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Engajamento escolar: explicação a partir dos valores humanos

Compromiso escolar: explicación a partir de los valores humanos

School Engagement: Explanation from Human Values

Resumo

O presente estudo objetivou conhecer em que medidas os valores humanos predizem o engajamento escolar. Participaram 338 estudantes, com idade média de 13,04 (DP=1,45), sendo a maioria do sexo masculino (52,4%), provenientes de escolas públicas (53,6%) e do nono ano do ensino fundamental (26,3%). Estes responderam à Escala de Engajamento Escolar, o Questionário de Valores Básicos e perguntas demográficas. Utilizou-se o software estatístico SPSS para a realização de análises descritivas e inferenciais. Os resultados indicaram que os alunos que priorizam valores das subfunções interativa, normativa, suprapessoal, existência e realização dedicam-se na realização da tarefa acadêmica, ao contrário daqueles que priorizam os valores da subfunção experimentação. Ademais, constatou-se que as variáveis nível de escolaridade e natureza da instituição escolar influenciaram no engajamento escolar. Os resultados evidenciam a importância dos valores em ambiente acadêmico, mostrando a necessidade do desenvolvimento de projetos que possam estimulá-los nas escolas, sobretudo àqueles de orientação central e social.

Palavras-chave:
Escola; valores; adolescência.

Abstract

The present study aimed to know in which measures human values ​​predict school engagement. A total of 338 students, with a mean age of 13.04 (SD = 1.45), were the majority (52.4%) from public schools (53.6%) and the ninth grade (26.3%). These responded to the School Engagement Scale, the Core Values ​​Questionnaire, and demographic questions. SPSS statistical software used to perform descriptive and inferential analyzes. The results indicated that students who prioritize values ​​of sub-functions interactive, normative, supra-personal, existence and achievement are dedicated to the accomplishment of the academic task, unlike those that prioritize the values ​​of the subfunction experimentation. In addition, it verified that the variables schooling level and nature of the school institution influenced in the school engagement. The results show the importance of values ​​in academic environment, showing the need to develop projects that can stimulate them in schools, especially those with a central and social orientation.

Keywords:
School; values; adolescence.

Resumen

El presente estudio tuvo por objetivo conocer en qué medidas los valores humanos predicen el compromiso escolar. Participaron 338 estudiantes, con edad media de 13,04 (DP=1,45), siendo la mayoría del sexo masculino (el 52,4%), provenientes de escuelas públicas (el 53,6%) y del noveno curso de la enseñanza primaria (el 26,3%). Estos respondieron la Escala de Compromiso Escolar, el Cuestionario de Valores Básicos y preguntas demográficas. Se utilizó el software estadístico SPSS para realización de análisis descriptivas, e inferenciales. Los resultados indicaron que los alumnos que priorizan valores de las sub-funciones interactiva, normativa, supra-personal, existencia y realización se dedican en la realización de la tarea académica, al contrario de aquellos que priorizan los valores de la sub-función experimentación. Además, se constató que las variables nivel de escolaridad y naturaleza de la institución escolar influenciaron en el compromiso escolar. Los resultados evidencian la importancia de los valores en ambiente académico, mostrando la necesidad del desarrollo de proyectos que puedan estimularlos en las escuelas, sobre todo aquellos de orientación central y social.

Palabras clave:
Escuela; valores; adolescencia.

Introdução

A escola é um contexto de desenvolvimento humano responsável pela produção do conhecimento e, como tal, permite que estudantes tenham novas experiências e aprendam sobre ética, normas e valores. Para isto, é fundamental que os discentes se envolvam com as atividades pedagógicas e culturais oferecidas, a fim de sentirem-se cada vez mais pertencentes a esse espaço de aprendizagem, além de estarem se capacitando para atuar de forma ativa e participativa na sociedade (Gouveia, 2009Gouveia, R. S. V. (2009). Engajamento escolar e depressão: um estudo correlacional entre crianças e adolescentes. Tese de Doutorado, Departamento de Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.).

Atualmente, tem-se buscando conhecer variáveis que estimulem o envolvimento dos estudantes nas atividades desenvolvidas pelas instituições educacionais, visando motivá-los e instigá-los a vencer os desafios provenientes do contexto acadêmico. No presente estudo foi selecionada a variável engajamento escolar, a qual tem sido relacionada positivamente com a promoção da aprendizagem e a realização acadêmica (Ladd & Dinella, 2009Ladd, G. W.; & Dinella, L. M. (2009). Continuity and change in early school engagement: Predictive of children's achievement trajectories from first to eighth grade? Journal of Educational Psychology101(1), 190.). Desta forma, espera-se que os estudantes engajados tenham uma maior probabilidade de alcançar um bom desempenho escolar, além de possuírem uma maior expectativa no que diz respeito ao sucesso acadêmico (Klem & Connell, 2004Klem, A. M.; & Connell, J. P. (2004). Relationships matter: Linking teacher support to student engagement and achievement. Journal of School Health74(7), 262-273.).

Segundo Fonsêca (2008Fonsêca, P. N. (2008). Desempenho acadêmico de adolescentes: Proposta de um modelo explicativo. Tese de Doutorado, Departamento de Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.), o envolvimento dos estudantes com a escola pode ser dirigido por valores de orientação social, já que esses antecedem as atitudes positivas frente à escola e os comportamentos que respeitam as normas institucionais. Desse modo, é possível assegurar o equilíbrio das relações sociais e do engajamento escolar (Puig & Arantes, 2007Puig, J. M.; & Arantes, V. A. (2007). Educação e valores pontos e contrapontos. Grupo Editorial Summus.). Destarte, o presente estudo tem como objetivo principal conhecer em que medidas os valores humanos predizem o engajamento escolar, além de compreender a influência dos dados sociodemográficos nos construtos estudados.

