Resumo
O sucesso ou o fracasso de candidatos à reeleição nas prefeituras nas eleições de 2020 foi determinado pelo contexto da pandemia? Para responder essa questão, testamos a influência de variáveis de cinco dimensões: características individuais dos postulantes, fatores políticos municipais, questões socioeconômicas e de governança, assim como indicadores contextuais da pandemia sobre o desempenho daqueles que tentaram renovar os seus mandatos. A pesquisa circunscreveu 3032 municípios em que prefeitos participaram da corrida eleitoral. Influenciaram positivamente a reeleição os seguintes fatores: tamanho da população, gastos de campanha e gastos em saúde e em educação e contratação de médicos durante a pandemia. Como efeitos negativos, foram encontrados a competição eleitoral e o gênero do chefe do executivo. Concluiu-se que os aspectos que, de fato, determinaram a reeleição estão relacionados ao enfrentamento da Covid-19, a atributos individuais do candidato e às características políticas do município, e não a fatores epidemiológicos ligados à pandemia, como casos confirmados ou mesmo óbitos.
reeleição; pandemia; eleições 2020; auxílio emergencial; Sistema Único de Saúde (SUS)
Abstract
Did the COVID-19 pandemic affect the success or failure of candidates for reelection in the 2020 municipal elections? We attempt to answer this question by tested the influence of five-dimension variables: individual candidate traits, municipal political factors, socioeconomic and governance issues, as well as contextual indicators of the pandemic on the performance of those running for a second term. The study comprehended 3,032 cities in which mayors participated in elections. The following factors positively influenced reelection: population size, campaign expenses, investments in health, education, and hiring doctors during the pandemic. Nevertheless, negative drivers included electoral competition and mayors’ gender. We conclude therefore that the determining factors of reelection are connected to COVID-19 responses, individual candidate traits, and municipal political factors, rather than epidemiological phenomena such as the number of cases or even deaths.
reelection; pandemic; 2020 elections; emergency aid; Brazilian National Health System (SUS)
Résumé
Le succès ou l’échec des candidats à la réélection aux postes de maire lors des élections de 2020 a-t-il été déterminé par le contexte de la pandémie ? Pour répondre à cette question, nous avons testé l’influence des variables provenant de cinq dimensions : les caractéristiques individuelles des candidats, les facteurs politiques municipaux, les questions socio-économiques et de gouvernance, ainsi que les indicateurs contextuels de la pandémie sur les performances de ceux qui ont tenté de renouveler leur mandat. La recherche a porté sur 3032 municipalités où les maires ont participé à la course électorale. Les facteurs suivants ont eu une influence positive sur la réélection : la taille de la population, les dépenses de campagne, les dépenses de santé et d’éducation, ainsi que le recrutement de médecins pendant la pandémie. Des effets négatifs ont été observés pour la concurrence électorale et le genre du chef de l’exécutif. Nous avons conclu que les aspects qui ont réellement déterminé la réélection sont liés à la lutte contre la Covid-19, aux attributs individuels du candidat et aux caractéristiques politiques de la municipalité, et non aux facteurs épidémiologiques liés à la pandémie, tels que les cas confirmés ou même les décès.
réélection; pandémie; élections 2020; aide d’urgence; Système de Santé Universel (SUS)
Resumen
¿El éxito o fracaso de los candidatos que quieren ser reelegidos como alcaldes en las elecciones de 2020 fue determinado por el contexto de la pandemia? Para responder a esa pregunta, analizamos la influencia de variables de cinco dimensiones: características individuales de los postulantes, factores políticos municipales, cuestiones socioeconómicas y de gobernanza, así como indicadores contextuales de la pandemia sobre el desempeño de aquellos que intentaron renovar sus mandatos. La investigación abarcó 3032 municipios en los que los alcaldes participaron de la contienda electoral. Los siguientes factores influenciaron positivamente la reelección: tamaño de la población, gastos de campaña, en salud y educación y contratación de médicos durante la pandemia. Con efectos negativos se encontraron la competencia electoral y el género del jefe del ejecutivo. Se puede concluir que los aspectos que, de hecho, determinaron la reelección, están relacionados con el combate al Covid-19, a atributos individuales del candidato y a las características políticas del municipio y no a factores epidemiológicos ligados a la pandemia, como casos confirmados e incluso fallecimientos.
reelección; pandemia; elecciones 2020; auxilio emergencial; Sistema Único de Salud (SUS)
Introdução
As eleições municipais de 2020 ocorreram durante um dos eventos de maior impacto da história do Brasil e do mundo: a pandemia de Covid-19. Sua realização demandou um esforço do Legislativo e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para torná-la exequível, como alterações no calendário eleitoral e ações mobilizadoras visando aumentar o quantitativo de mesários. Além da Covid-19, outras questões deram um aspecto inédito à corrida eleitoral de 2020. O pleito foi marcado por mudanças importantes nas regras eleitorais, tais como a proibição das coligações proporcionais e a redução do tempo de campanha eleitoral. Nesse contexto, foram registrados índices recordes de abstenção eleitoral: cerca de 23% dos eleitores não compareceram às urnas para escolher prefeitos e vereadores.
Durante a pandemia, os sistemas de saúde foram postos à prova, seja pela velocidade de transmissão da doença, seja pela falta de um tratamento específico. No caso brasileiro, os dados oficiais do Ministério da Saúde apontam que, no ano de 2020, o número de casos de Covid-19 ultrapassou a marca de 7.5 milhões, enquanto o de óbitos girou em torno de 190 mil. Este artigo integra a discussão acadêmica que busca identificar as influências da pandemia sobre as eleições municipais.
Além do alto risco da doença, outro fator potencializou a gravidade da situação no Brasil: a descoordenação na tomada de decisões devido à ausência de uma liderança nacional. O Governo Federal se recusou a assumir suas responsabilidades como coordenador das políticas de combate à pandemia, e não houve programas de enfrentamento que disseminassem quais medidas adotar de cima (União) para baixo (estados e municípios). Segundo Abrucio et al. (2020)Abrucio, Fernando Luiz; Grin, Eduardo José; Franzese, Cibele; Segatto, Catarina Ianni; Couto, Claúdio Gonçalves. (2020), “Combate à Covid-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental”. Revista de Administração Pública, v. 54, pp. 663–677., ações articuladas entre os entes federativos eram de fundamental importância no combate ao Covid-19, especialmente, em um país com as dimensões do Brasil e com sua diversidade de contextos locais.
Jair Bolsonaro, além de se omitir das suas responsabilidades coordenativas, também influenciou negativamente as medidas sanitárias promovidas por estados e municípios, interferiu em decisões técnicas do Ministério da Saúde, na gestão dos dados sobre casos e óbitos e na forma como seriam apresentados, estimulou e inseriu o protocolo clínico de tratamento contra a Covid-19 a partir de medicamentos sem comprovação científica de efetividade contra a doença (Campos, 2020Campos, Gastão Wagner de Sousa. (2020), “O pesadelo macabro da Covid-19 no Brasil: entre negacionismos e desvarios”. Trabalho, Educação e Saúde, v. 18, n. 3, pp. 1–5.; Henriques, Pessanha, Vasconcelos, 2020; Pereira, Oliveira, Sampaio, 2020; Sodré, 2020Sodré, Francis. (2020), “Epidemia de Covid-19: questões críticas para a gestão da saúde pública no Brasil”. Trabalho, Educação e Saúde, v. 18, n. 3, pp. 1–12.). O presidente adotou uma postura de enfrentamento intergovernamental (Caponi, 2020Caponi, Sandra. (2020), “Covid-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal”. Estudos Avançados, 33. v. 34, n. 99, pp. 209–224.), chegando a declarar, no dia 14 de maio de 2020, que o país estava em guerra contra os governadores e prefeitos que adotavam medidas de distanciamento social e a obrigatoriedade do uso de máscaras.
