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Mídias Digitais, Eleições e Democracia no Brasil: Uma Abordagem Qualitativa para o Estudo de Percepções de Profissionais de Campanha* * A pesquisa desenvolvida neste artigo é parte do projeto “Comunicação Política Comparada: uma abordagem para o contexto latino-americano”, do Programa Institucional de Internacionalização da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES-PRINT, Processo n 88887.310199/2018-00). Uma versão deste artigo foi apresentada no XXX Congresso da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós) e no IX Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política, em 2021, no formato online. Os autores agradecem a todas as contribuições feitas nas duas ocasiões.

Digital Media, Elections, and Democracy in Brazil: A Qualitative Approach to Studying the Perceptions of Campaign Professionals

Médias Numériques, Elections et Démocratie au Brésil : Une Approche Qualitative pour l’Étude des Perceptions des Professionnels de Campagne Electorale

Soportes Digitales, Elecciones y Democracia en Brasil: una Aproximación Cualitativa al Estudio de las Percepciones de los Profesionales de Campaña

RESUMO

O objetivo deste artigo é refletir sobre consequências das campanhas digitais para as eleições e a democracia no Brasil, a partir de um estudo de percepções de profissionais de campanha sobre como a internet afeta as plataformas eleitorais no país. Nesse sentido, produzimos 28 entrevistas semiestruturadas, sobre as quais aplicamos uma análise temática de conteúdo. A aplicação dessa metodologia nos possibilitou identificar três temas altamente mencionados: “democratização”, “fake news”, e “segmentação”. Em seguida, procuramos pelas percepções de cada um desses temas entre os entrevistados e refletimos sobre o que essas noções podem significar para os processos eleitorais e a democracia brasileira. Ao fim, sugerimos que as percepções analisadas apontam para um contexto político pressionado pela transformação, em que as fake news são um elemento estratégico. Além disso, sinalizam uma tendência crescente de fragmentação da comunicação política no país.

campanhas digitais; percepções; profissionais de campanha; Brasil; democracia

ABSTRACT

This article aims to reflect on the consequences of digital campaigns on elections and democracy in Brazil. To do so, it relies on an empirical study analyzing the perceptions of campaign professionals on how theinternet affects Brazilian electoral platforms. To this end, we conducted 28 semi-structured interviews to which we applied a thematic analysis of content. Its application allowed us to identify three highly mentioned themes: “democratization”, “fake news”, and “segmentation.” Then, we searched for interviewees’ perceptions of these themes to reflect on what these ideas may mean for Brazil’s electoral processes and democracy. Ultimately, we argue that the analyzed perceptions point to a political context pressured by transformation, of which fake news is a strategic element. Furthermore, they indicate a growing fragmentation of political communication within the country.

digital campaigns; perceptions; campaign professionals; Brazil; democracy

RÉSUMÉ

Le but de cet article est de réfléchir sur les conséquences des campagnes numériques pour les élections et la démocratie au Brésil, à partir d’une étude des perceptions des professionnels de campagnes électorales sur la façon dont l’Internet y affecte les plateformes électorales. En ce sens, nous avons réalisé 28 entretiens semi-directifs, sur lesquels nous avons appliqué une analyse de contenu thématique. L’application de cette méthodologie nous a permis d’identifier trois thèmes très évoqués : « démocratisation », « fake news » et « segmentation ». Ensuite, nous recherchons les perceptions de chacun de ces thèmes parmi les personnes interrogées et réfléchissons à ce que ces notions peuvent signifier pour les processus électoraux et la démocratie brésiliens. Enfin, nous suggérons que les perceptions analysées pointent vers un contexte politique sous pression de transformation, dans lequel les fake news sont un élément stratégique. En outre, ils signalent une tendance croissante à la fragmentation de la communication politique dans le pays.

campagnes numériques; perceptions; professionnels de la campagne électorale; Brésil; démocratie

RESUMEN

El objetivo de este artículo es reflexionar sobre las consecuencias de las campañas digitales para las elecciones y la democracia en Brasil, a partir de un estudio de las percepciones de los profesionales de campaña sobre cómo afecta Internet a las plataformas electorales en el país. En este sentido, realizamos 28 entrevistas semiestructuradas, sobre las que aplicamos un análisis de contenido temático. La aplicación de esta metodología nos permitió identificar tres temas muy mencionados: «democratización», «fake news» y «segmentación». A continuación, buscamos las percepciones de cada uno de estos temas entre los encuestados y reflexionamos sobre lo que estas nociones podrían significar para los procesos electorales y la democracia brasileña. Al final, sugerimos que las percepciones analizadas apuntan a un contexto político presionado por la transformación, en el que las fake news son un elemento estratégico. Además, señalan una tendencia creciente a la fragmentación de la comunicación política en el país.

soportes digitales; percepciones; profesionales de campaña; Brasil; democracia

INTRODUÇÃO

As campanhas eleitorais digitais são hoje um tema consolidado no campo da Comunicação Política, com uma vasta literatura especializada nacional e internacional (Aggio, 2010Aggio, Camilo. (2010), “Campanhas Online: O Percurso de Formação das Questões, Problemas e Configurações a partir da Literatura Produzida entre 1992 e 2009”. Opinião Pública, v. 16, n. 2, pp. 426-445.; Ituassu et al., 2018Ituassu, Arthur et al. (2018), “De @realDonaldTrump a Jair Bolsonaro: Democracia e Comunicação Política Digital nas Eleições de 2016, nos Estados Unidos, e de 2018, no Brasil”. Anais do XXVII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Belo Horizonte. Disponível em https://proceedings.science/compos-2018/papers/politics-3-0--de--realdonaldtrump-para-as-eleicoes-de-2018-no-brasil
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, 2019Ituassu, Arthur et al. (2019), “Comunicación Política, Elecciones y Democracia: Las Campañas de Donald Trump y Jair Bolsonaro”. Perspectivas de la Comunicación, v. 12, n. 2. DOI: https://doi.org/10.4067/S0718-48672019000200011
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; Bimber, 2014Bimber, Bruce. (2014), “Digital Media in the Obama Campaigns of 2008 and 2012: Adaptation to the Personalized Political Communication Environment”. Journal of Information Technology & Politics, v. 11, n. 2, pp. 130-150.; Bimber, Davis, 2003Bimber, Bruce; Davis, Richard. (2003), Campaignin Online: The Internet in the U.S. Elections. Oxford, Oxford University Press.; Braga, 2011Braga, Sérgio. (2011), “O Uso da Internet nas Campanhas Eleitorais: Balanço do Debate e algumas Evidências sobre o Brasil”. Revista USP, n. 90, pp. 58-73., 2013Braga, Sérgio. (2013), “O Uso das Mídias Sociais É um Bom Preditor do Sucesso Eleitoral dos Candidatos? Uma Análise das Campanhas On-Line dos Vereadores das Capitais das Regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil no Pleito de Outubro de 2012”. Revista Política Hoje, v. 22, n. 2, pp. 125-148.; Braga, Carlomagno, 2018Braga, Sérgio; Carlomagno, Márcio. (2018), “Eleições como de Costume? Uma Análise Longitudinal das Mudanças Provocadas nas Campanhas Eleitorais Brasileiras pelas Tecnologias Digitais (1998-2016)”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 26, pp. 7-62.; Bülow, Brandão, 2021Bülow, Marisa; Brandão, Igor. (2021), “O Quadrante Vazio: Estilos de Campanhas Eleitorais Digitais nas Eleições para Deputados Distritais em 2018”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 36, n. 106, pp. 1-20.; Cervi, Massuchin, Carvalho, 2016Cervi, Emerson Urizzi; Massuchin, Michele Goulart; Carvalho, Fernanda Cavassana de. (2016), Internet e Eleições no Brasil. Curitiba, CPOP.; Gibson, 2020Gibson, Rachel K. (2020), When the Nerds Go Marching In: How Digital Technology Moved from the Margins to the Mainstream of Political Campaigns. Oxford, Oxford University Press.; Gomes et al., 2009Gomes, Wilson et al. (2009), “‘Politics 2.0’: A Campanha Online de Barack Obama em 2008”. Revista de Sociologia e Política, v. 17, n. 34, pp. 29-43.; Graham, Broersma, Harr, 2013Graham, Todd; Broersma, Karin Hazelhoff; Harr, Guido van. (2013), “Between Broadcasting Political Messages and Interacting with Voters”. Information, Communication & Society, v. 16, n. 5, pp. 692-716.; Howard, 2006Howard, Philip N. (2006), New Media Campaigns and the Managed Citizen. Cambridge, Cambridge University Press.; Marques, Sampaio, Aggio, 2013Marques, Francisco Paulo Jamil Almeida; Sampaio, Rafael Cardoso; Aggio, Camilo. (2013), Do Clique à Urna: Internet, Redes Sociais e Eleições no Brasil. Salvador, EDUFBA.; Vaccari, Nielsen, 2013Vaccari, Cristian; Nielsen, Ramus Klein. (2013), “Do People ‘Like’ Politicians on Facebook? Not Really. Large-Scale Direct Candidate-to-Voter Online Communication as an Outlier Phenomenon”. International Journal of Communication, v. 7, pp. 2333-2356.; Rossini et al., 2016Rossini, Patrícia G. da Conceição et al. (2016), “O Uso do Facebook nas Eleições Presidenciais Brasileiras de 2014: A Influência das Pesquisas Eleitorais nas Estratégias das Campanhas Digitais”. Fronteiras - Estudos Midiáticos, v. 18, n. 2, pp. 145-157.; Sampaio et al., 2018Sampaio, Rafael Cardoso et al. (2018), “Os Bastidores da Eleição: O Uso dos Stories do Instagram pelos Candidatos à Presidência da República em 2018”. Anais do VIII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica), Universidade de Brasília (UnB) Disponível em http://compolitica.org/novo/anais/2019_gt2_Sampaio.pdf. ISSN 2447-4797. Acesso em 24 de agosto de 2021.
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; Stromer-Galley, 2000Stromer-Galley, Jennifer. (2000), “On-line Interaction and Why Candidates Avoid It”. Journal of Communication, v. 50, n. 4, pp. 111-132., 2019Stromer-Galley, Jennifer. (2019), Presidential Campaigning in the Internet Age. New York, Oxford University Press.; Stromer-Galley et al., 2020Stromer-Galley, Jennifer et al. (2020), “Does Anyone Talk About the Issues Anymore? The 2016 U.S. Presidential Election Candidates’ Messaging on Facebook and Twitter”. AoIR Selected Papers of Internet Research, https://doi.org/10.5210/spir.v2020i0.11340.
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; Vaccari, 2008Vaccari, Cristian. (2008), “From the Air to the Ground: The Internet in the 2004 US Presidential Election”. New Media & Society, v. 10, n. 4, pp. 647-665.; Vaccari, Nielsen, 2013Vaccari, Cristian; Nielsen, Ramus Klein. (2013), “Do People ‘Like’ Politicians on Facebook? Not Really. Large-Scale Direct Candidate-to-Voter Online Communication as an Outlier Phenomenon”. International Journal of Communication, v. 7, pp. 2333-2356.; Woolley, Howard, 2018Woolley, Samuel C.; Howard, Phillip N. (2018), Computational Propaganda: Political Parties, Politicians, and Political Manipulation on Social Media. Oxford, Oxford University Press.). Nesse contexto, alguns autores apontam para um momento de virada, marcado pelas campanhas do Brexit, na Grã-Bretanha, e de Donald Trump, nos Estados Unidos, ambas em 2016 (Bennett, Livingston, 2018Bennett, Lance; Livingston, Steven. (2018), “The Disinformation Order: Disruptive Communication and the Decline of Democratic Institutions”. European Journal of Communication, v. 33, n. 2, pp. 122-139.; Chadwick, 2020Chadwick, Andrew. (2020), “Four Challenges for the Future of Digital Politics Research”, in W. H. Dutton (ed.), A Research Agenda for Digital Politics. London, Edward Egar Pub.; Elishar-Malka, Ariel, Weimann et al., 2020Elishar-Malka, Vered.; Ariel, Yaron.; Weimann, Gabriel. (2020), “Rethinking Political Communication in the Digital Sphere”. The Journal of International Communication, v. 26, n. 2, pp.1-21.). Passam então a ganhar a atenção dos pesquisadores as “campanhas hipermidiáticas” (Howard, 2006Howard, Philip N. (2006), New Media Campaigns and the Managed Citizen. Cambridge, Cambridge University Press.) e a “propaganda computacional” (Woolley, Howard, 2019), com a presença de robôs, fake news, mídias sociais, métricas, análises de rede, ciência de dados, segmentação do eleitorado etc.

