Resumos
Este estudo teve como objetivo avaliar alguns impactos decorrentes do deslocamento miscível de efluente de nitração de uma indústria de explosivos aplicado em colunas de um Latossolo Amarelo, horizonte B (LA-B), submetido aos tratamentos: adição de carbonatos (BASE), ácidos (ACID), fosfato (FOSF), carbonatos e fosfato (BASE-FOSF) e ácidos e fosfatos (ACID-FOSF). A recuperação de nitrogênio em relação ao total aplicado varia entre 10,1 (ACID) e 65,5% (BASE). Há correlação significativa entre as curvas de transposição de N obtidas experimentalmente e as simuladas pelo aplicativo STANMOD para a maioria das colunas (p<0,001). A exceção ocorreu para ACID-FOSF (p=0,202). Não há correlação entre carga eletrostática líquida (CEL) e as variáveis de ajuste do modelo: fator de retardamento (FR), coeficiente de dispersão-difusão (D) e taxa de decaimento de primeira ordem (µ). A adição de fosfato (FOSF) favorece a movimentação do nitrogênio, pois diminui FR (2,35±0,05) e µ (0,498±0,050 h-1) e aumenta D (41,8±5,5 cm² h-1) em relação ao observado na coluna LA-B (2,51±0,03; 1,697±0,084 h-1 e 2,8±1,3 cm² h-1 respectivamente). A adição de carbonatos e/ou fosfatos (BASE, BASE/FOSF e FOSF) resultou nos maiores valores máximos de demanda química de oxigênio (DQO MÁX). A pequena quantidade de DNA extraída das células bacterianas nos solos sugere que, possivelmente, os processos que governam a adsorção e movimentação de N sejam de natureza não biológica ou que a elevada DQO do líquido percolado prejudica os microrganismos do solo.
deslocamento miscível; nitrogênio; curvas de transposição; PCR-DGGE
This study evaluated some impacts due to the miscible displacement of an explosive industry effluent applied to a B horizon of an Udox soil (LA-B) under the following treatments: additions of carbonate (BASE), acid (ACID), phosphate (FOSF), carbonate and phosphate (BASE-FOSF) and acid and phosphate (ACID-FOSF). Nitrogen recovery compared with the total amount applied varies from 10.1% (ACID) to 65.5% (BASE). There is correlation between experimental and fitted breakthrough curves for the most columns (p<0.001). The unique exception occurs to ACID-FOSF (p=0.202). There is no correlation between soil net electrostatic charge (NEC) and the model adjusted variables: retardation factor (FR), dispersion-diffusion coefficient (D) and first-order decaying rate (µ). Phosphate adding (FOSF) favors nitrogen movement, since reduces FR (2.35±0.05) and µ (0.498±0.050 h-1) and increases D (41.8±5.5 cm² h-1), compared to LA-B column (2.51±0.03; 1.697±0.084 h-1 and 2.85±1.26 cm² h-1, respectively). Adding carbonate and/or phosphate (BASE, BASE/FOSF e FOSF) results in the highest values for maximum chemical oxygen demand (COD MAX). The small DNA amount extracted from soil bacterial cells suggests that the N adsorption and movement have non biological nature, or that the high leachate liquid COD is prejudicial to soil microorganisms.