Com baixos níveis de apoio da população (Rennó, Avritzer, Carvalho, 2021), a postura negacionista do presidente transformou prefeitos e governadores em atores centrais no combate à pandemia. O desarranjo federativo, além de ter sido apontado como uma das causas da disseminação da doença pelo país (Castro et al., 2021), impeliu os governos subnacionais, principalmente os municípios, a buscarem estratégias e adotarem medidas diversas para o enfrentamento da doença. Os mandatários locais editaram decretos e proposições de leis buscando o controle da disseminação da Covid-19, tais como o isolamento social, o fechamento de serviços não essenciais, além de períodos de quarentena e lockdown (Schaefer et al., 2020Schaefer, Bruno Marques; Resende, Roberta Carnelos; Epitácio, Sara de Sousa Fernandes; Aleixo, Mariah Torres. (2020), “Ações governamentais contra o novo coronavírus: evidências dos estados brasileiros”. Revista de Administração Pública, v. 54, pp. 1429–1445.).
Outro fator que contribuiu para a centralidade dos prefeitos no combate à crise foi a estrutura institucional do Sistema Único de Saúde (SUS). A implementação do direito à saúde tem como suas bases sistêmicas a descentralização e hierarquização, em que a União e estados são os responsáveis pela cooperação técnica e financeira, enquanto os municípios são os atores que disponibilizam os atendimentos de forma contínua (Arretche, Rodden, 2004; Silva, 2001Silva, Silvio Fernandes da. (2001), Municipalização da saúde e poder local: sujeitos, atores e políticas. Tese (Doutorado em Saúde Pública), Universidade de São Paulo, São Paulo, pp. 1–180.). A capilaridade da cobertura do sistema de saúde no território nacional se dá pela tomada dos entes locais como responsáveis, em grande medida, pela prestação dos serviços na ponta. Quando os problemas decorrentes da pandemia chegaram ao Brasil, restou aos entes municipais a incumbência de agir, sobretudo do ponto de vista da provisão de serviços.
A pandemia ceifou milhares de vidas, instalou uma crise sanitária e desestruturou arranjos entre atores e instituições políticas. Por óbvio, impactou as eleições municipais em diversas dimensões. Este artigo se propõe a avaliar como foi esse impacto sobre as chances de reeleição dos mandatários locais. Em um contexto de descoordenação federativa, os prefeitos foram protagonistas na adoção de estratégias de contenção dos problemas decorrentes da pandemia. Sendo assim, verificar-se-á se a agenda de enfrentamento à doença definida pelos prefeitos e os dados epidemiológicos tiveram impactos sobre os resultados eleitorais nas eleições de 2020.
O objetivo deste artigo é analisar os fatores que influenciaram o sucesso e o fracasso de candidatos à reeleição em 2020 e, principalmente, como o contexto da pandemia impactou as chances de os chefes dos executivos municipais renovarem seus mandatos. A pergunta que norteia este trabalho se expressa da seguinte forma: como variáveis da (1) conjuntura pandêmica e políticas de enfrentamento, (2) aspectos socioeconômicos dos municípios, (3) características individuais dos candidatos, (4) resultados de políticas governamentais e (5) conjuntura política municipal alteraram as chances de reeleição de prefeitos em 2020?
Para respondê-la, além desta introdução, o artigo se estrutura em mais cinco seções. A primeira apresenta a literatura que se debruça sobre a compreensão dos efeitos da pandemia no prosseguimento ou não do governo do mandatário local. A segunda esclarece os métodos e os dados utilizados. A terceira trata da relação do enfrentamento da pandemia e da reeleição de prefeitos, enquanto a quarta seção demonstra os fatores que determinaram o sucesso ou fracasso daqueles que tentaram renovar seus mandatos. Por fim, a quinta seção trata das considerações finais do trabalho.
Reeleição e Covid-19
Em 2020, os sistemas democráticos de diversos países tiveram que enfrentar desafios adicionais com o advento da pandemia de Covid-19. Segundo o Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA), entre 21 de fevereiro de 2020 e 21 de agosto de 2021, houve 132 eleições em países e territórios, e foram realizados 79 adiamentos de pleitos.
Entre as incertezas que pairavam sobre essas disputas, os índices de abstenção figuravam entre os mais citados, pois o risco de contágio se apresentava com um potencial inibidor da participação, haja vista que a imensa maioria das eleições exige o comparecimento do eleitor aos locais de votação. Os resultados variaram bastante, havendo casos como o da França, onde o voto não é obrigatório e a abstenção bateu recorde com uma elevação de 19% em relação à eleição anterior, que ocorrera em 2014 (Cassan, Sangnier, 2020). Já o Uruguai exibiu robustos índices de comparecimento, alcançando cerca de 85% dos eleitores.
Bertoli et al. (2020)Bertoli, Simone; Guichard, Lucas; Marchetta, Francesca. (2020), “Turnout in the municipal elections of March 2020 and excess mortality during the Covid-19 epidemic in France”. IZA Discussion Paper. analisaram as consequências da decisão do governo francês de manter as eleições sobre o excesso de mortalidade local nas semanas seguintes. O estudo indicou que os locais com uma maior participação foram associados a uma contagem de óbitos significativamente maior para a população idosa nas cinco semanas após as eleições. Além disso, projeções indicam que, se a participação em 2020 estivesse no nível de 2014, o número de mortes teria sido 21,8% maior do que o registrado (Bertoli, Guichard, Marchetta, 2020:14). Os resultados ilustram o debate intenso experimentado à época sobre o que deveria prevalecer, a proteção epidemiológica ou o exercício democrático da população.
Partindo do postulado teórico de que grandes crises reforçam o status quo político, Bol et al. (2021)Bol, Damien; Giani, Marco; Blais, André; Loewen, Peter John. (2021), “The effect of Covid‐19 lockdowns on political support: Some good news for democracy?” European Journal of Political Research, v. 60, n. 2, pp. 497–505. analisaram os efeitos políticos da aplicação de uma política de confinamento em resposta à pandemia de Covid-19 em 15 países da Europa Ocidental. A pesquisa consistiu em comparar o apoio político do chefe maior do Estado logo antes e logo após o início do bloqueio em seu país, baseado em pesquisas de opinião realizadas entre março e abril de 2020. Os resultados apontaram que os bloqueios aumentaram as intenções de voto para o partido do primeiro-ministro/presidente, além da confiança no governo e a satisfação com a democracia (Bol et al., 2021:502). Ou seja, os cidadãos premiaram aqueles que tiveram uma política de restrição mais acentuada.
No Brasil, os motivos que explicam as vantagens de ser candidato enquanto se ocupa um cargo varia de acordo com o tipo de cargo em jogo. No caso das prefeituras, fatores como o controle de boa parte do orçamento municipal e maior visibilidade dos mandatários conferem vantagens sobre os demais candidatos aos que disputam a reeleição (Barreto, 2014Barreto, Alvaro Augusto de Borba. (2014), “Cabeça e Corpo: Incumbent versus partido nas eleições municipais brasileiras (2000-2012)”. IX Encontro da ABCP.). Entretanto, o efeito incumbent 1 1 . Incumbents é o conceito usado para se referir às consequências positivas ou negativas que o exercício atual do mandato proporciona ao governante que tenta continuar em seu cargo em uma nova eleição. não é um ponto pacificado na literatura. Trabalhos recentes que utilizam métodos de quase-experimento chegaram à conclusão de que os efeitos isolados de ocupar a máquina pública podem ser negativos sobre a chances de reeleição dos prefeitos (Brambor, Ceneviva, 2012).
