Accessibility / Report Error

Comportamentos de risco para doenças sexualmente transmissíveis em usuários de crack 1 1 Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 474713/2012-1.

Resumo

Objetivos:

investigar a prevalência e comportamentos de risco através do relato de doenças sexualmente transmissíveis em usuários de crack.

Método:

estudo transversal, realizado com 588 usuários de crack, de uma unidade de referência para tratamento de dependência química. Os dados foram obtidos por meio de entrevista face a face e analisados em programa estatístico Stata, versão 8.0.

Resultados:

do total de participantes, 154 (26,2%; IC 95%: 22,8-29,9) referiram antecedentes de doenças sexualmente transmissíveis. Idade entre 25 e 30 anos (RP: 2,1; IC 95%: 1,0-4,0) e superior a 30 anos (RP: 3,8; IC 95%: 2,1-6,8), consumo de álcool (RP: 1,9; IC 95%: 1,1-3,3), antecedentes de prostituição (RP: 1,9; IC 95%: 1,3-2,9) e relação sexual com pessoa vivendo com o vírus da imunodeficiência humana/aids (RP: 2,7; IC 95%: 1,84,2) foram independentemente associados ao relato de doenças sexualmente transmissíveis.

Conclusão:

os resultados deste estudo sugerem elevado risco e vulnerabilidade dos usuários de crackpara as doenças sexualmente transmissíveis.

Descritores:
Cocaína Crack; Usuários de Drogas; Doenças Sexualmente Transmissíveis; Fatores de Risco

Abstract

Objectives:

to investigate the prevalence and risk behaviors by means of reporting of sexually transmitted diseases among crack users.

Method:

cross-sectional study carried out with 588 crack users in a referral care unit for the treatment of chemical dependency. Data were collected by means of face-to-face interview and analyzed using Stata statistical software, version 8.0.

Results:

of the total participants, 154 (26.2%; 95% CI: 22.8-29.9) reported antecedents of sexually transmitted diseases. Ages between 25 and 30 years (RP: 2.1; 95% CI: 1.0-4.0) and over 30 years (RP: 3.8; 95% CI: 2.1-6.8), alcohol consumption (RP: 1.9; 95% CI: 1.1-3.3), antecedents of prostitution (RP: 1.9; 95% CI: 1.3-2.9) and sexual intercourse with person living with human immunodeficiency virus/AIDS (RP: 2.7; 95% CI: 1.8-4.2) were independently associated with reporting of sexually transmitted diseases.

Conclusion:

the results of this study suggest high risk and vulnerability of crack users for sexually transmitted diseases.

Descriptors:
Crack Cocaine; Drug Users; Sexually Transmitted Diseases; Risk Factors

Resumen

Objetivos:

investigar la prevalencia y las conductas de riesgo a través del informe de las enfermedades de transmisión sexual entre los usuarios de crack.

Método:

estudio transversal con 588 usuarios de crack, de una unidad de referencia para el tratamiento de la dependencia química. Los datos fueron obtenidos a través de entrevista cara a cara y se analizaron utilizando el programa estadístico Stata, versión 8.0.

Resultados:

del total de participantes, 154 (26,2%; IC 95%: 22,8-29,9) informaron antecedentes de enfermedades de transmisión sexual. Edad entre 25 y 30 años (RP: 2,1; IC9 5%: 1,0-4,0) y superior a 30 años (RP: 3,8; IC 95%: 2,1-6,8), consumo de alcohol (OR: 1,9; IC 95%: 1,1-3,3), antecedentes de prostitución (RP: 1,9; IC 95%: 1,3-2,9) y relaciones sexuales con persona viviendo con el virus de inmunodeficiencia humana/ SIDA (RP: 2,7; IC 95%: 1,8-4,2) se asociaron de forma independiente con la notificación de las enfermedades de transmisión sexual.

Conclusión:

los resultados de este estudio sugieren alto riesgo y la vulnerabilidad de los usuarios de crackpara las enfermedades de transmisión sexual.

