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Expansão volêmica em raquianestesia para cesariana. Como realizá-la?

Expansión volémica en raquianestesia para cesárea. ¿Como realizarla?

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Em pacientes não obstétricas, demonstrou-se que a expansão volêmica rápida realizada imediatamente após a injeção subaracnóidea do anestésico local era mais efetiva que a expansão volêmica lenta, realizada previamente à instalação do bloqueio para se reduzir a incidência e a gravidade da hipotensão arterial após raquianestesia. O objetivo do estudo foi comparar a incidência de hipotensão arterial e o consumo de vasopressores em gestantes submetidas à cesariana sob raquianestesia com diferentes regimes de expansão volêmica. MÉTODO: Foram avaliadas prospectivamente 60 gestantes de termo submetidas à cesariana sob raquianestesia. As pacientes receberam expansão volêmica com 10 ml.kg-1 de solução de Ringer com lactato como segue: Grupo 1 (n = 20), antes da raquianestesia através de cateter 18G; Grupo 2 (n = 20), após a raquianestesia e com cateter 18G e Grupo 3 (n = 20) após a raquianestesia com cateter 16G sob ação de pressurizador. A pressão arterial (PA) foi monitorizada a cada minuto e administrou-se 0,2 mg de metaraminol para qualquer diminuição de PA, a partir do valor de controle e 0,4 mg para diminuição > 20%. A PA controle foi definida como a média de três valores sucessivos de pressão arterial sistólica obtidos antes da expansão volêmica e do bloqueio. Estudou-se a velocidade de infusão de fluidos, incidência de hipotensão arterial materna, náusea e vômito, consumo de metaraminol, índice de Apgar e pH da artéria umbilical. RESULTADOS: A velocidade de administração de fluidos foi maior no Grupo 3 do que nos Grupos 1 e 2 (201 ± 61 vs 56 ± 13 e 59 ± 21 ml.min-1, p < 0,05). Os grupos foram semelhantes em relação à incidência de hipotensão arterial, náusea, vômito, consumo de metaraminol, índice de Apgar e pH da artéria umbilical. CONCLUSÕES: A expansão volêmica, realizada antes ou após a instalação da raquianestesia, de maneira rápida ou lenta, não modifica o consumo de vasopressor, a ocorrência de hipotensão arterial materna, náusea ou vômitos, e nem o bem estar fetal.

CIRURGIA, Obstétrica; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional; VOLEMIA


