Resumos
Vernalização é o processo pelo qual as plantas são induzidas a florescer através da exposição a temperaturas baixas não congelantes. Funções de resposta à vernalização foram ajustadas para caracterizar trigos de inverno, mas ainda não as foram para trigos brasileiros. Os objetivos deste trabalho foram determinar a sensibilidade à vernalização de algumas cultivares de trigo do sul do Brasil e ajustar uma função não linear de reposta à vernalização para estas cultivares. Foram aplicados oito tratamentos de vernalização (0, 7, 14, 21, 28, 35, 42 e 49 dias de vernalização) em seis cultivares de trigo (BRS Louro, BRS 177, BRS Tarumã, CEP 51, CEP 52 e Nova Era). A cultivar BRS Louro não foi responsiva aos tratamentos de vernalização, na cultivar BRS Tarumã ocorreu forte sensibilidade à vernalização, similar a trigos de inverno, e nas cultivares BRS 177, CEP 51, CEP 52 e Nova Era a resposta à vernalização foi intermediária. Para as cultivares responsivas à vernalização foram ajustadas funções não lineares que podem ser usadas em modelos de simulação do desenvolvimento de cultivares sul brasileiras de trigo com distintos requerimentos em vernalização.
Triticum aestivum L.; modelagem; temperatura; soma térmica; emissão de folhas
Vernalization is a process by which plants are inducted to enter the reproductive phase through an exposure to low nonfreezing temperatures. Vernalization response functions have been proposed for winter wheats, but no indication of vernalization response functions for Brazilian wheats were found in the literature. The objectives of this study were to evaluate vernalization response of some Brazilian wheat cultivars and to fit a vernalization response function for these cultivars. Eight vernalization treatments (0, 7, 14, 21, 28, 35, 42 and 49 vernalization days) and six wheat cultivars (BRS Louro, BRS 177, BRS Tarumã, CEP 51, CEP 52 e Nova Era) were used. The cultivar BRS Louro showed no response to vernalization, BRS Tarumã was strongly sensitive to vernalization, similar to winter wheat, and cultivars BRS 177, CEP 51, CEP 52, and Nova Era presented intermediate vernalization response. For the cultivars that presented some response to vernalization, response functions are presented, which can be used in models for simulating the development of Brazilian wheat cultivars with distinct vernalization requirements.
Triticum aestivum L.; modelling; temperature; thermal sum; leaf emergence
AGROMETEOROLOGIA
Resposta à vernalização de cultivares brasileiras de trigo
Vernalization response of brazilian wheat cultivars
Cleber Maus AlbertoI; Nereu Augusto StreckII,* * Autor correspondente. E-mail: nstreck@yahoo.com.br. ; Lidiane Cristine WalterIII; Hamilton Telles RosaIII; Auri BrackmannII; Felipe Brendler OliveiraIII; Alencar Junior ZanonIII; Lovane Klein FagundesIV
IPrograma de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola, Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria (RS), Brasil
IIDepartamento de Fitotecnia, CCR, UFSM. Avenida Roraima, 1000, Campus Universitário, 97105-900 Santa Maria (RS), Brasil
IIICurso de Graduação em Agronomia, CCR, UFSM, Santa Maria (RS), Brasil
IVPrograma de Pós-Graduação em Agronomia, UFSM, Santa Maria (RS), Brasil
RESUMO
Vernalização é o processo pelo qual as plantas são induzidas a florescer através da exposição a temperaturas baixas não congelantes. Funções de resposta à vernalização foram ajustadas para caracterizar trigos de inverno, mas ainda não as foram para trigos brasileiros. Os objetivos deste trabalho foram determinar a sensibilidade à vernalização de algumas cultivares de trigo do sul do Brasil e ajustar uma função não linear de reposta à vernalização para estas cultivares. Foram aplicados oito tratamentos de vernalização (0, 7, 14, 21, 28, 35, 42 e 49 dias de vernalização) em seis cultivares de trigo (BRS Louro, BRS 177, BRS Tarumã, CEP 51, CEP 52 e Nova Era). A cultivar BRS Louro não foi responsiva aos tratamentos de vernalização, na cultivar BRS Tarumã ocorreu forte sensibilidade à vernalização, similar a trigos de inverno, e nas cultivares BRS 177, CEP 51, CEP 52 e Nova Era a resposta à vernalização foi intermediária. Para as cultivares responsivas à vernalização foram ajustadas funções não lineares que podem ser usadas em modelos de simulação do desenvolvimento de cultivares sul brasileiras de trigo com distintos requerimentos em vernalização.
