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Fibrinólise intra-arterial para tratamento da isquemia aguda em coto de amputação infrapatelar. Relato de caso

RESUMO

A preservação da articulação do joelho tem grandes vantagens para a mobilidade e a reabilitação de um amputado. Qualquer causa que exija revisão para uma amputação acima do joelho é um grande revés, porque reduz o potencial de reabilitação do paciente. O objetivo aqui foi descrever o uso de trombólise intra-arterial para salvar um coto de amputação abaixo do joelho com isquemia aguda. Homem, 56 anos, procurou pronto atendimento de nosso hospital com histórico de 1 dia de dor aguda em seu coto de amputação infrapatelar direito. A angiografia confirmou oclusão da artéria poplítea. Foi realizada trombectomia farmacomecânica com Aspirex (cateter rotativo para restabelecer o fluxo sanguíneo em vasos ocluídos, removendo material de oclusão do vaso) e ativador do plaminogênio tecidual recombinante. Após 9 anos de seguimento, o paciente permanecia assintomático, capaz de deambulação independente com membro protético. A fibrinólise intra-arterial parece ser um tratamento seguro e eficaz para casos selecionados de coto de amputação com isquêmica aguda.

Fibrinólise; Isquemia; Cotos de amputação; Relatos de casos

ABSTRACT

Preservation of the knee joint has enormous advantages in terms of mobility and rehabilitation of an amputee. Any cause of breakdown requiring revision to an above-knee amputation is a major setback because it reduces the patient’s rehabilitative potential. We report a case of intra-arterial thrombolysis use to save a below-knee amputation stump with acute ischemia. A 56-year-old man who sought the emergency department with 1-day history of acute pain on his right below-knee stump. The angiography confirmed popliteal artery occlusion. Pharmacomechanical thrombectomy, with Aspirex (rotational catheter to restore blood flow in occluded vessel, by removing occlusion material from the vessel) and recombinant tissue plasminogen activator, was performed. After 9 years of follow-up the patient remained asymptomatic, capable of independent ambulation with prosthetic limb. Intra-arterial fibrinolysis seems to be a safe and effective treatment for cases of acutely ischemic amputation stump.

Fibrinolysis; Ischemia; Amputation stumps; Case reports

INTRODUÇÃO

O princípio de melhora da circulação para atingir um nível mais baixo de amputação é bem conhecido. A preservação da articulação do joelho tem grandes vantagens em termos de reabilitação de um amputado.(11. Tisi PV, Than MM. Type of incision for below knee amputation. Cochrane Database Syst Rev. 2014;8(4):CD003749. Review.) Qualquer evento que leve à revisão de uma amputação acima do joelho é um grande revés, porque reduz o potencial de reabilitação do paciente por conta da baixa estabilidade e do alto custo energético da marcha de amputados acima dos joelhos.(22. Karkos CD, Bright E, Bolia A, London NJ. Subintimal recanalization of the femoropopliteal segment to promote healing of an ulcered below-knee amputation stump. J Endovasc Ther. 2006;13(3):420-3.,33. Kamali M, Karimi MT, Eshraghi A, Omar H. Influential factors in stability of lower-limb amputees. Am J Phys Med Rehabil. 2013;92(12):1110-8. Review.)

A isquemia de membro inferior é um dos maiores desafios na prática da cirurgia vascular, e implica alto risco de amputação e morte, se não tratada. A terapia trombolítica intra-arterial pode ser considerada padrão no cuidado da obstruções arteriais agudas periféricas. Ela pode restabelecer a perfusão arterial e identificar lesões suspeitas, que podem ser tratadas com técnicas endovasculares.(44. Van den Berg JC. Thrombolysis for acute arterial occlusion. J Vasc Surg. 2010;52(2):512-5. Review.)

Este estudo descreve o uso de terapia trombolítica intra-arterial com ativador plasminogênico tecidual recombinante (rTPA) para revascularização em coto de amputação infrapatelar com isquemia aguda.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 56 anos de idade, procurou nosso serviço com histórico de 1 dia de dor aguda em seu coto de amputação infrapatelar. Foi submetido à amputação infrapatelar devido à isquemia crítica do membro secundária a trauma 3 anos antes. Após a amputação, ele teve excelente reabilitação e deambulação independente com próstese.

Ao exame clínico, o paciente tinha pulso femoral normal, ausência de pulso poplíteo, redução da temperatura e cianose no terceiro distal do coto de amputação infrapatelar. A imagem Doppler mostrou obstrução da artéria poplítea suprapatelar.

Administrou-se heparina (80UI/kg), e angiografia de membro inferior direito e trombólise direcionada via cateter com Aspirex® (cateter rotacional para restaurar o fluxo sanguíneo; Straub Medical AG, Wangs, Suíça) foram realizadas como tentativa para salvar o coto de amputação infrapatelar.

A angiografia do membro direito mostrou artérias femorais superficiais e profundas sem lesões e confirmou oclusão da artéria poplítea (Figura 1A). Um fio-guia 0.014 foi passado ao longo da área obstruída, e o cateter para trombectomia foi posicionado intratrombo (Figura 1B). Administrou-se dose inicial de 10mg em bólus de rTPA, e realizou-se trombectomia mecânica com Aspirex® (Figura 1C). A angiografia mostrou recanalização parcial da artéria poplítea (Figura 1D).