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: En pacientes no obstétricas, se demostró que la expansión volémica rápida realizada inmediatamente después de la inyección subaracnoidea del anestésico local era más efectiva que la expansión volémica lenta, realizada previamente a la instalación del bloqueo para reducir la incidencia y la gravedad de la hipotensión arterial después de raquianestesia. El objetivo del estudio fue comparar la incidencia de hipotensión arterial y el consumo de vasopresores en embarazadas sometidas a cesárea bajo raquianestesia con diferentes regímenes de expansión volémica. MÉTODO: Fueron evaluadas prospectivamente 60 embarazadas de término sometidas a cesárea bajo raquianestesia. Las pacientes recibieron expansión volémica con 10 ml.kg-1 de solución de Ringer con lactato como sigue: Grupo 1 (n = 20), antes de la raquianestesia a través de catéter 18G; Grupo 2 (n = 20), después de raquianestesia y con catéter 18G y Grupo 3 (n = 20) después de raquianestesia con catéter 16G bajo acción de un presurizador. La presión arterial (PA) fue monitorizada a cada minuto y se administró 0,2 mg de metaraminol para cualquier diminución de PA, a partir del valor de control y 0,4 mg para diminución > 20%. La PA control fue definida como la media de tres valores sucesivos de PAS obtenidos antes de la expansión volémica y del bloqueo. Se estudió la velocidad de infusión de fluidos, incidencia de hipotensión arterial materna, náusea y vómito, consumo de metaraminol, índice de Apgar y pH de la arteria umbilical. RESULTADOS: La velocidad de administración de fluidos fue mayor en el Grupo 3 de que en los Grupos 1 y 2 (201 ± 61 vs 56 ± 13 y 59 ± 21 ml.min-1, p < 0,05). Los grupos fueron semejantes en relación a la incidencia de hipotensión arterial, náusea, vómito, consumo de metaraminol, índice de Apgar y pH de la arteria umbilical. CONCLUSIONES: La expansión volémica, realizada antes o después de la instalación de la raquianestesia, de manera rápida o lenta, no modifica el consumo de vasopresor, la ocurrencia de hipotensión arterial materna, náusea o vómitos, y tampoco el bien estar fetal.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: In has been shown in non-obstetric patients, that a fast acute fluid preload immediately after spinal anesthesia was more effective than a slow preload before regional block to decrease the incidence and severity of arterial hypotension after spinal anesthesia. This study aimed at comparing the incidence of arterial hypotension and vasopressants consumption in parturients submitted to C-section under spinal anesthesia with different fluid preload regimens. METHODS: Sixty term pregnant women submitted to C-section under spinal anesthesia. Patients were randomly distributed in three groups receiving acute preload (10 ml.kg-1 lactated Ringer's) as follows: Group 1 (n = 20), before spinal anesthesia through 18G catheter; Group 2 (n = 20), after spinal anesthesia through 18G catheter and Group 3 (n = 20), after spinal anesthesia through 16G catheter with pressurizer. Blood pressure (BP) was monitored at 1-minute intervals until delivery and 0.2 mg bolus metaraminol was administered for any BP decrease from baseline values; 0.4 mg was administered for BP decrease > 20%. Control blood pressure was defined as the mean of three successive SBP values obtained before acute preload and spinal block. Variables studied were: preload rate, incidence of maternal arterial hypotension, nausea, vomiting, vasopressants consumption, Apgar scores and umbilical artery pH. RESULTS: Acute preload was faster in Group 3 as compared to Groups 1 and 2 (201 ± 61 vs 56 ± 13 and 59 ± 21 ml.min-1, p < 0.05). Groups were similar regarding the incidence of arterial hypotension, nausea and vomiting, metaraminol consumption, Apgar scores and umbilical artery pH. CONCLUSIONS: Acute preload before or after spinal anesthesia performance, in a slow or fast rate, does not change vasopressants consumption, the incidence of maternal arterial hypotension, nausea and vomiting, as well as fetal wellbeing.

ANESTHETIC TECHNIQUES, Regional; SURGERY, Obstetric; VOLEMY


ARTIGO CIENTÍFICO

Expansão volêmica em raquianestesia para cesariana. Como realizá-la?* * Recebido do Hospital e Maternidade Santa Joana, São Paulo, SP

Expansión volémica en raquianestesia para cesárea. ¿Como realizarla?

Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso, TSAI; Márcio Martines SantosII; Eduardo Tsuyoshi Yamaguchi, TSAIII; Jacqueline Toshiko HiraharaIV; Antonio Rahme AmaroV

IDoutora em Anestesia pela FMUSP; Médica Supervisora da Anestesia Obstétrica do HC-FMUSP; Anestesiologista do Hospital e Maternidade Santa Joana

IIME2 do HC-FMUSP

IIIMédico Colaborador da Disciplina de Anestesiologia do HC-FMUSP; Anestesiologista do Hospital e Maternidade Santa Joana

IVME3 do HC-FMUSP; Anestesiologista do Hospital e Maternidade Santa Joana

VAnestesiologista do Hospital e Maternidade Santa Joana; Diretor Clínico do Hospital e Maternidade Santa Joana

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 8º Andar PAMB Divisão de Anestesia 05403-900 São Paulo, SP

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Em pacientes não obstétricas, demonstrou-se que a expansão volêmica rápida realizada imediatamente após a injeção subaracnóidea do anestésico local era mais efetiva que a expansão volêmica lenta, realizada previamente à instalação do bloqueio para se reduzir a incidência e a gravidade da hipotensão arterial após raquianestesia. O objetivo do estudo foi comparar a incidência de hipotensão arterial e o consumo de vasopressores em gestantes submetidas à cesariana sob raquianestesia com diferentes regimes de expansão volêmica.