Engajamento Escolar

O engajamento escolar é um construto que, atualmente, tem recebido atenção por parte de pesquisadores, professores e responsáveis por programas educacionais, devido, em particular, a sua estreita relação com o desempenho escolar e o desenvolvimento social e cognitivo dos estudantes (Ladd & Dinella, 2009Ladd, G. W.; & Dinella, L. M. (2009). Continuity and change in early school engagement: Predictive of children's achievement trajectories from first to eighth grade? Journal of Educational Psychology101(1), 190.). Contudo, apesar de o crescimento das publicações e de investigações sobre o tema, ainda falta consenso acerca de sua definição, refletindo assim, o seu caráter multidimensional que liga amplas vertentes, a exemplo da educação, psicologia e sociologia (Estell & Perdue, 2013Estell, D. B.; & Perdue, N. H. (2013). Social support and behavioral and affective school engagement: the effects of peers, parents, and teachers. Psychology in theSchools50(4), 325-339.).

Segundo Coelho e Amantes (2014Coelho, G. R.; & Amantes, A. (2014). A influência do engajamento sobre a evolução do entendimento dos estudantes em eletricidade. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias13(1), 48-72.), o engajamento se refere a uma ligação estabelecida entre o indivíduo e atividade que está sendo realizada, podendo assim, o sujeito ser afetado pelo contexto no qual está inserido. Voisin, Neilands, e Hunnicutt (2011Voisin, D. R.; Neilands, T. B.; & Hunnicutt, S. (2011). Mechanisms linking violence exposure and school engagement among African American adolescents: Examining the roles of psychological problem behaviors and gender. American Journal of Orthopsychiatry81(1), 61-71.) também destacam o engajamento como um processo que ocorre entre o contexto social e a aprendizagem, ligados de forma positiva e significativa, que contribuem para a participação ativa dos estudantes dentro do contexto escolar e para o aumento do desempenho acadêmico.

A investigação sobre o engajamento surgiu a partir de duas perspectivas: interventiva, que busca proporcionar melhorias no desenvolvimento dos estudantes dentro do ambiente educacional, visando obter resultados mais expressivos (Estell & Perdue, 2013Estell, D. B.; & Perdue, N. H. (2013). Social support and behavioral and affective school engagement: the effects of peers, parents, and teachers. Psychology in theSchools50(4), 325-339.); e preventiva, que tem como objetivo evitar a ocorrência de fatores negativos, causadores da desmotivação dos estudantes, tais como: depreciação da estrutura física da escola, baixos níveis de desempenho acadêmico, evasão escolar; envolvimento com o consumo de drogas e a prática da violência física e verbal (Hirschfield & Gasper, 2011Hirschfield, P. J.; & Gasper, J. (2011). The relationship between school engagement and delinquency in late childhood and early adolescence. Journal of Youth and Adolescence40(1), 3-22.). Nesse sentido, o engajamento escolar pode ser considerado uma variável relevante na resolução dos problemas escolares, uma vez que se encontra positivamente relacionado com a promoção da aprendizagem e realização acadêmica (Ladd & Dinella, 2009Ladd, G. W.; & Dinella, L. M. (2009). Continuity and change in early school engagement: Predictive of children's achievement trajectories from first to eighth grade? Journal of Educational Psychology101(1), 190.).

De acordo com Schaufeli, Salanova, González-Romá, e Bakker (2002Schaufeli, W. B.; Salanova, M.; González-Romá, V.; & Bakker, A. B. (2002). The measurement of engagement and burnout: A two sample confirmatory factor analytic approach. Journal of Happiness studies3(1), 71-92.) o engajamento escolar não se caracteriza por um estado específico e momentâneo, mas se refere a um estado afetivo-cognitivo persistente, compreendido como um estado mental positivo que se relaciona tanto com o trabalho quanto com o estudo. Para esses autores, este construto envolve três fatores: (1) Vigor, (2) Dedicação e (3) Absorção.

O primeiro fator, Vigor, caracteriza-se pelo alto nível de energia e resiliência mental empregado pelo aluno durante a realização de alguma atividade. Nesse caso, reflete o desejo de se esforçar naquilo que se está executando (trabalho, atividade escolar), mesmo quando surgem dificuldades durante a sua efetivação. Os indivíduos que pontuam alto neste fator costumam dedicar muita energia às suas atividades.

O segundo fator, Dedicação, denota uma implicação ou um envolvimento laboral alto, acompanhado pela manifestação de sentimentos de entusiasmo, inspiração, orgulho e interesse na atividade desenvolvida. Os indivíduos que pontuam alto neste fator se identificam fortemente com seu trabalho ou suas atividades realizadas, sentindo-se orgulhosos de suas atuações.

O último fator, Absorção, refere-se ao envolvimento total nas tarefas desenvolvidas, em que os sujeitos experienciam a sensação do "tempo passar voando". Nesse caso, as pessoas apresentam certa dificuldade de se desconectar da atividade, particularmente devido ao quanto se desfruta e se concentra no que está executando. Os indivíduos que pontuam alto neste fator indicam desfrutar do que fazem, sentindo-se intrinsecamente motivadas e imersas.