Não à toa, uma nova linha de questionamentos surgiu menos preocupada em perceber como as ferramentas digitais são utilizadas e mais em analisar suas consequências (Bennett, Pfetsch, 2018Bennett, Lance; Pfetsch, Barbara. (2018), “Rethinking Political Communication in a Time of Disrupted Public Spheres”. Journal of Communication, v. 68, n. 2, pp. 243-253.; Bennett, Livingston, 2018Bennett, Lance; Livingston, Steven. (2018), “The Disinformation Order: Disruptive Communication and the Decline of Democratic Institutions”. European Journal of Communication, v. 33, n. 2, pp. 122-139.; Coleman, 2020Coleman, Stephen. (2020), “Re-imagining the Democratic Public”, in W. H. Dutton (ed.), A Research Agenda for Digital Politics. London, Edward Egar Pub.; Persily, 2017Persily, Nate. (2017), “Can Democracy Survive the Internet?”. Journal of Democracy, v. 28, n. 2, pp. 63-76.; Sunstein, 2017Sunstein, Cass R. (2017), #Republic: Divided Democracy in the Age of Social Media. Princeton, Princeton University Press.; Benkler, Faris, Roberts, 2018Benkler, Yochai; FARIS, Robert; ROBERTS, Hal. (2018), Network Propaganda: Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American Politics. Oxford, Oxford University Press.). Este artigo procura seguir essa perspectiva, refletindo especificamente sobre o caso brasileiro.

Afinal, não há dúvidas que as “campanhas hipermidiáticas” estão presentes no Brasil. A eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, é um exemplo notório. Um relatório divulgado entre o primeiro e o segundo turno, por exemplo, mostra que 13,8% das interações de apoiadores de Bolsonaro no Twitter foram causadas por robôs (bots). Os robôs a favor de Bolsonaro movimentaram 70,7% das interações automatizadas no Twitter no mesmo período. No contexto das eleições de 2018, havia uma média de 1,5 milhão de tweets por dia sobre os candidatos presidenciais. Entre 10 e 16 de outubro, os robôs publicaram 852,3 mil tweets, sendo 602,5 mil oriundos da base de apoio de Jair Bolsonaro (Ruediger, 2018RUEDIGER, Marco Aurelio. (2018), “A Semana nas Redes: 18/10/2018”. DAPP/FGV-Rio [Online]. Disponível em https://observa2018.com.br/wp-content/uploads/2018/10/18-10-DappReport.pdf. Acesso em 18 de outubro de 2020.
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).

Especialmente no WhatsApp, as fake news também estiveram presentes em 2018. Um monitoramento feito em setembro pelo jornal El País de três grupos públicos do WhatsApp favoráveis ​​a Jair Bolsonaro mostra que dois deles estavam distribuindo notícias falsas e desinformação de forma notória (Benites, 2018Benites, Afonso. (2018), “A Máquina de ‘Fake News’ nos Grupos a favor de Bolsonaro no WhatsApp”. El País Brasil [Online]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/26/politica/1537997311_859341.html. Acesso em 28 de setembro de 2020.
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). Na ocasião, havia pelo menos 100 grupos públicos de WhatsApp a favor do candidato, com uma estratégia clara de segmentação, participação profissional e voluntária e indícios de financiamento privado voltado para disparos em massa, ambas as práticas proibidas pela legislação eleitoral (Campos Mello, 2018Campos Mello, Patrícia. (2018), Empresários Bancam Campanha contra o PT pelo WhatsApp. Folha de S. Paulo, [Online]. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml. Acesso em 18 de outubro de 2020].
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, 2020Campos Mello, Patrícia. (2020), A Máquina do Ódio. São Paulo, Companhia das Letras.).

Entre os casos de fake news que ganham notoriedade estão a suposta fraude nas urnas eletrônicas (Mota, Couto, Rocha, 2018Mota, Marina; Couto, Marlen; Rocha, Gessyca. (2018), “Mensagens com Conteúdo #FAKE sobre Fraude em Urnas Eletrônicas se Espalham nas Redes”. O Globo [Online]. Disponível em: https://oglobo.globo.com/fato-ou-fake/mensagens-com-conteudo-fake-sobre-fraude-em-urnas-eletronicas-se-espalham-nas-redes-23134205. Acesso em 18 de outubro de 2020.
https://oglobo.globo.com/fato-ou-fake/me...
), os telefonemas de Manuela D’Ávila (Partido Comunista do Brasil – PCdoB), candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad (Partido dos Trabalhadores – PT), para Adélio Bispo de Oliveira, responsável por esfaquear Bolsonaro no meio da campanha (Beraldo, 2018Beraldo, Paulo. (2018), “Alvo de Fake News sobre Adelio, Manuela d’Ávila É Ameaçada nas Redes Sociais”. Estadão [Online]. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,aposfake-news-sobre-adelio-manuela-davila-e-ameacada-nas-redessociais,70002516943. Acesso em 24 de setembro de 2020].
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). A denúncia de agressão a uma senhora por ser eleitora de Bolsonaro (Barragán, 2018Barragán, Almudena. (2018), “Cinco ‘Fake News’ que Beneficiaram a Candidatura de Bolsonaro”. El País Brasil [Online]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html. Acesso em 19 de outubro de 2020.
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). A denúncia de que o candidato Fernando Haddad havia feito apologia ao incesto em um de seus livros (Barragán, 2018Barragán, Almudena. (2018), “Cinco ‘Fake News’ que Beneficiaram a Candidatura de Bolsonaro”. El País Brasil [Online]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html. Acesso em 19 de outubro de 2020.
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). A denúncia de Joice Hasselmann, então candidata a deputada federal, de que um importante órgão de imprensa havia recebido 600 milhões de reais para atacar Jair Bolsonaro (Benites, 2018Benites, Afonso. (2018), “A Máquina de ‘Fake News’ nos Grupos a favor de Bolsonaro no WhatsApp”. El País Brasil [Online]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/26/politica/1537997311_859341.html. Acesso em 28 de setembro de 2020.
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). O texto publicado por Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, que afirmou que o grupo “Mulheres unidas contra Bolsonaro”, no Facebook, teria comprado sua base de mais de um milhão de usuários de uma página qualquer preexistente (Becker, 2018Becker, Fernanda. (2018), “Campanha de Bolsonaro Mente sobre Mobilização de Mulheres Contra o Candidato no Facebook”. El País Brasil [Online]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/17/politica/1537142202_233134.html. Acesso em 17 de outubro de 2020.
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). Houve também o caso do polêmico “kit gay” (Barragán, 2018Barragán, Almudena. (2018), “Cinco ‘Fake News’ que Beneficiaram a Candidatura de Bolsonaro”. El País Brasil [Online]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html. Acesso em 19 de outubro de 2020.
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; Salgado, 2018Salgado, Daniel. (2018), “Livro Citado por Bolsonaro no Jornal Nacional Não Foi Distribuído em Escola”. O Globo [Online]. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/livro-citado-por-bolsonaro-no-jornal-nacionalnao-foi-distribuido-em-escola-23021610. Acesso em 29 de outubro de 2018.
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), que acusava a distribuição para escolas públicas do livro: Aparelho Sexual e Cia - Um guia não utilizado para crianças descoladas (Le Guide du zizi sexuel).