Palavras-chave:Triticum aestivum L., modelagem, temperatura, soma térmica, emissão de folhas.
ABSTRACT
Vernalization is a process by which plants are inducted to enter the reproductive phase through an exposure to low nonfreezing temperatures. Vernalization response functions have been proposed for winter wheats, but no indication of vernalization response functions for Brazilian wheats were found in the literature. The objectives of this study were to evaluate vernalization response of some Brazilian wheat cultivars and to fit a vernalization response function for these cultivars. Eight vernalization treatments (0, 7, 14, 21, 28, 35, 42 and 49 vernalization days) and six wheat cultivars (BRS Louro, BRS 177, BRS Tarumã, CEP 51, CEP 52 e Nova Era) were used. The cultivar BRS Louro showed no response to vernalization, BRS Tarumã was strongly sensitive to vernalization, similar to winter wheat, and cultivars BRS 177, CEP 51, CEP 52, and Nova Era presented intermediate vernalization response. For the cultivars that presented some response to vernalization, response functions are presented, which can be used in models for simulating the development of Brazilian wheat cultivars with distinct vernalization requirements.
Key words:Triticum aestivum L., modelling, temperature, thermal sum, leaf emergence.
1. INTRODUÇÃO
O trigo (Triticum aestivum L.) é o segundo cereal mais produzido no mundo, sendo superado apenas pelo milho (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION, 2007). A produtividade média de grãos de trigo no Brasil no período de 1996 a 2006 (1813 kg ha-1) situa-se abaixo da média mundial (2718 kg ha-1), mesmo havendo características de clima e solo propícios ao cultivo de trigo no País (EMBRAPA TRIGO, 2007). No Brasil existe um grande número de genótipos de trigo recomendados para diferentes ambientes e finalidades. No sul do Brasil são cultivados trigos de primavera e os chamados trigos de duplo propósito - pastejo no inverno e ainda produzir grãos na primavera (WENDT et al., 2006).
A temperatura e o fotoperíodo são os elementos meteorológicos que mais afetam o desenvolvimento das plantas de trigo (STRECK et al., 2003a,b; WHITE, 2006). Alguns cereais de inverno desenvolveram mecanismos como estratégia de proteção contra o efeito danoso das baixas temperaturas. A resposta à vernalização é um desses mecanismos em trigo. Denomina-se vernalização o processo pelo qual sementes hidratadas ou plântulas expostas a temperaturas baixas não congelantes são induzidas a florescer (FLOOD e HALLORAN, 1986; TAIZ, 2002). Plantas de trigo submetidas a temperaturas vernalizantes produzem menos plastocronos (intervalo de tempo entre o aparecimento de dois primórdios foliares sucessivos) entre a germinação das sementes e a iniciação de primórdios reprodutivos e consequentemente, menor número de folhas no colmo principal, o que diminui o tempo até a floração (LIU, 2007). Após a floração, plantas de trigo não são responsivas à vernalização (STRECK et al., 2003a,b). Em trigo de primavera há pouca sensibilidade à vernalização ou não são responsivos (não sensíveis) à vernalização; trigos de inverno são fortemente responsivos (sensíveis) à vernalização (FLOOD e HALLORAN, 1986; PRÁIL et al., 2004), porém não há fronteira clara e objetiva para distinguir trigos de primavera dos de inverno quanto à resposta à vernalização (JEDEL, 1986; PENROSE et al., 1991; WANG et al., 1995). O conhecimento da resposta à vernalização é importante também para ser usada em modelos de simulação do desenvolvimento do trigo e na seleção de genótipos (STRECK et al., 2003a,b).