Schaufeli, Taris, e Bakker (2006Schaufeli, W. B.; Bakker, A. B.; & Salanova, M. (2006). The measurement of work engagement with a short questionnaire a cross-national study. Educational and Psychological Measurement66(4), 701-716.) ressaltam que as pessoas engajadas se esforçam (vigor), se envolvem (dedicação) e se sentem felizes (absorção) com o que estão fazendo. Elas também são persistentes em face das dificuldades e têm prazer com o seu sucesso, se esforçando e se dedicando com entusiasmo às atividades escolares, como forma de alcançarem um objetivo maior que é a aquisição de novos conhecimentos (Bakker, Schaufeli, Leiter, & Taris, 2008Bakker, A. B.; Schaufeli, W. B.; Leiter, M. P.; & Taris, T. W. (2008). Work engagement: An emerging concept in occupational health psychology. Work & Stress22(3), 187-200.).

Logo, entende-se que o engajamento escolar é um fator que auxilia o processo de aprendizagem, proporcionando uma melhor qualidade na educação (Chien & cols., 2010Chien, N. C.; Howes, C.; Burchinal, M.; Pianta, R. C.; Ritchie, S.; Bryant, D. M.; & Barbarin, O. A. (2010). Children's classroom engagement and school readiness gains in prekindergarten. Child Development81(5), 1534-1549.). Ao se discutir e trabalhar o engajamento escolar, busca-se estimular o envolvimento dos estudantes com as atividades acadêmicas e assim, majorara responsabilidade (Estell & Perdue, 2013Estell, D. B.; & Perdue, N. H. (2013). Social support and behavioral and affective school engagement: the effects of peers, parents, and teachers. Psychology in theSchools50(4), 325-339.), o esforço (Li & Lerner, 2013Li, Y.; & Lerner, R. M. (2013). Interrelations of behavioral, emotional, and cognitive school engagement in high school students. Journal of Youth and Adolescence42(1), 20-32.) e o rendimento (Dotterer & Lowe, 2011Dotterer, A. M.; & Lowe, K. (2011). Classroom context, school engagement, and academic achievement in early adolescence. Journal of Youth and Adolescence40(12), 1649-1660.). Portanto, o estudo mais aprofundado deste construto permitirá compreender e encontrar mecanismos para promovê-lo e assim, acarretar resultados positivos no desempenho dos estudantes (Greene, Lee, Constance, & Hynes, 2013Greene, K. M.; Lee, B., Constance, N.; & Hynes, K. (2013). Examining youth and program predictors of engagement in out-of-school time programs. Journal of Youth and Adolescence42(10), 1557-1572.).

Ressalta-se ainda que o engajamento escolar pode ser percebido como um fator correspondente às necessidades psicológicas, presentes na teoria das necessidades de Abraham Maslow (1943)Maslow, A. H. (1954). Motivation and personality. New York: Harper and Row., caracterizado principalmente por uma orientação à autonomia com eficiência cognitiva e competência percebida (Wong, 2000Wong, M. M. H. (2000). The relations among causality orientations, academic experience, academic performance, and academic commitment. Personalityand Social Psychology Bulletin26(3), 315-326.). Com base nessa ideia e nos resultados de sua pesquisa, Gouveia e cols. (2010Gouveia, V. V.; Sousa, D. M. F.; Fonsêca, P. N.; Gouveia, R. S.; Brito, A. I. A. S.; & Carvalho Rodrigues, G. R. (2010). Valores, metas de realização e desempenho acadêmico: proposta de modelo explicativo. Psicologia Escolar e Educacional14(2), 323-331.) sugerem que a atuação dos estudantes frente às atividades e o desempenho acadêmico podem ser influenciados pelos valores humanos, uma vez que estes representam metacognitivamente as necessidades a serem satisfeitas. Frente ao exposto, a Teoria Funcionalista dos Valores Humanos será o fundamento, pois além de compreender os valores como guia das ações humanas e a expressão cognitiva das necessidades (Gouveia, 2013Gouveia, V. V. (2013). Teoria Funcionalista dos Valores Humanos: Fundamentos, Aplicações e Perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo.), a exemplo do engajamento escolar, apresenta adequabilidade psicométrica no contexto nacional e transcultural (Medeiros, 2011Medeiros, E. D. (2011). Teoria Funcionalista dos Valores Humanos: Testando sua adequação intra e interculturalmente. Tese de Doutorado, Departamento de Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa - PB.).

Valores Humanos

Os valores humanos são construtos que fornecem um instrumento analítico para descrever e explicar as similaridades e diferenças entre as pessoas, grupos, nações e culturas, pois ao internalizar um valor, este se torna, consciente ou inconscientemente, um padrão ou critério para guiar a ação, para desenvolver e manter as atitudes em relação a objetos e situações importantes, e para julgar moralmente a si e aos outros (Rokeach, 1981Rokeach, M. (1981). Crença, atitudes e valores: uma teoria de organização e mudança. Rio de Janeiro: Interciência.).

De modo geral, muitas são as contribuições teóricas dos estudos sobre valores humanos, podendo ser didaticamente divididas em duas perspectivas, uma sociológica (grupal) e outra psicológica (pessoal). Porém, no presente trabalho focar-se-á na perspectiva psicológica, em que o indivíduo é considerado uma unidade básica de análise (Kuklick, 2002Kuklick, H. (2002). Functionalism. Em: A., Barnard; & J., Spencer (Orgs.), Encyclopedia of social and cultural anthropology (pp. 377-384). London: Routledge.), mas especificamente a Teoria Funcionalista dos Valores humanos, proposta por Gouveia (1998Gouveia, V. V. (1998). La naturaleza de los valores descriptores del individualismo e del colectivismo: Una comparación intra e intercultural. Tese de Doutorado, Departamento de Psicologia Social, Universidade Complutense de Madri, Espanha.).

