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Contribuição da farmácia na prescrição e uso racional de albumina humana em um hospital de grande porte

RESUMO

Objetivo:

O trabalho teve como objetivo a redução da utilização de albumina humana 20% com indicação não-fundamentada no Hospital Israelita Albert Einstein.

Métodos:

Durante um período de 30 dias (dezembro, 2006), foi realizada uma análise prospectiva preliminar utilizando-se as prescrições médicas de pacientes com Albumina humana, e avaliaram-se as indicações terapêuticas em relação às diretrizes estabelecidas pela resolução ANVISA RDC 115. A partir dessas informações, foi elaborado um projeto de atuação e foi instituída uma rotina de acompanhamento diário das prescrições pelos farmacêuticos a partir de Janeiro de 2007.

Resultados:

De Janeiro a Outubro de 2007, foram consumidos 14.799 frascos de albumina 20%. Destes, 4.191 com indicação não fundamentada, correspondendo a uma perda de R$ 1,36 milhões. Em 2008 (de janeiro a outubro), foram prescritos 13.519 frascos de albumina 20%. Destes, 1.648 com indicação não fundamentada, o que responde por uma perda de R$ 535 mil. A relação entre o risco da perda e quantidade consumida de janeiro a outubro de 2007 foi de 91,99. Já no mesmo período de 2008 foi de 39,60. De janeiro a outubro de 2007, a média do percentual de albumina prescrita com indicação não-fundamentada foi de 28%. No mesmo período em 2008, este percentual caiu para 13%. Uma redução de 54%.

Conclusões:

O envolvimento do Farmacêutico no processo de verificação da indicação e justificativa do uso do medicamento representa processos seguros ao paciente, garantindo que ele receba o medicamento certo para a indicação correta, reduzindo com isto a probabilidade de eventos adversos e contribuindo para diminuir burocracias e gastos desnecessários na instituição.

Descritores:
Utilização de medicamento; Albuminas; Farmacoeconomia; Farmácia clínica

ABSTRACT

Objective:

The purpose of this survey was to reduce the use of human albumin 20% in non-supported indications at Hospital Israelita Albert Einstein.

Methods:

During a 30-day period, in December 2006, a preliminary prospective analysis of medical prescriptions of human albumin 20% and therapeutic indications according to ANVISA RDC 115 guidelines was performed. Based on this analysis, a project was developed. In January 2007, a daily routine to follow up albumin prescriptions by the Hospital pharmacists was established.

Results:

From January to October 2007, 14,799 vials of albumin 20% were used, out of which 4,191 had non-supported indications, resulting in a R$ 1.36 million loss. In 2008 (from January to October), 13,519 vials of albumin 20% were prescribed, and 1,648 of them had non-supported indications, causing a R$ 535 thousand loss. The ratio between loss risk and consumed amount was 91.99 between January and October 2007. During the same period in 2008, this ratio was 39.60. Between January and October 2007, the average percentage of albumin prescribed for non-supported indications was 28%, whereas this percentage dropped to 13%, i.e., a decrease by 54%, during the same period of 2008.

Conclusions:

The inclusion of a pharmacist in the process of verifying medicine indications and justification of use was translated into safer processes to patients, ensuring that they received the correct medication for the correct indication, therefore reducing the chance of adverse events and contributing to reduce red-tape procedures and unnecessary expenditures by the institution.

Keywords:
Medication use; Albumins; Pharmacoeconomy; Clinical pharmacy

INTRODUÇÃO

A albumina é uma proteína endógena presente em grande concentração no plasma humano. Seu peso molecular é de 68 KDa e é a principal responsável pela manutenção da pressão oncótica intravascular(11. Tullis IS, James L. Albumin: 1. Background and use. JAMA. 1977;237(4):355-60,22. Tullis IS. Albumin: 2. Guidelines for critical use. JAMA. 1977;237(5):460-3.).

É sintetizada no fígado pelos hepatócitos, e a síntese diária média de albumina é de 120 a 200 mg/kg de peso e o tempo médio de síntese é de 20 minutos. Dois terços da albumina corporal estão no compartimento extravascular e apenas um terço no setor intravascular.