No contexto das campanhas hipermidiáticas brasileiras, o objetivo deste artigo é refletir sobre as consequências das mídias digitais para os processos eleitorais e a democracia no país. A intenção é desenvolver essa discussão com base em um estudo empírico, que analisa percepções de profissionais de campanha sobre como a internet afeta as plataformas eleitorais no país. Em nossa perspectiva, entender melhor a percepção desses profissionais sobre o tema é uma forma de melhor compreender as próprias campanhas. Ao estudar percepções de profissionais de campanha, esperamos, como sugerem Salgado e Stanyer (2019Salgado, Susana; Stanyer, James. (2019), “Perceptions of Populism and the Media: A Qualitative Comparative Approach to Studying the Views of Journalists and Politicians”, in C. Reinemann et al. (eds.), Communicating Populism: Comparing Actor Perceptions, Media Coverage, and Effects on Citizens in Europe. New York, Routledge, pp. 17-33.:17), “dar voz” aos sujeitos da nossa pesquisa, permitindo a eles se expressarem em suas próprias palavras.

Trata-se então de uma pesquisa de comunicação política de cunho qualitativo e interpretativo, que evita a crítica aos paradigmas hegemônicos, mas sustenta a necessidade de uma maior diversidade epistemológica no campo (Denzin, Lincoln, 2018Denzin, Norma K.; Lincoln, Yvonna S. (eds.). (2018), The Sage Handbook of Qualitative Research. 5ª ed. Los Angeles, Sage.; Salgado. Stayner, 2019Salgado, Susana; Stanyer, James. (2019), “Perceptions of Populism and the Media: A Qualitative Comparative Approach to Studying the Views of Journalists and Politicians”, in C. Reinemann et al. (eds.), Communicating Populism: Comparing Actor Perceptions, Media Coverage, and Effects on Citizens in Europe. New York, Routledge, pp. 17-33.). Assim, nos afastamos dos objetivos explicativos dos media effects e abraçamos as interpretações originadas dos media affects, de Barnhurst (2011)Barnhurst, Kevin. G. (2011), “The New’ Media Affect’ and the Crisis of Representation for Political Communication”. The International Journal of Press/Politics, v. 16, n. 4, pp. 573-593.. Como sugere o autor, a perspectiva procura analisar julgamentos, valores e percepções que impulsionam a socialização e o aprendizado político, o compromisso e o envolvimento, a mediação, o entendimento e a crítica política. Foca sua atenção nas representações e percepções em jogo, nos significados envolvidos e nas transformações presentes na dinâmica social.

Nesse sentido, foram feitas 28 entrevistas semiestruturadas com profissionais de campanha eleitoral no Brasil, entre junho e dezembro de 2020, no contexto das eleições municipais disputadas em novembro do mesmo ano. A duração média das entrevistas foi de 46 minutos, o que nos proporcionou mais de 1.200 minutos de material. Por conta da pandemia de Covid-19, todas as entrevistas foram feitas via Skype ou Zoom. Utilizamos uma técnica mista para elaborar uma seleção de entrevistados e desenvolvemos uma análise temática de conteúdo sobre as transcrições, com temas originados das entrevistas e da literatura especializada. Ao fim, três temas altamente mencionados chamaram a nossa atenção: 1) democratização; 2) fake news; e 3) segmentação.

Todo o processo analítico foi levado à frente coletivamente. Entrevistas foram feitas por um pesquisador, acompanhado de outro pesquisador que transcrevia e monitorava o conteúdo ao longo de sua produção. As perguntas e o formato das entrevistas, bem como a análise prévia do material para a produção do livro de códigos, ficaram por conta de dois pesquisadores. Quatro pesquisadores codificaram as transcrições, de modo que os resultados a serem apresentados possuem concordância mínima de 75% ou três codificadores. A cada passo, foi feita uma avaliação coletiva do andamento da pesquisa com os cinco pesquisadores envolvidos neste artigo. Ao longo de todo o processo, seguimos as recomendações éticas da Associação dos Pesquisadores de Internet (Association of Internet Researchers – AoIR)1 1 . Sobre isso, ver: https://aoir.org/ethics/ .

De modo a apresentar os resultados desta pesquisa e como foram alcançados, este artigo se organiza em quatro seções além desta Introdução. Na próxima seção, vamos debater as questões teóricas e epistemológicas que inspiraram nossos objetivos de pesquisa. Em seguida, apresentaremos a metodologia e a análise desenvolvida. No passo seguinte, faremos a discussão dos achados e, por fim, a conclusão mais formal.

COMUNICAÇÃO POLÍTICA, MÍDIAS DIGITAIS E DEMOCRACIA

O objetivo desta seção é contextualizar teórica e epistemologicamente a intenção proposta de refletir sobre consequências das mídias digitais para os processos eleitorais e a democracia no Brasil. Nesse sentido, esta pesquisa dialoga com uma série de autores que vêm rediscutindo os parâmetros metodológicos e epistemológicos da Comunicação Política, a partir das transformações sociotecnológicas recentes (Bennett, Iyengar, 2008Bennett, Lance; Iyengar, Shanto. (2008), “A New Era of Minimal Effects? The Changing Foundations of Political Communication”. Journal of Communication, v. 58, pp. 707-731.; Barnhurst, 2011Barnhurst, Kevin. G. (2011), “The New’ Media Affect’ and the Crisis of Representation for Political Communication”. The International Journal of Press/Politics, v. 16, n. 4, pp. 573-593.; Nielsen, 2014Nielsen, Rasmus Kleis. (2014), “Political Communication Research: New Media, New Challenges, and New Opportunities”. MedieKultur, Journal of Media and Communication Research, v. 56, n. 18, pp. 5-22.; Blumler, Coleman, 2015Blumler, Jay. G.; Coleman, Stephen. (2015), “Democracy and the Media – Revisited”. Javnost. The Public, v. 22, n. 2, pp. 111-128.; Bennett, Pfetsch, 2018Bennett, Lance; Pfetsch, Barbara. (2018), “Rethinking Political Communication in a Time of Disrupted Public Spheres”. Journal of Communication, v. 68, n. 2, pp. 243-253.). Em especial, levamos em conta a problematização que Banhurst (2011) faz da noção de comunicação presente na maior parte dos estudos de comunicação política, o que o autor chama de paradigma “funcional” da comunicação. A preocupação aparece também na sugestão de Bennett e Pfetsch (2018Bennett, Lance; Pfetsch, Barbara. (2018), “Rethinking Political Communication in a Time of Disrupted Public Spheres”. Journal of Communication, v. 68, n. 2, pp. 243-253.:244-46), quando os autores colocam o desafio de se repensar os “preceitos funcionalistas“ do campo. Segundo os autores, os conceitos tradicionais da teoria dos sistemas democráticos pressupõem funcionalidades à comunicação política e relações funcionalistas entre os atores que não se mantiveram à medida que elementos disfuncionais se tornaram evidentes.

De fato, não é difícil perceber uma perspectiva funcional marcante na literatura brasileira sobre campanhas online. Braga e Carlomagno (2018)Braga, Sérgio; Carlomagno, Márcio. (2018), “Eleições como de Costume? Uma Análise Longitudinal das Mudanças Provocadas nas Campanhas Eleitorais Brasileiras pelas Tecnologias Digitais (1998-2016)”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 26, pp. 7-62., por exemplo, em uma revisão importante, apresentam o objetivo de dialogar com outros estudos sobre “o emprego da internet e das mídias sociais”. Os autores dividem a literatura sobre campanhas digitais no Brasil tendo como referência o uso da tecnologia digital. O corte se daria em dois períodos distintos. Uma primeira fase, anterior aos impactos da campanha de Barack Obama, nos Estados Unidos, e da queda das restrições legais “ao uso das ferramentas digitais no Brasil” e uma segunda, a partir das eleições de 2010, marcada pelas mudanças na legislação sobre “o emprego da internet”, bem como “pelo uso crescente de diferentes recursos digitais (mídias sociais, memes, aplicativos de comunicação instantânea etc.) pelos candidatos” (Braga, Carlomagno, 2018:9). A revisão proposta ressalta análises que tratam “do uso de memes nas estratégias discursivas das campanhas” (Chagas et al., 2017Chagas, Viktor et al. (2017), “A Política dos Memes e os Memes da Política: Proposta Metodológica de Análise de Conteúdo de Memes dos Debates Eleitorais de 2014”. Intexto, n. 38, pp. 173-196.) e estudos “sobre o uso do Facebook nas eleições pelos deputados federais do Rio de Janeiro” (Murta et al., 2017Murta, Felipe et al. (2017), “Eleições e Mídias Sociais: Interação e Participação no Facebook durante a Campanha para a Câmara dos Deputados em 2014”. Compolítica, v. 7, n. 1, pp. 47-72.).