miscible displacement; nitrogen; breaktrough curves; PCR-DGGE
SOLOS E NUTRIÇÃO DE PLANTAS
Deslocamento miscível de um efluente de indústria de explosivo em colunas de solo
Miscible displacement of an explosive industry effluent on soil columns
William Vilar GarciaI; Marco Aurélio Kondracki de AlcântaraI, * * Autor correspondente: marko@usp.br ; Otávio Antonio de CamargoII; Hélcio José Izário FilhoI; Fernando Dini AndreoteIII
IUniversidade de São Paulo, Escola de Engenharia de Lorena, Caixa Postal 116, 12602-810 Lorena (SP), Brasil
IIInstitudo Agronômico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Solos e Recursos Agroambientais, Caixa Postal 28, 13020-902 Campinas (SP), Brasil
IIIUniversidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Caixa Postal 9, 13418-900 Piracicaba (SP), Brasil
RESUMO
Este estudo teve como objetivo avaliar alguns impactos decorrentes do deslocamento miscível de efluente de nitração de uma indústria de explosivos aplicado em colunas de um Latossolo Amarelo, horizonte B (LA-B), submetido aos tratamentos: adição de carbonatos (BASE), ácidos (ACID), fosfato (FOSF), carbonatos e fosfato (BASE-FOSF) e ácidos e fosfatos (ACID-FOSF). A recuperação de nitrogênio em relação ao total aplicado varia entre 10,1 (ACID) e 65,5% (BASE). Há correlação significativa entre as curvas de transposição de N obtidas experimentalmente e as simuladas pelo aplicativo STANMOD para a maioria das colunas (p<0,001). A exceção ocorreu para ACID-FOSF (p=0,202). Não há correlação entre carga eletrostática líquida (CEL) e as variáveis de ajuste do modelo: fator de retardamento (FR), coeficiente de dispersão-difusão (D) e taxa de decaimento de primeira ordem (µ). A adição de fosfato (FOSF) favorece a movimentação do nitrogênio, pois diminui FR (2,35±0,05) e µ (0,498±0,050 h-1) e aumenta D (41,8±5,5 cm2 h-1) em relação ao observado na coluna LA-B (2,51±0,03; 1,697±0,084 h-1 e 2,8±1,3 cm2 h-1 respectivamente). A adição de carbonatos e/ou fosfatos (BASE, BASE/FOSF e FOSF) resultou nos maiores valores máximos de demanda química de oxigênio (DQOMÁX). A pequena quantidade de DNA extraída das células bacterianas nos solos sugere que, possivelmente, os processos que governam a adsorção e movimentação de N sejam de natureza não biológica ou que a elevada DQO do líquido percolado prejudica os microrganismos do solo.
Palavras-chave: deslocamento miscível, nitrogênio, curvas de transposição, PCR-DGGE.
ABSTRACT
This study evaluated some impacts due to the miscible displacement of an explosive industry effluent applied to a B horizon of an Udox soil (LA-B) under the following treatments: additions of carbonate (BASE), acid (ACID), phosphate (FOSF), carbonate and phosphate (BASE-FOSF) and acid and phosphate (ACID-FOSF). Nitrogen recovery compared with the total amount applied varies from 10.1% (ACID) to 65.5% (BASE). There is correlation between experimental and fitted breakthrough curves for the most columns (p<0.001). The unique exception occurs to ACID-FOSF (p=0.202). There is no correlation between soil net electrostatic charge (NEC) and the model adjusted variables: retardation factor (FR), dispersion-diffusion coefficient (D) and first-order decaying rate (µ). Phosphate adding (FOSF) favors nitrogen movement, since reduces FR (2.35±0.05) and µ (0.498±0.050 h-1) and increases D (41.8±5.5 cm2 h-1), compared to LA-B column (2.51±0.03; 1.697±0.084 h-1 and 2.85±1.26 cm2 h-1, respectively). Adding carbonate and/or phosphate (BASE, BASE/FOSF e FOSF) results in the highest values for maximum chemical oxygen demand (CODMAX). The small DNA amount extracted from soil bacterial cells suggests that the N adsorption and movement have non biological nature, or that the high leachate liquid COD is prejudicial to soil microorganisms.
Key words: miscible displacement, nitrogen, breaktrough curves, PCR-DGGE.
1. INTRODUÇÃO
Por ocasião da utilização de efluentes com fins agrícolas, uma preocupação ambiental refere-se aos impactos decorrentes do seu deslocamento pelos horizontes do solo. Ao se deslocar para regiões além da zona radicular, o efluente pode causar elevação dos teores de N e da demanda química de oxigênio (DQO) nos aquíferos subterrâneos e diversos efeitos sobre a microfauna do solo. Os teores recuperados de vários elementos no líquido percolado através de colunas de solo têm sido utilizados em alguns trabalhos para quantificar sua movimentação (ALCÂNTARA e CAMARGO, 2004; BARIZON et al., 2006). A simulação do movimento de solutos tem sido feita de maneira simplificada, considerando o fluxo saturado. Embora no campo as condições reais de fluxo sejam geralmente não saturadas, essa simplificação tem sido utilizada por não implicar erros significativos em estimativas de curto prazo (NIELSEN et al., 1986). Teoricamente, a manutenção de um fluxo saturado resultaria em uma abordagem mais conservadora em relação ao movimento de solutos. Essa abordagem conservadora foi utilizada para estudar a adsorção dinâmica de amônio em colunas de solo sob condições de fluxo saturado por JELLALI et al. (2010), bem como a movimentação de nitrato em colunas de solo (ALCÂNTARA e CAMARGO, 2010a,b).