O Gráfico 1 aborda, em uma perspectiva longitudinal, qual foi a situação do candidato vencedor da eleição anterior em relação ao pleito seguinte, de modo a ilustrar o quantitativo de mandatários que estavam impedidos, que não tentaram prosseguir em seus cargos, que perderam e que venceram as eleições. Verifica-se que, no pleito de 2020, em meio à crise sanitária, o número de reeleições foi um dos maiores da série histórica, retomando o padrão de 2008, quando o país viveu um período de expansão dos gastos públicos e crescimento econômico. O número de impedidos à reeleição, em 2020, também foi um recorde histórico negativo desde a aprovação da emenda constitucional que introduziu a possibilidade de reeleição dos chefes dos poderes executivos em 1997. Esse fato pode ser explicado pela conjugação da crise econômica com a crise política, em 2016, que gerou um grande contingente de derrotados e de desistentes. Portanto, em 2020, muitos prefeitos tiveram a possibilidade de se recandidatar, já que estavam em primeiro mandato.
O resultado eleitoral brasileiro vai ao encontro da tendência internacional demonstrada em países como Alemanha, Canadá e França, que apontam para vantagens dos incumbents nos processos eleitorais realizados em ambiente pandêmico (Bol et al., 2021Bol, Damien; Giani, Marco; Blais, André; Loewen, Peter John. (2021), “The effect of Covid‐19 lockdowns on political support: Some good news for democracy?” European Journal of Political Research, v. 60, n. 2, pp. 497–505.; Cassan, Sangnier, 2020; Noury et al., 2021Noury, Abdul; François, Abel; Gergaud, Olivier; Garel, Alexandre. (2021), “How does Covid-19 affect electoral participation? Evidence from the French municipal elections”. PloS one, v. 16, n. 2, pp. 1–16.; Tarouco, 2021). Resta investigar quais fatores relacionados à crise sanitária tiveram impactos nas eleições locais brasileiras, no geral, e na reeleição dos prefeitos, em particular.
Neste sentido, De Sandes-Freitas et al. (2021)De Sandes-Freitas, Vítor Eduardo Veras; De Almeida, Helga do Nascimento; Silame, Thiago Rodrigues; Santana, Luciana. (2021), “Combate à pandemia de Covid-19 e sucesso eleitoral nas capitais brasileiras em 2020”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 36, pp. 1–40. verificaram se as formas como os prefeitos de capitais lidaram com a crise sanitária impactou seu sucesso eleitoral. Mais especificamente, o trabalho analisou se os prefeitos candidatos à reeleição e/ou candidatos à sucessão indicados pelo prefeito em exercício nas 25 capitais obtiveram sucesso eleitoral, considerando medidas relacionadas ao combate da Covid-19. Utilizou-se o método Qualitative Comparative Analysis (QCA), no qual foram mobilizadas quatro condições causais: a) a aprovação do prefeito; b) o grau de rigidez das medidas adotadas nas capitais mensurado pelo índice construído pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); c) a taxa de óbitos ocasionados pela Covid-19 por 100 mil habitantes; d) o alinhamento de prefeitos das capitais em relação ao governo federal. Como resultado, o estudo apontou que, das 25 capitais analisadas, em 15 o prefeito conseguiu se reeleger ou eleger seu sucessor. Verificou-se, também, a relação entre uma baixa taxa de óbitos e o sucesso eleitoral, e que a adoção de medidas rígidas de isolamento social, por parte dos prefeitos, não necessariamente levou ao sucesso eleitoral. Além disso, em 1/3 dos casos de municípios onde as taxas de óbitos eram menores, os prefeitos em situação de disputa de reeleição ou seus indicados à sucessão obtiveram sucesso (Freitas et al., 2021:32).
Barros et al. (2020)Barros, Terezinha Cabral de Albuquerque Neta et al. (2020), A pandemia da Covid-19, a disputa política e as eleições 2020 na Região Metropolitana de Natal (RN, Brasil). Research, Society and Development, v. 9, n. 10. uniram esforços para compreender como as eleições de 2020 influenciaram as medidas de enfrentamento à pandemia em cinco municípios que compõem a região metropolitana de Natal (RN). A pesquisa documental foi usada para sistematização dos decretos estaduais e municipais, os quais foram cruzados com dados quantitativos referentes às taxas de transmissibilidade e de ocupação de leitos de UTI. Na análise, os mandatários do executivo municipal foram contemplados com uma maior visibilidade devido às suas ações no enfrentamento à crise. Para os autores, a pandemia permitiu aos gestores locais vincularem suas imagens às iniciativas de combate à propagação da Covid-19, obtendo com isso apelo midiático, o que acabou por se tornar uma janela de oportunidade para a promoção eleitoral na medida em que elevou sua visibilidade. Não foi possível afirmar que os prefeitos candidatos tiveram, de fato, maiores chances de vitória, haja vista que o estudo foi feito antes do pleito (Barros et al., 2020Barros, Terezinha Cabral de Albuquerque Neta et al. (2020), A pandemia da Covid-19, a disputa política e as eleições 2020 na Região Metropolitana de Natal (RN, Brasil). Research, Society and Development, v. 9, n. 10.:21).
De maneira geral, os trabalhos sobre Covid-19 e eleições podem ser divididos em duas correntes de análises. A primeira está preocupada em compreender como fatores políticos ligados à dinâmica eleitoral impactaram as medidas de enfrentamento à pandemia (Bertoli, Guichard, Marchetta, 2020; Oliveira, 2021Oliveira, Cristiano Aguiar de. (2021), “Voto válido é risco nulo? O impacto do segundo turno das eleições municipais de 2020 nos casos e óbitos por Covid-19 no Brasil”. Escola Nacional de Administração Pública (Enap).). A outra vertente analisa como as ações para o enfrentamento à Covid-19 influenciaram os resultados eleitorais nas unidades locais brasileiras (Barreto, 2021Barreto, Alvaro Augusto de Borba. (2021), “Abstenção, votos brancos e nulos: os números das eleições de 2020”. Cadernos Adenauer: Impactos das eleições 2020 e da pandemia no Brasil, pp. 55–87.; Freitas et al., 2021; Marenco, Cate, 2021). Dito de outra forma, ora as eleições são variáveis independentes que influenciam o comportamento dos atores políticos no enfrentamento à pandemia, ora são variáveis dependentes influenciadas pela Covid-19. A análise que aqui se empreende se filia a esta última corrente.
Ao estender as análises dos efeitos das variáveis epidemiológicas e de enfrentamento para os municípios que não são capitais dos estados, o estudo aqui proposto permitirá inserir nos modelos explicativos controles e variáveis clássicas que a vasta literatura sobre reeleição de prefeitos já reconheceu como importantes (Cavalcante, 2016Cavalcante, Pedro. (2016), “Desempenho fiscal e eleições no Brasil: uma análise comparada dos governos municipais”. Revista de Administração Pública, v. 50, n. 2, pp. 307–330.; Costa, 2006Costa, Mylena Moreira de Alencastro. (2006), Reeleição e Política Fiscal: um estudo dos efeitos da reeleição nos gastos público. Dissertação (Mestre em Economia do Setor Público), Universidade de Brasília, Brasília.; De Araujo Junior, Cançado, Shikida, 2005; Klein, 2010Klein, Fabio Alvim. (2010), “Reelection incentives and political budget cycle: evidence from Brazil”. Revista de Administração Pública, v. 44, n. 2, pp. 283–337.; Marciniuk, Bugarin, 2019; Mendes, Rocha, 2003; Sakurai, 2005Sakurai, Sergio Naruhiko. (2005), “Testando a hipótese de ciclos eleitorais racionais nas eleições dos municípios paulistas”. Estudos Econômicos (São Paulo), v. 35, n. 2, pp. 297–315.; Sakurai, Menezes Filho, 2007).