Os valores humanos são definidos, segundo esta teoria, como critérios de orientações que guiam as ações humanas e expressam cognitivamente suas necessidades básicas (Gouveia, 2013Gouveia, V. V. (2013). Teoria Funcionalista dos Valores Humanos: Fundamentos, Aplicações e Perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo.). Tal modelo tem-se apresentado mais parcimonioso, integrador (Gouveia, Milfont, & Guerra, 2014Gouveia, V. V.; Sousa, D. M. F.; Fonsêca, P. N.; Gouveia, R. S.; Brito, A. I. A. S.; & Carvalho Rodrigues, G. R. (2010). Valores, metas de realização e desempenho acadêmico: proposta de modelo explicativo. Psicologia Escolar e Educacional14(2), 323-331.). Gouveia (2003Gouveia, V. V.; Sousa, D. M. F.; Fonsêca, P. N.; Gouveia, R. S.; Brito, A. I. A. S.; & Carvalho Rodrigues, G. R. (2010). Valores, metas de realização e desempenho acadêmico: proposta de modelo explicativo. Psicologia Escolar e Educacional14(2), 323-331., 2013Gouveia, V. V. (2013). Teoria Funcionalista dos Valores Humanos: Fundamentos, Aplicações e Perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo.) em seu modelo propõe duas dimensões funcionais dos valores que juntas formam dois eixos primordiais: o eixo horizontal, relacionado ao tipo de orientação, que guiam as ações humanas; e o eixo vertical, que corresponde ao tipo de motivador que expressam as necessidades.

O eixo horizontal se subdivide em três critérios de orientação ou subfunções valorativas, são elas: (1) social, cujas pessoas que se pautam nestes valores apresentam uma preferência à vida em comunidade ou possuem um foco interpessoal, (2) pessoal, os indivíduos que são guiados por esses valores são egocêntricos ou apresentam um foco intrapessoal, e (3) central, o qual representa a espinha dorsal da hierarquia dos valores, sendo este tipo de orientação referência para os valores sociais e pessoais (Gouveia & cols., 2014Gouveia, V. V.; Milfont, T. L.; & Guerra, V. M. (2014). Functional theory of human values: Testing its content and structure hypotheses. Personality and Individual Differences6041-47.).

Já o eixo vertical se subdivide em dois tipos de motivadores, a saber, materialista e humanitário. O primeiro está relacionado a ideias práticas, e as pessoas que se pautam nesses valores apresentam uma orientação a metas específicas e regras normativas. A segunda, humanitária, representa uma orientação universal, baseada em princípios abstratos e ideias, sem um foco imediato. A combinação destes dois eixos resulta em seis subfunções (Existência, Suprapessoal, Interativa, Normativa, Experimentação e Realização) que serão descritas a seguir.

A subfunção Existência possui motivador materialista e orientação central. Representa as necessidades mais básicas de sobrevivência do homem (biológica e psicológica) e as necessidades de segurança. Esta é constituída pelos valores: de estabilidade pessoal, que expressa à luta para garantir sobrevivência; saúde, marcado pela evitação de coisas que podem ser uma ameaça à sua vida; e sobrevivência, que representa necessidades mais básicas, como comer e beber.

A subfunção Realização apresenta um motivador materialista, mas com orientação pessoal. As pessoas guiadas por tais valores focalizam em realizações materiais. É composta pelos valores: êxito, que reflete a busca pela eficiência; poder, caracterizado pela ênfase dada ao princípio de hierarquia; e prestígio, marcado pelo desejo de usufruir de vantagens do reconhecimento social.

A subfunção Normativa possui um motivador materialista e uma orientação social, focada na observância de regras sociais refletindo à importância dada em preservar a cultura e as normas convencionais. Evidenciando uma orientação vertical, cuja obediência à autoridade é predominante. Essa subfunção é composta pelos seguintes valores: obediência, o qual evidencia a importância de cumprir deveres e obrigações diárias; religiosidade, marcado pelo reconhecimento de uma entidade superior em que se busca certeza e harmonia para uma vida social pacífica; e tradição, que representa a pré-condição de disciplina no grupo ou na sociedade como um todo para satisfazer as necessidades.

A subfunção Suprapessoal apresenta uma orientação central e um motivador humanitário. Os valores desta subfunção estruturam e categorizam o mundo de forma consistente, favorecendo clareza e estabilidade na organização cognitiva do indivíduo. Fazem parte desta subfunção os seguintes valores: beleza, que representa as necessidades de estéticas e evidenciam uma orientação global; conhecimento, marcado pela busca constante de se manter atualizado e informado; e maturidade, o qual representa a necessidade de autorrealização.

A subfunção Experimentação possui um motivador humanitário e uma orientação pessoal. Está relacionada às necessidades fisiológicas de satisfação em sentido amplo e os indivíduos que adotam tais valores não se conformam facilmente com regras sociais. Fazem parte desta subfunção os valores descritos a seguir: emoção, representa a necessidade fisiológica de excitabilidade e busca de experiências perigosas, arriscadas; prazer, corresponde à necessidade orgânica de satisfação em um sentido mais amplo; e sexualidade, que representa a necessidade de sexo.