Mais recentemente, a movimentação tem sido estudada utilizando-se modelos físico-matemáticos (ALCÂNTARA e CAMARGO, 2010a,b; JELLALI et al., 2010; ZHANG et al., 2009). Tais modelos são resultantes de soluções da equação diferencial de transporte de solutos no solo, com base no fluxo de massa, dispersão, difusão e retardamento dos solutos em relação ao avanço da interface entre o líquido deslocador e o deslocado. Em algumas situações, assume-se também que tanto o soluto na fase aquosa como o adsorvido no solo estão sujeitos a reações de decaimento, governadas por reações cinéticas de primeira ordem. A equação que governa uma reação de decaimento desse tipo pode ser representada por (ZHENG e BENNETT, 2004):
em que C é a concentração do soluto, t é o tempo de reação e µ é a constante (ou taxa) de decaimento de primeira ordem. Evidentemente, a solução da equação (1), resulta em uma equação cinética de primeira ordem (Equação 2):
Reações desse tipo podem envolver, entre outras, decaimento radioativo, hidrólise, e algumas formas de biodegradação (ZHENG e BENNETT, 2004). ALCÂNTARA et al. (2007), por exemplo, utilizaram com sucesso a equação (2) para descrever a mineralização do N orgânico existente em lodo de curtume.
Programas computacionais aplicados a dados experimentais oriundos de ensaios de deslocamento miscível em colunas constituem-se em ferramentas para o estudo da dinâmica de solutos no solo. Existem diversos aplicativos computacionais, como o STANMOD (SIMUNEK et al., 2008), por exemplo. Esse aplicativo, além de verificar o ajuste entre os dados experimentais e os simulados, fornece três importantes variáveis de transporte: o fator de retardamento (FR), o coeficiente de dispersão-difusão (D) e a taxa de decaimento de primeira ordem (µ).
A DQO é um índice importante na avaliação de impactos causados ao ambiente pela adição de efluentes, indicando a quantidade de oxigênio que seria consumida pelas reações químicas de oxidação de diversos compostos orgânicos presentes.
Estimar a diversidade microbiana do solo é outro aspecto a ser considerado. Muitas abordagens são possíveis na estimativa dessa população. O PCR-DGGE separa amplicons de PCR de tamanhos similares baseada na diferença de composição de sequências em um gel com gradiente de desnaturação, e tem sido utilizado para estudar comunidades microbianas em ambientes distintos (ANDREOTE et al., 2009).
Este trabalho objetivou avaliar alguns impactos decorrentes do deslocamento miscível de um efluente de uma indústria de explosivos aplicado em colunas de solos. Especificamente, avaliaram-se: (a) a movimentação do nitrogênio proveniente desse efluente pelo solo; (b) os impactos na DQO decorrentes da movimentação e (c) a possível participação da diversidade microbiana do solo nessa movimentação, ainda que de modo exploratório.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Foi utilizada uma amostra deformada do horizonte B de um Latossolo Amarelo (EMBRAPA, 2006), coletada na cidade de Lorena, Estado de São Paulo, Brasil (Coordenadas UTM: 7.490.171 m N, 488.507 m E). O solo foi coletado na profundidade de 50 a 120 cm, secado ao ar e tamisado a 2 mm. Os atributos químicos e físicos do solo original eram: pH, 4,1; matéria orgânica, 26,0 g dm-3 solo; P, 7,0 mg dm-3; K, 1,3 mmolc dm-3; Ca, 11,0 mmolc dm-3; Mg, 4,0 mmolc dm-3; Al+H, 56,0 mmolc dm-3; CTC, 72,0 mmolc dm-3; argila, 325 g kg-1; Fe: 171 mg dm-3 e areia 569,9 g kg-1. Todos esses atributos foram determinados ou estimados de acordo com CAMARGO et al. (2009) e RAIJ et al. (2001).