Cavalcante (2015)Cavalcante, Pedro. (2015), “Vale A Pena Ser Um Bom Prefeito? Comportamento Eleitoral e Reeleição no Brasil”. Opinião Pública, v. 21, n. 1, pp. 87–104. analisou as eleições de 2008, quando selecionou 2.900 cidades do país e elegeu nove variáveis objetivando relacioná-las com a probabilidade de reeleição; elementos da realidade partidária, eleitoral e de gestão local estão entre as selecionadas. Segundo o autor, ao levar em consideração a eleição anterior, o potencial político do prefeito (calculado pela margem de vitória) teve forte correlação com a reeleição. Entretanto, o mesmo não ocorreu com a competição eleitoral. O alinhamento à coalizão do presidente da República não aumentou as chances de reeleição do prefeito, mas o alinhamento à coalizão do governador, sim. No que concerne às características de gestão, o trabalho apontou que o eleitor premia com reeleição o prefeito que adota boa gestão das contas públicas. Quanto ao perfil da população: os anos de estudo influenciam negativamente a reeleição; ou seja, quanto mais elevado for o nível educacional da população, mais difícil é, para o prefeito, reeleger-se. O autor não encontrou impactos com significância estatística da renda per capita, assim como também não tiveram efeito a taxa de urbanização e o tamanho da população.
Os impactos dos gastos públicos municipais sobre as chances de reeleição foram analisados por Sakurai e Filho (2007)Sakurai, Sérgio Naruhiko; Filho, Naércio Aquino Menezes. (2007), “Política fiscal e reeleição nos municípios brasileiros: uma análise via dados em painel para o período 1988-2000”. Encontro Nacional de Economia, v. 35., que constataram um efeito positivo entre gastos ao longo do mandato e chances de sucesso eleitoral. Porém comportamentos oportunistas no último ano do governo foram punidos pelos eleitores.
Mendes e Rocha (2004) constataram que a forma de gestão das políticas municipais feita pelos prefeitos, notadamente as de educação e saúde, explicam parte do resultado eleitoral. Para os autores, a performance de prefeitos pode ser observada mais facilmente por eleitores do que o desempenho do presidente da República, posto que o prefeito é o principal gerente dos serviços públicos diretamente fornecidos à população, o que o torna uma figura política mais facilmente identificada.
A teoria dos ciclos econômicos foi testada por Klein (2010)Klein, Fabio Alvim. (2010), “Reelection incentives and political budget cycle: evidence from Brazil”. Revista de Administração Pública, v. 44, n. 2, pp. 283–337. em 5.406 municípios. O autor verificou que ocorreram diferenças significativas no gasto per capita municipal em ano eleitoral. Segundo ele, considerando as eleições de 2004: “em média, os prefeitos reeleitos gastam cerca de 3% a mais em anos eleitorais do que os não reeleitos. Candidatos reelegíveis possuem variação de gastos cerca de 5% maior do que os não reelegíveis” (Klein, 2010Klein, Fabio Alvim. (2010), “Reelection incentives and political budget cycle: evidence from Brazil”. Revista de Administração Pública, v. 44, n. 2, pp. 283–337.:334).
As eleições entre 2000 e 2008 nos municípios baianos foram investigadas por De Figueiredo Silva e Braga (2013)De Figueiredo Silva, Felipe; Braga, Marcelo José. (2013), “Determinantes da Reeleição Municipal da Bahia para o período de 2000 a 2008”. Planejamento e Políticas Públicas, n. 40.. Os autores não encontraram efeitos sobre a reeleição das variáveis macroeconômicas representadas por PIB per capita e receita tributária e tampouco do alinhamento do prefeito com o partido do presidente. Por outro lado, o alinhamento com o partido do governador e o aumento de receitas totais afetaram positivamente as chances de reeleição. Por fim, sustentam que “o governante que gera um aumento nas despesas totais durante o ano eleitoral reduz suas chances de reeleição” (De Figueiredo Silva, Braga, 2013:273).
Neste artigo a pandemia é tratada como um choque exógeno que atingiu a economia dos municípios, nos quais agentes políticos locais tiveram a possibilidade de tomar decisões que afetaram tanto resultados da própria pandemia quanto alteraram as chances de reeleição. A influência de choques exógenos sobre a popularidade e reeleição de presidentes na América Latina foram amplamente tratados por Campello e Zucco (2016)Campello, Daniela; Zucco Jr, Cesar. (2016), “Presidential success and the world economy”. The Journal of Politics, v. 78, n. 2, pp. 589-602., cabe perguntar como os efeitos da pandemia afetaram a capacidade de responsabilização eleitoral no nível subnacional. Em um contexto de crise pandêmica, os prefeitos com possibilidade de reeleição se viram diante de um aparente paradoxo: adotar medidas restritivas de circulação com consequências econômicas negativas ou correr o risco de serem responsabilizados eleitoralmente pelos casos de óbitos.
Novaes e Schiumerini (2015) investigaram a capacidade do eleitor de distinguir os efeitos de políticas públicas locais de fatores exógenos, tais como as variações dos preços de commodities, que impactam a economia dos municípios, mas não são controladas pelos administradores locais. Nos municípios rurais, nos quais a agricultura representa grande percentual da economia, os autores encontraram forte efeito da variação dos preços de commodities sobre a probabilidade de reeleição do prefeito. Logo, a conclusão foi a de que os eleitores têm pouca capacidade de distinguir sinais exógenos e sinais endógenos, conferindo vantagens e desvantagens aos candidatos à reeleição baseados em critérios que estão fora do controle dos mandatários.
Baseado neste arcabouço teórico, este artigo busca compreender se as chances de prefeitos renovarem os seus mandatos foram influenciadas por aspectos ligados ao enfrentamento à Covid-19, mantidos constantes outros fatores individuais dos candidatos, além de dados socioeconômicos e políticos dos municípios.
Os dados e o método
Este estudo consiste em uma investigação eminentemente quantitativa, através da qual analisa-se a reeleição nas eleições municipais de 2020. A variável dependente foi construída de forma a identificar se o candidato à reeleição obteve sucesso ou fracasso eleitoral: o valor 0 significa derrota, enquanto o valor 1 aponta para a vitória. Do total de tentativas de reeleição, o universo de análise foi limitado aos que foram eleitos em 2016. Foram excluídos da análise todos os municípios em que as eleições de 2016 foram anuladas, assim como os casos em que os eleitos não completaram seus mandatos. Ao todo, foram levados em conta 3.032 casos por meio de análises de comparação de médias, ANOVA, modelos de regressão logística binomial e modelos hierárquicos de dois níveis (multinível).
O conjunto de variáveis independentes foi dividido em cinco dimensões. A primeira se refere a dados sociodemográficos, tais quais a população estimada e o IDEB em 2019; a região a que pertence; o índice de GINI em 2010; o PIB per capita em 2017; a indicação de pertencimento a uma região metropolitana; a hipótese de o município configurar um polo de saúde; a densidade demográfica e a dependência financeira da prefeitura de rendas transferidas pelo demais entes em 2019.