Descriptores:
Cocaína Crack; Consumidores de Drogas; Enfermedades de Transmisión Sexual; Factores de Riesgo

Introdução

O cracksurgiu pela primeira vez nos Estados Unidos da América (EUA), no início da década de 80 e, desde então, seu consumo tem se expandido para todas as regiões do mundo, especialmente para os países da América do Sul 1. United Nations Office on Drugs and Crime (USA). World Drug Report 2012 [Internet]; 2012. [cited Jan 14 2014]. Avaliable from: http://www.unodc.org/documents/dataand-analysis/WDR2012/WDR_2012_web_small.pdf
http://www.unodc.org/documents/dataand-a...
. Em 2008, um estudo conduzido pelo Ministério da Saúde, com indivíduos de 15 a 64 anos de idade, estimou que 2,6% da população brasileira já fez uso de crackna vida. Na região Centro-Oeste, a estimativa foi de 0,3% 2. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira de 15 a 64 anos 2008. [Internet]; 2011. [cited Dec 23 2013]. Avaliable from: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/ publicacao/2009/40352/pcap_2008_f_pdf_13227.pdf
http://www.aids.gov.br/sites/default/fil...
.

O consumo de crackpode causar diversos danos e agravos à saúde dos usuários, tais como, complicações agudas e crônicas 3. Riezzo I, Fiore C, De Carlo D, Pascale N, Neri M, Turillazzi E, et al. Side effects of cocaine abuse: multiorgan toxicity and pathological consequences. Curr Med Chem. 2012; 19(33):5624-46., transtornos mentais e morte precoce, por homicídio e overdose 4. Dualibi LB, Ribeiro M, Laranjeira R. Profile of cocaine and crack users in Brazil. Cad Saúde Pública. 2008;24 Suppl 4:545-55.. Ainda, muitos usuários apresentam comportamentos de risco, como consumo de álcool e outras drogas 5. Azevedo RC, Botega NJ, Guimarães LAM. Crack users, sexual behavior and risk of HIV infection. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(1):26-30., múltiplos parceiros, uso inconsistente de preservativo e prostituição 6. Khan MR, Berger A, Hemberg J, O'Neill A, Dyer TP, Kmyrk K. Non-Injection and Injection Drug use and STI/HIV Risk in the United States: the Degree to which Sexual Risck Behaviors Versus Sex with an STI-Infected Partner Account for Infection Transmission among Drug Users. AIDS Behav. 2013;17(3):1185-94.que, por sua vez, são associados às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), incluindo a infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).

Estudos têm mostrado prevalências elevadas de DST em usuários de drogas ilícitas(7-9). Nos EUA, um estudo com 266 usuários de crackencontrou resultados positivos para gonorreia, sífilis, clamídia, HIV, Vírus da Hepatite B (HBV), Vírus da Hepatite C (HCV) e Herpes Vírus tipo 2 (HSV-2), de 1,9%, 3,8%, 4,5%, 4,1%, 33,5%, 37,2% e 53,3%, respectivamente 7. Hwang LY, Ross MW, Zack C, Bull L, Rickman K, Holleman M. Prevalence of Sexually Transmitted Infections and Associated Risk Factors among Populations of Drug Abusers. Clin Infect Dis. 2000; 31(4):920-6.. Na Argentina, prevalências de HIV (6,3%), HBV (9,0%), HCV (7,5%) e Venereal Disease Research Laboratory(VDRL) (4,2%) foram estimadas em 504 usuários de cocaína não injetável 8. Rossi D, Rudulich G, Muzzio E, Naveira J, Sosa-Estani S, Rey J, et al. Multiple infections and associated risk factors among non-injecting cocaine users in Argentina. Cad Saúde Pública. 2008;24(5):965-74.. No Brasil, uma investigação realizada com 125 usuárias de crack, de uma comunidade de Salvador, Bahia, estimou prevalências de HBV, HIV, HCV e sífilis (VDRL), de 0,8%, 1,6%, 2,4% e 4,0%, respectivamente 1010 . Nunes CLX, Andrade T, Galvão-Castro B, Bastos FI, Reingold A. Assessing risk behaviors and prevalence of sexually transmitted and blood-borne infections among female crack cocaine users in Salvador - Bahia, Brazil. Braz J Infect Dis. 2007;11(6):561-6.. Em São Paulo, prevalências de 22% para relato de DST e 6,6% para HIV foram encontradas em 304 usuários de drogas ilícitas, institucionalizados 9. Carvalho HB, Seibel SD. Crack Cocaine Use and Its Relationship With Violence and HIV. Clinics. 2009; 64(9):857-66..