Do mesmo modo, autores brasileiros que se debruçaram sobre a campanha de Barack Obama em 2008 buscaram examinar o estágio mais recente das campanhas online do ponto de vista “dos recursos e instrumentos empregados como parte das operações de comunicação política em redes digitais” (Gomes et al., 2009Gomes, Wilson et al. (2009), “‘Politics 2.0’: A Campanha Online de Barack Obama em 2008”. Revista de Sociologia e Política, v. 17, n. 34, pp. 29-43.). De fato, há uma longa tradição de estudos desse tipo no âmbito das campanhas online ou campanhas digitais no Brasil (Marques, Sampaio, 2011Marques, Francisco Paulo Jamil Almeida; Sampaio, Rafael Cardoso. (2011), “Election after Election: Rupturas e Continuidades nos Padrões Mediáticos das Campanhas Políticas Online”. Anais do XX Encontro da Associação Brasileira dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Disponível em http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1617.pdf. ISSN 2236-4285. Acesso em 24 de agosto de 2021.
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; Sampaio et al., 2018Sampaio, Rafael Cardoso et al. (2018), “Os Bastidores da Eleição: O Uso dos Stories do Instagram pelos Candidatos à Presidência da República em 2018”. Anais do VIII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica), Universidade de Brasília (UnB) Disponível em http://compolitica.org/novo/anais/2019_gt2_Sampaio.pdf. ISSN 2447-4797. Acesso em 24 de agosto de 2021.
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; Massuchin, Tavares, 2015Massuchin, Michele Goulart; Tavares, Camila Quesada. (2015), “Modernização das Campanhas e Estratégias Eleitorais: Os Padrões de Uso da Internet nas Eleições de 2014”. Anais do VI Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Disponível em http://compolitica.org/novo/anais/2015_GT2-Massuchin-e-Tavares.pdf. ISSN 2447-4797. Acesso em 24 de agosto de 2021.
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; Ituassu et al., 2015Ituassu, Arthur et al. (2015), “Internet, Eleições e Democracia: O Uso das Redes Sociais por Marcelo Freixo na Campanha de 2012 para a Prefeitura do Rio de Janeiro”. Compolítica, v. 4, n. 2, pp. 59-86.; Murta et al., 2017Murta, Felipe et al. (2017), “Eleições e Mídias Sociais: Interação e Participação no Facebook durante a Campanha para a Câmara dos Deputados em 2014”. Compolítica, v. 7, n. 1, pp. 47-72.; Rossini et al., 2016Rossini, Patrícia G. da Conceição et al. (2016), “O Uso do Facebook nas Eleições Presidenciais Brasileiras de 2014: A Influência das Pesquisas Eleitorais nas Estratégias das Campanhas Digitais”. Fronteiras - Estudos Midiáticos, v. 18, n. 2, pp. 145-157.; Souza et al., 2016). Nesse contexto, um artigo publicado em 2011 teve como objetivo pioneiro produzir uma reflexão sobre “o uso das novas tecnologias nas eleições brasileiras” a partir dos resultados de uma pesquisa sobre “o emprego da internet” pelos 406 candidatos aos governos dos estados e ao Senado nas eleições de 2010 (Braga, 2011Braga, Sérgio. (2011), “O Uso da Internet nas Campanhas Eleitorais: Balanço do Debate e algumas Evidências sobre o Brasil”. Revista USP, n. 90, pp. 58-73.).

Mais recentemente, Verner e Sinderski (2021)Verner, Afonso Ferreira; Sinderski, Rafaela Mazurechen. (2021), “O Uso do Twitter nas Eleições de 2020: A Campanha Digital dos Prefeituráveis Sulistas”. Anais do IX Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica), Disponível em https://drive.google.com/file/d/1M2XHKkOhUrylacoaY5xYEHkKjcHgLS8v/view. ISSN 2447-4797. Acesso em 24 de agosto de 2021.
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apresentaram trabalho sobre “o uso do Twitter nas eleições de 2020”. No mesmo sentido, Azevedo (2019)Azevedo, Dilvan Passos de. (2019), “A Comunicação Populista Online: Análise das Estratégias dos Principais Candidatos à Presidência do Brasil no Facebook durante as Eleições de 2018”. Anais do VIII Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica), Universidade de Brasília (UnB). Disponível em http://compolitica.org/novo/anais/2019_gt2_Azevedo.pdf. Acesso em 24 de agosto de 2021. ISSN 2447-4797
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propôs “investigar as estratégias de comunicação política empregadas nas páginas do Facebook” dos principais candidatos à Presidência do Brasil em 2018. Também no contexto das eleições de 2018, Bülow e Brandão publicaram artigo em importante periódico nacional em que apresentam uma “análise das estratégias digitais eleitorais a partir das várias plataformas disponíveis e das inúmeras possibilidades de uso de cada plataforma” (Bülow, Brandão, 2021).

São ainda raras, entretanto, as análises mais preocupadas com as consequências das mídias digitais para os processos eleitorais e a democracia no Brasil, lacuna esta para a qual este artigo pretende contribuir. Nesse sentido, perguntamos quais são os parâmetros científicos mais adequados para o entendimento das mudanças políticas que ocorrem como consequências do desenvolvimento e das transformações tecnológicas da comunicação política. Bennett e Pfetsch (2018)Bennett, Lance; Pfetsch, Barbara. (2018), “Rethinking Political Communication in a Time of Disrupted Public Spheres”. Journal of Communication, v. 68, n. 2, pp. 243-253. sugerem que a complexidade crescente dos sistemas de mídia, o esvaziamento dos partidos, as mudanças com relação às lealdades políticas dos cidadãos e as transformações nos hábitos midiáticos apontam para um momento de virada, quando muitas sociedades democráticas sofrem desafios profundos relacionados à legitimidade das instituições, à incoerência dos públicos, ao crescimento da desinformação e ao enfraquecimento relativo da instituição tradicional do jornalismo (legacy media). Os mesmos autores sugerem que as pesquisas atuais devem focar nas maneiras pelas quais forças social e institucionalmente disruptivas estão remodelando a comunicação política contemporânea, desenvolvendo conceitos e métodos mais voltados a explicar fenômenos contemporâneos e menos a confirmar ideias consolidadas de comunicação, democracia e sociedade.

Nesse debate, Chadwick (2020)Chadwick, Andrew. (2020), “Four Challenges for the Future of Digital Politics Research”, in W. H. Dutton (ed.), A Research Agenda for Digital Politics. London, Edward Egar Pub. sugere focar menos nas instituições e organizações e mais na análise de impulsos, emoções, identidades e crenças. O autor apresenta quatro desafios epistemológicos às pesquisas de comunicação política: 1) selecionar contextos não favoráveis ao liberalismo democrático; 2) repensar as noções de engajamento e participação até então adotadas; 3) debater o papel das expectativas racionais; e 4) não subestimar os jogos de soma zero entre deliberação racional e solidariedade afetiva.

Em meio a esse debate teórico e epistemológico, este artigo desenvolve uma pesquisa empírica qualitativa de modo a contribuir para o entendimento de consequências das mídias digitais para os processos eleitorais e a democracia no Brasil. A reflexão, assim, parte de uma empiria qualitativa e interpretativa, que será apresentada na próxima seção.

METODOLOGIA E RESULTADOS

A metodologia desenvolvida nesta pesquisa está dividida em duas etapas. Na primeira, foram feitas 35 entrevistas semiestruturadas com profissionais de campanha, em que nos juntamos a uma série de estudos brasileiros que utilizaram desse método para o estudo de contextos eleitorais (Alves, 2020Alves, Mércia. (2020), Eleições Municipais e Profissionalização das Campanhas Eleitorais. Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Borba, Veiga, Martins, 2018; Marques, Carneiro, 2018; Veiga, Gondim, 2001). Na segunda parte, foi levada à frente uma análise temática das transcrições das entrevistas. Entre a primeira e a segunda etapa, foi desenvolvido um livro de códigos com temas (categorias) e definições (indicadores).

Produzidas entre junho e dezembro de 2020, em meio à pandemia do Covid-19 e às eleições municipais daquele ano, todas as entrevistas foram feitas por Skype ou Zoom. Para chegarmos à amostragem final de 28 entrevistas, sete das 33 entrevistas foram descartadas, uma por conta de problemas técnicos e seis em função de não terem tido rendimento adequado, com respostas curtas e duração de no máximo 20 minutos. As entrevistas e transcrições foram feitas por dois pesquisadores, de modo que ambos monitorassem os conteúdos produzidos ao longo do processo. O tempo médio de duração das 28 entrevistas foi de 46 minutos.