MÉTODO: Foram avaliadas prospectivamente 60 gestantes de termo submetidas à cesariana sob raquianestesia. As pacientes receberam expansão volêmica com 10 ml.kg-1 de solução de Ringer com lactato como segue: Grupo 1 (n = 20), antes da raquianestesia através de cateter 18G; Grupo 2 (n = 20), após a raquianestesia e com cateter 18G e Grupo 3 (n = 20) após a raquianestesia com cateter 16G sob ação de pressurizador. A pressão arterial (PA) foi monitorizada a cada minuto e administrou-se 0,2 mg de metaraminol para qualquer diminuição de PA, a partir do valor de controle e 0,4 mg para diminuição > 20%. A PA controle foi definida como a média de três valores sucessivos de pressão arterial sistólica obtidos antes da expansão volêmica e do bloqueio. Estudou-se a velocidade de infusão de fluidos, incidência de hipotensão arterial materna, náusea e vômito, consumo de metaraminol, índice de Apgar e pH da artéria umbilical.

RESULTADOS: A velocidade de administração de fluidos foi maior no Grupo 3 do que nos Grupos 1 e 2 (201 ± 61 vs 56 ± 13 e 59 ± 21 ml.min-1, p < 0,05). Os grupos foram semelhantes em relação à incidência de hipotensão arterial, náusea, vômito, consumo de metaraminol, índice de Apgar e pH da artéria umbilical.

CONCLUSÕES: A expansão volêmica, realizada antes ou após a instalação da raquianestesia, de maneira rápida ou lenta, não modifica o consumo de vasopressor, a ocorrência de hipotensão arterial materna, náusea ou vômitos, e nem o bem estar fetal.

Unitermos: CIRURGIA, Obstétrica: cesariana; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional: subaracnóidea; VOLEMIA: expansão volêmica

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: En pacientes no obstétricas, se demostró que la expansión volémica rápida realizada inmediatamente después de la inyección subaracnoidea del anestésico local era más efectiva que la expansión volémica lenta, realizada previamente a la instalación del bloqueo para reducir la incidencia y la gravedad de la hipotensión arterial después de raquianestesia. El objetivo del estudio fue comparar la incidencia de hipotensión arterial y el consumo de vasopresores en embarazadas sometidas a cesárea bajo raquianestesia con diferentes regímenes de expansión volémica.

MÉTODO: Fueron evaluadas prospectivamente 60 embarazadas de término sometidas a cesárea bajo raquianestesia. Las pacientes recibieron expansión volémica con 10 ml.kg-1 de solución de Ringer con lactato como sigue: Grupo 1 (n = 20), antes de la raquianestesia a través de catéter 18G; Grupo 2 (n = 20), después de raquianestesia y con catéter 18G y Grupo 3 (n = 20) después de raquianestesia con catéter 16G bajo acción de un presurizador. La presión arterial (PA) fue monitorizada a cada minuto y se administró 0,2 mg de metaraminol para cualquier diminución de PA, a partir del valor de control y 0,4 mg para diminución > 20%. La PA control fue definida como la media de tres valores sucesivos de PAS obtenidos antes de la expansión volémica y del bloqueo. Se estudió la velocidad de infusión de fluidos, incidencia de hipotensión arterial materna, náusea y vómito, consumo de metaraminol, índice de Apgar y pH de la arteria umbilical.

RESULTADOS: La velocidad de administración de fluidos fue mayor en el Grupo 3 de que en los Grupos 1 y 2 (201 ± 61 vs 56 ± 13 y 59 ± 21 ml.min-1, p < 0,05). Los grupos fueron semejantes en relación a la incidencia de hipotensión arterial, náusea, vómito, consumo de metaraminol, índice de Apgar y pH de la arteria umbilical.

CONCLUSIONES: La expansión volémica, realizada antes o después de la instalación de la raquianestesia, de manera rápida o lenta, no modifica el consumo de vasopresor, la ocurrencia de hipotensión arterial materna, náusea o vómitos, y tampoco el bien estar fetal.