A segunda dimensão engloba as variáveis políticas, o que inclui a competição eleitoral em 2020 nas eleições majoritárias mensurada pelo número efetivo de partidos (NEP), a diferença entre o primeiro e o segundo colocado nas eleições de 2016 para prefeito e a diferença de votos entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro no segundo turno em 2018.
O terceiro conjunto de variáveis independentes trata do nível individual dos postulantes. A saber, o partido político (operacionalizado por dummies para as oito maiores legendas com candidatos à reeleição), o gênero, o estado civil, a profissão (dummy para médicos), a escolaridade e os gastos de campanha (percentual de recursos utilizados pelo postulante em relação ao total de recursos gastos por todos os candidatos daquele distrito eleitoral).
A quarta dimensão, de governo, é constituída por um grupo de variáveis referentes aos resultados de políticas públicas de educação e administração pública, típicas da atuação governamental via gastos e provisão de serviços sociais. Neste grupo se encontram o percentual de funcionários discricionários e o número de funcionários públicos municipais per capita em 2020, a variação percentual do IDEB entre 2017 e 2019, a variação percentual do valor gasto em ensino fundamental e infantil per capita entre 2016 e 2020 e as despesas com educação infantil per capita em 2020.
O quinto e último grupo de variáveis se refere, especificamente, às dimensões de interesse deste artigo, a saber, as políticas de respostas à pandemia e ao grau do impacto da Covid-19 no município. No que tange ao combate à crise sanitária, foram incluídas nos modelos variáveis que mensuram o esforço na provisão de políticas públicas de saúde. São elas: despesas totais com saúde per capita em 2020, variação percentual do gasto em saúde per capita entre 2019 e 2020, variação percentual de médicos entre 2019 e 2020, variação percentual de técnicos de enfermagem entre 2019 e 2020. Esperavam-se efeitos positivos destas variáveis sobre as chances de reeleição. Por outro lado, foi incluída no modelo a variável que mensura a restrição de mobilidade em locais de trabalho, calculada com o uso do relatório de mobilidade do Google, e foi utilizada como uma proxy de lockdowns. A expectativa é que esta variável tivesse impacto positivo nas chances de reeleição dado que a pesquisa de opinião do Datafolha apontou que 60% da população apoiava medidas de lockdown2 2 . Por G1. 60% dos brasileiros apoiam ‘lockdown’, diz Datafolha. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/27/60percent-dos-brasileiros-apoiam-lockdown-diz-datafolha.ghtml. Acessado em 11/08/2022. .
No que concerne ao grau de impacto da pandemia, foram selecionados aspectos como (a) o número de óbitos por 10 habitantes, (b) o número de casos por 10 mil habitantes até o mês de outubro de 2020, (c) os valores que os municípios receberam de auxílio emergencial per capita até outubro de 2020 e, por fim, (d) a proporção da população do município que foi beneficiada com o auxílio.
A figura abaixo apresenta, por dimensões, as variáveis que serão inseridas nas análises bivariadas e multivariadas3 3 . A operacionalização e a fonte de cada variável se encontram no anexo 1. .
Enfrentamento da pandemia e reeleição
A literatura sobre ciclos políticos aponta que um governante possui fortes estímulos para alterar sua política econômica e seu comportamento na gestão de políticas públicas em anos eleitorais para aumentar a probabilidade da manutenção do seu poder (Nordhaus, 1975Nordhaus, William D. (1975), “The political business cycle”. The review of economic studies, v. 42, n. 2, pp. 169–190.; Puchale et al., 2020Puchale, Caroline Lucion; Pereira, Ohanna Larissa Fraga; Veloso, Gilberto Oliveira; Feiste, Paulo Ricardo. (2020), “A influência de ciclos político-econômicos em despesas socioeconômicas dos estados brasileiros de 2003 a 2014”. Política & Sociedade, v. 19, n. 44, pp. 229–256.). Atores ocupantes de cargos no Executivo envolvidos em eleições possuem a liberdade e a capacidade estratégica de manipular os instrumentos econômicos e de ação pública antes das eleições a fim de manterem-se em seus cargos. Isso pode ocorrer através de diferentes ações governamentais: aumento nos gastos públicos, aumento do emprego, redução de impostos, ou mesmo através da mudança de gastos de serviços públicos menos visíveis para outros mais visíveis – como sugere Klein (2010)Klein, Fabio Alvim. (2010), “Reelection incentives and political budget cycle: evidence from Brazil”. Revista de Administração Pública, v. 44, n. 2, pp. 283–337..
Com o objetivo de analisar relações bivariadas entre a situação dos prefeitos e as variáveis relacionadas à pandemia, foram realizados testes de diferenças de médias e ANOVA (com testes post-hoc com correção de Holm-Bonferroni para o p-valor). A variável independente foi operacionalizada em quatro categorias: prefeitos em segundo mandato (impedidos de se recandidatarem), desistentes (que podiam se recandidatar, porém não o fizeram), derrotados (que participaram do pleito e fracassaram) e reeleitos.
Foram selecionadas seis variáveis relativas às dimensões de enfrentamento e de epidemiologia. Duas variáveis de contratação de pessoal (médicos e auxiliares de enfermagem), gastos per capita em saúde, médias de restrições de circulação de pessoas em locais de trabalho, valores de auxílio emergencial per capita e, por fim, o número de óbitos por habitantes até outubro de 2020.
Para a contratação de médicos em 2020 (em relação a 2016), as diferenças foram significativas estatisticamente para os pares de reeleitos e impedidos, assim como para os reeleitos e aqueles que não tentaram. Em ambos os casos, o grupo de municípios que tiveram os prefeitos reeleitos foram os que apresentaram as maiores médias para a variação percentual de médicos (38% de aumento em 2020 em relação a 2016). Sobre a contratação de auxiliares de enfermagem, o grupo dos reeleitos também demonstrou médias superiores a todos os demais grupos (33%), porém estatisticamente significantes somente em relação ao grupo dos impedidos (25%).
A média de óbitos por 10 mil habitantes e a média de restrições não apresentaram diferenças estatisticamente significativas para qualquer dos pares comparados, demonstrando que nem a variável epidemiológica nem as medidas de restrição de circulação de pessoas impactaram a reeleição dos prefeitos. O mesmo pode ser afirmado em relação aos recursos de transferências diretas do auxílio emergencial (que somente apresentou diferenças entre os não reeleitos e os impedidos). Ainda que não tenha sido uma política municipal, era de se esperar que a mitigação dos prejuízos econômicos ocasionados pela pandemia poderia ter efeito sobre a eleição municipal. Não foi o que se verificou nas análises bivariadas, pois a diferença se deu apenas entre os grupos de impedidos e dos que desistiram.
Por fim, a única variável que apresentou diferenças estatisticamente significativas para quase todos os pares de grupos foi relativa aos gastos totais per capita em saúde. Os reeleitos gastaram em média (R$ 1.111 per capita) mais do que os não reeleitos (R$ 1.043 per capita), que, por sua vez, gastaram menos do que os que não tentaram (R$ 1.091 per capita). Todos os três grupos foram superados, em média, pelos prefeitos que estavam impedidos (R$ 1.161 per capita). Aparentemente, os prefeitos que já estavam em segundo mandato, por não terem que se preocupar com as consequências fiscais no ano subsequente, foram os que empregaram os maiores montantes de recursos no SUS. Este é um fato interessante do ponto de vista de análise dos efeitos da possibilidade de reeleição sobre a responsabilidade fiscal, porém escapa aos objetivos deste trabalho, que trata a eleição como fenômeno a ser explicado e não como variável explicativa.