As perguntas foram pensadas para serem abertas, dando liberdade ao entrevistado de falar sem ser interrompido. Ao entrevistador foi dada a liberdade de interferir pontualmente, com o objetivo de fazer com que o entrevistado continuasse a desenvolver suas ideias sobre um determinado tema. As perguntas que serviram de guia para as entrevistas foram: 1) Como as mídias digitais afetam o seu trabalho com campanhas eleitorais?; 2) De que forma as mídias digitais têm afetado as campanhas em geral no Brasil?; 3) Como você avalia a campanha digital de Jair Bolsonaro em 2018?; 4) Como você relaciona a campanha de Jair Bolsonaro com a campanha de Donald Trump, em 2016, nos Estados Unidos?; e 5) Como você vê o futuro das campanhas e da comunicação política eleitoral no Brasil?

Com esse leque de questões, tentamos partir de uma experiência pessoal (como as mídias digitais afetam seu trabalho com campanhas eleitorais?) para uma percepção mais ampla sobre o tema (de que forma as mídias digitais têm afetado as campanhas em geral?). Buscamos também estabelecer uma relação com contextos importantes recentes (como você relaciona a campanha de Jair Bolsonaro com a de Donald Trump, em 2016, nos Estados Unidos?) e alcançar uma percepção sobre desenvolvimentos futuros no campo das plataformas eleitorais no país (como você vê o futuro das campanhas e da comunicação política eleitoral no Brasil?).

Iniciamos a seleção dos entrevistados a partir do método “bola de neve” e dando preferência àqueles contatos que trabalhassem diretamente com mídias digitais. Como afirmam Wright e Stein (2005Wright, Richard; Stein, Michael. (2005), “Snowball Sampling”, in L. Kimberly Kempf (ed.), Encyclopedia of Social Measurement. New York, Elsevier.:495-500), a amostragem “bola de neve” é um método referencial que parte de contatos iniciais, a quem são pedidos novos contatos e assim por diante. Como sugerem os autores, esse tipo de seleção é adequado quando não se deseja uma amostra conveniente ou probabilística, quando os participantes constituem uma comunidade e não gostariam de ter suas identidades e atividades reveladas a outsiders e quando pesquisadores querem “adentrar” em uma comunidade específica, todos os casos condizentes com esta pesquisa (Wright, Stein, 2005).

Entretanto, apesar de termos iniciado a construção da amostra com o método “bola de neve”, ao longo da produção das entrevistas encontramos um entrevistado que ocupava importante posição em uma associação de profissionais de campanha. O fato nos proporcionou uma leva grande de contatos independentes da técnica inicial utilizada. Mesmo cientes das vantagens da amostragem sistemática (Lynch, 2013Lynch, Julia F. (2013), “Aligning Sampling Strategies with Analytic Goals”, in L. Mosley (ed.), Interview Research in Political Science. London, Cornell University Press, pp. 31-44.) e das limitações do método “bola de neve” (Bleich, Pekkanem, 2013), acreditamos que um certo grau de homogeneidade da seleção é positivo para esta pesquisa, dado que procuramos aqueles profissionais que atuam mais diretamente com as mídias digitais, em plataformas de candidatos e partidos políticos no Brasil.

Com isso, nossa amostra final se constituiu de 28 profissionais. Com apenas duas exceções, todos disseram trabalhar para qualquer tipo de campanha, majoritária ou proporcional. Em geral, muitos deles trabalham em várias campanhas (proporcionais e majoritárias) ao mesmo tempo durante o período eleitoral. Nos anos de eleição presidencial, esses mesmos profissionais podem acumular atuação nos estados com uma campanha ao Executivo federal.

Desde o início desta pesquisa, não houve a intenção de revelar a identidade dos entrevistados, mesmo assim boa parte deles demandou sigilo. Os entrevistados trabalharam em campanhas para presidente, governador, prefeito, vereador, deputado estadual e federal em São Paulo, no Espírito Santo, em Brasília (DF), na Bahia, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, bem como no Uruguai, na Venezuela, no Peru, nos Estados Unidos e em El Salvador. Dos 28 entrevistados, 16 tinham na ocasião da entrevista entre 30 e 40 anos. Tivemos oito entrevistados com 40 a 50 anos e somente três entre 50 e 60 anos. Houve somente um entrevistado com idade acima de 60 anos. Todos apresentaram experiência com campanhas de pelo menos 10 anos, alguns com 40 anos de campanha. Os partidos mencionados para os quais trabalharam foram: Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Republicano Progressista (PRP), Partido Social Cristão (PSC), Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Verde (PV), Democratas (DEM), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Novo, Solidariedade e Partido Social Liberal (PSL). Após as entrevistas, produzimos a transcrição de todo o material, que está disponível publicamente2 2 . As transcrições podem ser acessadas no link: https://www.dropbox.com/sh/h9ik0m4sadjyvk4/AAB3CcVTvK7iKwrDPmcackbLa?dl=0 . Com os textos em mãos, passamos à segunda parte da pesquisa: a análise temática.

Adaptando a sugestão de Nowell e colegas (2017), desenvolvemos nossa análise temática em três fases distintas. A primeira delas foi de familiarização com o material, quando dois pesquisadores se debruçaram sobre as gravações e transcrições das entrevistas, de modo a gerar os códigos iniciais da análise. Nesse momento, produzimos um livro de códigos com temas extraídos da leitura prévia do material e da literatura especializada sobre eleições, mídias digitais e democracia. Vale notar, um tema que reúne experiências, práticas, ideias ou fragmentos em único conjunto (Braun, Clarke, 2006; Nowell et al., 2017).

Quatro pesquisadores participaram da análise temática, fazendo a codificação das transcrições com base em um livro de códigos, que se modificou ao longo do processo, especialmente em relação ao número de temas que trazia. Cada codificador deveria extrair um fragmento de texto e designar-lhe um tema, quando isso fosse possível. Aos codificadores foi solicitada a análise de todas as entrevistas transcritas. Foi pedido também a cada codificador a leitura completa do arquivo de transcrição antes do início da codificação e uma revisão do trabalho ao fim de cada entrevista codificada. Ao longo de toda a análise, houve várias rodadas de treinamento, com debates sobre as interpretações produzidas. Nossos resultados são produto da concordância de trechos e temas de no mínimo 75% ou três codificadores. Durante o processo, trabalhamos com vários temas até chegar a três altamente mencionados. Esses temas foram: 1) democratização; 2) fake news; e 3) segmentação.

O primeiro é o da democratização. Esse tema tem por base a ideia de que as mídias digitais, especialmente as mídias sociais, proporcionam um canal para a livre expressão individual. Elementos fundamentais desse tema são a interação e a possibilidade de se comunicar com o eleitor sem passar pelos filtros do jornalismo, o tradicional gatekeeping, mas também a ideia de uma representação direta, com a possibilidade de uma maior proximidade entre representantes e representados (Coleman, Blumler, 2010; Karlsson, 2013Karlsson, Martin. (2013), “Representation as Interactive Communication”. Information, Communication & Society, v. 16, pp. 1201-1222.; Ituassu et al., 2016).

O tema traz a noção de desintermediação, mesmo levando em consideração o alerta de Gerbaudo (2018)Gerbaudo, Paolo. (2018), “Social Media and Populism: An Elective Affinity?”. Media, Culture & Society, v. 40, n. 5, pp. 745-753. sobre as mediações de fato praticadas pelas plataformas digitais, como o Google, Facebook etc. Está presente aqui uma noção que Elishar-Malka e colegas (2020) sugerem ter sido predominante na “era da inocência” dos estudos de internet e política, que tendiam a ver a internet de forma “messiânica”. Nesse contexto, as mídias digitais “democratizam” porque empoderam o cidadão, equilibram as oportunidades de expressão, de ser ouvido, reforçando o caráter participativo nas democracias. As mídias digitais fortaleceriam o lado do cidadão e do povo nas relações com a mídia e os políticos, próprias da comunicação política, e equilibrariam mais as campanhas, as oportunidades de fala e o contexto informacional. Um exemplo de trecho classificado no tema “democratização” foi:

As mídias digitais trouxeram proximidade. As pessoas, no digital, entendem que estão dando um bypass no jornalista, nos intermediários que falam pelos candidatos. Antes, as pessoas chegavam até o parlamentar e o candidato por meio das lideranças, hoje não. É esse movimento que agora influencia não somente a postura do candidato, mas também a forma como ele é cobrado e como as pessoas o veem.

O segundo tema – fake news – é considerado neste artigo de uma forma ampla, a partir da noção de que as mídias digitais teriam facilitado a produção e a disseminação de notícias falsas e desinformação no contexto eleitoral. O fenômeno tem sido uma preocupação entre muitos autores na comunicação política. Bennett e Livingston (2018Bennett, Lance; Livingston, Steven. (2018), “The Disinformation Order: Disruptive Communication and the Decline of Democratic Institutions”. European Journal of Communication, v. 33, n. 2, pp. 122-139.:124) definem “desinformação” como “falsidades intencionalmente disseminadas como material jornalístico ou com formato documental simulado em busca de ganhos políticos”. Os autores sugerem que as esferas públicas em muitas nações se tornaram divisivas e disruptivas na medida em que desafios crescentes confrontam pilares centrais da democracia como a informação legítima, a quebra de confiança nas instituições democráticas of press and politics. Um exemplo de trecho classificado no tema fake news foi:

A gente percebe que nas redes sociais e, principalmente, no WhatsApp – que você não tem controle do que se diz e do que se veicula, diferente de outras plataformas onde você pode denunciar o que é postado – houve em 2018 um processo muito forte de desinformação, de ataque à reputação. Valia mais eu desconstruir a imagem do meu candidato do que eu dizer aquilo que eu quero fazer, onde eu quero ir com a minha campanha. Houve muito isso e deve continuar acontecendo porque nós não temos órgãos de controle e de justiça capazes de evitar esses desenvolvimentos.

