economics, history, sexuality, language, and so on. (Each of these strands, if they are isolated, can also be seen as woven of many strands). Different knottings and configurations of these strands, determined by heterogeneous determinations which are themselves dependent upon myriad circumstances, produce the effect of an operating subject”.
  • 5
    No original: “The contemporary international division of labor is a displacement of the divided field of the nineteenth-century territorial imperialism. Put simply, a group of countries, generally first-world, are in the position of investing capital; another group, generally third-world, provide the field for the investment, both through the comprador indigenous capitalists and through their ill-protected and shifting labor force. In the interest of maintaining the circulation and growth of industrial capital (and of the concomitant task of administration within nineteenth-century territorial imperialism), transportation, law and standardized education systems were developed - even as local industries were destroyed, land distribution was rearranged, and raw material was transferred to the colonizing country”.
  • 6
    No original: “In the transforming thought of Enlightenment, culture confronts nature in standard mythic terms. Savages are of nature rather than culture and they are denied transforming thought or reason. Like the devils of Christian belief, to whom they were constantly compared, savages cannot escape the light but are forever cast out by it. The identities of the European and of European law are achieved in their foundational difference from these beings”.
  • 7
    No original: “A whole world is appropriated in the constitution of European being. In its apotheosis, modern law moves definitively and distinctly beyond prior stages which are different to yet of it. The history of what modern law is not becomes also a history of what it is. This is the outcome of mythic dynamics that both propel the linear progression of law, and of society, and provide the standards whereby some are judged as having progressed less than others... Eurocentric, quasi-universal standards of sociality, of complexity or differentiation in society, of productive efficiency and rationality remain readily identified by the inadequacies they reveal in those who have been superseded”.
  • 8
    No original: “…colonization is always associated with the bringing of order into a disordered situation. What existed apart from imperial order was the chaos of a pre-creation in which the natives lived, or barely lived, in anarchy, sorcery and terror. Any means of civilization is justified in dealing with this absolute and abject negation of it”.
  • 9
    No original: “The modern subject started its journey in the annals and operations of law, as the legal subject of rights. It could not be otherwise; the subject comes to existence before the law, subjected to its norms and held responsible at its bar. Law and subject are intimately related and human rights are the paradigmatic place in which humanity, subject and the law come together. In a sense, all modern moral and legal philosophy is a long meditation on the meaning of the (legal) subject”.
  • 10
    No original: “By the middle of the nineteenth century and after the abolition of slavery, humanity reached its final modern formulation in juxtaposition of the non-human world of animals and objects. But the "non-human vermin" of the concentration camps, the potential of world annihilation of nuclear weapons and recent developments in genetic technology and robotics, indicate that even this most banal and obvious of definitions is not definite and conclusive. Humanity´s mastery, like God´s omnipotence, includes the ability to re-define who or what counts as human and even to destroy itself”.
  • 11
    No original: “However, the narrative and psychological force that nationness brings to bear on cultural production and political projection is the effect of the ambivalence of the ´nation´ as a narrative strategy. As an apparatus of symbolic power, it produces a continual slippage of categories, like sexuality, class affiliation, territorial paranoia, or ´cultural difference´ in the act of writing the nation”.
  • 12
    No original: “Local and global terrorism is the main area for recognizing the objects of risk, threat and fear. But the same logic functions in many other fields with crisis mentality, fear and loathing. The refugees are seen as a threat in terms of human, social and economic security... This discourse of fear justifies anti-immigration laws and administrative and judicial practices that violates human rights, international refugee law and national migration legislation”.

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  • *
    Agradeço a Carolina Leal Moraes Vieira por realizar a revisão do presente trabalho, pelas discussões que me auxiliaram a desenvolver parte dos argumentos e leituras fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa. Meu mais profundo agradecimento aos professores da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) Stéfano Gonçalves Régis Toscano, Manoel Carlos Uchôa de Oliveira e Danilo José Viana da Silva que sempre me ajudaram a desenvolver a minha formação teórica sem a qual não teria conseguido realizar as leituras necessárias para a realização dessa pesquisa. Por fim, considerável parte do desenvolvimento teórico acerca da subjetividade social e da categoria de reconhecimento foi influenciada por várias discussões propostas pelo Grupo de Estudos em Teoria Social e Subjetividades (GETSS/UFPE).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jun 2021
    • Data do Fascículo
      Apr-Jun 2021

    Histórico

    • Recebido
      01 Mar 2020
    • Aceito
      21 Mar 2020
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