A resposta das plantas à vernalização é determinada por dois fatores: a temperatura durante a vernalização e a duração desse período. Quanto à temperatura, a vernalização tem três temperaturas cardinais (mínima, ótima e máxima) que em trigo tem sido consideradas como -1,3; 4,9 e 15,7ºC respectivamente (PORTER e GAWITH, 1999; STRECK et al., 2003a,b). A duração do período de vernalização pode ser expresso em dias efetivos de vernalização (DEV). Um DEV é obtido quando as plantas são submetidas à temperatura ótima vernalizante durante um período de 24 horas (STRECK et al., 2002; 2003, STRECK, 2003). Em geral, 40 a 50 DEV são suficientes para satisfazer completamente as necessidades de frio da maioria das cultivares de trigo (KIRBY e WEIGHTMAN, 1997; STRECK et al., 2003a). Para quantificar a resposta à vernalização sobre o desenvolvimento do trigo utilizam-se como variável dependente a duração (dias do calendário ou soma térmica) das fases do desenvolvimento e o número final de folhas no colmo principal e como variável independente os DEV (LEVY e PETERSON, 1972; PENROSE et al., 1991; ROBERTSON et al., 1996; WANG et al., 1995). A normalização da variável dependente da resposta à vernalização é, geralmente, um procedimento realizado para representar a resposta do trigo à vernalização em modelos de simulação do desenvolvimento desta cultura (WANG e ENGEL, 1998; STRECK, 2002; STRECK et al., 2003b). Com a normalização, a resposta varia de 0 a 1 e as funções de resposta à vernalização podem ser lineares e não lineares (STRECK et al., 2003a). Funções não lineares são preferidas em relação às funções lineares, pois as primeiras são biologicamente mais realísticas para representar a resposta de variáveis do desenvolvimento vegetal à DEV do que as últimas (STRECK, 2002; 2003; STRECK et al., 2003a). Não foram constatadas na literatura funções de resposta à vernalização para trigos cultivados no Brasil, o que constituiu a motivação para este trabalho. Os objetivos deste trabalho foram determinar a sensibilidade à vernalização de algumas cultivares de trigo do sul do Brasil e, caso sejam responsivas à vernalização, ajustar uma função não linear de reposta à vernalização para estas cultivares.
2. MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi desenvolvido em Santa Maria (RS), Brasil (latitude: 29°43' S; longitude: 53°43' W; altitude: 95 m). Utilizaram-se cultivares de trigo CEP 51, CEP 52 e Nova Era da Fundação Centro de Experimentação e Pesquisa (FUNDACEP) e BRS Louro, BRS 177 e BRS Tarumã da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), recomendadas para o Rio Grande do Sul. Essas cultivares foram selecionadas pelo ciclo de desenvolvimento distinto, variando de precoce (CEP 51 e BRS Louro) a tardio (Nova Era e BRS Tarumã) (REUNIÃO DA COMISSÃO SUL-BRASILEIRA DE TRIGO, 2006). A cultivar BRS Tarumã é classificada como duplo propósito (WENDT et al., 2006). As sementes de trigo foram colocadas em germinador durante um período de 24 horas à temperatura de 20 ºC. As sementes germinadas foram em seguida semeadas em bandejas de isopor com 128 células preenchidas com substrato comercial "Plantimax" e colocadas em câmaras frigoríficas sem luz à temperatura média diária de 3,5ºC onde permaneceram até a data de transplante. Os tratamentos foram de 0, 7, 14, 21, 28, 35, 42 e 49 dias de vernalização (DV0, DV7, DV14, DV21, DV28, DV35, DV42 e DV49). O transplante de todos os tratamentos ocorreu em 15/11/2006 para baldes plásticos pretos, com 30 cm de diâmetro e 26 cm de altura, com capacidade de 12 litros, preenchidos com substrato comercial "Plantimax", instalados no campo e enterrados no solo, em espaçamento de 50 cm. Foram transplantadas 20 plantas por balde o que representa uma densidade de 370 plantas m-2 dentro do balde.
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com cinco repetições (sendo cada balde uma repetição) em esquema bifatorial (seis cultivares e oito tratamentos de vernalização). Foram identificadas cinco plantas por balde com arames coloridos logo após o transplante. Os tratos culturais (adubação, aplicação de fungicidas, inseticidas, etc.) foram efetuados conforme a recomendação para a cultura do trigo (REUNIÃO DA COMISSÃO SUL-BRASILEIRA DE PESQUISA DE TRIGO E TRITICALE, 2005) para manter as plantas sem estresses por estes fatores. Foi realizada irrigação por aspersão sempre que necessário para manter as plantas em crescimento e desenvolvimento sem deficiência hídrica. No colmo principal das plantas etiquetadas foram anotados a data de antese (STRECK et al., 2003b) e o número final de folhas (NFF) por ocasião da antese.