O terceiro tema, segmentação, é informado, por exemplo, pela noção de campanhas hipermidiáticas, de Philip Howard (2006)Howard, Philip N. (2006), New Media Campaigns and the Managed Citizen. Cambridge, Cambridge University Press.. Essas campanhas se caracterizam por disseminar mensagens dirigidas aos meios digitais, enviadas a pessoas selecionadas e com conteúdo que se ajusta ao público previamente escolhido. Também compõe o tema o conceito de “propaganda computacional” de Woolley e Howard (2018)Woolley, Samuel C.; Howard, Phillip N. (2018), Computational Propaganda: Political Parties, Politicians, and Political Manipulation on Social Media. Oxford, Oxford University Press., uma prática comunicativa com algoritmos, automação, ciência de dados e curadoria humana para gerenciar e distribuir informação e desinformação nas mídias digitais. Um exemplo de trecho classificado no tema foi: “A campanha Jair Bolsonaro tinha uma equipe ótima trabalhando com inteligência e criando conteúdo orientado para aquilo que as pessoas queriam ouvir, para o que cada público específico queria ouvir”.

Com isso, pudemos perceber um alto número de entrevistados que mencionaram os temas democratização, fake news e segmentação. O tema da segmentação apareceu na fala de 71% dos entrevistados, enquanto os temas democratização e fake news surgiram no discurso de 53%. Outros temas, como polarização, regulação e campanha permanente, também foram testados sobre as transcrições, tendo sido abordados por menos de 25% dos entrevistados e descartados da análise. A partir da identificação desses três temas altamente mencionados, procuramos pelas percepções de cada um deles entre os entrevistados, o que será apresentado na próxima seção.

PERCEPÇÕES E CONSEQUÊNCIAS

Como vimos, nossa pesquisa identificou uma alta presença de temas como segmentação, democratização e fake news entre os profissionais de campanha entrevistados. A nosso ver, o resultado dessa análise sugere elementos relevantes de uma cultura compartilhada, que nos serve de base para uma reflexão sobre consequências das mídias digitais para o processo eleitoral e a democracia no país. Entender os significados que esses temas ganham entre os entrevistados e produzir essa discussão são o objetivo desta última seção, antes da Conclusão deste artigo.

Em relação ao tema da democratização, chamamos a atenção para seus elementos messiânicos e transformadores. São representativas expressões como “a internet trouxe as pessoas para conversar com seu representante”, “com a internet, estamos caminhando para uma democracia mais direta, mais próxima do cidadão”, “a internet democratizou a informação”, “hoje todo mundo tem acesso à informação”, “a internet se tornou um espaço para pessoas comuns expressarem suas opiniões”. Nesse contexto, as mídias digitais aparecem, por exemplo, como um elemento de redução das desigualdades. Segundo um dos entrevistados, as mídias sociais dão “ao candidato, mesmo àquele que tem pouco recurso, a mesma condição que aquele que tem muito recurso”. A mesma fonte concluiu: “usando ativamente as redes sociais a gente democratiza mais a eleição.”

A ideia de “democratização” também aparece ligada a uma noção de democracia direta. “Estamos caminhando para uma situação de falta de representação e uma ação quase direta na democracia. Porque eu preciso que um deputado vote para mim, se eu posso votar do meu telefone, votar as matérias no Congresso?”, perguntou um entrevistado, simulando uma nova lógica do eleitor. “Não preciso de um deputado nem de um vereador. Se eles estão lá, eles vão ter que cumprir o que eu quero”.

É fácil perceber que está em jogo uma nova perspectiva de comunicação política. “Acabou essa história de você falar o que você quer falar sem escutar o outro”, disse um entrevistado. “Cada vez mais o eleitor quer emitir a opinião dele e quer a sua resposta. É preciso estar ali para ver o que ele quer te dizer”, concluiu.

Na mesma linha, um entrevistado afirmou: “O sujeito na internet aprende uma certa horizontalidade radical. O sujeito aprende uma não hierarquia, quer se representar a si mesmo e leva essa lógica para a política”. Segundo essa fonte, o eleitor não quer mais ser representado “por um sujeito mais preparado que ele, que estudou numa universidade melhor que ele, que é mais preparado que ele, tem uma carreira melhor que a dele: ele quer ser representado por ele mesmo”.

A proximidade passa também pela questão da autenticidade do político. “As pessoas estão querendo candidatos mais autênticos e menos ensaiados”, afirmou uma das fontes. “O perfil dos eleitores mudou: eles não querem só ouvir a mensagem, querem participar da mensagem”. A relação entre o ator político e o eleitor também se torna foco da transformação. “No digital, o eleitor passa a ter uma interlocução diferente que na mídia tradicional. E aí começa tudo a mudar. Os políticos começam a ter que ter outra visão”. Segundo esse entrevistado, a mudança “é uma maravilha do ponto de vista democrático porque expõe o candidato e o político à população em tempo integral e não somente durante o período eleitoral, que é o que acontecia antigamente”.

A perspectiva sugere uma visão das mídias digitais como algo “democratizante”, que empodera o cidadão, equilibrando as oportunidades de expressão e de participação. As mídias digitais, assim, fortaleceriam o lado do cidadão nas relações com a mídia e com os políticos e equilibrariam mais as campanhas, as oportunidades de fala e o contexto informacional. Com isso, não há dúvidas de que a noção se aproxima do campo da Democracia Digital, especialmente com os estudos focados na participação, que procuraram enfatizar a importância das formas digitais de participação cidadã (Ituassu, 2011Ituassu, Arthur. (2011), “Participação, Cidadania e Ciberdemocracia no Brasil”. eCompós, v. 14, n. 2, pp. 1-13.; Gomes, Maia, 2008). No entanto, a literatura especializada em Democracia Digital há muito deixou o viés excessivamente normativo dos primórdios das discussões, amadurecendo em direção a uma abordagem mais pragmática (Gomes, 2010Gomes, Wilson. (2010), “Democracia Digital: Que Democracia?”, in L. F. Miguel; F. Biroli (orgs.), Mídia, Representação e Democracia. São Paulo, Hucitec, pp. 241-259.).

O contexto analisado, assim, nos parece mais próximo do que James Carey (1989Carey, James William. (1989), Communication as Culture. New York, Routledge.; 2005; 2022) chamou de a “retórica do sublime tecnológico”, uma noção que percebe na tecnologia o destino de uma nova era, uma nova economia, uma nova política, uma nova ordem mundial, uma nova espécie humana. Tal ideia de “sublime tecnológico”, é importante notar, traz em si um elemento fortemente transformador. “Imagens do futuro ecoam a promessa de um ‘oitavo dia’, uma descontinuidade radical com a história e a presente condição humana” (Carey, 1989Carey, James William. (1989), Communication as Culture. New York, Routledge.:87). Com isso, evitando, ao menos por hora, o debate sobre consequências positivas ou negativas relacionadas ao tema da democratização, ressaltamos aqui o forte componente transformador que carrega e que tem aparecido em ciclos mais ou menos intensos ao longo da história das campanhas digitais (Gibson, 2020Gibson, Rachel K. (2020), When the Nerds Go Marching In: How Digital Technology Moved from the Margins to the Mainstream of Political Campaigns. Oxford, Oxford University Press.).

Sobre o segundo tema analisado – fake news – predominaram duas perspectivas. Uma delas trata o fenômeno como algo “natural”, “sempre existiu”, “essa questão da fake news que todo mundo fala, parece que é uma novidade, mas não é”. Um entrevistado afirmou que “as fake news sempre vão existir”. Para ele, as campanhas devem ter uma equipe monitorando e pronta para, quando surgir, “combater, antes que se torne algo maior”. Para outro, fake news é um termo novo para uma coisa que sempre aconteceu na política: mentira, espalhar boato”. Segundo ele, “isso sempre existiu”, “a central de boatos evoluiu”.

A outra perspectiva é pessimista, com expressões como: “não tem como controlar”, “disparar fake news é muito fácil”, “as fake news têm uma grande influência”, “as coisas só tendem a piorar” etc. No contexto das eleições municipais de 2020, alguns entrevistados ressaltaram a situação mais complexa na disputa pelas Prefeituras, especialmente nos municípios menores. Segundo eles, o caráter acirrado e majoritário do pleito para os Executivos municipais e a escassez de recursos midiáticos nas pequenas cidades favorecem as fake news. “Se Bolsonaro foi eleito xingando comunidades de minorias políticas, pode dar certo para mim”, afirmou um entrevistado, simulando um candidato. “Quando você sai da campanha presidencial e vai para o município em que não tem rádio, não tem jornal... Como a campanha funciona nesses lugares? É no “boca a boca”, no WhatsApp, nas redes sociais”. A mesma fonte questionou as formas mais comuns de se lidar com o problema: “Enquanto isso, a gente está discutindo uma comissão para apurar as fake news… isso funciona no plano macro, como as agências de verificação de notícia, essa informação não chega cá embaixo, na base”.