Ainda são poucos os estudos sobre a epidemiologia das DST em usuários de crack (11-13), e a maioria, dos conduzidos no Brasil, foi realizado em regiões mais desenvolvidas do país (Sul e Sudeste)(5,9-10). Neste sentido, o objetivo deste estudo foi investigar a prevalência e comportamentos de risco através do relato de DST em usuários de crack, institucionalizados, de Goiânia, Goiás, região central do Brasil.

Métodos

Estudo de corte transversal, realizado com usuários de crack, em uma unidade de referência em tratamento para dependência química, do estado de Goiás, entre agosto de 2012 e abril de 2013. Foram incluídos no estudo indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos e que consumiram crackpor, pelo menos, um mês antes da internação. Foram excluídos indivíduos que estavam sob efeito de algum medicamento no momento da entrevista.

Todos indivíduos elegíveis foram convidados a participar do estudo e orientados sobre os objetivos, importância, benefícios, riscos e sigilo dos dados obtidos. Caso concordassem em participar, assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e em seguida, eram entrevistados em local privativo nas dependências da unidade.

As entrevistas foram realizadas utilizando um instrumento adaptado da Pesquisa: "Perfil dos usuários de cracknas 26 capitais, Distrito Federal, nove regiões metropolitanas e Brasil" 1414 . Fundação Oswaldo Cruz (BR). Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Ministério da Justiça. Perfil dos Usuários de crack e/ ou similares no Brasil. [Internet]; 2013. [cited Jan 14 2014]. Avaliable from: http://www.casacivil.gov.br/ noticias/perfil-brasil.pdf
http://www.casacivil.gov.br/noticias/per...
, contendo perguntas sobre características sociodemográficas (sexo, idade, cor da pele, estado civil, escolaridade e renda), padrão de consumo de drogas lícitas e ilícitas (drogas utilizadas e tempo de uso do crack) e fatores de risco para DST (antecedentes prisionais, uso de preservativo nas relações sexuais nos últimos seis meses, antecedentes de prostituição, dar dinheiro e/ou drogas em troca de sexo, relação sexual com pessoa vivendo com HIV/ aids, entre outras). Foi considerado como variável de desfecho o relato de DST alguma vez na vida, incluindo infecção pelo HIV.

Os dados foram analisados no programa estatístico Stata, versão 8.0. Para as variáveis contínuas foram calculadas médias e desvio padrão. A prevalência para relato de DST foi estimada com intervalo de confiança de 95% (IC 95%). Inicialmente, foi realizada análise univariada, e em seguida, todas variáveis com valor de p<0,10 foram incluídas no modelo de regressão de Poisson O teste quiquadrado (χ2)foi utilizado para analisar diferenças entre proporções. Valores com p<0,05 foram considerados estatisticamente significantes.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana e Animal, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, sob o protocolo no117/2011. Todas as etapas da pesquisa respeitaram os princípios éticos que norteiam as pesquisas envolvendo seres humanos, descritos e estabelecidos pela Resolução CNS 196/96.

Resultados

Participaram do estudo 588 usuários de crack. A maioria era do sexo masculino (84,5%), solteiros (66,7%), com renda inferior a três salários mínimos (62,6%) e declarou-se da cor parda/morena/mulata (61,7%). A média de idade dos usuários foi de 30,5 (DP ± 8,3) e 45,4% dos participantes apresentavam idade superior a 30 anos. Em relação à escolaridade, a metade (50,3%) possuía mais de oito anos de estudo ( Tabela 1).

Do total de participantes, 154 (26,2%; IC 95%: 22,8-29,9) relataram ser ou ter sido portador de alguma DST. Trezentos e vinte indivíduos (54,4%; IC 95%: 50,4-58,4) informaram testagem prévia para HIV, e destes, 11 (3,4%; IC 95%: 1,9-6,0) referiram resultado positivo.