Os valores diários de temperatura mínima (Tmín, ºC) e máxima (Tmáx, ºC) do ar durante o experimento de campo foram coletados na Estação Climatológica Principal da Universidade Federal de Santa Maria, pertencente ao 8.° Distrito de Meteorologia, localizada a aproximadamente 200 m da área experimental. A soma térmica diária (STd, °C.dia) foi calculada por :
em que, Tb é a temperatura base da cultura (°C), considerada 0 ºC para todas as cultivares utilizadas neste estudo (STRECK et al., 2003b). A soma térmica acumulada (STa, °C dia) a partir da emergência foi calculada por:
Resultados da literatura sugerem uma curva sigmoidal de resposta do desenvolvimento do trigo à vernalização (STRECK et al., 2003a). Para obter respostas entre 0 e 1 os dados de NFF no colmo principal e STa da emergência à antese (EM-AN) foram normalizados conforme STRECK et al. (2003a):
em que: NFFN é o número final de folhas normalizado, NFFDV0 é o número final de folhas no tratamento sem vernalização, NFFDVC é o número final de folhas quando a vernalização é completa (49 dias de vernalização neste estudo), STaN é a soma térmica normalizada, STaDV0 é a soma térmica acumulada no tratamento sem vernalização, STaDVC é a soma térmica acumulada no tratamento onde a vernalização é completa (49 dias de vernalização). Aos dados de NFFN e STaN do período EM-AN versus DEV foi ajustada a função de resposta de Morgan-Mercer-Flodin (MMF) descrita em STRECK et al. (2003a):
em que: f(V) é a função de vernalização, DEV são os dias efetivos de vernalização, X0,5 é o valor em que a resposta à vernalização é a metade da vernalização completa e n é o coeficiente que dá a forma da curva. Quanto menor o valor do coeficiente X0,5 menor é a exigência em vernalização. Para o cálculo dos DEV, acumularam-se os valores da taxa diária de vernalização [fvn(T)], a qual foi calculada através da função beta (WANG e ENGEL, 1998; STRECK et al., 2003b):
em que: ln é o logaritmo natural, T é a temperatura média diária em que foi realizada a vernalização (3,5 ºC) e Tn, Tot e Tx são as temperaturas cardinais mínima, ótima e máxima de vernalização assumidos como - 1,3; 4,9 e 15,7 ºC, respectivamente (PORTER e GAWITH, 1999; STRECK et al., 2003b). As médias do NFF e STa do período EM-AN foram submetidos a ANOVA e comparadas através do teste Tukey (P < 0,05). O teste de comparação de médias e as funções de resposta à vernalização foram ajustados através do programa estatístico "SAS" (SAS INSTITUTE, 2002). A sensibilidade dos genótipos de trigo à vernalização foi avaliada pela diferença do NFF e da STa do período EM-AN entre o tratamento sem vernalização (DV0) e o tratamento de maior tempo de vernalização (DV49). Quanto maior a diferença maior é a sensibilidade do genótipo.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante o período em que as plantas cresceram e se desenvolveram no campo, a temperatura média do ar foi sempre superior a 16,8 ºC, a qual garante que as plantas foram expostas a temperaturas vernalizantes apenas enquanto estavam na câmara a 3,5 ºC. Assim, qualquer diferença no NFF e STa do período EM-AN é devido à diferença nos DEV.
A análise de variância para as variáveis NFF e STa do período EM-AN resultou em efeito significativo dos dois fatores principais (cultivar e dias efetivos de vernalização), e suas interações (Tabela 1). Entre os fatores principais, observou-se o maior quadrado médio (QM) na cultivar, o que significa que a variação tanto do NFF quanto da STa do período EM-AN foi mais afetada pelo genótipo do que pelos tratamentos de vernalização.
Esses resultados da ANOVA comprovam que foram usados genótipos de trigos distintos em termos de ciclo, o que é importante neste estudo. Em função das interações terem sido significativas, procedeu-se o desdobramento da análise estatística dentro de cada fator principal (Tabela 2).
