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Caso 1/2017 - Correção Percutânea de Insuficiência da Valva Atrioventricular Direita e de Blalock-Taussig após Operação de Fontan em Ventrículo Único

Palavras-chave:
Cardiopatias Congênitas / cirurgia; Insuficiência da Valva Mitral / cirurgia; Procedimento de Blalock Taussig; Técnica de Fontan

Dados clínicos

Homem de 27 anos com cansaço aos esforços há três anos após operação cavopulmonar total com tubo externo fenestrado e fechamento por sutura da borda livre da valva atrioventricular (AV) direita por insuficiência acentuada, em dupla via de entrada de ventrículo único esquerdo, atresia pulmonar e aorta à esquerda emergindo de ventrículo direito rudimentar. Havia sido submetido com 17 dias e com 9 meses à cirurgia de Blalock-Taussig à direita e esquerda, respectivamente, e à anastomose de Glenn bidirecional foi realizada com 19 anos. Mantinha saturação arterial de oxigênio entre 84 a 88% aos esforços e acima de 93% em repouso.

Exame físico: eupnéico, cianótico, pulsos normais, sem turgência jugular. Peso: 61 Kg, Alt.: 163 cm, PA: 110/70 mm Hg, FC: 97 bpm, saturação de oxigênio= 87%. Aorta palpada ++ na fúrcula.

No precórdio, ictus cordis no 4º e 5º eice e impulsões sistólicas discretas na borda esternal esquerda (BEE). Bulhas cardíacas hiperfonéticas; sopro sistólico, ++, suave, na BEE baixa e na ponta; sopro contínuo suave na área pulmonar e axila. Fígado não palpado.

Exames Complementares

Eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal, sinais de sobrecarga atrial e ventricular direitas. Onda P era apiculada em II, V3-6. Complexo QRS era de morfologia R em V1 de 10 mm e RS em V6. AQRS: +120º, AT: +40º, AP: +55º.

Radiografia de tórax mostra área cardíaca aumentada em grau discreto a moderado (índice cardiotorácico: 0,54) com arcos longos (ventricular e médio esquerdos). Trama vascular pulmonar era aumentada (Figura 1).

Figura 1
Radiografias de tórax mostram área cardíaca aumentada, arcos ventricular e médio esquerdos longos, e trama vascular pulmonar aumentada, prévia ao fechamento percutâneo (A) e no segundo dia após o mesmo (B). O arco médio sugere a aorta emergindo do ventrículo direito à esquerda. Angiografia mostra a conexão por tubo externo entre a veia cava inferior e a artéria pulmonar direita em conexão cavopulmonar total fenestrado (seta).

Ecocardiograma transesofágico (Figura 2) mostrou situs solitus em levocardia, drenagem venosa sistêmica em derivação cavopulmonar total. Átrio direito aumentado com grande comunicação interatrial. Comunicação interventricular perimembranosa grande em dupla via de entrada de ventrículo único esquerdo com câmara rudimentar direita à esquerda, de onde emergia a aorta. Tricuspid annular plane systolic excursion (TAPSE): 9 mm. A fração de ejeção pelo Simpson era 47%. A valva AV direita era ocluída cirurgicamente, mas mostrava refluxo moderado nas regiões medial e anterolateral. A valva AV esquerda tinha abertura normal com refluxo discreto. Atresia pulmonar valvar sem identificação da derivação de Blalock-Taussig.

Figura 2
Angiocardiografia da árvore arterial pulmonar, salietando a artéria pulmonar esquerda (APE) repuxada superiormente (A), o fluxo do contraste do Blalock-Taussig esquerdo na APE (seta) (B), a prótese de Amplatzer obstruindo efetivamente o Blalock-Taussig (C). O ecocardiograma transesofágico salienta a regurgitação da valva atrioventricular direita (VAVD) para o átrio direito (D), sua oclusão pela prótese de Amplatzer (E,F) e a ampla abertura da valva atrioventricular esquerda (F). AD: átrio direito, APD: artéria pulmonar direita, APE: artéria pulmonar esquerda, BT-E: Blalock-Taussig esquerdo, VU-E: ventrículo único tipo esquerdo, VAVD: valva atrioventricular direita, VAVE: valva atrioventricular esquerda, VD rud: ventrículo direito rudimentar.