O teor de albumina em células hepáticas, onde ocorre a síntese, é de 200 a 500 mcg/g de tecido hepático(11. Tullis IS, James L. Albumin: 1. Background and use. JAMA. 1977;237(4):355-60,22. Tullis IS. Albumin: 2. Guidelines for critical use. JAMA. 1977;237(5):460-3.). No entanto, apenas 1/3 dos hepatócitos são ativos na síntese de albumina, assumindo uma média de 20 minutos de tempo de extrusão do retículo endoplasmático e uma síntese constante(11. Tullis IS, James L. Albumin: 1. Background and use. JAMA. 1977;237(4):355-6033. Lewis RT. Albumin: role and discriminative use in surgery. Can J Surg. 1980;23(4):322-8.). A taxa normal de síntese é de aproximadamente 100 a 200 mg/kg/dia, que varia consideravelmente com o estado nutricional, hormônios e com o conteúdo coloidal do interstício hepático33. Lewis RT. Albumin: role and discriminative use in surgery. Can J Surg. 1980;23(4):322-8.). O interstício hepático age como um domínio “restrito”, com uma baixa concentração de proteína e serve como um osmoreceptor, sensível a pequenas mudanças nos níveis de proteína do que seria apreciado no pool de plasma(33. Lewis RT. Albumin: role and discriminative use in surgery. Can J Surg. 1980;23(4):322-8.,44. Laurent TC, Ogston AG. The interaction between polysaccharides and other macromolecules: the osmotic pressure of mixtures of serum albumin and hyaluronic acid. Biochem J.1963;89(Pt2):249-53.).

A administração de dextran ou imunoglobulina humana, ou a estimulação do aumento da síntese de globulinas do soro normal por hiperimunização resulta em uma depressão da síntese de albumina. No entanto, se um aumento da pressão oncótica coloidal é obtido com a administração de albumina (ou plasma), a evasão de um estado hiperoncótico é atingida por um aumento do catabolismo, sugerindo interdependência entre síntese e degradação. Esses determinantes de síntese e degradação estão relacionados com a pressão oncótica exercida pela quantidade de coloide no compartimento extravascular, em vez de plasma, enfatizando a importância de osmorreceptores que percebem o ambiente intersticial do fígado no controle da homeostase(33. Lewis RT. Albumin: role and discriminative use in surgery. Can J Surg. 1980;23(4):322-8.,44. Laurent TC, Ogston AG. The interaction between polysaccharides and other macromolecules: the osmotic pressure of mixtures of serum albumin and hyaluronic acid. Biochem J.1963;89(Pt2):249-53.).

O fígado, em geral, não exerce nenhuma influência no controle do catabolismo da albumina em indivíduos saudáveis(33. Lewis RT. Albumin: role and discriminative use in surgery. Can J Surg. 1980;23(4):322-8.,55. Cohen S, Gordon AH. Catabolism of plasma albumin by the perfused rat liver. Biochem J. 1958;70(4):544-51.), no entanto, na presença de doença de órgão específico, o fígado, rins e intestinos podem ser importantes locais de degradação da albumina66. Rothschild MA, Oratz M, Schreiber SS. Albumin synthesis (first of two parts). New Engl J Med. 1972;286(14):748-57.). A albumina humana comercialmente preparada não parece ser excretada pelos rins. Outros dados indicam que a excreção renal de albumina é relativamente pouco importante em condições de saúde normal(33. Lewis RT. Albumin: role and discriminative use in surgery. Can J Surg. 1980;23(4):322-8.,77. Katz J, Bonorris G, Sellers AL. Effect of nephrectomy on plasma albumin catabolism in experimental nephrosis. J Lab Clin Med. 1964;63:680-6.,88. Mogielnicki RP, Waldmann TA, Strober W. Renal handling of low molecular weight proteins: I. L-chain metabolism in experimental renal disease. J Clin Invest. 1971;50(4):901-9.).

A doença renal pode afetar a degradação e síntese da albumina. Na síndrome nefrótica, a albumina plasmática é conservada pela degradação, diminui quando a perda de albumina é inferior a 100 mg/kg/dia. Com maiores taxas de perda de albumina, a síntese de albumina pode aumentar para mais de 400 mg/kg/dia(33. Lewis RT. Albumin: role and discriminative use in surgery. Can J Surg. 1980;23(4):322-8.).