O efluente utilizado foi gerado na etapa de nitração por uma indústria de materiais explosivos situada no município de Piquete, Estado de São Paulo, Brasil. O pH desse efluente é muito baixo (0,9), o que o torna inadequado para disposição direta no ambiente. De acordo com as normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (BRASIL, 2005), para que um efluente possa ser lançado em corpos de água, o seu pH deve estar situado entre 5 e 9. Assim, o pH do efluente foi previamente corrigido para 6,5 com hidróxido de potássio. Por outro lado, no efluente há um teor relativamente alto de N (1,35 g L-1). Outro dado positivo para utilização agrícola desse efluente refere-se às baixas concentrações de metais pesados, todos abaixo dos valores de intervenção estipulados pela CETESB (2005). A DQO obtida no efluente é 86 mg O2 L-1, próximo do limite máximo para lançamento direto em corpos de água, o qual é de 90 mg O2 L-1 (SPERLING, 1996).
Amostras do solo utilizado foram submetidas a diferentes manejos químicos, visando simular (de maneira intensificada) situações práticas que ocorrem em solos agrícolas. Foram aplicados os seguintes tratamentos aos solos: (1) LA-B: solo em condições "naturais", ou seja, sem adição de corretivos ou fertilizantes; (2) ACID: submetido a lixiviação prévia com ácido clorídrico de modo a fornecer 4 mol H+ kg-1 solo, seguido de remoção do excesso de íons H+ por percolação do solo com água destilada; (3) BASE: solo incubado previamente durante três meses com hidroxicarbonato de magnésio, 5,2 g kg-1 solo; (4) FOSF: incubação do por três meses com di-hidrógeno fosfato monobásico, 400 mg P kg-1 solo; (5) ACID-FOSF: adição de ácido e fosfato (combinação dos tratamentos ACID e FOSF) e (6) BASE-FOSF: adição de carbonato e de fosfato (combinação dos tratamentos BASE e FOSF). As determinações das cargas eletrostáticas líquidas (CEL) nas amostras após receberem esses tratamentos foram feitas de acordo com CAMARGO et al. (2009).
A movimentação do efluente no solo foi investigada em colunas de percolação, tendo em vista a teoria do deslocamento miscível. O método utilizado no manejo das colunas foi adaptado de ALCÂNTARA e CAMARGO (2001). As colunas de percolação tinham 5,6 cm de diâmetro interno e 30 cm de altura. Utilizou-se bomba peristáltica para aplicar fluxo constante e saturado, de 8,2±0,4 cm h-1. As colunas foram previamente saturadas vagarosamente a partir da base com CaCl2 50 mmol L-1. A coleta das amostras no efluente foi feita a intervalos regulares, utilizando-se um coletor automático de frações. Foram construídas curvas de transposição de nitrogênio, obtidas a partir da concentração relativa C/C0 em função do volume de poros V/V0 aplicado (C0 é a concentração inicial do elemento no pulso de efluente e V0 é o volume ocupado pelos poros na coluna). Considerando-se uma porosidade do solo igual a 0,387 cm3 cm-3, V0 foi de 0,286 L. Os teores de nitrogênio no solo, no efluente (C0) e no líquido recuperado (C) após percolação pela coluna, foram determinados por arraste a vapor (método de Kjeldhal), conforme RAIJ et al. (2001), em duas repetições por amostra coletada. Para cada solo foi conduzida uma coluna, sem emprego de repetição. Dada a natureza experimental complexa do deslocamento miscível, esse procedimento tem sido utilizado quando o interesse for avaliar qualitativamente a tendência do fenômeno (ZHANG et al., 2009; ZHAO et al., 2009; JELLALI et al., 2010).