A cultivar BRS Louro não foi sensível ao tratamento de frio, pois nas médias da STa do período EM-AN entre os tratamentos de vernalização não houve diferença significativa pelo teste de Tukey (Tabela 2) e a diferença de STa do período EM-AN entre o tratamento sem vernalização (DV0) e com 49 dias de vernalização (DV49) foi de apenas 32 ºC dia (Tabela 3). Houve diferença significativa no NFF da cultivar BRS Louro entre o tratamento sem vernalização e o tratamento com 49 dias de vernalização, mas essa diferença foi de apenas uma folha (Tabela 3). No outro extremo, na cultivar BRS Tarumã, houve diferença significativa no NFF de até 7,6 folhas entre o tratamento com maior duração de vernalização (DV49) e o tratamento sem vernalização (DV0) (Tabelas 2 e 3). Além disso, a maioria das plantas desta cultivar permaneceu em forma de roseta no tratamento sem vernalização, não havendo alongamento do colmo principal e todas morreram antes de completar a antese, característica de plantas que são fortemente sensíveis à vernalização, típico de genótipos de trigo de inverno (BROOKING, 1996; RAWSON et al., 1998; STRECK et al., 2003a). Corrobora com a assertiva de que a cultivar BRS Tarumã tem forte sensibilidade à vernalização, o fato de que nos tratamentos com vernalização entre DV7 e DV28 apenas algumas plantas (0, 20%, 0 e 5% das plantas etiquetadas nos tratamentos DV7, DV14, DV21 e DV28 respectivamente) alcançaram a antese; quando alcançaram, nas espigas, observaram-se deformações, característica de plantas que são fortemente sensíveis à vernalização (TAIZ, 2002; STRECK et al., 2003a).
Nas cultivares CEP 51, CEP 52, NOVA ERA e BRS 177 houve sensibilidade intermediária à vernalização com diferenças entre si. Comparando com as outras duas cultivares, BRS 177 e CEP 51 foram classificadas como de sensibilidade fraca, pois a diferença de NFF foi ao redor de duas folhas e a STa no período EM-AN, esteve entre 220 e 280 ºC dia. As cultivares CEP 52 e Nova Era tiveram sensibilidade moderada, pois a diferença de NFF entre os tratamentos DV49 e DV0 foi em torno de quatro folhas e a diferença entre DV49 e DV0 para STa do período EM-AN foi entre 470 e 632ºC dia (Tabela 3).
Em vista desses resultados e para facilitar a interpretação optou-se pela resposta à vernalização das quatro cultivares intermediárias nas Figuras 1 e 2 e das outras duas cultivares na Figura 3. Analisando-se os valores do coeficiente X0,5 e n da equação MMF (eq. 5) ajustados para NFFN das cultivares BRS 177 (Figura 1a), CEP 51 (Figura 1b), CEP 52 (Figura 1c) e Nova Era (Figura 1d), classificados como trigos de primavera (FLOOD e HALLORAN, 1986), observa-se que os valores ajustados de X0,5 da equação MMF variaram de 12,4 a 20,2 DEV, inferiores a 22,5 DEV considerados típicos de trigos de inverno (STRECK et al., 2003a). Similarmente, os valores de n foram baixos (1,2 a 4,2) nas quatro cultivares de trigo, responsivas de maneira intermediária à vernalização, quando comparados com valores de n = 5 para trigos de inverno (STRECK et al., 2003a).
Os valores do coeficiente X0,5 e n da equação MMF ajustados para STaN do período EM-AN das cultivares BRS 177 (Figura 2a), CEP 51 (Figura 2b), CEP 52 (Figura 2c) e Nova Era (Figura 2d) variaram de 8,3 a 15,4 DEV e de 1,2 a 6,0 respectivamente. Valores baixos do coeficiente X0,5 nas quatro cultivares e do coeficiente n obtidos em três cultivares (CEP 51, CEP 52 e Nova Era) confirmam resultados anteriores de que trigos de primavera, quando responsivos à vernalização, são menos exigentes de frio (em torno de 30 DEV) e têm suas exigências em temperaturas vernalizantes completadas mais rapidamente (LEVY e PETERSON, 1972; CUNHA et al., 1998). O valor de n = 6 ajustado para a cultivar BRS 177 (Figura 2a) pode induzir à interpretação de que esta cultivar é responsiva à vernalização como um trigo de inverno (STRECK et al., 2003a). No entanto, tal interpretação não deve ser feita, pois este é o coeficiente de forma da equação MMF (equação 5) e, quanto maior seu valor, mais rapidamente sua exigência em frio vernalizante é completada após a metade da necessidade de vernalização (X0,5) estar satisfeita. O coeficiente X0,5 representa a exigência em vernalização (STRECK et al., 2003a) e, como nesta cultivar X0,5 foi baixo (15,4), e conforme a tabela 3, classificou-se como de fraca sensibilidade à vernalização, pois seu comportamento é típico de trigo de primavera.