A subfunção Interativa detém um motivador humanitário e uma orientação social. Representa as necessidades de pertença, amor e afiliação e seus valores são essenciais para estabelecer, regular e manter as relações interpessoais. Fazem parte desta subfunção os valores: afetividade, que enfatiza os relacionamentos íntimos, as relações familiares, os cuidados, os afetos, o prazer e a tristeza; apoio social, que expressa a necessidade de afiliação, destacando-se a segurança que pode ser proporcionada; e convivência, que requer um sentido de identidade social, indicando a ideia de pertença a um grupo social e não viver sozinho.

Em vista do que foi relatado, o presente estudo tem por objetivo conhecer em que medida os valores humanos predizem o engajamento escolar de adolescentes paraibanos, além de conhecer a influência da instituição escolar e da escolaridade.

Método

Participantes

Contou-se com uma amostra de conveniência (não-probabilística) composta por 338 estudantes, com idade média de 13,04 anos (DP=1,45), sendo a maioria do sexo masculino (52,4 %), de classe média (80,2%) ede escola pública (53,6%) de municípios paraibanos. Estes cursavam sexto (23,1%), sétimo (24,6%), oitavo (25,7%) e nono (26,3%) ano do ensino fundamental, e afirmaram gostar dos seus professores (86,4 %) e da instituição da qual fazem parte (88,5%).

Instrumentos

Os participantes foram solicitados a responder um livreto contendo três instrumentos, a saber:

Escala de Engajamento Escolar: este instrumento é originalmente holandês e enfoca o contexto laboral (Schaufeli, Bakker, & Salanova, 2006Schaufeli, W. B.; Taris, T. W.; & Bakker, A. B. (2006). Dr Jekyll or Mr Hyde? On the differences between work engagement and workaholism. Research companion to working time and work addiction, 193-217.). Porém utilizou-se nesta pesquisa a versão adaptada para o Brasil por Gouveia (2009Gouveia, R. S. V. (2009). Engajamento escolar e depressão: um estudo correlacional entre crianças e adolescentes. Tese de Doutorado, Departamento de Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.), composta por 17 itens, respondidos em uma escala de resposta de tipo Likert com sete pontos, variando de 0 (nada) a 6 (sempre). Os alfas de Conbrach encontrados para as três dimensões do engajamento escolar foram satisfatórios, apresentando índices de 0,65 (Dedicação), 0,77 (Vigor),0,78(Absorção),para a cidade de Aracaju. Este estudo, em particular, contou com uma amostra não probabilística, composta por 371 estudantes de escola Pública e 610 de redes privada da capital de Sergipe.

Questionário de Valores Básicos: foi desenvolvido por Gouveia (2013Gouveia, V. V. (2013). Teoria Funcionalista dos Valores Humanos: Fundamentos, Aplicações e Perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo.). É composto por 18 itens, que representam valores específicos e respondidos em uma escala de resposta de tipo Likert com sete pontos variando de 1 (Totalmente não importante) a 7 (Totalmente importante); apresentou alfas variando de 0,48 (interativa) a 0,63 (normativa). Considerando que o número de itens pode afetar esse índice de con sistência, que costuma aumentar proporcionalmente ao número de itens incorporados no instrumento (Pasquali, 2010Pasquali, L. (2010). Instrumentação psicológica Porto Alegre: Artes Médicas.), é preciso ter cautela em sua interpretação, uma vez que cada subfunção está formada por apenas três itens. Ademais, o QVB-18 apresenta qualidades psicométricas satisfatórias [validade (construto) e precisão (consistência interna e confiabilidade composta)], para fins de pesquisas, em todos os estados brasileiros (Medeiros, 2011Medeiros, E. D. (2011). Teoria Funcionalista dos Valores Humanos: Testando sua adequação intra e interculturalmente. Tese de Doutorado, Departamento de Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa - PB.).

Questionário sociodemográfico: desenvolvido com a finalidade de caracterizar a amostra, sendo composto por questões sobre a idade, o sexo, a instituição escolar e ano escolar.

Procedimentos

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário Lauro Wanderley (CEP/HULM) e, após o parecer favorável (Protocolo nº 389/14), os pesquisadores entraram em contado com a direção das instituições de ensino com a finalidade de solicitar permissão para aplicar os questionários, especificamente, encaminhar o Termo de Consentimento Livre Esclarecido para os pais ou responsáveis dos estudantes. Posteriormente, pesquisadores treinados aplicaram para os estudantes cujos pais tinham autorizado os instrumentos no ambiente de sala de aula. Salienta-se que mesmo o local sendo coletivo, as respostas eram dadas de forma individual.

Foram respeitadas todas as normas éticas para pesquisas com seres humanos exigidas pela Resolução 466/2012. Sendo esclarecido o caráter voluntário da participação, garantido o anonimato e o sigilo das respostas, além de solicitar a assinatura do Termo de Assentimento pelo adolescente. O tempo necessário para a conclusão foi de aproximadamente 20 minutos.

Análise dos Dados

Para tabulação dos dados foi utilizado o programa SPSS, em sua versão 20. Foram realizadas análises descritivas (medidas de tendência central e dispersão), a fim de caracterizar a amostra; correlação (r de Pearson), visando conhecer como o engajamento escolar se relaciona com os valores humanos; regressão linear múltipla, objetivando conhecer como os valores humanos explicam o engajamento escolar, tentando assim, inferir a relação de causa e efeito entre as duas variáveis; além de análises de variância multivariada (MANOVA), com a intenção de verificar as diferenças de magnitudes nas médias computadas no engajamento escolar tendo em vista a natureza da instituição educacional e a escolaridade dos participantes.