Foi feito o balanço do nitrogênio e aplicou-se um modelo matemático para estudo da movimentação. O balanço do nitrogênio foi calculado considerando-se a porcentagem de recuperação de nitrogênio (%-RECUPERADA), de acordo com a equação (3):
O N-APLICADO foi obtido multiplicando-se a C0 pelo volume aplicado de pulso (100 mL). A quantidade total de nitrogênio recuperada (N-RECUPERADO) foi calculada, então, como a área sob a curva do gráfico de concentração de nitrogênio (C), em função do volume total aplicado de pulso mais solução deslocadora (V). Essa área foi calculada pela Regra Trapezoidal, utilizando-se o aplicativo computacional QtiPlot versão 0.9.8.2 (para ambiente Linux). As quantidades recuperadas (N-RECUPERADO) em cada tratamento foram correlacionadas com as respectivas CEL, obtendo-se o coeficiente de correlação (R). A significância do F dessa análise (p) foi calculada utilizando-se o aplicativo computacional Gnumeric v.1.10.13 (para ambiente Linux).
Para simular a movimentação do N pelo solo, foi utilizado o aplicativo computacional STANMOD, versão 2.07 (2003). Uma descrição sucinta das equações e pressuposições teóricas do modelo utilizado encontra-se em ALCÂNTARA e CAMARGO (2010a). Na utilização do aplicativo, são pedidas diversas variáveis de entrada, determinados experimentalmente: comprimento da coluna (Z); velocidade (fluxo) do líquido nos poros (Ν), obtido dividindo-se o fluxo de Darcy aplicado (q = 11,12 cm h-1) pela porosidade do solo (0,387 cm3 cm-3); umidade volumétrica (θ), considerada igual à porosidade do solo, uma vez que o fluxo foi mantido saturado; concentração inicial do pulso (C0); duração da aplicação do pulso (tp); intervalo de coleta de cada amostra no efluente (∆t) e número de amostras que farão parte do ajuste (N). O STANMOD utiliza o módulo CXTFIT atualizado (TORIDE et al., 1995), para otimizar variáveis de transporte pelo método dos mínimos quadrados. As variáveis aqui ajustadas automaticamente foram o coeficiente de retardamento (FR), o coeficiente de dispersão-difusão (D) e a taxa de decaimento de primeira ordem (µ). A adequação do modelo para descrever a movimentação foi avaliada calculando-se a significância do F da análise de correlação (p), utilizando-se novamente o aplicativo computacional Gnumeric v.1.10.13 (para ambiente Linux).
Nas amostras de lixiviado coletadas foi determinada a DQO de acordo com APHA (1992). A partir dessas determinações, foram construídas curvas de DQO, de modo semelhante às curvas de nitrogênio. As curvas de transposição de DQO foram analisadas considerando-se os valores máximos de DQO obtidos (DQOMÁX). A análise da diversidade microbiana nos solos das colunas foi feita utilizando a técnica de PCR-DGGE (MUYZER e SMALLA, 1998).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A CEL dos solos para os diferentes tratamentos variou entre -2,5 e +27,3 mmolc kg-1 solo. Nas colunas BASE e BASE-FOSF ocorreram as maiores reduções nos valores algébricos da CEL, que passou de -2,5 mmolc kg-1 no LA-B para -14,8 no BASE e -18,0 mmolc kg-1 e no BASE-FOSF. Na coluna FOSF também houve redução do valor algébrico da CEL, que passou de -2,5 (no LA-B) para -7,0 mmolc kg-1. Na coluna ACID, houve aumento no valor algébrico da CEL, que passou de -2,5 (no LA-B) para +27,3 mmolc kg-1. Tais resultados são semelhantes aos obtidos por ALCÂNTARA e CAMARGO (2005), estudando a adsorção de nitrato em um Latossolo Vermelho acriférrico. Esses Latossolos Vermelhos utilizados são solos com teores elevados de óxidos de ferro, com características anfóteras, nos quais se esperam efeitos acentuados do pH e de outros fatores sobre as cargas líquidas, como os aqui obtidos.
Na coluna ACID, que proporcionou maior valor algébrico da CEL (27,3 mmolc kg-1) entre todos os tratamentos (Tabela 1), foi observado a menor recuperação de N (10,1%). No outro extremo, a maior recuperação de N foi obtida para a coluna BASE (65,5%), que, no entanto, não apresentou o menor valor algébrico (mais negativo) para a CEL.