Para a cultivar BRS Louro não foi ajustada uma função de resposta à vernalização, pois esta cultivar não foi sensível à vernalização (Tabela 2 e 3). Para ilustração, os dados de NFF e STa do período EM-AN estão plotados nas figuras 3a e 3b, respectivamente, confirmando que essa cultivar não é responsiva à vernalização. Esse resultado está de acordo com relatos anteriores de que alguns trigos de primavera não são responsivos à vernalização (LEVY e PETERSON, 1972; CUNHA et al., 1998).
Para a cultivar BRS Tarumã, em função do alto NFF (17 folhas) nas plantas do tratamento sem vernalização, e como estas plantas não atingiram a antese, comportamento típico de trigos de inverno (BROOKING, 1996; RAWSON et al., 1998; STRECK et al., 2003a), optou-se em não ajustar uma curva MMF e sim usar a função MMF para trigos de inverno (Figura 3c), com X0,5 = 22,5 DEV e n = 5, propostas por STRECK et al. (2003a). Essa curva descreveu parte da tendência dos dados observados (Figura 3c). Alguns valores observados de NFF da cultivar BRS Tarumã estão distantes da função de resposta para trigo de invernos nos tratamentos, principalmente nos tratamentos de 7 e 28 dias de vernalização (Figura 3c). Esta dispersão dos pontos em relação à curva nesses dois tratamentos pode estar associada ao fato de que um reduzido número de plantas emitiu a folha bandeira (alcançaram o NFF) nos tratamentos com duração inferior a 28 dias de vernalização (30%, 40%, 5% e 40% das plantas etiquetadas, respectivamente, nos tratamentos VD7, VD14, VD21 e VD28). STRECK et al. (2003a) constataram valores observados de NFF para algumas cultivares de trigo de inverno que não se aproximaram dos valores estimados pela equação (5) especialmente com 21 DEV. ROBERTSON et al. (1996) relataram que a estimativa do NFF não foi precisa para durações de vernalização inferiores a 14 dias de vernalização, o que pode ser explicado por uma necessidade de um período de vernalização mais longo no início do tratamento em algumas cultivares para responder à vernalização. Isto se deve à ampla variabilidade genética de cultivares de trigo de inverno, visto que em algumas cultivares as respostas ao tratamento de vernalização são mais lentas e em outras, mais rápidas (FLOOD e HALLORAN, 1986).
Os menores valores de NFF no tratamento com maior duração de vernalização nesse trabalho (DV49) variaram de 7,3 a 9,4 folhas na cultivar BRS Louro e BRS Tarumã respectivamente (Tabela 2). Esses valores aproximam-se dos valores relatados por ROBERTSON et al. (1996), cujos valores de NFF variaram entre 6,5 e 8 folhas em plantas submetidas a tratamentos com duração superior a 49 dias de vernalização à temperatura de 5 ºC. ROBERTSON et al. (1996) sugerem um mínimo de NFF de 6 no colmo principal quando o fotoperíodo é longo e a necessidade de vernalização é atendida completamente, pois, neste caso, o NFF é definido pelo número de primórdios de folhas iniciados no momento da completa vernalização mais os três primórdios foliares presentes no embrião. Condições completamente indutivas em trigo ocorrem em fotoperíodos superiores a 13 horas. BROOKING et al. (1995) observaram fotoperíodos saturantes de 13,5 a 15,9 horas para trigos de primavera.
Durante o período do experimento em campo neste estudo (15/11/2006 a 28/02/2007), o maior fotoperíodo calculado foi de 14,9 horas (KIESLING, 1982), sugerindo que a indução à floração por fotoperíodo pode não ter sido completamente satisfeita, e assim explicar o maior valor de NFF (7,3 a 9,4 folhas) obtido neste estudo, comparado com outros estudos. O maior NFF no tratamento com maior duração de vernalização (DV49) de 9,4 folhas para a cultivar BRS Tarumã, pode ser devido à maior resposta ao fotoperíodo do que nas outras cultivares, visto que trigos de inverno normalmente são mais responsivos a fotoperíodos longos (SNAPE et al., 2001). Já o valor de NFF de 17 folhas, verificado neste trabalho, no tratamento sem vernalização (DV0) para a cultivar BRS Tarumã, é próximo daqueles relatados na literatura para trigos de inverno; a variação de NFF nos tratamentos sem vernalização foi de 16 (BROOKING, 1996) até 21 folhas (ROBERTSON et al., 1996; RAWSON et al., 1998; STRECK et al., 2003).