As análises bivariadas entre as variáveis de enfrentamento e conjuntura pandêmica aparentemente não demonstraram relações consistentes entre as categorias de situação política dos mandatários locais que estavam em condições de se reeleger. Resta investigar se há interferências de demais variáveis em testes multivariados nos quais controles estatísticos mais rigorosos tendem a evitar vieses por variáveis omitidas.
Os condicionantes do desempenho eleitoral em 2020
O objetivo desta seção é apresentar os modelos econométricos no intuito de responder se os mandatários locais que tentaram a reeleição em 2020 tiveram as suas chances de sucesso alteradas pela pandemia, mantidas constantes outras características. A estratégia adotada foi construir primeiramente um modelo com todas as variáveis referentes às cinco dimensões e, na sequência, retirar gradativamente aquelas que não se demonstraram estatisticamente significantes e/ou redundantes, com a finalidade de alcançar modelos mais parcimoniosos e evitar efeitos de confusão entre as variáveis independentes4 4 . Foram realizados testes de covariação das variáveis independentes, casos de influência e normalidade dos resíduos para todos os modelos. Os dados relativos ao modelo 4 podem ser encontrados no anexo 5. .
O primeiro modelo reúne todas as variáveis incluídas na análise. Devido à falta de informações de municípios em determinados requisitos, principalmente no IDEB e na variável que mensura a restrição de mobilidade em locais de trabalho, os casos analisados ficaram restritos a apenas 657.
Gastos em políticas sociais (educação e saúde, principalmente) estão parcialmente correlacionados e quando inseridos em conjunto no mesmo modelo tendem a inflacionar o coeficiente de variação explicada e enviesar os estimadores. Por isso foi retirado o gasto em educação nos modelos subsequentes.
Na construção do modelo 2, foram retiradas três variáveis sociodemográficas: a indicação de pertencimento do município a uma região metropolitana, a hipótese de o município configurar ou não como um polo de saúde de alguma região e a densidade demográfica. Foram retiradas também três variáveis referentes a questões individuais do candidato: o estado civil, a profissão e a escolaridade. Por fim, foram retiradas cinco variáveis que mensuram o enfrentamento à pandemia: o percentual de funcionários discricionários, a variação percentual do gasto em saúde per capita entre 2019 e 2020, a variação percentual do valor gasto em ensino fundamental e infantil per capita, a despesa com saúde infantil e a restrição em locais de trabalho em 2020, restando assim 1482 casos.
O modelo 3 retira mais três variáveis de enfrentamento: a variação percentual de técnicos de enfermagem entre 2019 e 2020, a nota do IDEB em 2019 e a variação percentual do IDEB entre 2017 e 2019, e contém 2716 municípios. Já no modelo 4, foram retirados o índice de GINI, a dependência financeira, os partidos políticos, o valor gasto com funcionários discricionários per capita e a proporção de beneficiários. Permaneceu com 2.765 casos analisados e privilegia, além dos controles demográficos e regionais, as variáveis de gastos em saúde e contratação de médicos
Por fim, do modelo 5, com 2938 municípios, foi removido o percentual da despesa do candidato com o objetivo de ficar apenas com os gastos em saúde, contratação de médicos e óbitos por 10 mil habitantes. Desta forma, as variáveis de enfrentamento à Covid voltaram a demonstrar significância estatística, o que remete a possíveis problemas de covariação dos modelos anteriores. A seguir, há a interpretação dos resultados.
: Modelos Logísticos Binários para Reeleição de Prefeitos em 2020 5 5 . Os testes de ajustes, acurácia, especificidade e sensibilidade estão no anexo 2; as probabilidades preditas e os testes de pressupostos do modelo 4 se encontram, respectivamente, nos anexos 4 e 5.
Do ponto de vista da dimensão sociodemográfica, o log da população foi fator impactante, obtendo significância estatística com sinal positivo em todos os modelos, fato que informa que, ao aumentar o tamanho da população, aumenta-se também a probabilidade de o prefeito ser reeleito. Dito de outra forma, municípios menores são mais propensos a punirem os representantes do Executivo municipal em comparação aos municípios com maior população. Diferentemente da tradicional concepção de que os pequenos municípios são mais suscetíveis à manipulação dos governos, os dados aqui analisados demonstraram exatamente o inverso.
Nenhuma variável de região foi significativa em qualquer um dos modelos, com exceção do Sul em um único modelo6 6 . Dado o fato de as regiões não apresentarem significância estatística sobre as chances de reeleição e dado que a literatura aponta que pode haver intervenção do alinhamento entre prefeitos e governadores, foram construídos modelos hierárquicos (multiníveis) com os estados como segundo nível de agregação. Os dados estimados não foram muito diferentes dos encontrados nos modelos logísticos binários de um único nível e por isso foram expostos no anexo 3 e são referidos como modelos 6 e 7. Ambos os modelos foram construídos com intuito também de apresentar modelos mais parcimoniosos e testar se havia alterações por efeito de confusão entre as variáveis que se referem às mesmas dimensões. Como não houve alterações, decidiu-se por mantê-los em anexo. . Dada essa constatação, pode-se afirmar que a região não foi um fator que interferiu na probabilidade de reeleição. Assim como também não o foi a desigualdade calculada pelo índice de GINI e o aporte financeiro do município mensurados por seu PIB per capita. Tampouco foram encontrados fatores significativos no fato de o município estar em uma área metropolitana, independentemente da sua densidade demográfica, ou de ser polo de saúde de uma região. Todas essas variáveis, incluindo a dependência financeira do município da receita dos demais entes, não tiveram qualquer significância estatística na probabilidade de reeleição, o que permite dizer que variáveis sociodemográficas, com exceção do tamanho da população, não interferem nas chances de reeleição. Estes resultados vão de encontro às concepções anedóticas da política brasileira que enxergam os municípios pequenos do interior, pobres, sobretudo, do Nordeste, como ambientes propícios às práticas clientelistas e manipulações dos governos.
O percentual de funcionários discricionários e o de funcionários públicos municipais per capita em 2020 não obtiveram significância estatística. Mais uma vez cabe salientar que o tamanho da máquina pública municipal e a capacidade discricionária dos prefeitos não tiveram efeitos sobre a reeleição e este fato também contraria a concepção tradicional sobre o clientelismo.
Na dimensão política, o número efetivo de partidos foi significativo e negativo em todos os modelos. Como era de se esperar, quanto mais competitiva a eleição, menores são as chances de um prefeito se reeleger, ou seja, quanto mais pulverizada a disputa eleitoral, mais difícil a manutenção do cargo. Na mesma linha, quanto maior a votação do candidato na eleição anterior (no pleito de 2016), maiores as chances de vitória em 2020. Isto significa afirmar que eleições muito apertadas num pleito tornam os governantes frágeis para vencer a eleição subsequente – resultados que coadunam com achados anteriores da literatura (Cavalcante, 2015Cavalcante, Pedro. (2015), “Vale A Pena Ser Um Bom Prefeito? Comportamento Eleitoral e Reeleição no Brasil”. Opinião Pública, v. 21, n. 1, pp. 87–104.).
A diferença, em 2018, entre as votações de Haddad e Bolsonaro também foi significativa em dois modelos e mostrou-se positiva. Isso significa afirmar, com algum grau de ressalva, que os municípios onde Bolsonaro teve maior proporção de votos tenderam a ser mais rigorosos no julgamento do mandatário do Executivo municipal. Municípios em que Haddad teve melhor desempenho tenderam a recompensar mais os prefeitos, aumentando as chances de reeleição. Cada ponto percentual de vantagem de Haddad sobre Bolsonaro aumentou em 1% as chances de o prefeito ser reeleito em 2020. A explicação para esse achado remete ao conflito entre o presidente e os prefeitos e governadores em relação à pandemia.