A Tabela 2apresenta a análise dos potenciais fatores associados ao relato de DST nos usuários de crackinvestigados. Verificou-se em análise univariada, que as variáveis idade, estado civil, antecedentes prisionais, antecedentes de prostituição e relação sexual com pessoa vivendo com HIV/aids foram associadas ao relato de DST ( p<0,05). As variáveis tempo de uso de crack,consumo de álcool, uso de preservativo com parceiro eventual e dar dinheiro e/ou drogas em troca de sexo apresentaram associação marginal com o desfecho. Estas variáveis foram incluídas em um modelo de análise multivariável, e após controle das variáveis de confusão, idade entre 25 e 30 anos (Razão de Prevalência: 2,1; IC 95%: 1,0-4,0) e superior a 30 anos (Razão de Prevalência: 3,8; IC 95%: 2,1-6,8), consumo de álcool (Razão de Prevalência: 1,9; IC 95%: 1,1-3,3), antecedentes de prostituição (Razão de Prevalência: 1,9; IC 95%: 1,3-2,9) e relação sexual com pessoa vivendo com HIV/aids (Razão de Prevalência: 2,7; IC 95%: 1,84,2) foram independentemente associadas ao relato de DST. Antecedente prisional apresentou uma associação marginal com o desfecho (Razão de Prevalência: 1,5; IC 95%: 1,0-2,2).

Tabela 1
Características sociodemográficas de 588 usuários de crackinstitucionalizados. Goiânia, GO, Brasil, 2012-2013
Tabela 2
Análise dos fatores associados ao relato de doenças sexualmente transmissíveis em 588 usuários de crackinstitucionalizados. Goiânia, GO, Brasil, 2012-2013

Discussão

No Brasil, ainda são poucos os estudos com usuários de crack (5,10,15). Esta investigação apresenta os primeiros dados sobre relato de DST em usuários de crackda região Centro-Oeste. A população deste estudo constituiu-se, predominantemente, de indivíduos do sexo masculino, adultos jovens, solteiros e com renda baixa, sendo estas características comuns a usuários de crackinstitucionalizados de outras regiões do Brasil(15-16).

O relato de DST em populações mais vulneráveis, como usuários de crack, pode contribuir para o rastreamento dos casos positivos e sintomáticos, acesso aos serviços de saúde, diagnóstico específico do agente etiológico, além da redução da cadeia de transmissão neste grupo populacional. Ainda, intervenções para tratamento e controle das DST pelos profissionais e serviços de saúde podem ocorrer a partir do relato verbal destas infecções.

Neste estudo, a prevalência de relato de DST foi de 26,2% (IC 95%: 22,8-29,9), semelhante à encontrada em usuários de drogas institucionalizados no norte da Tailândia (n=1859; 24,3%; IC 95%: 22,426,3) 1717 . Jittiwutikarn J, Thongsawat S, Suriyanon V, Maneekarn N, Celentano D, Razak MH, et al. Hepatitis C Infection among drug users in Northern Thailand. Am J Trop Med Hyg. 2006; 74(6):1111-6., porém, inferior ao estimado em usuárias de drogas de Baltimore (n=214; 40,7%; IC 95%: 34,347,3) 1818 . Cavanaugh CE, Floyd LJ, Penniman TV, Hulbert A, Gaydos C, Latimer WW. Examining racial/ethnic disparities in sexually transmitted diseases among recent heroin-using and cocaine-using women. J Womens Health (Larchmt). 2011;20(2):197-205.e usuários de cracknão institucionalizados de Miami e Flórida (n=2002; 51,4%; IC 95%: 49,3-53,6), EUA 1212 . MacCoy CB, Lai S, Metsch LR, Messiah SE, Zhao W. Injection Drug use and Crack Cocaine Smoking: Independent and Dual Risk Behaviors for HIV infection. Ann Epidemiol. 2004;14(8):535-42.. As diferenças das prevalências relatadas em Goiânia e nos EUA talvez possam ser explicadas pela maior frequência de fatores de risco nestas populações, como antecedentes prisionais, prostituição e consumo de álcool(12,18).Em relação ao estudo realizado em Baltimore 1818 . Cavanaugh CE, Floyd LJ, Penniman TV, Hulbert A, Gaydos C, Latimer WW. Examining racial/ethnic disparities in sexually transmitted diseases among recent heroin-using and cocaine-using women. J Womens Health (Larchmt). 2011;20(2):197-205., mulheres são biologicamente mais suscetíveis a DST e se prostituem mais do que homens.