INTRODUÇÃO

A hipotensão arterial materna é a complicação mais comum após raquianestesia para cesariana. Medidas profiláticas e terapêuticas mais freqüentemente empregadas para reduzir a incidência e gravidade da hipotensão arterial incluem deslocamento uterino, pré-expansão volêmica e uso de vasopressores. A validade de se realizar a expansão volêmica previamente à realização da raquianestesia tem sido questionada, já que alguns estudos têm mostrado pequena ou nenhuma redução na incidência de hipotensão arterial materna ou no consumo de vasopressores 1,2. Fatores que podem interferir na eficácia da expansão volêmica incluem: tipo de solução administrada, momento em que a expansão volêmica é realizada e velocidade da administração de fluídos.

Em pacientes não obstétricas, Ewaldsson e col. 2 demostraram que a expansão volêmica rápida com cristalóide, realizada imediatamente após o término da injeção do anestésico local no espaço subaracnóideo, era mais eficaz em reduzir a incidência e a gravidade da hipotensão arterial que a expansão volêmica lenta, realizada imediatamente antes da raquianestesia.

O objetivo do presente estudo foi comparar a incidência de hipotensão arterial e o consumo de vasopressores em pacientes submetidas à cesariana sob raquianestesia, nas quais a expansão volêmica foi realizada imediatamente antes ou após a injeção subaracnóidea do anestésico local e com diferentes velocidades de administração de fluidos.

MÉTODO

Após aprovação da Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas da FMUSP e do Hospital e Maternidade Santa Joana, foram avaliadas prospectivamente 60 gestantes de termo, estado físico ASA I ou II, com feto único de termo submetidas à cesariana sob raquianestesia.

As pacientes foram monitorizadas com eletrocardioscópio, aparelho de pressão arterial não invasiva e oximetria de pulso. A seguir, foram aleatoriamente divididas em três grupos de 20 pacientes cada que receberam a expansão volêmica com 10 ml.kg-1 de solução de Ringer com lactato como segue: Grupo 1: imediatamente antes da realização da punção subaracnóidea e com a velocidade máxima de infusão permitida pela cateterização da veia cefálica com cateter 18G e utilizando-se como altura padrão do soro a extensão máxima do equipo; Grupo 2: imediatamente após o término da injeção do anestésico local no espaço subaracnóideo e com a velocidade máxima de infusão permitida pela cateterização da veia cefálica com cateter 18G e utilizando-se como altura padrão do soro a extensão máxima do equipo, e Grupo 3: imediatamente após o término da injeção do anestésico local no espaço subaracnóideo e com a velocidade máxima de infusão permitida pela cateterização da veia cefálica com cateter 16G e com o auxílio de um pressurizador. Após o término da expansão, anotou-se o tempo necessário para a sua realização.

O estudo foi duplamente encoberto, sendo que o anestesiologista responsável pela coleta de dados e administração de vasopressor desconhecia a que grupo pertencia a paciente. A composição dos grupos foi aleatória, realizada por sorteio com envelopes fechados.

A raquianestesia foi realizada em L2-L3 ou L3-L4 com a paciente na posição sentada, utilizando-se 15 mg de bupivacaína hiperbárica a 0,5%, associada a 28 µg de morfina injetadas em aproximadamente 60 segundos. Definiu-se como pressão arterial (PA) controle a média de três valores sucessivos de PA sistólica, obtidos imediatamente antes da realização da expansão volêmica. O controle da PA foi realizado a cada minuto, corrigindo-se qualquer diminuição com bolus de 0,2 mg de metaraminol; diminuição superior a 20% foi corrigida com bolus de 0,4 mg de metaraminol.

O deslocamento uterino foi realizado com a cunha de Crawford modificada e mantido até a extração fetal. Após o nascimento, administrou-se ocitocina (10 UI em 500 ml de solução de Ringer com lactato na velocidade de 30 gotas por minuto).

Imediatamente após extração fetal, foi coletado sangue do cordão umbilical para posterior realização de gasometria arterial. Os valores de Apgar do 1º e 5º minutos, peso do RN, os tempos indução-nascimento e incisão uterina-nascimento foram anotados para posterior comparação entre os grupos.