O efeito da alteração do volume plasmático, a concentração de albumina no soro e osmolalidade do plasma sobre a função renal foram avaliadas em pacientes com cirrose. A infusão intravenosa única de 50 g de albumina resultou em expansão do volume plasmático e média de aumento do fluxo plasmático efetivo renal, mas nenhum efeito sobre a taxa de filtração glomerular. Não há correlação entre as mudanças no volume de plasma e fluxo plasmático renal efetivo99. Mccloy RM, Baldus WP, Maher FT, Summerskill WJS. Effects of changing plasma volume, serum albumin concentration and plasma osmolality on renal function in cirrhosis. Gastroenterology. 1967;53:229-39.).

As soluções de albumina para uso terapêutico são obtidas a partir do fracionamento industrial do plasma humano. O plasma que se destina à indústria de fracionamento pode ser colhido por aférese ou ser proveniente de uma doação de sangue total. Nesse último caso, o plasma é excedente do uso terapêutico1010. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 115, de 10 de maio de 2004. Aprova as Diretrizes para o uso de Albumina. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 maio 2004. [Internet] 2004. [cited 2006 Dec 01] Available from: <http://e-legis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=11025>
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).

De acordo com a Agência Americana Food and Drug Administration (FDA), a cada ano, cerca de 14 milhões de unidades de sangue são coletados de cerca 8 milhões de doadores voluntários para obtenção de componentes do sangue que são transfundidos diretamente em mais de 3,5 milhões de americanos. Esses produtos incluem a albumina, utilizada para restaurar o volume de plasma, fatores de coagulação, utilizados no tratamento de hemofílicos, e imunoglobulinas, usadas para tratar ou prevenir uma variedade de doenças.

Estima-se que, por ano, mais 400 mil pacientes utilizem a albumina humana.

Desde que foi comercializado, em 1940, o uso crescente de albumina na prática clínica tem provocado polêmica porque seu uso foi largamente baseado em razões fisiopatológicas não corretamente projetadas em ensaios clínicos.

Desse modo, não foi avaliado adequadamente o papel da albumina, em comparação a alternativas terapêuticas de menor custo, como outros coloides ou soluções cristaloides.

Essa falta de evidência clínica de eficácia em termos absolutos ou comparativos dá origem a grandes divergências em relação às suas indicações. Na década de 1970, o National Institute of Health dos Estados Unidos (NIH) decidiu promover o desenvolvimento e publicação do guia de utilização com base na opinião dos grupos de especialistas.

A difusão dessas orientações por meio de um programa de educação em alguns centros de cuidados de saúde melhorou a taxa de prescrição inadequada do medicamento(11. Tullis IS, James L. Albumin: 1. Background and use. JAMA. 1977;237(4):355-60,22. Tullis IS. Albumin: 2. Guidelines for critical use. JAMA. 1977;237(5):460-3.,1111. World Health Organization. Annex 4: WHO recommendations for the production, control and control and regulation of human plasma for fractionation. Presented at the 56th meeting of the WHO Expert Committee on Biological Standardization, Oct 24-28, 2005. [Internet] [cited 2010 May 28]. Available from: www.who.int/biologicals/publications/ECBS%202005%20Annex%204%20Human%20Plasma%20Fractionation.pdf
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12. Matos GC, Rozenfeld S. Avaliação do uso de albumina humana em hospital do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2005;21(4):
-1313. Vargas E, Miguel V, Portoles A, Avendano C, Ambit MI, Torralba A. Use of Albumin in two Spanish university hospitals. Eur J Clin Pharmacol. 11997;52(6):465-70.).

Diante da dificuldade do processo de produção e obtenção da albumina, o que envolve muitos custos, e da grande polêmica quanto às suas indicações de uso, muitos centros têm desenvolvido estudos e protocolos para sua adequada utilização.

