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O desafio da docência universitária em tempos de pandemia de COVID-19

A história deste planeta tem sido longa e, às vezes, tortuosa. Até hoje, foram distinguidos um total de cinco desaparecimentos da vida na Terra: a grande oxidação; a extinção do Ordoviciano-Siluriana; a extinção do Devoniano; a extinção do Permiano-Triássico; a extinção do Triássico-Jurássico; e a extinção do Cretáceo-Terciário. As causas? Muito variadas e diversas: fenômenos de anoxia no meio marinho, competição entre espécies, alterações climáticas, vulcanologia, colisões de meteoritos, alterações da órbita ou do campo magnético, ou ataques de microrganismos que conseguiram consolidar epidemias(11 Gregory B. El fin del mundo y las extinciones: descubre los eventos que han causado. Domingo S, editor. Madrid; 2022.).

Ninguém imaginaria que em 2020 aconteceria o que aconteceu. As enfermeiras do mundo se preparavam para comemorar o ‘Ano de Florence Nightingale’, o ano delas, e tudo foi interrompido por uma pandemia, semelhante à da ‘Gripe de 1918’, que parou todo o planeta. A “Morte” não parou seu trabalho, que foi facilitado pelo fim de uma guerra nunca vista até hoje e condições de saúde consideravelmente diferentes das que temos hoje(22 Pulido S. La Gripe Española: la pandemia de 1918 que no comenzó en España. Gac Med Villahermosa. 2018.). Apesar de terem muito mais recursos, os profissionais de saúde que trabalhavam na rede do sistema nacional de saúde espanhol viram-se a defender a população com todas as suas forças, e os professores, que até então trabalhavam nas salas de aula das universidades, tiveram de ir para um ambiente ‘a distância’ para continuar acompanhando e ensinando seus alunos.

Não podemos esquecer que o ontem e o hoje dos enfermeiros sempre foram marcados por constantes mudanças que obrigaram a uma adaptação reiterada a novos momentos(33 Castro-Molina F-J. Abraham Maslow, human needs and their relationship with professional caregivers. Cult Los Cuid. 2018;22(52):102–8. https://doi.org/10.14198/cuid.2018.52.09
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). Para a nossa geração, a pandemia do COVID-19 foi uma situação totalmente nova que exigiu nossa adaptação, gerando mudanças em muitos dos estímulos ambientais diários: mudanças nas rotinas, mudanças nas relações com a família e amigos e, claro, mudanças no ambiente de aprendizagem. Por outro lado, as nossas prioridades mudaram, e mudaram, onde as pessoas perderam o emprego, ou o viram em perigo, fazendo com que as suas necessidades básicas de segurança e estabilidade não sejam cobertas. Mas, sobretudo, as pessoas sentiam uma ameaça permanente, em que a situação de alerta era uma constante de incerteza quanto ao futuro, fazendo com que a convivência se tornasse um caminho complicado fruto de um confinamento que nos era difícil assumir e compreender. Esse sentimento acarretava um custo emocional significativo para os alunos, que se materializava em distúrbios do sono, distúrbios alimentares ou simplesmente em distúrbios comportamentais, situações que fomentavam o aparecimento de um considerável negativismo ativo perante as tarefas que tinham de enfrentar e perante o ganho de uma estranha dinâmica social. Tudo isso dificultou nossa situação de professores, tornando-nos ‘professores em tempo integral’ com um corpo discente que tinha medo, com um corpo discente que vivia na incerteza, com um corpo discente que precisava ser acompanhado. Esse acompanhamento, tanto dos alunos quanto de suas famílias, tinha que ser feito desde os centros educativos, onde tínhamos que facilitar o processo de ensino-aprendizagem, não só na vertente acadêmica-curricular, mas também afetiva, transformando-nos em um ‘super-pai acadêmico’ que procurava apoiar e acompanhar o processo educativo de forma integral. Isso ocorreu em um cenário em que nem todos os alunos tinham o mesmo contexto, meios, espaço ou capacidade de adaptação.