De fato, não foi observada correlação significativa entre as quantidades recuperadas de N e as cargas eletrostáticas líquidas (R=0,463; p=0,354). Esse resultado é importante do ponto de vista prático, indicando que manejos de solo que promovam o surgimento de cargas positivas no solo não seriam necessariamente eficientes na diminuição da recuperação do elemento. Porém, quando a coluna BASE-FOSF é exlcuída dessa correlação, o grau de associação entre CEL e as quantidades recuperadas melhora muito, embora ainda não seja significativo a 5% (R=0,859; p=0,062). A falta de repetições não possibilita afirmar com certeza se isso é reflexo de um mecanismo de transporte realmente diferenciado nessa coluna ou foi influenciado por fatores ligados ao erro experimental. Embora ALCÂNTARA e CAMARGO (2005) e DONN e MENZIES (2005a,b) tenham verificado que as cargas positivas do solo adsorvam o nitrato, não significa que a quantidade total lixiviada seja inversamente proporcional a essa adsorção. Assim, o que pode ter ocorrido neste trabalho é o retardamento da movimentação desse íon em relação ao avanço da água pelo solo. Em teoria, parte do nitrogênio lixiviado poderia ser proveniente da mineralização da matéria orgânica do solo. Porém, há que se considerar que as colunas foram lixiviadas por curto período de tempo, o que não deve ter possibilitado a mineralização de quantidades apreciáveis desse elemento. Cabe lembrar que, antes do início das amostras do líquido na base da coluna, estas foram intensamente lixiviadas para regularização do fluxo, o que levou a remoção do N previamente existente. Quando se lixiviam íons fortemente adsorvidos pelo solo, a relação entre cargas eletrostáticas e quantidade total recuperada parece ser mais evidente, como constatado por ALCÂNTARA e CAMARGO (2001), estudando a movimentação de cromo em colunas de solo. De qualquer maneira, tal associação entre CEL e recuperação de nitrogênio merece ser explorada em trabalhos futuros, uma vez que os resultados da literatura são divergentes nessa questão.
A correlação entre os dados obtidos experimentalmente e aqueles simulados pelo modelo para as curvas de transposição (utilizando as variáveis de entrada apresentadas na Tabela 2) variou de 0,184 (p = 0,202) a 0,977 (p < 0,001) (Tabela 3). Ou seja, para a maioria das colunas houve associação significativa (a 0,1%) entre os valores obtidos experimentalmente e aqueles simulados pelo modelo. Tais resultados indicam que o modelo conseguiu descrever a movimentação de nitrogênio na maioria das colunas de solo. A única exceção ocorreu para a coluna ACID-FOSF (R=0,184, p=0,202). A falta de correlação significativa nessa coluna é um resultado interessante, e que merece ser investigada em estudos futuros.
Esses ajustes podem ser percebidos visualmente quando se comparam as curvas de transposição obtidas experimentalmente com aquelas simuladas pelo modelo (Figura 1).
Os ajustes obtidos neste estudo foram melhores do que os obtidos por ALCÂNTARA e CAMARGO (2010b), que estudando a movimentação de nitrato em colunas de solo, encontraram R variando entre 0,484 (p=0,482) e 0,977 (p=0,072). Aqueles autores observaram boa coincidência visual entre as curvas obtidas experimentalmente e as ajustadas pelo modelo somente em algumas colunas.
A variável FR pode ser entendida como uma medida da defasagem entre o avanço do líquido e do soluto pela coluna. Assim, seria esperado que, à medida que a CEL aumentasse algebricamente, o FR também aumentasse, já que a adsorção do nitrato é essencialmente eletrostática. No entanto, não foi observado correlação entre CEL e FR (R = 0,003, p = 0,996). Logicamente, não foi incluída nessa correlação a ACID-FOSF, uma vez que o modelo não conseguiu descrever a movimentação de N nessa coluna. Nas colunas que receberam adição de fosfato, ou seja, FOSF e BASE-FOSF, os FR foram 2,35±0,05 e 2,48±0,03, menores do que para a LA-B (2,51±0,03). Valores menores de FR, representam, em termos práticos, antecipação do avanço do nitrogênio pelo perfil do solo. QAFOKU e SUMNER (2001) verificaram diminuição no FR com a adição de carbonatos no solo. Porém, isso não foi observado por ALCÂNTARA e CAMARGO (2010a,b), estudando a movimentação de uma solução salina de nitrato. Tais resultados contrastantes sugerem que essa questão ainda necessita de mais estudos.