No Brasil, em 2004 a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), por meio da publicação da Resolução RDC n°. 115, de 10 de maio de 2004 Diretrizes para o uso de albumina1010. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 115, de 10 de maio de 2004. Aprova as Diretrizes para o uso de Albumina. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 maio 2004. [Internet] 2004. [cited 2006 Dec 01] Available from: <http://e-legis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=11025>
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), estabeleceu as diretrizes para o uso da albumina humana. Visando com isto criar critérios para que houvesse mais adequação da indicação do medicamento na prática clínica nos Hospitais. No Hospital Israelita Albert Einstein, tentativas de adequação da prescrição médica em relação à utilização da albumina foram desenvolvidas anteriormente à publicação da RDC, porém sem sucesso.

De acordo com a resolução, há três categorias de classificação quanto à indicação1010. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 115, de 10 de maio de 2004. Aprova as Diretrizes para o uso de Albumina. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 maio 2004. [Internet] 2004. [cited 2006 Dec 01] Available from: <http://e-legis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=11025>
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).

As indicações formais são aquelas baseadas em trabalhos randomizados e controlados que mostram a eficácia da albumina no tratamento dos pacientes. O fato de uma indicação estar incluída na categoria formal não significa que não haja alternativas terapêuticas ao uso da albumina; antes, indica que, se a equipe médica que cuida do paciente optar pela sua utilização, o fará com respaldo na literatura especializada.

As indicações discutíveis são aquelas em relação às quais não há consenso e os resultados dos trabalhos e das meta-análises são conflitantes. O uso da albumina nessas situações pode eventualmente ser feito, até que haja evidências mais conclusivas na literatura.

Finalmente, as indicações não fundamentadas são aquelas cujos trabalhos mostram que o uso da albumina não traz nenhum benefício para os pacientes1010. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 115, de 10 de maio de 2004. Aprova as Diretrizes para o uso de Albumina. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 maio 2004. [Internet] 2004. [cited 2006 Dec 01] Available from: <http://e-legis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=11025>
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).

OBJETIVO

Redução em 50% das prescrições de albumina com indicação não-fundamentada na instituição, de acordo com a Resolução “RDC nº 115, de 10 de maio de 2004”, no período de janeiro a outubro de 2007.

MÉTODOS

O Hospital Israelita Albert Einstein é um hospital quaternário de atendimento misto. Está em expansão e possui cerca de 500 leitos distribuídos em 15 unidades de clínica médica cirúrgica, uma UTI adulto e uma UTI pediátrica, e possui um quadro de 40 farmacêuticos, sendo 30 destes voltados à farmácia clínica. O Hospital Israelita Albert Einstein conta com um farmacêutico clínico para cada unidade de internação.

Temos um volume de recurso financeiro designado exclusivamente ao uso de albumina no Hospital Israelita Albert Einstein em torno de 6 milhões/ano.

Durante um período de 30 dias (dezembro de 2006), foi realizada uma análise prospectiva preliminar utilizando-se as prescrições médicas de pacientes com albumina humana e avaliadas as indicações terapêuticas em relação às diretrizes estabelecidas pela resolução ANVISA RDC n° 115. Nesse período, identificamos 42% das prescrições classificadas como não-fundamentadas e 35% discutíveis.

A partir dessas informações, foi elaborado um projeto de atuação em que diariamente os farmacêuticos clínicos identificaram os pacientes com prescrição de albumina humana, avaliaram as indicações de acordo com informações colhidas em prontuários, questionamento as equipes médica e multidisciplinar, e as prescrições eram classificadas de acordo com a RDC n° 115 em formal, discutível e não-fundamentada1010. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 115, de 10 de maio de 2004. Aprova as Diretrizes para o uso de Albumina. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 maio 2004. [Internet] 2004. [cited 2006 Dec 01] Available from: <http://e-legis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=11025>
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).

Após essa primeira análise, foi encaminhado um informativo sobre a RDC aos prescritores por meio da Diretoria de Prática Médica, discutido nos fóruns e em reuniões de especialistas, e foi instituída a rotina de acompanhamento diário das prescrições pelos farmacêuticos a partir de janeiro de 2007.

O acompanhamento diário das prescrições de albumina humana pelos farmacêuticos foi realizado utilizando-se informações disponíveis nos prontuários dos pacientes e de relatórios obtidos pelo sistema de prescrição eletrônica e de gerenciamento de estoque disponível no Hospital.

A partir de então, o farmacêutico clínico passou a intervir, questionando o prescritor toda vez que identificasse alguma prescrição com indicação não-fundamentada para a utilização da albumina.