As variáveis maternas estudadas foram: velocidade média em que a expansão volêmica foi realizada, incidência de hipotensão arterial materna (diminuição > 20% da PA sistólica controle), ocorrência de náusea e vômito, e consumo de metaraminol antes e após o nascimento. As variáveis fetais incluíram a análise do pH e do pCO2 da artéria umbilical e os valores de Apgar do 1º e 5º minutos.

As médias de PA, freqüência cardíaca e consumo de metaraminol ao longo do tempo foram comparadas entre os grupos utilizando-se a Análise de Variância para medidas repetidas. As demais variáveis estudadas foram comparadas utilizando-se os testes t de Student e Exato de Fisher conforme apropriado. O valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

RESULTADOS

Os grupos foram semelhantes em relação às variáveis antropométricas de idade, peso e altura (Tabela I). Não houve diferença estatisticamente significativa em relação às incidências de náusea, vômito, hipotensão arterial e consumo de vasopressor. As variáveis maternas antes do nascimento encontram-se resumidas na tabela II. A velocidade média de administração de fluidos foi maior no Grupo 3 em relação a dos Grupos 1 e 2. As variáveis fetais foram semelhantes entre os grupos e encontram-se na tabela III.

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2004; 54: 1: 13 - 19

Expansão volêmica em raquianestesia para cesariana. Como realizá-la?

Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso; Márcio Martines Santos; Eduardo Tsuyoshi Yamaguchi; Jacqueline Toshiko Hirahara; Antonio Rahme Amaro

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2004; 54: 1: 13 - 19

Expansão volêmica em raquianestesia para cesariana. Como realizá-la?

Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso; Márcio Martines Santos; Eduardo Tsuyoshi Yamaguchi; Jacqueline Toshiko Hirahara; Antonio Rahme Amaro

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2004; 54: 1: 13 - 19

Expansão volêmica em raquianestesia para cesariana. Como realizá-la?

Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso; Márcio Martines Santos; Eduardo Tsuyoshi Yamaguchi; Jacqueline Toshiko Hirahara; Antonio Rahme Amaro

DISCUSSÃO

Nossos dados mostram que a expansão volêmica realizada antes ou após a instalação da raquianestesia, de maneira rápida ou lenta, não modifica o consumo de vasopressor, a ocorrência de hipotensão arterial materna, náusea, vômito e nem o bem estar fetal.

Esses dados contrariam os obtidos por Ewaldsson e col. 3, que mostraram que a expansão volêmica rápida, quando realizada simultaneamente à indução da anestesia regional, era mais efetiva que a expansão volêmica lenta, realizada previamente à instalação da raquianestesia, com o objetivo de se reduzir a incidência e gravidade da hipotensão arterial após a instalação do bloqueio regional. Entretanto, vale lembrar que o esquema de administração de fluidos proposto pelos autores como eficaz, envolve a administração de fluidos em velocidade de infusão extremamente elevada (cerca de 800 ml.min-1). Além do risco potencial de aumentos inaceitáveis da pressão venosa central (a administração de 20 ml.kg-1 em 10 minutos levou a aumentos importantes da pressão venosa central) 4, essa prática necessita que a venóclise seja realizada com cateter muito calibroso. Em nosso estudo, a cateterização da veia cefálica com cateter 16G, utilizando-se a extensão máxima do equipo e com auxílio de pressurizador, permitiu a administração de fluidos com velocidade máxima de 336 ml.min-1.

Assim, na faixa de velocidades de infusão de fluidos analisada neste estudo (56,6 a 210 ml.min-1), não se conseguiu demonstrar nenhum benefício claro da administração rápida de cristalóides. A administração de cristalóide por meio de cateter 18G sem pressurizador determinou a incidência de hipotensão arterial e consumo de vasopressor semelhante aos encontrados no grupo em que a expansão volêmica foi realizada de maneira rápida por meio de cateter 16G e com o auxílio de pressurizador. Esses dados sugerem que velocidade de administração de fluidos é fator de pouca importância no sentido de reduzir a intensidade e gravidade da hipotensão arterial. Outra possibilidade é que a hipotensão arterial materna na paciente obstétrica seja fenômeno muito mais complexo que a mera redução da pré-carga, o que faz com que a mesma não seja facilmente controlada com a adoção isolada de uma única medida profilática ou terapêutica 1.