Para nós, professores universitários, a coordenação era essencial, para dosar o número de tarefas atribuídas aos alunos, para definir o número de atividades que cada aluno que esteve a nosso cargo teve de enfrentar e o tempo máximo de dedicação diária e, ainda, avaliar o grau de dificuldade e os diferentes ritmos no processo de aprendizagem(44 Barbosa-Granados S, Castañeda-Lozano W, Reyes-Bossio M, Barbosa-Granados S, Castañeda-Lozano W, Reyes-Bossio M. Experiencia docente con entornos virtuales en psicología del deporte, antes y durante la pandemia Covid-19. Rev Digit Investig en Docencia Univ. 2022;16(1). https://doi.org/10.19083/ridu.2022.1438
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). Chegamos a concordar com uma série de diretrizes prioritárias que devemos seguir como professores: promover a autonomia dos alunos na realização das tarefas acadêmicas; oferecer atividades variadas, não apenas nas áreas instrumentais, buscando uma educação integral que inclua atividades criativas, e aproveitando a comunicação realizada por meio das TIC; incentivar a expressão de emoções e sentimentos nessa situação, oferecendo diferentes tarefas nas quais eles possam se expressar (desenhar como se sentem, escrever um diário, cartas ou postar sobre suas experiências nesses dias), para enviar a seus familiares, professores e professoras ou seus colegas de classe; diversificar as tarefas de acordo com as necessidades de cada aluno e, claro, de suas famílias: realizar tarefas básicas com os critérios mínimos para serem realizadas por todos, tarefas complementares e tarefas de extensão de caráter voluntário; e, por fim, estimular os alunos a intercalar as atividades lúdicas com atividades de ensino curricularmente necessárias(55 Villalobos Vergara P, Barría-Herrera P, Pasmanik D, Villalobos Vergara P, Barría-Herrera P, Pasmanik D. Relación docentes-estudiantes y resiliencia docente en contexto de pandemia. Psicoperspect Indiv Soc [Internet]. 2022[cited 2022 Nov 10];21(2):131–43. Available from: https://www.psicoperspectivas.cl/index.php/psicoperspectivas/article/view/2567
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). Foram muitas as dicas, que neste acompanhamento, os professores enviaram aos seus alunos como: evitar a superexposição contínua à mídia e notícias sobre o vírus, o estado de alerta e todas aquelas ‘mensagens tóxicas’ que nos incomodam todos os dias; manter um cronograma e uma rotina diária, buscando estabilidade de horário de segunda a sexta-feira; incentivar os alunos a manterem o contacto social com os seus pares, por telefone, por videochamada, através das redes sociais que, nessa altura, se tornaram as nossas janelas para o mundo; manter a tranquilidade, que transmitimos com o nosso bom trabalho, embora muitas vezes nem a tivéssemos como pessoas. Além disso, os professores deveriam ser, em todos os momentos, um elemento de ajuda e acompanhamento para além do currículo, ajudando os alunos a viver este momento estressante com serenidade, para saber viver juntos de uma forma diferente, de uma forma desconhecida até agora e reconhecer e agradecer a cada uma das expressões sociais de solidariedade que gradualmente surgiram para poder enfrentar, de alguma forma, este trágico acontecimento(66 Capellar C, Kaise DE, Diehl TVA, Muniz GC, Mancia JR. Formação de enfermeiros durante a pandemia de COVID-19 no extremo sul do Brasil: estudo transversal. Esc Anna Nery. 2022;26(spe):e2:1–8. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0447pt
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).

Mas, mesmo assim, a vida continuou, e aos poucos voltamos a recuperar uma ‘estranha normalidade’, voltamos a recuperar um dia a dia que não se parecia com aquele dia a dia que ficou em março de 2020, porque a partir daquele momento nos tornamos homens e mulheres completamente diferentes, com outros medos, com uma forma de agir diferente, com uma perspectiva diferente daquela que nos acompanhou em tempos passados. Toba Beta disse que “uma pessoa positiva flui com o inesperado”, e isso tem acontecido conosco, fluímos e conseguimos superar esse ‘obstáculo’ que queria vir borrar nosso mundo e que nos ajudou a desenhar um diferente.

REFERENCES

  • 1
    Gregory B. El fin del mundo y las extinciones: descubre los eventos que han causado. Domingo S, editor. Madrid; 2022.
  • 2
    Pulido S. La Gripe Española: la pandemia de 1918 que no comenzó en España. Gac Med Villahermosa. 2018.
  • 3
    Castro-Molina F-J. Abraham Maslow, human needs and their relationship with professional caregivers. Cult Los Cuid. 2018;22(52):102–8. https://doi.org/10.14198/cuid.2018.52.09
    » https://doi.org/10.14198/cuid.2018.52.09
  • 4
    Barbosa-Granados S, Castañeda-Lozano W, Reyes-Bossio M, Barbosa-Granados S, Castañeda-Lozano W, Reyes-Bossio M. Experiencia docente con entornos virtuales en psicología del deporte, antes y durante la pandemia Covid-19. Rev Digit Investig en Docencia Univ. 2022;16(1). https://doi.org/10.19083/ridu.2022.1438
    » https://doi.org/10.19083/ridu.2022.1438
  • 5
    Villalobos Vergara P, Barría-Herrera P, Pasmanik D, Villalobos Vergara P, Barría-Herrera P, Pasmanik D. Relación docentes-estudiantes y resiliencia docente en contexto de pandemia. Psicoperspect Indiv Soc [Internet]. 2022[cited 2022 Nov 10];21(2):131–43. Available from: https://www.psicoperspectivas.cl/index.php/psicoperspectivas/article/view/2567
    » https://www.psicoperspectivas.cl/index.php/psicoperspectivas/article/view/2567
  • 6
    Capellar C, Kaise DE, Diehl TVA, Muniz GC, Mancia JR. Formação de enfermeiros durante a pandemia de COVID-19 no extremo sul do Brasil: estudo transversal. Esc Anna Nery. 2022;26(spe):e2:1–8. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0447pt
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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