Por outro lado, a prevalência encontrada em Goiás foi semelhante à observada em usuários de drogas ilícitas institucionalizados em São Paulo, região Sudeste do Brasil (n=304; 22%; IC 95%: 17,8-27,0) 9. Carvalho HB, Seibel SD. Crack Cocaine Use and Its Relationship With Violence and HIV. Clinics. 2009; 64(9):857-66.e usuários de crackassistidos em Centros de Atenção Psicossocial do estado do Piauí, região Nordeste (n=352; 31,2%; IC 95%: 26,6-36,3) 1515 . Sá LC, Araújo TM, Griep RH, Campelo V, Monteiro CF. Seroprevalence of Hepatitis C and factors associated with this in crack users. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2013; 21(6):1195-202.. Na região Centro-Oeste, um estudo que estimou a prevalência da infecção pelo HCV em usuários de drogas ilícitas institucionalizados de Campo Grande e Goiânia, encontrou frequência de antecedentes de DST de 30,9% (n=664; IC 95%: 27,5-34,5) 1919 . Lopes CLR, Teles SA, Espírito-Santo MP, Lampe E, Rodrigues FP, Motta-Castro ARC, et al. Prevalence, risk factors and genotypes of hepatitis C virus infection among drug users, Central-Western Brazil. Rev Saúde Pública. 2009;43 Suppl 1:43-50..

No presente estudo, o relato de DST foi independentemente associado à idade, consumo de álcool, antecedentes de prostituição e relação sexual com pessoa vivendo com HIV/aids. Antecedente prisional permaneceu marginalmente associado ao desfecho.

Observou-se gradiente positivo de relato de DST e idade, com aumento da prevalência de 12,5% em indivíduos com idade inferior a 25 anos, para 39,0% em usuários com idade acima de 30 anos (Razão de Prevalência: 3,8: IC 95%: 2,1-6,8), sugerindo risco cumulativo para aquisição de DST com o avanço da idade. Outros autores também têm apontado a idade como preditora de DST em usuários de drogas

ilícitas(7,20).

Do total de participantes, 68,9% (IC 95%: 65,072,5), 63,6% (IC 95%: 59,6-67,4) e 55,4% (IC 95%: 51,4-59,4) referiram, nos últimos seis meses, consumo de álcool, maconha e cocaína aspirada, respectivamente, evidenciando-os como poliusuários. Além disso, o relato de DST foi associado ao uso de bebida alcoólica (Razão de Prevalência: 1,9; IC 95%: 1,1-3,3). O consumo de álcool e crackfavorece a adoção de práticas sexuais de risco, tais como, múltiplos parceiros sexuais, prostituição, uso inconsistente de preservativo e relação sexual com portadores de DST(6,21), aumentando a vulnerabilidade dos usuários de crackàs infecções por transmissão sexual.

Antecedentes de prostituição foram relatados por 18,9% (IC 95%: 15,9-22,2) dos usuários. E esta característica foi associada ao relato de DST (Razão de Prevalência: 1,9; IC 95%: 1,3-2,9). Um estudo conduzido com 407 usuários de drogas de duas cidades do Texas, EUA, mostrou associação entre consumo preferencial de crack, prostituição e aumento da prevalência de DST 1313 . Ross MW, Hwang LY, Zack C, Bull L, Willians ML. Sexual risk behaviours and STIs in drug abuse treatment populations whose drug of choise is crack cocaine. Int J STD AIDS. 2002;13(11):769-74.. A prostituição é vista como uma alternativa de usuários para obtenção de drogas 4. Dualibi LB, Ribeiro M, Laranjeira R. Profile of cocaine and crack users in Brazil. Cad Saúde Pública. 2008;24 Suppl 4:545-55.e/ou dinheiro 2222 . Brewer TH, Zhao W, Metsch LR, Coltes A, Zenilman J. High-risk behaviors in women who use crack: knowledge of HIV serostatus and risk behavior. Ann Epidemiol. 2007; 17(7):533-9.para sua aquisição, levando a um alto risco de aquisição de DST por este grupo populacional.