Resultados

Descritivo das dimensões do estudo de acordo com a amostra

Em um primeiro momento, apresentam-se as estatísticas descritivas das dimensões dos instrumentos utilizados a partir de subgrupos e amostra geral.Estes resultados são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Análise descritiva das dimensões dos instrumentos utilizados

De acordo com a Tabela 1, verifica-se que quanto aos subgrupos tomados neste estudo, observa-se que estudantes de escola pública e aqueles que cursam o sexto ano pontuam mais alto na maioria das dimensões do engajamento escolar. No tocante aos valores humanos, destaca-se a pontuação mais baixa em todos os subgrupos dos participantes na subfunção experimentação. Estes achados proporcionam uma melhor descrição dos participantes e colaboram com a interpretação das análises de relação, as quais são apresentadas a seguir.

Correlatos e preditores valorativos do Engajamento Escolar

Neste tópico objetiva-se conhecer as variáveis que se relacionam com o engajamento escolar, bem como aquelas que podem explicá-la. Ressalva-se que, neste caso, as variáveis de interesse as subfunções valorativas atribuídas aos participantes, além das dimensões dedicação, vigor, absorção e fator geral do engajamento escolar. Dessa forma, a tabela 2 apresenta as correlações de Pearson entre essas variáveis.

Tabela 2
Relação entre os fatores de engajamento escolar e as subfunções valorativas

Conforme a Tabela 2, é possível verificar que as subfunções interativa, normativa, suprapessoal, existência e realização correlacionaram-se positivamente com todas as dimensões de engajamento escolar. Portanto, quanto maior a pontuação nestas cinco subfunções, maiores são as pontuações nas dimensões de engajamento escolar como avaliado por estes instrumentos. Ademais, constatou-se que unicamente a subfunção experimentação não apresentou correlação significativa com os fatores de engajamento escolar.

Complementando as análises acerca da associação entre o engajamento escolar e seus correlatos valorativos, pretende-se também conhecer quais subfunções podem explicar tal comportamento. Para tanto, realizou-se uma análise regressão linear múltipla (método Enter), introduzindo como variável critério o fator geral do engajamento escolar, calculado a partir da somatória de todos os itens que compõe a Escala de Engajamento Escolar e como variáveis antecedentes as subfunções valorativas que apresentaram correlação significativa com a dimensão analisada. Os resultados são mostrados na Tabela 3.

Tabela 3
Regressão entre os fatores de engajamento escolar e as subfunções valorativas

De acordo com a Tabela 3, no que diz respeito ao engajamento escolar, unicamente as subfunções normativa, suprapessoal e realização o predisseram. A partir destas análises verifica-se que estas três subfunções se correlacionaram e, conjuntamente, explicaram 22% (R²ajustado) da variância total. Ademais, pode-se reconhecer a influência relevante dos valores humanos, sobretudo destas três subfunções que atuaram como preditores do engajamento escolar.

Análise Multivariada de Variância (MANOVA)

Por fim, objetivando examinar a variabilidade dos fatores de engajamento escolar em função de dados sociodemográfico (instituição escolar e escolaridade), realizou-se uma Análise Multivariada de Variância (MANOVA). Nesta análise constatou-se que a natureza da instituição escolar [Lambda de Wilks = 0,95, F(3,310) = 5,54, p<0,01,η²(tamanho do efeito) = 0,05] e a escolaridade [Lambda de Wilks = 0,90, F(9,754) = 3,93, p<0,001, η²(tamanho do efeito)= 0,03], influenciaram os fatores do engajamento escolar. Tomando estas duas variáveis independentes, de forma simultânea, constatou-se uma ausência de efeitos de interação significativos [Lambda de Wilks = 0,96, F (9,795) = 1,43, p = 0,17, η²(tamanho do efeito)= 0,01].

Analisando o resultado dos testes univariados (teste post hoc de Bonferroni), percebeu-se que os estudantes de escolas públicas pontuaram mais alto (M=3,18) do que o fizeram os das particulares (M=2,81), especificamente no fator Vigor [F(1; 10,546) = 7,14, p<0,001, η²(tamanho do efeito)= 0,02]. Com relação à escolaridade, os testes univariados (teste post hoc de Bonferroni) indicaram haver diferença em relação aos fatores Vigor [F(3; 14,68) = 9,95, p<0,001, η²(tamanho do efeito)= 0,08] e Absorção [F(3; 11,77) = 8,40, p<0,001, η²(tamanho do efeito)= 0,07]. Particularmente, observou-se que no fator Vigor os estudantes do sexto ano apresentaram médias maiores (M= 3,71) do que o fizeram os do nono (M= 2,83), do oitavo (M= 2,77) e do sétimo ano (M= 2,69). Enquanto que, no fator Absorção, os estudantes do sexto ano também apresentaram médias maiores (M = 3,93) do que os do nono (M = 3,14), do sétimo (M = 2,98) e do oitavo ano (M= 2,96).

Discussão

O presente estudo teve como objetivo principal conhecer em que medidas os valores humanos predizem o engajamento escolar. Estima-se que isso tenha sido alcançado, uma vez que os resultados encontrados nas análises de correlação e regressão indicaram relação dos valores com o engajamento escolar, sendo as subfunções normativa, suprapessoal e realização aquelas que melhor explicam os comportamentos de atuação positiva no contexto acadêmico.