Cateterismo cardíaco mostrou pressão média na artéria pulmonar de 15 mm Hg em conexão cavopulmonar total com tubo externo fenestrado (Figura 1), Blalock-Taussig patente à esquerda (Figura 2), além de grande regurgitação da valva AV direita por fissura medial e paravalvar anterolateral.

Diagnóstico Clínico

Dupla via de entrada de ventrículo único esquerdo, discordância ventrículo-arterial com aorta à esquerda, atresia pulmonar, Blalock-Taussig esquerdo, anastomose cavopulmonar com tubo externo fenestrado, insuficiência paravalvar e no meio da valva AV direita, suturada por ocasião da operação de Fontan.

Raciocínio Clínico

Os elementos clínicos de cardiopatia cianogênica tipo ventrículo único esquerdo e hipofluxo pulmonar após operação cavopulmonar total mostram-se geralmente inocentes. O aparecimento de cansaço e de sopro sistólico na borda esternal esquerda e do sopro contínuo indicavam a possibilidade de regurgitação na altura da valva AV direita, fechada anteriormente, e a continuidade da anastomose de Blalock-Taussig.

Conduta

Em face da repercussão volumétrica imposta pela insuficiência da valva AV à direita, além do desvio de sangue através do Blalock-Taussig esquerdo com manifestação clínica de cansaço e discreta insaturação arterial de oxigênio, imaginou-se a necessidade de reparo dessas lesões residuais. Considerou-se de maior risco a operação cardíaca com circulação extracorpórea e, assim, optou-se pela colocação de dispositivo oclusivo tipo Amplatzer no anel AV direito e no fechamento da anastomose de Blalock-Taussig esquerda por intervenção percutânea. Procedeu-se, assim, o fechamento da valva AV direita com prótese de Amplatzer de 30 mm e fechamento do tubo do Blalock-Taussig com oclusor de Amplatzer duct occluder (ADO II) número 6 (Figura 2). Evolução imediata foi favorável, com saturação de oxigênio superior a 90%, notando-se diminuição embora discreta da área cardíaca (Figura 1). O ecocardiograma revelou melhora da função ventricular (65%), com fenestração de 4,5 mm e evidente fluxo contínuo ao Doppler, e razão da insaturação posterior com níveis variáveis de 82 a 89%.

Comentários

Embora seja paliativa a operação de Fontan, com complicadores evolutivos, continua oferecendo boas perspectivas desde que obedeça rigorosamente os critérios de indicação. No adulto, dado os fatores adquiridos em cardiopatias com sobrecargas de duração prolongada, o risco operatório se torna maior (10%). Nessa circunstância, a dificuldade de indicação cirúrgica reside em aspectos adquiridos como disfunção ventricular, lesões anatômicas das valvas, pressão pulmonar mais elevada, entre outros. Esses elementos devem ser contrabalanceados com a evolução clínica desfavorável decorrente dos elementos relacionados à hipóxia crônica. Os benefícios pós-operatórios podem suplantá-los e, então, o raciocínio clínico deve priorizar elementos considerados reversíveis. No caso presente, em face de rompimento dos pontos de sutura da valva AV direita por ocasião da operação cavopulmonar prévia, foi possível colocação percutânea de prótese de Amplatzer para reparo da mesma, assim como da oclusão do Blalock-Taussig à esquerda, também por dispositivo de Amplatzer. Daí se espera melhor evolução para este paciente adulto com o reparo percutâneo dessas lesões residuais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2017
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