Também não foi verificada correlação entre CEL e D (R=0,367, p=0,544). Pelos mesmos motivos expostos anteriormente, também se excluiu dessa correlação a coluna ACID-FOSF. Nas colunas BASE e BASE-FOSF, os D foram respectivamente 31,74±4,20 e 41,77±5,52 cm2 h-1, significativamente maiores do que na LA-B (2,85±1,26 cm2 h-1), indicando que a dispersão-difusão foi facilitada pela incorporação de carbonatos e de fosfatos ao solo.
De modo semelhante ao observado para os outros dois parâmetros do modelo, não houve correlação entre CEL e µ (R=0,416, p=0,487). Nas colunas BASE e BASE-FOSF, os µ obtidos (0,270±0,051 e 2,002±0,070 h-1, respectivamente) foram significativamente menores em relação à LA-B (1,697±0,084 h-1).
Em análise conjunta das correlações entre CEL e as diferentes variáveis ajustadas pelo modelo, observa-se que em todas elas a adição combinada de carbonatos e fosfatos (BASE-FOSF) favorece a movimentação de nitrogênio: ao mesmo tempo em que reduz o FR, reduz também o µ e aumenta o D. Isso se reveste de importância prática, uma vez que a adição de adubos fosfatados, feita em conjunto com a calagem do solo, é um manejo químico amplamente utilizado na agricultura.
A DQOMÁX variou de 183,0 a 685,5 mg O2 L-1 (Figura 2). Esses valores foram significativamente maiores do que a DQO original do efluente (86 mg O2 L-1). É possível que a presença da solução deslocadora utilizada nas lixiviações tenha contribuído para o aumento da DQO no líquido lixiviado em relação ao valor encontrado no efluente aplicado. Porém, os baixos valores de DQO encontrados nas extremidades de diversas curvas (quando o efluente aplicado ainda não havia chegado ao final da coluna ou já havia sido totalmente lixiviado), indicam que esse aumento da DQO não é devido somente à influência da solução deslocadora. O efluente aplicado, ao percorrer a coluna, entra em contato com o solo e seus constituintes. Em consequência, para os diferentes tratamentos aplicados ao solo (adição de diferentes corretivos e fertilizantes), foram obtidas diferentes curvas de DQO, bem como diferentes DQOMÁX. Os menores teores de DQOMÁX foram observados nas curvas obtidas das colunas LA-B, ACID-FOSF e ACID, que não diferiram entre si a 5% de probabilidade pelo teste de Tukey. Nessas colunas, o baixo pH inicial (igual ou inferior a 4,1), provavelmente favoreceu a predominância de fungos em relação às bactérias, o que talvez pudesse explicar (ao menos parcialmente) os menores valores de DQO. Nas colunas em que o pH foi elevado (pela adição de carbonatos), pode ter havido favorecimento na população bacteriana em relação à de fungos, com consequente aumento na DQO. Entretanto, esses teores diferiram significativamente e foram crescentes na seguinte ordem: FOSF, BASE-FOSF e BASE. Esse aumento na DQOMÁX é preocupante, uma vez que a adição de carbonatos e fosfatos são práticas comumente utilizadas na agricultura. Talvez um tratamento biológico ou químico fosse de extrema importância uma vez que a intenção é aplicar esse efluente rico em nitrogênio como fonte adicional de nutrientes ao solo e às plantas. Cabe lembrar que esses valores podem estar representando um efeito deletério à microfauna quando acumulado em águas subterrâneas, estando bem acima do limite máximo recomendado para lançamento em corpos de água por SPERLING (1996), de 90 mg O2 L-1. Esses resultados sugerem a necessidade de se iniciar estudos no campo da ecotoxicologia desses efluentes antes de seu lançamento no ambiente. Normalmente, como os microrganismos ficam aderidos ao solo e não na água, esse efeito da percolação pelo solo na DQO do líquido lixiviado não tem sido explorado na literatura, o que valoriza a importância dos resultados aqui obtidos. Se, por um lado, a falta de trabalhos na literatura nesse contexto torna esse assunto um campo a ser explorado, por outro lado, a comparação com dados de literatura fica prejudicada.