A partir da intervenção, era esclarecida a rotina do acompanhamento, os farmacêuticos identificaram e classificaram a indicação utilizando as diretrizes estabelecidas pela resolução RDC n° 115 ANVISA.

Os dados foram relatados diariamente por meio de planilha, compilados mensalmente e oferecidos aos gestores através de relatórios.

Esses relatórios foram utilizados pela Diretoria da Prática Médica como instrumento de avaliação de desempenho semestral do corpo clínico do Hospital (Programa Feedback).

RESULTADOS

O primeiro período de análise após a implantação da rotina foi de janeiro até outubro de 2007 quando foram avaliados 387 pacientes com prescrição de albumina e consumidos 14.799 frascos de albumina humana 20%. Destes, 4.191 com indicação não-fundamentada com potencial perda de reembolso de R$ 1,36 milhões (Tabela 1).

Tabela 1
Uso inadequado de albumina humana

Em 2008 (de janeiro a outubro), foram avaliados 327 pacientes com prescrição de albumina e consumidos 13.519 frascos de albumina humana 20%. Destes, 1.648 com indicação não-fundamentada, com potencial perda de reembolso de R$ 535 mil (Tabela 1).

A relação entre o risco da perda e quantidade consumida de janeiro a outubro de 2007 foi de 91,99. Já no mesmo período em 2008 foi de 39,60.

De janeiro a outubro de 2007, a média do percentual de albumina prescrita com indicação não-fundamentada foi de 28%; para o mesmo período de 2008, o percentual caiu para 13%. Do início do projeto, em janeiro de 2007, a dezembro de 2008, a redução observada chegou a 69%. (Figura 1)

Figura 1
Análise da utilização de albumina com indicação não-fundamentada

Nesse mesmo período, janeiro de 2007 e dezembro de 2008, pôde ser observada a redução do número de prescrições com indicação não-fundamentada e aumento do número de prescrições com indicação fundamentada. (Figura 2).

Figura 2
Prescrição de albumina em relação à classificação da indicação pela RDC n° 115

Por meio da análise mensal dos dados de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, é possível verificar que a distribuição da utilização de albumina no Hospital está principalmente localizada na Unidade de Terapia Intensiva adulto (21% em 2007 e 25% em 2008), Unidade de transplante de órgãos sólidos (28% em 2007 e 31% em 2008) seguido da Unidade Semi-intensiva Adulto (13% em 2007 e 12% em 2008) e Unidade de Cardiologia (13% em 2007 e 10% em 2008) (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição da prescrição de albumina pelo Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE)

Em relação à distribuição das indicações não-fundamentadas, no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, pôde-se observar que residiram principalmente na utilização para correção de hipoalbuminemia. (Tabela 3) e, em relação às indicações fundamentadas, as principais ocorrências foram o uso após paracenteses evacuadoras nos pacientes com ascites volumosas e em pacientes com cirrose hepática e síndrome nefrótica, em casos de edemas refratários aos diuréticos e que colocassem em risco iminente a vida dos pacientes. (Tabela 4).

Tabela 3
Distribuição das indicações não-fundamentadas de albumina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE)
Tabela 4
Distribuição das indicações formais e da utilização de albumina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE)

DISCUSSÃO

Foram de fundamental importância o envolvimento e a discussão pelas autoridades e profissionais de saúde, que resultaram na publicação da Resolução n° 115 pela ANVISA, uma vez que serviram como alavanca para o sucesso do projeto e para adequação da conduta de prescrição de albumina humana 20% no Hospital.

Apesar de o período pré-projeto ter sido curto (dezembro de 2006), foi assumido como base para a elaboração e implementação do projeto e da rotina dentro do Hospital.

A principal utilização e indicação não-fundamentada para a albumina esteve associada à correção de hipoalbuminemia e, conforme preconizado na literatura e na RDC n° 115, albumina humana 20% não é uma boa fonte proteica, principalmente quando comparada às soluções parenterais de aminoácidos e aos lisados proteicos das soluções enterais, e não há elementos que justifiquem a utilização da albumina para correção de hipoalbuminemia(1212. Matos GC, Rozenfeld S. Avaliação do uso de albumina humana em hospital do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2005;21(4):1313. Vargas E, Miguel V, Portoles A, Avendano C, Ambit MI, Torralba A. Use of Albumin in two Spanish university hospitals. Eur J Clin Pharmacol. 11997;52(6):465-70.).