Figura 1
Angiografia por subtração digital. (A) Obstrução de artéria poplítea. (B e C) Cateter para trombectomia posicionado intratrombo. (D) Recanalização parcial de artéria poplítea

O dispositivo de trombectomia foi substituído por cateter multiperfurado, e o paciente foi encaminhado para unidade de terapia intensiva para prosseguir com a infusão de rTPA com dose de 3mg/hora e heparinização em dose completa (16UI/kg/hora), por 8 horas, sob vigilância. Uma nova angiografia mostrou permeabilidade da artéria poplítea com estenose residual e trombo (Figura 2). Realizou-se angioplastia com balão Passeo-35 4x20 (Biotronik, Bulach, Suíça), seguida de injeção de 10mg de rTPA (Figuras 3A e 3D). A angiografia final mostrou permeabilidade da artéria poplítea, sem estenose residual ou trombo, e excelente circulação no coto de amputação infrapatelar (Figuras 4A e 4D).

Figura 2
Angiografia de subtração digital. Permeabilidade da artéria poplítea com estenose residual e trombo

Figura 3
Angiografia de subtração digital. (A e B) Angioplastia de artéria poplítea realizada com balão Passeo-35 4x20. (C e D) Recanalização parcial de poplítea

Figura 4
Angiografia final mostrando permeabilidade femoral superficial e artérias poplíteas, sem estenose residual ou trombo

O paciente apresentou remissão dos sintomas e recebeu alta após 5 dias. Após a recuperação, era capaz de deambular independentemente, com prótese. Após 9 anos de seguimento ambulatorial, o paciente permanecia assintomático.

DISCUSSÃO

A importância de manter o maior número de articulações em pacientes amputados se dá principalmente devido ao mecanismo complexo necessário para manutenção da estabilidade. Em pacientes idosos, que já possuem pouca estabilidade por perda de massa muscular e osteopenia, manter a maior quantidade de articulações possível é benéfico para o processo de reabilitação, que é mais difícil nos mais velhos.(33. Kamali M, Karimi MT, Eshraghi A, Omar H. Influential factors in stability of lower-limb amputees. Am J Phys Med Rehabil. 2013;92(12):1110-8. Review.)

Apesar dos avanços tecnológicos em cirurgia vascular, a obstrução arterial periférica aguda é caracterizada por altas taxas de morbidade e mortalidade.(55. Earnshaw JJ. Demography and etiology of acute leg ischemia. Semin Vasc Surg. 2001;14(2):86-92. Review.) A conduta desta condição inclui anticoagulação, revascularização cirúrgica e trombectomia farmacomecânica, dependendo das condições clínicas do paciente.

Até o momento, não há padrão de cuidados para o manejo de coto com quadro de isquemia aguda. Bunt descreveu cinco casos de gangrena ascendente seguida de amputação submetidos à cirurgia de revascularização imediata. A taxa de mortalidade global destes pacientes foi alta (60%).(66. Bunt TJ. Gangrene of the immediate postoperative above-knee amputation stump: role of emergency revascularization in preventing death. J Vasc Surg. 1985;2(6):874-7.)

Para evitar gangrena de coto, a revascularização anterior à amputação é, em geral, recomendada quando há doença vascular grave, principalmente no caso de oclusão de artéria femoral comum ou ilíaca, combinada com obstrução ou estenose de artéria femoral profunda. Wolosker et al., descreveram o uso de stent intraoperatório por meio de abertura de artéria fibular para a melhora da circulação e o alcance de um baixo nível de amputação.(77. Wolosker N, Nakano L, Duarte FH, Lucia N De, Leao PP. Peroneal artery approach for angioplasty of the superficial femoral artery: a case report. Vasc Endovascular Surg. 2003;37(2):129-33.)

Até onde sabemos, há somente dois estudos sobre revascularização de coto isquêmico infrapatelar para preservação de nível de amputação, e nenhum deles com trombólise.(22. Karkos CD, Bright E, Bolia A, London NJ. Subintimal recanalization of the femoropopliteal segment to promote healing of an ulcered below-knee amputation stump. J Endovasc Ther. 2006;13(3):420-3.) Karkos et al., descreveram uma recanalização de fêmoro-poplíteo subintimal de coto ulcerado em paciente previamente reabilitado. Os autores relataram que o paciente evoluiu sem dor e deambulando no acompanhamento de 6 meses.(22. Karkos CD, Bright E, Bolia A, London NJ. Subintimal recanalization of the femoropopliteal segment to promote healing of an ulcered below-knee amputation stump. J Endovasc Ther. 2006;13(3):420-3.) Warner et al., descreveram angioplastia de artéria femoral profunda em paciente com amputação infrapatelar que não realizou reabilitação e que apresentou dor em repouso, além de não cicatrização de ferida no coto. Após a cirurgia, os sintomas de dor e cicatrização melhoraram significativamente.(88. Warner BE, Richards AJ, Biswas M, Chick C, Lewis P, Harding KG. Chronic wound and postamputation claudication pain in a diabetic patient. Ann R Coll Surg Engl. 2013;95(7):115-7.)