Com base nas análises executadas constatou-se que as pessoas que priorizam os valores centrais (suprapessoal e existência) tendem a ser mais engajadas, apresentando uma alta dedicação, vigor e absorção frente às atividades acadêmicas. Isto sugere que o engajamento escolar tende a ser elevado quando os estudantes possuem como princípios guias valores da subfunção existência (e.g. sobrevivência e estabilidade pessoal) e suprapessoal (e.g. maturidade e conhecimento).

Isso pode ser entendido na medida em que se compreende o engajamento como uma variável que impulsiona os estudantes a buscarem cada vez mais qualificação, facilitando assim, sua inserção no mercado de trabalho (Vieira, 2011Vieira, L. (2011). Os concurseiros e o desperdício de talentos. Administradores.com.br: o portal da administração. Recuperado: 29 mai. 2015. Disponível: Disponível: http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/os-concurseiros-e-o-desperdiciode-talentos/56599/ .
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). Logicamente, essa conquista de espaço proporcionará um bom retorno financeiro e este promoverá um contexto em que suas necessidades básicas sejam facilmente supridas.

Quanto àsubfunção suprapessoal, marcada por uma maior ênfase em ideias abstratas (Gouveia, 2013Gouveia, V. V. (2013). Teoria Funcionalista dos Valores Humanos: Fundamentos, Aplicações e Perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo.), mostrou-se um importante motivador para o engajamento dos estudantes nas atividades acadêmicas, podendo este último ser influenciado pelos esforços pessoais para adquirir novos conhecimentos, enfatizando desta forma o engajamento cognitivo, o qual se refere ao investimento que cada um fará no processo de aprendizagem (Ainley, 1993Ainley, M. D. (1993). Styles of engagement with learning: Multidimensional assessment of their relationship with strategy use and school achievement. Journal of Educational Psychology85(3), 395.). Este esforço, na maioria das vezes, pode ser acompanhado pela dedicação e investimento de tempo dos estudantes em realizar suas atividades escolares fora do ambiente institucional, visando a internalização de novas informações, além de preparar um alicerce para a compreensão de assuntos mais complexo (Rosário& cols., 2005Rosário, P.; Mourão, R.; Soares, S.; Chaleta, E.; Grácio, L.; Núnez, J. C.; & González-Pienda, J. (2005). Trabalho de casa, tarefas escolares, auto-regulação e envolvimento parental. Psicologia em Estudo10(3), 343-351.). Estes resultados foram corroborados com os achados obtidos na análise de regressão, pois, os valores da subfunção suprapessoal se apresentaram como bons preditores do engajamento escolar.

Com base nas correlações foi possível constatar ainda que os estudantes que tem como princípios guias os valores da orientação social (subfunções interativa e normativa) se esforçarem e se dedicarem mais, desprendendo um maior nível de energia na hora de realizar tarefas escolares (Fonsêca, 2008Fonsêca, P. N. (2008). Desempenho acadêmico de adolescentes: Proposta de um modelo explicativo. Tese de Doutorado, Departamento de Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.). A subfunção interativa, que representa as necessidades de pertença, amor e filiação (Gouveia, 2013Gouveia, V. V. (2013). Teoria Funcionalista dos Valores Humanos: Fundamentos, Aplicações e Perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo.), revelou uma correlação positiva com os fatores de engajamento escolar. Tal fato pode ser justificado pela influência dos afetos e emoções dos estudantes direcionados a instituição de ensino, se estes fatores forem positivos a participação dos alunos na escola, por meio de troca de ideias com colegas e professores em sala de aula e realização das atividades, tende a ser maior do que aqueles detentores de afetos e emoções negativas (Jimerson, Campos, & Greif, 2003Jimerson, S. R.; Campos, E.; & Greif, J. L. (2003).Toward an understanding of definitions and measures of school engagement and related termsThe California School Psychologist8(1), 7-27.). Esse resultado é corroborado também por Hirschi (1969Hirschi, T. (1969). Causes of delinquency. Berkeley, CA: University of California Press.), quepontua que o vínculo com os pais, amigos e funcionários da instituição educacional constituem um bom indicador de apego à escola, principalmente quando todos de seu ciclo o incentiva em suas atividades acadêmicas, refletindo em excelentes resultados escolares. Na mesma direção, Ferreira (2010Ferreira, E. E. B. (2010). A percepção de competência, autonomia e pertencimento como indicadores da qualidade motivacional do aluno. Tese de Doutorado, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, SP.) afirma que os estudantes ao se perceberem autônomos, competentes e envolvidos com o professor demonstram ser mais motivados e engajados com a escola. Já os estudantes com baixa percepção de competência e pertencimento ao espaço escolar apresentaram altas pontuações em desmotivação e baixa em engajamento.

A subfunção normativa, que tem o seu enfoque em regras sociais, refletindo à importância de preservar a cultura e as normas convencionais (Gouveia & cols., 2014Gouveia, V. V.; Milfont, T. L.; & Guerra, V. M. (2014). Functional theory of human values: Testing its content and structure hypotheses. Personality and Individual Differences6041-47.), também se mostrou um bom motivador para o envolvido acentuado dos estudantes nas atividades acadêmicas. Este resultado pode ser melhor entendido com o posicionamento de Harris (2011Harris, L. (2011). Concepções de engajamento dos alunos dos professores secundários: Engagement na aprendizagem ou em escolaridade? Ensino e Formação de Professores27(2), 376-386.), o qual pontua que regras institucionais são fatores que contribuem significativamente para o melhor desempenho e engajamento dos estudantes nas atividades acadêmicas, pois a medida que estes direcionam energia e esforço para o cumprimento das mesmas, estão se realizando e aumentando o desejo de participação em sala de aula, evitando assim, comportamentos negativos e socialmente reprováveis. Esses resultados foram parcialmente ao encontro dos achados da análise de regressão, pois apenas a subfunção normativa se apresentou, estatisticamente, como um bom explicador do engajamento escolar.