O valor de raiz do quadrado médio do erro (RQME) de 0,217 obtido para a cultivar BRS Tarumã (Figura 3c) é maior do que 0,083 relatado por STRECK et al. (2003a) utilizando esta mesma função de resposta para várias cultivares de trigo de inverno, e de 0,089 e 0,134 relatados por STRECK (2002; 2003) para as culturas de lírio e cebola respectivamente. Já os valores de RQME das outras quatro cultivares responsivas à vernalização (Figuras 1 e 2) são similares aos valores relatados em STRECK (2002; 2003) e STRECK et al. (2003a).
O momento da floração em trigo é controlado por complexas interações genéticas em que grupos de genes homólogos estão envolvidos. A existência de grande quantidade de variações de alelos é a base da adaptação do trigo ao redor do mundo. São três os genes que controlam a duração do ciclo de desenvolvimento. Dois desses interagem com o ambiente, os quais controlam a resposta à vernalização e fotoperíodo, e um terceiro grupo controla a taxa de desenvolvimento independentemente da vernalização ou fotoperíodo. Os genes que controlam a vernalização são denominados de Vrn, sendo a necessidade de vernalização normalmente dominante (SNAPE et al., 2001). Estes autores citam que a maioria das cultivares de trigo utilizadas nas regiões produtoras ao redor do mundo possui alelos ligados ao lócus Vrn-A1, predominantes na redução das necessidades de vernalização. Assim, através da caracterização dos alelos de Vrn-A1 existe a possibilidade diferenciar trigos de primavera e de inverno, de acordo com as necessidades de vernalização. Porém, o mapeamento genético das cultivares brasileiras de trigo demanda tempo, custo e mão-de-obra qualificada para sua execução. Os coeficientes de funções de resposta à vernalização simples e robustas como os coeficientes X0,5 e n da função MMF, apresentados neste estudo, podem preencher esta lacuna (por enquanto) para diferenciar trigos de inverno dos de primavera.
Se não for considerada a existência de uma resposta à vernalização de algumas cultivares de trigo de primavera, pode-se incorrer em erros na predição da antese de genótipos de trigo utilizados no sul do Brasil. Por exemplo, se for considerada uma temperatura média diária de 20 ºC e uma STa no período EM-AN de 630 ºC dia entre plantas não vernalizadas e completamente vernalizadas este erro pode chegar a 31 dias do calendário civil para a cultivar Nova Era, que tem resposta moderada à vernalização.
Uma das premissas para uma cultivar ser de duplo propósito, como a BRS Tarumã, é ter um ciclo longo (WENDT et al., 2006). Os resultados desse estudo atestam que esta cultivar tem ciclo longo no sul do Brasil, por ser altamente exigente em temperaturas vernalizantes (fortemente sensível à vernalização, Tabela 3) para entrar em floração. A cultivar BRS Tarumã é procedente do cruzamento simples entre a cultivar americana Century e a cultivar brasileira B 35 (DEL DUCA et al., 2006). A cultivar Century é um trigo de inverno (CARROLL et al., 2002), e que assim, certamente, transferiu à cultivar BRS Tarumã características de trigo de inverno. Como no Brasil, inclusive nas regiões produtoras de trigo como no Planalto do Rio Grande do Sul, o total de dias com temperaturas vernalizantes durante o ano não é tão alto como nas regiões temperadas, trigos com alta exigência em frio alongam seu ciclo.
4. CONCLUSÕES
1. A cultivar BRS Louro não é sensível à vernalização e a cultivar BRS Tarumã é fortemente sensível à vernalização. Já as cultivares BRS 177, CEP 51, CEP 52 e Nova Era possuem sensibilidade intermediária à vernalização.
2. A função MMF pode ser usada como função de resposta à vernalização em modelos de simulação do desenvolvimento de cultivares sul brasileiras de trigo com distintos requerimentos em vernalização.
AGRADECIMENTOS
À CAPES, ao CNPq e à FAPERGS pela concessão de bolsas de estudo. À EMBRAPA-TRIGO e à FUNDACEP pelo fornecimento das sementes.
Recebido para publicação em 8 de agosto de 2007 e aceito em 28 de novembro de 2008.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Set 2009 -
Data do Fascículo
2009
Histórico
-
Aceito
08 Nov 2008 -
Recebido
08 Ago 2007