A nosso ver, é importante notar que as fake news se tornaram um elemento estratégico das campanhas. “Uma fake news bem-feita tem estratégia“, afirmou um entrevistado. “As fake news só funcionam se houver uma percepção de verdade. Por exemplo, se você disser que o Bolsonaro vai casar com o Sérgio Moro, ninguém vai acreditar. É preciso que haja uma possibilidade de verdade”, disse mais um. Outro entrevistado chamou a atenção para o fato de que para “fazer [fake news] de forma profissional, de um jeito que traga resultado, você tem que ter uma estrutura para isso”. Segundo ele, “é mito achar que você inventa qualquer coisa, solta nas redes e as pessoas vão acreditar de imediato. Para isso acontecer, você precisa de um trabalho consistente de fake news”. De acordo com uma outra fonte, “uma fake news bem-feita tem estratégia. No primeiro parágrafo tem uma verdade, no segundo informações que não são verídicas, números reais e aí conclui com uma informação falsa”.

Na mesma linha, outro entrevistado afirmou que as fake news não querem “provar uma verdade”, mas, sim, “gerar uma dúvida”. Uma dúvida, por exemplo, “de cunho moral”, plantada contra um certo candidato às vésperas do pleito, “pode atrapalhar a intenção de voto que aquele candidato poderia ter”. Outra de nossas fontes afirmou não acreditar “que a maior parte das campanhas faça uso das fake news como estratégia”. Na verdade, segundo ela, o que você vai ter cada vez mais nas campanhas é “um trabalho de inteligência e de monitoramento para combater fakes news quando preciso”.

Outro entrevistado questionou a preocupação com as fake news em si. “Quem faz qualquer tentativa de propor qualquer regulação ou multa não faz a menor ideia do que está acontecendo”, afirmou. Segundo ele, as fake news não são o problema. “O problema é quem está disseminando. Esse conteúdo difamatório vem de algum lugar. Não é algo orgânico e espontâneo. A questão é quem patrocina”.

Dessa forma, gostaríamos de ressaltar a noção de que as fake news nas mídias digitais são vistas, em nossa análise, como um elemento estratégico que, para trazer resultados de fato, exigem tempo e recursos das campanhas. São feitos cálculos sobre a possibilidade de utilizá-las ou não. Por outro lado, as plataformas devem investir em equipes de monitoramento e resposta, para não se verem à mercê de um ataque que pode, rapidamente, destruir uma candidatura. Com isso, percebe-se que o fenômeno pode ser interpretado como um elemento a mais consolidado nos contextos eleitorais brasileiros.

Em pesquisa recente, Dourado (2020)Dourado, Tatiana Maria Silva Galvão. (2020), Fake News na Eleição Presidencial de 2018 no Brasil. Tese (Doutorado em Comunicação), Universidade Federal da Bahia. explorou a natureza política de 57 fake news que circularam nas eleições de 2018 no Brasil, propagadas por mais de mil contas de usuários de mídias sociais na internet e que alcançaram quatro milhões de compartilhamentos. A partir da análise, a autora concluiu que as fake news reforçam a polarização e deterioram a discussão pública, já que exploram “urgências na forma da distorção política“ e o uso de “expressões radicais“. A polarização política, assim, “pode se transformar em processo contínuo e crescente que fortalece a disputa, a divisão, o conflito, a incivilidade e a intolerância social“ (Dourado, 2020Dourado, Tatiana Maria Silva Galvão. (2020), Fake News na Eleição Presidencial de 2018 no Brasil. Tese (Doutorado em Comunicação), Universidade Federal da Bahia.:97).

O tema, no entanto, tem ganho a atenção da sociedade, com pesquisas e iniciativas originadas na universidade, nas mídias, nas instituições do Estado e na esfera civil (Haciyakupoglu et al., 2018). Não é o caso da segmentação. Como sugere Stromer-Galley (2019)Stromer-Galley, Jennifer. (2019), Presidential Campaigning in the Internet Age. New York, Oxford University Press., segmentar significa classificar um público de massa em minipúblicos, alocar eleitores em diferentes categorias, “to target particular voters”, enviar mensagens para eleitores específicos, que apresentam um determinado perfil ou demonstram um interesse particular. A prática é muitas vezes relacionada ao uso de dados, ciência de dados ou inteligência de dados, que municiam as decisões de comunicação política com informações detalhadas sobre os indivíduos, que são agregados em minipúblicos específicos.

O tema segmentação foi abordado por 71% de nossos entrevistados, como uma tendência a se popularizar entre as campanhas no Brasil. Nesse contexto, são representativas expressões como: “Hoje, a gente abre a ferramenta de anúncios do Facebook e já tem a possibilidade de construir diversos tipos de público”; “O que as pessoas percebem mais superficialmente é a utilização de fake news, mas o processo é mais inteligente. Até para criar fake news podemos nos basear em dados”; e “Quem não for muito criativo, inteligente, quem não segmentar... o candidato que não trabalhar microssegmentação… quem fizer campanha de propaganda de massa, está fora”.

Um dos entrevistados relacionou a prática da segmentação à campanha vitoriosa de Jair Bolsonaro, nas eleições brasileiras de 2018. Segundo ele, a campanha de Jair Bolsonaro conseguiu fazer “um processo de segmentação bem eficiente”. Eles fizeram “algo fundamental hoje em campanhas”, identificar quem é o público, o que esse público deseja e “falar para cada público aquilo que ele quer ouvir”. Para o entrevistado, a campanha Bolsonaro foi guiada “por ódio e também por dados”.

Para outro entrevistado, o importante da internet é “segmentar para quem você quer que aquela informação chegue”. Segundo ele, nas mídias digitais é possível “segmentar e ser mais assertivo no conteúdo em relação ao que aquela pessoa quer ler” – “consigo segmentar cada tipo de conteúdo para cada pessoa”. A segmentação não só permite estabelecer uma comunicação específica com um grupo determinado de eleitores sobre os quais a campanha pôde acumular dados, como também auxilia no desenvolvimento de outras técnicas, como as próprias entrevistas qualitativas. Um dos nossos entrevistados comentou que as entrevistas qualitativas feitas a partir de segmentação desenvolvida na internet trazem “sentimentos mais profundos do que numa qualitativa tradicional, feita numa sala de espelho, onde tem pessoas que você não conhece”. Ele contou que sempre utilizou a prática de testar peças e vídeos de campanha com entrevistas qualitativas. “Hoje fazemos isso no Facebook. Eu direciono a campanha para um público específico e vejo a reação. Que tipo de reação vem, que tipo de crítica vem”. A própria ideia de “profissionalização” foi associada à prática da segmentação. “Uma campanha mais profissional vai utilizar plataformas como o Facebook para criar minipúblicos com diversos tipos de segmentação diferentes. Vai construir a narrativa que melhor cabe a cada um, com automatização, recursos e big data”, afirmou um entrevistado.

Percebendo a segmentação como uma tendência para as campanhas, de que forma podemos refletir sobre as mudanças sociais e políticas que surgem como possíveis consequências dessa mudança tecnológica? A questão nasce da capacidade que as campanhas hoje possuem de, como destaca Howard (2006)Howard, Philip N. (2006), New Media Campaigns and the Managed Citizen. Cambridge, Cambridge University Press., criar minorias, minipúblicos a partir de discursos dirigidos a audiências específicas, gerando uma espécie de atomização política adicional da sociedade – a atomização do público. Para o autor, as campanhas modernas estiveram preocupadas em utilizar pesquisas de opinião e sondar o público sobre algum assunto ou questão. Com base em uma lógica majoritária, as campanhas utilizavam essas informações para moldar o comportamento e a comunicação política de seus candidatos. O problema maior, nesse contexto e do ponto vista da filosofia política, seria a ideia de “tirania da maioria”. As campanhas hipermidiáticas, no entanto, estão mais preocupadas em criar minorias, em vez de seguir maiorias, direcionar a opinião pública em vez de obedecê-la, e fundamentalmente em gerir “a performance contemporânea da cidadania” (Howard, 2006Howard, Philip N. (2006), New Media Campaigns and the Managed Citizen. Cambridge, Cambridge University Press.:204).

A segmentação abre um novo horizonte de problemas, no qual estão sendo redefinidos os sentidos da política. Como diria Martín-Barbero (1987)Martín-Barbero, Jesús. (1987), Dos Meios às Mediações: Comunicação, Cultura e Hegemonia. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ., trata-se de um processo produtor de significações e realidades específicas e não mera circulação de informações. Nesse sentido, a prática pode ser vista como geradora de novos espaços não públicos de “mediação” da realidade política, com consequências para a coesão democrática. Como sugere o próprio Martín-Barbero (1987Martín-Barbero, Jesús. (1987), Dos Meios às Mediações: Comunicação, Cultura e Hegemonia. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ.:253-54), as novas tecnologias provocam uma crise na “ficção de identidade” na qual se apoia a cultura nacional.

Nos anos 1920, nos Estados Unidos, John Dewey chamou a atenção para a ideia de “eclipse do público” (Dewey, 1927). Para o autor, a sociedade havia se tornado tão complexa e fragmentada que o público estava confuso, “eclipsado”, incapaz de cumprir seu papel mediador da política. Hoje, temos um elemento a mais que talvez torne ainda mais complexa e difícil a formação do público, no sentido que Dewey dá ao termo.