Aproximadamente 4,1% (IC 95%: 2,8-6,0) dos participantes relataram ter se relacionado com pessoas vivendo com HIV/aids, e destes, a metade não utilizou preservativo. Observou-se, também, associação entre antecedentes de relações sexuais com pessoas vivendo com HIV/aids e relato de DST (Razão de Prevalência: 2,7: IC 95%: 1,8-4,2). Nos EUA, uma investigação conduzida com jovens mostrou maior prevalência de história de relação sexual com portadores de DST em usuários de cracke cocaína não injetável 6. Khan MR, Berger A, Hemberg J, O&apos;Neill A, Dyer TP, Kmyrk K. Non-Injection and Injection Drug use and STI/HIV Risk in the United States: the Degree to which Sexual Risck Behaviors Versus Sex with an STI-Infected Partner Account for Infection Transmission among Drug Users. AIDS Behav. 2013;17(3):1185-94.. Também, um estudo conduzido em Nassau, Bahamas, mostrou relação temporal entre epidemia do cracke aumento de casos de úlceras genitais, sífilis secundária e HIV 2323 . Gomez PM, Kimball AM, Orlander H, Bain, RM, Fisher LD, Holmes KK. Epidemic crack cocaine use linked with epidemics of genital ulcer disease and heterosexual HIV infection in the Bahamas: evidence of impact of prevention and control measures. Sex Transm Dis. 2002; 29(5):259-64., evidenciando forte associação entre cracke disseminação de DST.

O consumo de crack, muitas vezes, encontra-se relacionado a práticas ilícitas, sendo antecedentes de detenção e/ou reclusão comuns nesta população 9. Carvalho HB, Seibel SD. Crack Cocaine Use and Its Relationship With Violence and HIV. Clinics. 2009; 64(9):857-66.. Na presente investigação, aproximadamente a metade (49,1%; IC 95%: 45,1-53,2) dos indivíduos relatou antecedentes de reclusão. Ainda, verificouse que usuários de crackcom antecedentes prisionais apresentaram Razão de Prevalência 1,5 vez maior (IC 95%: 1,0-2,2) quando comparados aos que não referiram esta característica. Outros autores também tem relatado história de encarceramento como preditora de DST em usuários de drogas ilícitas(8,20). Em geral, indivíduos reclusos apresentam taxas elevadas de DST 2424 . Sagnelli E, Starnini G, Sagnelli C, Monarca R, Zumbo G, Pontali E, et al. Blood born viral infections, sexually transmitted diseases and latent tuberculosis in italian prisons: a preliminar report a large multicenter study. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2012;16(15):2142-6.e múltiplos comportamentos de risco que favorecem a transmissão destas infecções 2525 . Kazi AM, Shah SA, Jenkins CA, Shepherd BE, Vermund SH. Risk factors and prevalence of tuberculosis, human immunodeficiency virus, syphilis, hepatitis B virus, and hepatitis C virus among prisoners in Pakistan. Int J Infect Dis. 2010;14 Suppl 3:60-6..

Os achados deste estudo sugerem que múltiplos fatores devem ser considerados no atendimento integral aos usuários de crack,incluindo o rastreamento dessas infecções. O enfermeiro e a equipe multiprofissional devem considerar as vulnerabilidades e riscos desses indivíduos, para as DST, no planejamento da assistência, com ênfase em ações de educação em saúde, disponibilidade de testes rápidos para detecção destas doenças, tratamento precoce, vacinação contra hepatite B, fornecimento de preservativos e insumos para prevenção, e vigilância epidemiológica.

Esta investigação apresenta algumas limitações que devem ser levadas em consideração. Devido à natureza da coleta dos dados, a prevalência de relato de DST pode estar sub ou superestimada. Ainda, vieses de resposta devem ser considerados para questões sensíveis a moral. Contudo, deve-se ressaltar que, os resultados deste estudo estão de acordo com a literatura, e sugerem elevada prevalência de DST em usuários de crackinvestigados.

Conclusão

Nesta investigação, a prevalência para relato de DST foi de 26,2% (IC 95%: 22,8-29,9) e independentemente associado à idade entre 25 e 30 anos, superior a 30 anos, consumo de álcool, antecedentes de prostituição e relação sexual com pessoa vivendo com HIV/aids.