Conforme observado, dentre as indicações formais, a utilização após paracenteses evacuadoras em pacientes com ascites volumosas, cirrose hepática e síndrome nefrótica, quando houver edemas refratários a diuréticos que coloquem em risco iminente a vida do paciente, podem estar associados a pacientes mais graves e justificar a maior utilização do medicamento no CTI e pela unidade de transplante.

Em relação à distribuição das indicações não-fundamentadas no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, foi possível observar que residiram principalmente na utilização para correção de hipoalbuminemia, semelhante ao que foi encontrado em outros estudos sobre indicação do uso da albumina(1212. Matos GC, Rozenfeld S. Avaliação do uso de albumina humana em hospital do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2005;21(4):1414. Aramwit P. Evaluation of serum albumin utilization in inpatient at a private hospital in Bangok. Yakugaku Zasshi. 2004;124(9):631-4.).

Os valores iniciais encontrados para a prescrição não-fundamentada de albumina humana no Hospital se mostraram um pouco abaixo aos valores apresentados por outros estudos, o que também pode ter contribuído para o resultado positivo na implantação da rotina1212. Matos GC, Rozenfeld S. Avaliação do uso de albumina humana em hospital do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2005;21(4):).

Outro fator que representou impacto para o projeto foi “Programa Feedback”, no qual a Diretoria de Prática Médica, por meio da avaliação de desempenho individual e entrevista com os médicos da instituição, apresenta os dados quanto à adesão aos protocolos institucionais.

Além desse programa, teve impacto também o trabalho multiprofissional desenvolvido pelo farmacêutico clínico junto à equipe médica e multiprofissional.

A farmácia clínica compreende uma série de atividades voltadas para maximizar os efeitos da terapêutica, minimizar os riscos e os custos do tratamento ao paciente(1414. Aramwit P. Evaluation of serum albumin utilization in inpatient at a private hospital in Bangok. Yakugaku Zasshi. 2004;124(9):631-4.1717. American Society of Health. System Pharmacists. ASPH guidelines on documentation pharmaceutical care in patient medical records: developed through the ASHP council on professional affairs and approved by the ASHP board of director on February 20, 2003. Am J Health-System Pharm. 2003;60(7):705-7.). O trabalho mostra que a participação do Farmacêutico clínico é fundamental para o sucesso de projetos ligados ao processo de uso seguro e racional de medicamentos e viabiliza a implantação das diretrizes institucionais junto ao corpo clínico e equipe multidisciplinar no Hospital, aumentando a segurança ao paciente.

Verificou-se que houve mudança no perfil de indicação para a prescrição de albumina na Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein que, além da contribuição para o uso racional, também representou impacto econômico. Verificou-se, ainda, redução do número de prescrições do medicamento entre os períodos de 2007 e 2008 e, concomitantemente, aumento do número de pacientes/dia no Hospital para o mesmo período.

O impacto econômico em relação ao uso desnecessário de albumina representou economia de R$ 825 mil entre os dois períodos e diminuição do risco de não-cobertura dos gastos pelas operadoras de serviço de saúde, o que justifica a inclusão ou a contratação de farmacêutico que contribua com esse e outros processos de uso seguro e racional de medicamentos dentro do Hospital (custo trabalhista médio anual do Hospital com salário, encargos e benefícios é de R$ 55 mil).

CONCLUSÕES

Houve redução da utilização de albumina humana no Hospital com indicação não-fundamentada de janeiro de 2007 a outubro de 2008 (fechamento da primeira análise) em mais de 50% (de 42 para 19%), chegando a 69% até o final de 2008 com a continuidade do projeto.

A atuação do farmacêutico clínico frente às prescrições de albumina representou impacto positivo em relação à adequação da prescrição, havendo aumento da segurança ao paciente e contribuindo para diminuir gastos desnecessários na instituição.

  • Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP) Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2010

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2010
  • Aceito
    10 Maio 2010
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