Os prefeitos que governaram municípios mais bolsonaristas tiveram mais dificuldades de se reeleger. Em resumo, Bolsonaro tornou os prefeitos e governadores em inimigos políticos, transformou a reeleição de prefeitos em um problema nos municípios que deram mais apoio ao presidente em 2020. Coincidentemente, a literatura aponta que nestes municípios também ocorreram maior número de contágios e maior proporção de óbitos por Covid-19 (Xavier et al., 2022).
Sobre o conjunto de variáveis de governo, pode-se afirmar que o gasto com educação infantil per capita em 2020 foi estatisticamente significativo de forma positiva no modelo com maior número de variáveis incluídas. Ou seja, gastar em educação no ano de 2020 aumentou as chances de reeleição dos mandatários. A educação básica é uma das atribuições constitucionais dos municípios, e os eleitores parecem estar atentos a esta obrigação no momento de premiar ou punir os prefeitos eleitoralmente. Estes resultados coadunam com os encontrados por Castelar, Monteiro e Neto (2020) ao analisar as eleições de 2008. Pode-se conjecturar ainda que, no contexto da pandemia, as escolas públicas tiveram papel importante quando foram utilizadas para a distribuição de alimentos em diversos municípios, por isso o impacto do gasto em educação apenas no ano de 2020, mas nenhum impacto da variação do gasto entre 2016 e 2020. Não importou se o prefeito aumentou os gastos em relação ao último ano de seu antecessor, mas importou o quanto gastou no ano da pandemia. Dentro desse contexto, nem a variação percentual do IDEB entre 2017 e 2019, nem o IDEB de 2019 foram estatisticamente significativos. O impacto da qualidade da educação sobre a reeleição não está pacificado na literatura, há trabalhos que apontam em direções opostas a depender dos dados utilizados (Firpo, Pieri, Souza, 2017; Castelar, Monteiro, Neto, 2020; De Araujo, Neto, Lima, 2012).
Na dimensão das variáveis individuais dos prefeitos, destaca-se o sexo do candidato, que apresentou efeito significativo e negativo em todos os modelos. Ser mulher diminui entre 60 e 40% as chances de os indivíduos se reelegerem. Esse foi um dos fatores, juntamente com o tamanho da população e o nível de competição eleitoral, que mais afetou o desempenho eleitoral dos prefeitos. Como já amplamente estudado pela literatura sobre financiamento de campanhas (Speck, Cervi, 2016), o percentual de despesas dos candidatos afetou com significância estatística as chances de reeleição dos prefeitos: quanto maiores os gastos, maior também a probabilidade de se reeleger.
No que concerne à relação da pandemia e seu enfrentamento com a reeleição de prefeitos no Brasil, pode-se afirmar que, na dimensão das ações contra à crise do Covid-19, as despesas em saúde per capita em 2020 e a contratação de médicos interferiram de forma positiva. Ou seja, gastar com saúde no primeiro ano de pandemia e contratar médicos aumentaram as chances de reeleição dos mandatários. A depender dos controles inseridos nos diferentes modelos, a contratação de médicos e os gastos em saúde podem se anular e perder os efeitos, mas quando incluídos separadamente possuem impactos e autorizam concluir que os prefeitos que mais empenharam recursos (humanos e materiais) no combate à Covid-19 foram recompensados eleitoralmente.
Entretanto, variáveis ligadas aos resultados da pandemia como o número de casos e óbitos por 10 mil habitantes não impactaram as chances de reeleição. Pode-se conjecturar que os eleitores puniram e recompensaram eleitoralmente os chefes dos executivos locais de acordo com os respectivos empenhos no enfrentamento à pandemia e negligenciaram os resultados epidemiológicos das ações. Este fato parece remeter a que as mortes não impuseram custos eleitorais aos políticos que se dispuseram a combater os efeitos da Covid-19.
A diminuição de mobilidade em locais de trabalho (proxy para lockdown) não foi significativa para explicar a reeleição de prefeitos. Assim como também não foram encontrados efeitos eleitorais do auxílio emergencial distribuído no ano de 2020. Em nenhuma das formas que foi operacionalizado, seja pelo número de beneficiários do auxílio emergencial, seja pelo valor recebido per capita de auxílio, foram encontrados efeitos sobre a reeleição.
Considerações finais
O ambiente pandêmico nos municípios gerou enormes dificuldades governamentais para todos os mandatários locais, mas ainda assim alguns deles submeteram-se à tentativa de renovar seus mandatos no ano de 2020. As eleições municipais transcorreram em um ambiente em que o tema “pandemia” foi notório. Questões relacionadas ao enfrentamento estiveram presentes nos debates públicos e no radar dos eleitores no momento de escolha da sua liderança local, tais como a adoção de medidas de isolamento, obrigatoriedade no uso de máscara, vacinação em massa e demais orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Este artigo teve como objetivo verificar se aspectos relacionados à Covid-19 impactaram as chances eleitorais dos candidatos à reeleição. Mais especificamente, testou-se a influência de variáveis de cinco dimensões: características individuais dos postulantes, fatores políticos municipais, questões de governo, características socioeconômicas dos municípios e, por fim, indicadores contextuais da pandemia sobre o sucesso dos prefeitos enquanto candidatos.
No aspecto sociodemográfico, aponta-se que o tamanho da população impactou as chances de sucesso na tentativa de renovação de mandato nas prefeituras. Municípios menores apresentaram tendências de punição maiores do que os grandes municípios – o que contraria concepções enraizadas no noticiário político brasileiro de que, nos pequenos municípios, estão os eleitores mais suscetíveis à máquina pública e, por isso, menos afeitos a punir governantes.
Na dimensão das variáveis políticas, como era de se esperar, a competição eleitoral mensurada pelo número efetivo de partidos (NEP) foi um dos fatores mais consistentes nos cinco modelos: quanto maior a competição, menores as chances de os mandatários se reelegerem. A diferença da votação entre Bolsonaro e Haddad no segundo turno em 2018 foi inserida como proxy do grau de adesão do município ao bolsonarismo e obteve significância estatística negativa para a reeleição dos prefeitos: quanto mais bolsonarista o município, maiores as chances de punir os prefeitos com a não renovação dos mandatos. A interpretação desses achados precisa de testes estatísticos adicionais mais acurados e novos desenhos de pesquisa que extrapolam os objetivos deste artigo. Uma pista para desvendar esta relação pode estar na mediação entre o desempenho eleitoral de Bolsonaro na eleição de 2018 e os óbitos causados por Covid-19. Bolsonaro declarou guerra aos prefeitos e governadores, que ficaram com o ônus de impor as políticas de enfrentamento. Uma possível explicação para os resultados aqui encontrados é que nos municípios com maiores votações em Haddad os prefeitos encontraram menos resistência à adoção de medidas de prevenção, como uso de máscaras e isolamento, que por sua vez afetaram os efeitos da pandemia e foram, por isso, premiados eleitoralmente pelos cidadãos.
No que concerne às características individuais dos candidatos, os recursos financeiros gastos pelo mandatário na campanha resultaram em bons frutos: quanto maior a proporção de dinheiro controlado pelo candidato, maior a chance de se reeleger: a cada ponto percentual de gasto total do município, aumentaram em 0,4% as chances de reeleição.