Por fim, em relação ao tipo orientação pessoal, apenas os valores da subfunção realização apresentaram correlação positiva e significativa com o engajamento escolar. Segundo Gouveia (2003Gouveia, V. V. (2003). A natureza motivacional dos valores humanos: evidências acerca de uma nova tipologia. Estudos de psicologia8(3), 431-443.) a subfunção realização encontra-se pautada em motivadores materialistas, apresentando-se como um de seus descritores o valor êxito pessoal. De acordo com Klem e Connell (2004Klem, A. M.; & Connell, J. P. (2004). Relationships matter: Linking teacher support to student engagement and achievement. Journal of School Health74(7), 262-273.) a busca pelo êxito nas atividades acadêmicas pode ser vista como um bom preditor do engajamento escolar, pois os estudantes que visam alcançar bons resultados em suas atividades tendem a dedicar mais horas, objetivando realizá-las com cautela e sem erros, alcançando notas altas em exames e passagem de série sem nenhuma dificuldade. Quanto à subfunção experimentação, não apresentou nenhum resultado expressivo e significativo nas análises realizadas; porém ficou claro o sentindo inverso dos relacionamentos das variáveis estudadas, sugerindo que as pessoas que priorizam tais valores tendem a possuir baixo nível de engajamento nas atividades escolares.

Na análise Multivariada de Variância (MANOVA), constatou-se que a natureza da instituição escolar e o ano cursado pelos estudantes influenciaram nos resultados do engajamento. Nesta análise pode-se verificar que os participantes de escolas públicas pontuaram mais alto do que aqueles de escolas particulares. Levando-se em consideração que os estudantes de escolas públicas, em sua maioria, vivem em um contexto marcado por baixos recursos financeiros, restrições de professores, merenda e livros, supõe-se que por isso o jovem venha a perceber na formação acadêmica a possibilidade de uma vida melhor e, portanto, busca se envolver nas atividades esportivas, culturais e acadêmicas oferecidas pela escola.

Ademais, o engajamento escolar apresentou médias diferentes entre as séries escolares, apresentando-se mais alta na série mais baixa (sexto ano) e diminuindo nos anos seguintes. Este resultado é corroborado por Megliato (2011Megliato, J. G. P. (2011). Perfis motivacionais e engajamento de adolescentes nas tarefas escolares em casa. Dissertação de Mestrado em Educação, Universidade Estadual de Londrina, Londrina- PR.) e Jonosz e cols.(2008), o qual afirma que com o avançar das séries e idades os níveis de motivação intrínseca tendem a diminuir, assim como o engajamento escolar. Sobre isso, Gouveia (2009Gouveia, R. S. V. (2009). Engajamento escolar e depressão: um estudo correlacional entre crianças e adolescentes. Tese de Doutorado, Departamento de Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.) afirma que o período de maior engajamento pode ser notado na pré-adolescência (entre 10 e 12 anos), apresentando um decréscimo quando se aproxima da idade adulta (17 e 18 anos).

Por fim, pode-se concluir que o objetivo do presente estudo foi alcançado, contudo, vale destacar que a pesquisa apresentou algumas limitações como, por exemplo, a amostra, que foi por conveniência,o que impossibilita a generalização dos resultados mesmo para o universo da qual a amostra extraída (Cozby, 2003Cozby, P. C. (2003). Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. São Paulo: Atlas.). Sugere-se, portanto, que estudos futuros optem por trabalhar com amostras mais heterogêneas e representativas, coletadas de forma randômica, de modo a permitir a generalização dos resultados. No mais, essa limitação não desmerece a presente pesquisa visto que esta não teve como objetivo a generalização dos resultados, mas tão somente a busca de indícios de relações entre variáveis.

Sugere-se ainda, a pesquisas futuras que busquem verificar como a aliança das duas variáveis aqui estudadas, engajamento e valores humanos, podem contribuir para prevenção de fatores negativos, desencadeadores da baixa motivação dos estudantes (Hirschfield & Gasper, 2011Hirschfield, P. J.; & Gasper, J. (2011). The relationship between school engagement and delinquency in late childhood and early adolescence. Journal of Youth and Adolescence40(1), 3-22.), além de investigar o reflexo desta interação no desenvolvimento, intra e extra escolar, dos acadêmicos (Estell & Perdue, 2013Estell, D. B.; & Perdue, N. H. (2013). Social support and behavioral and affective school engagement: the effects of peers, parents, and teachers. Psychology in theSchools50(4), 325-339.).Estudos póstumos podem, ainda, investigar a influência de outros construtos (e.g., motivação e ansiedade)e variáveis demográficas, a exemplo, de rendimento familiar, origem sociocultural, caracterização das zonas de residência (rural ou urbana), no engajamento escolar.

Finalmente, espera-se que os resultados aqui evidenciados colaborem para a ampliação da discussão teórica acerca do tema, bem como fomente debates entre gestores, coordenadores e professores de escolas no sentido de sugerir projetos que visem desenvolver os valores, sobretudo àqueles de orientação central e social, além de atividades acadêmicas e culturais que estimulem os jovens a se envolverem mais com o contexto escolar o que, seguramente, contribuirá para a prevenção de problemas sociais e acadêmicos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2015
  • Revisado
    03 Maio 2015
  • Aceito
    24 Maio 2016
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