Neste trabalho, a técnica de PCR-DGGE foi utilizada para uma análise independente do cultivo da comunidade microbiana em estudo, tendo como limite de detecção, grupos que representam ao menos 1% da comunidade bacteriana total. Neste estudo, os perfis de DGGE revelaram perfis similares de bandas (Figura 3) nas amostras de solo sem tratamento (controle) e com aplicação de tratamentos.
No gel de DGGE, observam-se os amplicons obtidos que foram separados de acordo com seu comportamento desnaturante. A maioria das bandas parece ser oriunda de amplificação inespecífica (região central do gel), o que se deve principalmente à limitada quantidade de DNA obtida das amostras. Nos solos amostrados, existe menor quantidade de bactérias em relação àquela encontrada em solos oriundos diretamente do campo. Há que se considerar que foram utilizadas amostras do horizonte B (normalmente com menor quantidade de matéria orgânica e de atividade orgânica em relação ao horizonte A), que foram armazenadas secas antes da sua utilização.
Assim, a quantidade de DNA extraída para uma boa análise de DGGE ficou comprometida, limitando as inferências sobre a alteração da comunidade bacteriana causada pelos tratamentos.
Algumas hipóteses podem ser elaboradas para explicar a pequena quantidade de DNA extraída das células bacterianas nos solos das colunas. Entre essas hipóteses, é possível supor que os processos que governam a adsorção e movimentação de N nessas colunas de amostras de solo deformado sejam de natureza não biológica. Ou seja, a movimentação e adsorção seriam principalmente governadas por processos químicos (e físicos), corroborando com o enfoque químico (e físico) dado à questão nesse trabalho. Outra explicação, que não exclui a anterior, é que os elevados valores de DQO encontrados no líquido que percolou pela coluna estariam sendo prejudiciais aos microrganimos existentes no solo. Se isso realmente estiver acontecendo, os resultados aqui observados servem de alerta para a importância de incluir a DQO em estudos de lixiviação de elementos pelo solo, principalmente nas situações em que a participação microbiana possa influenciar nas reações envolvidas, quer seja de adsorção, movimentação ou degradação.
Finalmente, cabe lembrar que, a princípio, deve-se evitar a extrapolação direta dos resultados de colunas de lixiviação para condições de campo, pois são situações distintas em relação aos pressupostos teóricos e experimentais envolvidos. Tais extrapolações exigem prudência.
4. CONCLUSÃO
Há correlação significativa entre as curvas de transposição de N obtidas experimentalmente e as simuladas pelo aplicativo STANMOD para a maioria das colunas. A única exceção ocorre para a coluna ACID FOSF. Além disso, não há correlação entre CEL e as variáveis de ajuste do modelo FR, D e µ.
A adição de fosfato (FOSF) favorece a movimentação do nitrogênio, na medida em que diminui o FR e o µ e aumenta o D em relação ao observado na coluna sem adição de corretivos e fertilizantes (LA-B). Já a adição de carbonatos e/ou fosfatos (BASE, BASE/FOSF e FOSF) resulta nos maiores valores máximos de demanda química de oxigênio (DQOMÁX).
A pequena quantidade de DNA extraída das células bacterianas nos solos sugere que, possivelmente, os processos que governam a adsorção e movimentação de N sejam de natureza não biológica e/ou que os microrganismos existentes no solo estejam sendo prejudicados pela elevada DQO do líquido percolado.
Recebido: 6/abr./2011
Aceito:15/nov./2011
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Maio 2012 -
Data do Fascículo
2012
Histórico
-
Recebido
06 Abr 2011 -
Aceito
15 Nov 2011