Alguém poderia dizer que públicos estão sendo formados, os “minipúblicos” ou “micropúblicos” das mídias sociais. No entanto, parece claro que esses minipúblicos não se reúnem com base na lógica da deliberação sobre questões comuns, como gostaria Dewey, mas em torno do reforço identitário, da solidariedade afetiva e do fortalecimento de suas próprias visões e perspectivas. Nesse sentido, a segmentação pode ser entendida como um elemento a mais no “eclipse do público”, com impactos negativos sobre as possibilidades de deliberação social.

De fato, no sistema híbrido de mídia, a lógica majoritária do paradigma de comunicação de massa convive com a lógica dos grupos específicos das campanhas (permanentes) em rede. Com isso, a comunicação política de massa não é somente voltada “para todos”, o que envolve a ciência de todos, mas é também produzida para minipúblicos, de modo que o “público” em si não tem ciência do que está sendo comunicado ou, em alguns casos, de quem é o autor ou responsável pela mensagem. Na percepção de um de nossos entrevistados, a prática pode ter implicações para a noção tradicional de governança: “O ‘governar para todos’ é uma ideia que todo presidente deveria perseguir, mas é uma estratégia que a comunicação segmentada em rede não permite. Um político forjado nesse sistema é incapaz de governar para todos.”

Em suma, a partir de 28 entrevistas semiestruturadas com profissionais de campanha no Brasil, feitas entre junho e dezembro de 2020, esta pesquisa identificou três temas altamente mencionados pelos entrevistados: democratização, fake news, e segmentação. Em seguida, procuramos pelas percepções dos entrevistados de cada um desses temas e refletimos sobre o que essas noções podem significar para os processos eleitorais e a democracia no Brasil.

Assim, percebemos vários elementos que compõem o tema da democratização, como as noções de “transformação”, “aproximação”, “representação direta”, “comunicação direta”, “igualdade” e “equalização”. Nesse contexto, as mídias digitais propiciariam mais aproximação entre o político e o eleitor, relações mais horizontais, mais participação e empoderamento cidadão. Com esses elementos em mãos, chamamos a atenção para a ideia do “sublime tecnológico”, de James Carey (1989Carey, James William. (1989), Communication as Culture. New York, Routledge., 2022Carey, James William. (2022), “Comunicação como Cultura: Ensaios sobre Mídia, Tecnologia e Sociedade”. Organização de Autor et al. Rio de Janeiro, Loyola. [No prelo]), colocando ênfase no aspecto disruptivo da “descontinuidade radical com a história e a presente condição humana” (Carey, 1989Carey, James William. (1989), Communication as Culture. New York, Routledge.:87) e a pressão de transformação do sistema político.

Com relação ao segundo tema, fake news, dois elementos se sobressaíram. O primeiro deles foi a ideia de que a prática sempre existiu, de que não seria algo novo para os contextos eleitorais. O segundo foi uma percepção pessimista, com os desenvolvimentos tecnológicos que propiciariam a disseminação das fake news. No que diz respeito às consequências para os processos eleitorais e a democracia, ressaltamos a noção de que as fake news aparecem, entre os nossos entrevistados, como um elemento naturalizado e estratégico das campanhas, com cálculos sobre sua utilização a depender do contexto do pleito.

No que diz respeito à segmentação, identificamos uma “tendência” e uma “técnica”. A percepção encontrada foi de que se trata de um elemento central na evolução das campanhas, uma prática eficiente de comunicação política e um instrumento para melhor entendimento do eleitorado. Com relação a esse ponto, refletimos sobre possíveis problemas à coesão democrática originados dessa nova atomização não pública em minipúblicos epecíficos. A nosso ver, as percepções analisadas apontam para um contexto político pressionado pela transformação, em que as fake news são um elemento estratégico. Além disso, sinalizam uma tendência crescente de fragmentação da comunicação política no país.

CONCLUSÃO

Este artigo procurou contribuir para o entendimento de possíveis consequências das campanhas digitais para as eleições e a democracia no Brasil, a partir de um estudo de percepções de profissionais de campanha sobre como a internet afeta as plataformas eleitorais no país. Com isso, construímos uma amostragem de 28 entrevistas semiestruturadas sobre a qual desenvolvemos uma análise temática, tendo como referência um livro de códigos com temas extraídos das entrevistas em diálogo com a literatura especializada. Cada codificador ressaltou fragmentos de textos temáticos das entrevistas, designando-lhes um tema. Ao fim do processo, ressaltamos a frequência dos entrevistados que mencionaram os temas, com a concordância de trechos destacados e temas designados de no mínimo 75%.

A análise temática nos apresentou uma alta frequência de temas como segmentação, que apareceu em 71% das entrevistas, democratização, em 53%, e fake news, também em 53%. Outros temas, como polarização, regulação e campanha permanente, foram testados, mas acabaram sendo abordados por menos de 25% dos profissionais entrevistados e desconsiderados em nossa análise.

A partir desses resultados, procuramos pelas percepções dos entrevistados sobre cada um desses temas e refletimos sobre o que essas noções podem significar para os processos eleitorais e a democracia no Brasil. Nesse sentido, chamamos a atenção para o caráter transformador do tema democratização, ressaltamos que as fake news aparecem como um elemento estratégico das campanhas e destacamos uma tendência de fragmentação crescente da comunicação política no país.

Nesse momento, algumas relativizações se fazem necessárias. Em primeiro lugar, esta pesquisa não tem a intenção de ser representativa dos profissionais de campanha eleitoral no Brasil. Nosso objetivo se limita somente a extrair alguns dados relevantes de modo a se produzir a reflexão proposta. O número pequeno de entrevistados não nos permite extrapolações sobre o universo desses profissionais no país. Além disso, esta pesquisa sofre limitações do fato de ter entrevistado profissionais baseados nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia e Distrito Federal. Nesse sentido, não temos dúvida de que uma maior diversidade regional da amostra poderia trazer resultados não encontrados em nossa análise.

Ao mesmo tempo, ressaltamos, não foi nossa intenção favorecer qualquer tipo de determinismo tecnológico quando analisamos possíveis consequências das mídias digitais para as eleições e a democracia no Brasil. Partimos do pressuposto de que as mídias digitais são um tipo de artefato cultural, cuja utilização e entendimento são informados pela cultura. Com isso, acreditamos ser possível, como sugere Carey (2005)Carey, James William. (2005), “Historical Pragmatism and the Internet”. New Media & Society, v. 7, n. 4, pp. 443-455., entender as mudanças sociais e políticas que surgem como consequências das transformações tecnológicas no âmbito da comunicação, levando em consideração a noção de “culturas híbridas”, de Néstor Canclini (1995)Canclini, Néstor García. (1995), Hybrid Cultures: Strategies for Entering and Leaving Modernity. Minneapolis, University of Minnesota Press., por meio da qual as relações de uma sociedade com as tecnologias globais de comunicação devem ser pensadas no contexto cultural dessas mesmas sociedades. Sobre esse ponto, seguimos a sugestão de Pfetsch (2020)Pfetsch, Barbara. (2020), “Democracy and Digital Dissonance: The Co-Occurance of the Transformation of Political Culture and Communication Infrastructure”. Central European Journal of Communication, v. 13, n. 1, pp. 96-110., de pensar essa questão a partir de uma ocorrência conjunta entre a transformação da infraestrutura comunicacional e as mudanças na cultura política.

Estamos cientes também de que é preciso dar continuidade a esse estudo, tanto do ponto de vista empírico como do aprimoramento da reflexão. A dinâmica do objeto de pesquisa aqui proposto não permite conclusões e reflexões estacionadas no tempo, exigindo um acompanhamento constante do plano cultural-tecnológico e suas consequências.

Com relação a estudos futuros, gostaríamos de ressaltar que este artigo faz parte de um projeto de comunicação política comparada, que analisa consequências das mídias digitais para as democracias na América Latina, financiado pelo Programa Institucional de Internacionalização da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES-PRINT)3 3 . Edital n. 41/2017, n. do processo: 88887.310199/2018-00. . Nesse sentido, esperamos com este artigo aprimorar a metodologia e a reflexão desenvolvidas de modo que possamos tê-las como referências para a análise de outros contextos espaciais e temporais na região.

Agradecimentos

*A pesquisa desenvolvida neste artigo é parte do projeto “Comunicação Política Comparada: uma abordagem para o contexto latino-americano”, do Programa Institucional de Internacionalização da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES-PRINT, Processo no 88887.310199/2018-00). Uma versão deste artigo foi apresentada no XXX Congresso da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós) e no IX Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política, em 2021, no formato online. Os autores agradecem a todas as contribuições feitas nas duas ocasiões.

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NOTAS

  • 1
    . Sobre isso, ver: https://aoir.org/ethics/
  • 2
    . As transcrições podem ser acessadas no link: https://www.dropbox.com/sh/h9ik0m4sadjyvk4/AAB3CcVTvK7iKwrDPmcackbLa?dl=0
  • 3
    . Edital n. 41/2017, n. do processo: 88887.310199/2018-00.
  • *
    A pesquisa desenvolvida neste artigo é parte do projeto “Comunicação Política Comparada: uma abordagem para o contexto latino-americano”, do Programa Institucional de Internacionalização da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES-PRINT, Processo n 88887.310199/2018-00). Uma versão deste artigo foi apresentada no XXX Congresso da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós) e no IX Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política, em 2021, no formato online. Os autores agradecem a todas as contribuições feitas nas duas ocasiões.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2021
  • Revisado
    28 Out 2021
  • Aceito
    22 Dez 2021
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