Em nosso caso, decidiu-se pela intervenção pelo fato de o paciente apresentar coto com isquemia grave, dor em repouso e cianose. Se a revascularização não fosse alcançada, a única alternativa seria a amputação suprapatelar. Em nosso serviço geralmente opta-se primeiramente por abordagem endovascular e, no caso de falha, realiza-se revascularização com cirurgia aberta. Na literatura, a trombólise com cateter apresenta sucesso em 75 a 92% dos casos.(99. Motta Leal Filho JM da, Santos AC, Carnevale FC, Oliveira Sousa W de Jr, Grillo LS Jr, Cerri GG. Infusion of recombinant human tissue plasminogen activator through the superior mesenteric artery in the treatment of acute mesenteric venous thrombosis. Ann Vasc Surg. 2011;25(6):840.e1-4.)

Não há consenso na literatura em relação à dose de fibrinolítico e à duração da infusão, mas é bem estabelecido que os melhores resultados são observados em casos com menos de 2 semanas de duração.(1010. Kessel DO, Berridge DC, Robertson I. Infusion techniques for peripheral arterial thrombolysis. Cochrane Database Syst Rev. 2004;(1):CD000985. Review.) Em nossa prática, as taxas de infusão de 0,5 a 5mg/hora são comumente aplicadas para casos de trombólise arterial, normalmente com controle angiográfico realizado após 6 a 12 horas. É bem conhecido que a infusão direcionada por cateter alcança altas taxas de salvamento de membros (cerca de 80%) comparada com a terapia intravenosa sistêmica (45%), e que o método de administração de agente fibrinolítico (infusão, pulse spray e taxa de dose) não influencia nas taxas de salvamento dos membros.(1010. Kessel DO, Berridge DC, Robertson I. Infusion techniques for peripheral arterial thrombolysis. Cochrane Database Syst Rev. 2004;(1):CD000985. Review.)

Em artigo de revisão, Van den Berg concluiu que não há diferença entre a cirurgia e a trombólise, em termos de mortalidade e amputação no caso de obstrução arterial periférica aguda de membro inferior.(44. Van den Berg JC. Thrombolysis for acute arterial occlusion. J Vasc Surg. 2010;52(2):512-5. Review.) Apesar do uso da trombólise direcionada por cateter ser razoavelmente segura e efetiva, o risco de sangramento permanece. As complicações relatadas incluem sangramentos maiores (5,1%), sangramentos menores (14,8%) e embolização distal (<1%).(44. Van den Berg JC. Thrombolysis for acute arterial occlusion. J Vasc Surg. 2010;52(2):512-5. Review.)

CONCLUSÃO

Nos casos selecionados, a fibrinólise intra-arterial parece ser um tratamento seguro e eficaz para amputação de coto com isquemia aguda.

REFERENCES

  • 1
    Tisi PV, Than MM. Type of incision for below knee amputation. Cochrane Database Syst Rev. 2014;8(4):CD003749. Review.
  • 2
    Karkos CD, Bright E, Bolia A, London NJ. Subintimal recanalization of the femoropopliteal segment to promote healing of an ulcered below-knee amputation stump. J Endovasc Ther. 2006;13(3):420-3.
  • 3
    Kamali M, Karimi MT, Eshraghi A, Omar H. Influential factors in stability of lower-limb amputees. Am J Phys Med Rehabil. 2013;92(12):1110-8. Review.
  • 4
    Van den Berg JC. Thrombolysis for acute arterial occlusion. J Vasc Surg. 2010;52(2):512-5. Review.
  • 5
    Earnshaw JJ. Demography and etiology of acute leg ischemia. Semin Vasc Surg. 2001;14(2):86-92. Review.
  • 6
    Bunt TJ. Gangrene of the immediate postoperative above-knee amputation stump: role of emergency revascularization in preventing death. J Vasc Surg. 1985;2(6):874-7.
  • 7
    Wolosker N, Nakano L, Duarte FH, Lucia N De, Leao PP. Peroneal artery approach for angioplasty of the superficial femoral artery: a case report. Vasc Endovascular Surg. 2003;37(2):129-33.
  • 8
    Warner BE, Richards AJ, Biswas M, Chick C, Lewis P, Harding KG. Chronic wound and postamputation claudication pain in a diabetic patient. Ann R Coll Surg Engl. 2013;95(7):115-7.
  • 9
    Motta Leal Filho JM da, Santos AC, Carnevale FC, Oliveira Sousa W de Jr, Grillo LS Jr, Cerri GG. Infusion of recombinant human tissue plasminogen activator through the superior mesenteric artery in the treatment of acute mesenteric venous thrombosis. Ann Vasc Surg. 2011;25(6):840.e1-4.
  • 10
    Kessel DO, Berridge DC, Robertson I. Infusion techniques for peripheral arterial thrombolysis. Cochrane Database Syst Rev. 2004;(1):CD000985. Review.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2017
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    3 Fev 2017
  • Aceito
    4 Maio 2017
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