Um aspecto que merece maior atenção é a relação da variável sexo com o aumento da probabilidade de derrota. Mesmo nos modelos controlados por gasto em campanha, escolaridade dos postulantes, competição municipal e índice de GINI – variáveis clássicas que manifestam efeito sobre a possibilidade de reeleição –, as prefeitas tiveram entre 60% e 33% menos chances de serem reeleitas em relação aos prefeitos.
Coscieme et al. (2020), ao estudarem a primeira fase da pandemia, encontraram que países governados por lideranças femininas comunicaram menos mortes por Covid-19 per capita e foram mais eficientes no achatamento da curva de casos diários. A explicação para o melhor desempenho das lideranças femininas no combate à doença foi baseada no fato de que as governantes foram mais prontas na adoção de medidas restritivas no início da primeira fase da pandemia ao priorizarem vidas ao invés da economia.
No Brasil, municípios que tiveram prefeitas eleitas em 2016 enfrentaram uma onda menos severa da pandemia do Covid-19. As lideranças municipais femininas foram responsáveis por notificar menos casos de óbitos e hospitalizações por infecção respiratória aguda grave por cem mil habitantes. O uso obrigatório de máscara foi apontado como o mecanismo mais provável para explicar a diferença de mortes e hospitalizações. Prefeitas foram oito pontos percentuais mais propensas a adotar o uso obrigatório de máscara e cinco pontos percentuais mais propensas a proibir reuniões em comparação a prefeitos (Bruce et al., 2022).
Se as mulheres prefeitas tiveram melhor desempenho no combate à pandemia, por que não foram recompensadas eleitoralmente em 2020? Os resultados aqui encontrados permitem notar que o desempenho dos governantes municipais no enfrentamento não surtiu efeito positivo para a decisão do voto dos eleitores e sua provável reeleição. O eleitor não premiou a governante que conseguiu melhor controlar os efeitos negativos da pandemia em relação ao número de casos e óbitos. Diante disso, o fator explicativo para tal fenômeno está ancorado nas estruturas de organização social e nos papéis tradicionais de gênero, pelos quais a arena política não é vista pelo eleitor como uma dimensão que naturalmente pertence às mulheres (Miguel, Queiroz, 2006) e as funções designadas a um governante não são atribuídas aos papéis femininos (Araújo, 2016). Nesse sentido, o pleito eleitoral funcionaria como uma barreira mais rigorosa para as prefeitas, pela qual o viés negativo de gênero é manifestado por meio do crivo do eleitor. Corroborando essa teoria, ainda que as mulheres tenham tido melhores desempenhos no combate à pandemia, o eleitor não parece ter considerado esses aspectos como importantes para a decisão eleitoral.
No que concerne às questões diretas e indiretas da Covid-19, não foram encontradas evidências da influência direta de variáveis epidemiológicas nas chances de reeleição dos prefeitos como se poderia esperar. Nem casos de contágio nem de óbito tiveram razoável impacto explicativo. Ou seja, aparentemente, mantidas constantes as demais características sociodemográficas dos municípios e individuais dos candidatos, variáveis epidemiológicas não alteraram a probabilidade de o mandatário se reeleger.
A diminuição de circulação em ambientes de trabalho (uma proxy de lockdowns) não afetou as chances dos prefeitos de se reelegerem. Também não alterou as chances de reeleição a política de transferência de renda do governo federal criada para mitigar as consequências da pandemia. Os montantes recebidos do auxílio emergencial em suas duas formas (proporção de beneficiários e total do montante per capita) não foram estatisticamente significativos. Esperava-se impacto positivo de ambas as políticas, uma dos governantes locais e outra do governo federal. As medidas de restrição de circulação eram apoiadas pela população e, consequentemente, a expectativa era a de que os prefeitos que decretaram lockdown tivessem maiores chances eleitorais. Não foi o que se encontrou, ainda que os dados sejam restritos para uma minoria de municípios. Do mesmo modo, esperava-se que os recursos do auxílio emergencial provocassem um amortecimento dos impactos econômicos da pandemia que, por sua vez, criassem um contexto mais favorável à continuidade dos governos. Mais uma vez os dados frustraram as expectativas teóricas.
Todavia, encontrou-se uma relação entre as alternativas de enfrentamento adotadas pelos gestores locais e os resultados obtidos por eles nas eleições: os prefeitos que contrataram médicos e gastaram mais na área da saúde pública tiveram as suas probabilidades de reeleição aumentadas. As despesas em saúde per capita em 2020 interferiram de forma significativa e positiva sobre o sucesso eleitoral dos prefeitos candidatos, assim como a contratação de médicos. Por outro lado, as contratações de enfermeiros e auxiliares de enfermagem não afetaram diretamente as chances de reeleição.
Os resultados apresentados contribuem com o debate acadêmico sobre a premiação eleitoral dada pelo eleitor aos líderes políticos que responderam de forma mais efetiva às implicações sanitárias, sociais e econômicas da pandemia. O empenho dos gestores locais no combate à Covid-19 impactou positivamente as chances de continuidade dos incumbents, já os resultados epidemiológicos ligados à pandemia não tiveram impacto sobre a reeleição.
Este trabalho aponta para uma série de relações entre fenômenos que devem ser melhor explorados, principalmente no que tange à responsabilização dos eleitores no nível local. As hipóteses clássicas da literatura sobre reeleição foram aqui testadas e, em grande medida, reafirmadas. O que mais surpreendeu foi o não impacto das variáveis relacionadas às características epidemiológicas da pandemia sobre a reeleição. Os eleitores parecem não ter responsabilizado os prefeitos eleitoralmente em relação ao número de casos de contágio nem mesmo ao de óbitos no município. Por outro lado, os gastos em saúde e a contratação de médicos foram fatores que causaram impacto na recondução dos prefeitos a um segundo mandato. Os aspectos que mais contribuíram para a reeleição estão relacionados aos atributos individuais dos candidatos (gênero e recursos de campanha), às características demográficas (tamanho da população) e políticas de enfrentamentos à Covid-19 (gastos em saúde e contratação de médicos).
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Notas
-
1
. Incumbents é o conceito usado para se referir às consequências positivas ou negativas que o exercício atual do mandato proporciona ao governante que tenta continuar em seu cargo em uma nova eleição.
-
2
. Por G1. 60% dos brasileiros apoiam ‘lockdown’, diz Datafolha. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/27/60percent-dos-brasileiros-apoiam-lockdown-diz-datafolha.ghtml. Acessado em 11/08/2022.
-
3
. A operacionalização e a fonte de cada variável se encontram no anexo 1.
-
4
. Foram realizados testes de covariação das variáveis independentes, casos de influência e normalidade dos resíduos para todos os modelos. Os dados relativos ao modelo 4 podem ser encontrados no anexo 5.
- 5
-
6
. Dado o fato de as regiões não apresentarem significância estatística sobre as chances de reeleição e dado que a literatura aponta que pode haver intervenção do alinhamento entre prefeitos e governadores, foram construídos modelos hierárquicos (multiníveis) com os estados como segundo nível de agregação. Os dados estimados não foram muito diferentes dos encontrados nos modelos logísticos binários de um único nível e por isso foram expostos no anexo 3 e são referidos como modelos 6 e 7. Ambos os modelos foram construídos com intuito também de apresentar modelos mais parcimoniosos e testar se havia alterações por efeito de confusão entre as variáveis que se referem às mesmas dimensões. Como não houve alterações, decidiu-se por mantê-los em anexo.
Disponibilidade de dados
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Dez 2023 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
29 Jan 2022 -
Revisado
28 Out 2022 -
Aceito
7 Nov 2022