Os resultados deste estudo sugerem elevado risco e vulnerabilidade dos usuários de crackpara as DST. Assim, políticas públicas e estratégias de controle e prevenção de doenças associadas ao consumo de crack, como a implementação de políticas de redução de danos para álcool e outras drogas e educação em saúde, devem ser prioritárias para esta população.

O conhecimento do perfil soroepidemiológico de infecções em diferentes populações pode contribuir de forma ímpar no planejamento e implementação de ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, bem como nos cuidados às pessoas de maneira integral e holística, respeitando as particularidades de cada segmento da população. Profissionais da saúde devem sempre buscar esse conhecimento, para tomada de decisão, baseada em evidencias, na assistência ao indivíduo, família e comunidade.

Agradecimentos

A equipe do Núcleo de Estudos em Epidemiologia e Cuidados em Agravos Infecciosos, com ênfase em hepatites virais (NECAIH/FEN/UFG) e ao Grupo de Pesquisa Estudo das Hepatites Virais na região CentroOeste (IPTSP/UFG) pelo apoio logístico e coleta dos dados

References

  • 1
    United Nations Office on Drugs and Crime (USA). World Drug Report 2012 [Internet]; 2012. [cited Jan 14 2014]. Avaliable from: http://www.unodc.org/documents/dataand-analysis/WDR2012/WDR_2012_web_small.pdf
    » http://www.unodc.org/documents/dataand-analysis/WDR2012/WDR_2012_web_small.pdf
  • 2
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira de 15 a 64 anos 2008. [Internet]; 2011. [cited Dec 23 2013]. Avaliable from: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/ publicacao/2009/40352/pcap_2008_f_pdf_13227.pdf
    » http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2009/40352/pcap_2008_f_pdf_13227
  • 3
    Riezzo I, Fiore C, De Carlo D, Pascale N, Neri M, Turillazzi E, et al. Side effects of cocaine abuse: multiorgan toxicity and pathological consequences. Curr Med Chem. 2012; 19(33):5624-46.
  • 4
    Dualibi LB, Ribeiro M, Laranjeira R. Profile of cocaine and crack users in Brazil. Cad Saúde Pública. 2008;24 Suppl 4:545-55.
  • 5
    Azevedo RC, Botega NJ, Guimarães LAM. Crack users, sexual behavior and risk of HIV infection. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(1):26-30.
  • 6
    Khan MR, Berger A, Hemberg J, O&apos;Neill A, Dyer TP, Kmyrk K. Non-Injection and Injection Drug use and STI/HIV Risk in the United States: the Degree to which Sexual Risck Behaviors Versus Sex with an STI-Infected Partner Account for Infection Transmission among Drug Users. AIDS Behav. 2013;17(3):1185-94.
  • 7
    Hwang LY, Ross MW, Zack C, Bull L, Rickman K, Holleman M. Prevalence of Sexually Transmitted Infections and Associated Risk Factors among Populations of Drug Abusers. Clin Infect Dis. 2000; 31(4):920-6.
  • 8
    Rossi D, Rudulich G, Muzzio E, Naveira J, Sosa-Estani S, Rey J, et al. Multiple infections and associated risk factors among non-injecting cocaine users in Argentina. Cad Saúde Pública. 2008;24(5):965-74.
  • 9
    Carvalho HB, Seibel SD. Crack Cocaine Use and Its Relationship With Violence and HIV. Clinics. 2009; 64(9):857-66.
  • 10
    Nunes CLX, Andrade T, Galvão-Castro B, Bastos FI, Reingold A. Assessing risk behaviors and prevalence of sexually transmitted and blood-borne infections among female crack cocaine users in Salvador - Bahia, Brazil. Braz J Infect Dis. 2007;11(6):561-6.
  • 11
    Des Jarlais DC, Arasteh K, McKnight C, Perlman D, Hagan H, Semaan S, et al. Gender and Age Patterns in HSV-2 and HIV Infection Among NonInjecting Drug Users in New York City. Sex Transm Dis. 2010;37(10):637-43.
  • 12
    MacCoy CB, Lai S, Metsch LR, Messiah SE, Zhao W. Injection Drug use and Crack Cocaine Smoking: Independent and Dual Risk Behaviors for HIV infection. Ann Epidemiol. 2004;14(8):535-42.
  • 13
    Ross MW, Hwang LY, Zack C, Bull L, Willians ML. Sexual risk behaviours and STIs in drug abuse treatment populations whose drug of choise is crack cocaine. Int J STD AIDS. 2002;13(11):769-74.
  • 14
    Fundação Oswaldo Cruz (BR). Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Ministério da Justiça. Perfil dos Usuários de crack e/ ou similares no Brasil. [Internet]; 2013. [cited Jan 14 2014]. Avaliable from: http://www.casacivil.gov.br/ noticias/perfil-brasil.pdf
    » http://www.casacivil.gov.br/noticias/perfil-brasil.pdf
  • 15
    Sá LC, Araújo TM, Griep RH, Campelo V, Monteiro CF. Seroprevalence of Hepatitis C and factors associated with this in crack users. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2013; 21(6):1195-202.
  • 16
    Oliveira EM, Nogueira NF, Marinho MP, Nogueira DL, Rocha NNV, Duarte SR. Characterization of Crack Users served in CAPS for alcohol and other drugs. J Nurs UFPE on line. [Internet]. 2012 [cited Jan 14 2014]; 6(9):2093-102. Avaliable from: http://www.revista. ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/ viewFile/2776/pdf_1439
    » http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/viewFile/2776/pdf_1439
  • 17
    Jittiwutikarn J, Thongsawat S, Suriyanon V, Maneekarn N, Celentano D, Razak MH, et al. Hepatitis C Infection among drug users in Northern Thailand. Am J Trop Med Hyg. 2006; 74(6):1111-6.
  • 18
    Cavanaugh CE, Floyd LJ, Penniman TV, Hulbert A, Gaydos C, Latimer WW. Examining racial/ethnic disparities in sexually transmitted diseases among recent heroin-using and cocaine-using women. J Womens Health (Larchmt). 2011;20(2):197-205.
  • 19
    Lopes CLR, Teles SA, Espírito-Santo MP, Lampe E, Rodrigues FP, Motta-Castro ARC, et al. Prevalence, risk factors and genotypes of hepatitis C virus infection among drug users, Central-Western Brazil. Rev Saúde Pública. 2009;43 Suppl 1:43-50.
  • 20
    Plitt SS, Sherman SG, Strathdee SA, Taha TE. Herpes simplex virus 2 and syphilis among young drug users in Baltimore, Maryland. Sex Transm Infect. 2005;81(3):248-53.
  • 21
    Dickson-Gomez J, McAuliffe T, Rivas de Mendoza L, Glasman L, Gaborit M. The relationship between community structural characteristics, the context of crack use, and HIV risk behaviors in San Salvador, El Salvador. Subst Use Misuse. 2012;47(3):265-77.
  • 22
    Brewer TH, Zhao W, Metsch LR, Coltes A, Zenilman J. High-risk behaviors in women who use crack: knowledge of HIV serostatus and risk behavior. Ann Epidemiol. 2007; 17(7):533-9.
  • 23
    Gomez PM, Kimball AM, Orlander H, Bain, RM, Fisher LD, Holmes KK. Epidemic crack cocaine use linked with epidemics of genital ulcer disease and heterosexual HIV infection in the Bahamas: evidence of impact of prevention and control measures. Sex Transm Dis. 2002; 29(5):259-64.
  • 24
    Sagnelli E, Starnini G, Sagnelli C, Monarca R, Zumbo G, Pontali E, et al. Blood born viral infections, sexually transmitted diseases and latent tuberculosis in italian prisons: a preliminar report a large multicenter study. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2012;16(15):2142-6.
  • 25
    Kazi AM, Shah SA, Jenkins CA, Shepherd BE, Vermund SH. Risk factors and prevalence of tuberculosis, human immunodeficiency virus, syphilis, hepatitis B virus, and hepatitis C virus among prisoners in Pakistan. Int J Infect Dis. 2010;14 Suppl 3:60-6.
  • 1
    Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 474713/2012-1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2014
  • Aceito
    25 Nov 2014
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br