A idéia de se comparar a eficácia da expansão volêmica realizada em diferentes momentos em relação à administração do anestésico local no espaço subaracnóideo estaria baseada no fato de que a constante de eliminação de fluidos se reduz após a instalação da anestesia regional. Este fato traduz, portanto, uma maior capacidade do organismo em preservar o fluido administrado no compartimento central, tornando a expansão volêmica mais efetiva 5. No entanto, deve ser salientado que sobretudo na paciente obstétrica, o que se questiona é somente o momento em que a expansão volêmica deve ser realizada (antes ou após a raquianestesia) e não a prática de se realizar a anestesia com ou sem a administração de fluidos. A realização da raquianestesia sem a administração prévia de fluidos leva a prejuízo fetal. A média do pH da artéria umbilical foi significativamente menor que a observada nos grupos nos quais o cristalóide foi administrado antes do nascimento 6.

Optou-se por limitar a expansão volêmica em 10 ml.kg-1, já que a prática de se administrar grandes quantidades de fluidos antes da instalação da anestesia regional não é mais aceita. Carvalho e col. 7 demonstraram que, com a administração de volume de cristalóide superior a 10 ml.kg-1, uma alta percentagem de pacientes tornava-se anêmica.

Questiona-se ainda a administração de grandes quantidades de fluidos previamente à realização da raquianestesia para cesariana, por ser útil apenas por um tempo limitado (a hipotensão arterial é fenômeno que acontece principalmente antes do nascimento); por não ser efetiva na totalidade dos casos, ou seja, embora reduza a incidência e a gravidade de tal complicação, ela não elimina tal problema; o efeito sobre o transporte de oxigênio aos tecidos fetais pode ser errático, já que, se por um lado observa-se o aumento do volume sistólico e débito cardíaco, por outro tem-se a hemodiluição paralela, reduzindo os níveis de hemoglobina e o conteúdo arterial de O2. Além disso, a grávida tem o seu sistema cardiovascular sobrecarregado e, em virtude da menor pressão oncótica, apresenta menor capacidade de retenção dos fluidos no intravascular.

Embora a expansão volêmica com colóides seja superior à realizada com cristalóides no sentido de prevenir ou reduzir a gravidade da hipotensão arterial após a instalação de bloqueio simpático extenso, nesse estudo optou-se por realizá-la somente com cristalóides, por se tratar de soluções de menor custo 8.

O deslocamento uterino para a esquerda foi feito com a cunha de Crawford modificada, que apresenta dimensões menores que a tradicional (24,5 cm de comprimento, 16 cm de largura, 5 cm de espessura na face interna, determinando ângulo de 15º com a horizontal). Em estudo anterior, ela se mostrou igualmente efetiva ao deslocamento uterino manual para a esquerda. O deslocamento uterino manual cria muitas vezes um problema de ordem prática para o anestesiologista, exigindo-lhe concentração nesta atividade e dificultando a prestação de outros serviços para a paciente 9.

Tradicionalmente a hipotensão arterial em anestesia regional para cesariana era mais freqüentemente definida como sendo diminuição da PAS superior ou igual a 20% em relação àquela definida como controle, ou ainda, como PA sistólica inferior a 100 mmHg, sendo a PA aferida a cada 3 minutos. Neste estudo, a PA foi monitorizada em intervalos mais freqüentes (a cada minuto até o nascimento) e a terapêutica com o vasopressor foi iniciada precocemente (administrava-se o vasopressor para qualquer diminuição de PA a partir do valor de controle). Definiu-se a PA de controle como sendo a média dos três últimos valores de PAS, obtidos imediatamente antes da realização da raquianestesia. É importante salientar que, mesmo com o tratamento agressivo da hipotensão arterial, cerca de 15% das pacientes ainda desenvolvem diminuição de pressão superior a 20% do valor de controle. Isto demonstra a necessidade de se controlar de modo preciso e praticamente contínuo a evolução da PA.

Optou-se por corrigir eventuais diminuições de PA com bolus de metaraminol, já que o uso da efedrina como vasopressor de escolha na profilaxia e tratamento da hipotensão arterial durante raquianestesia para cesariana tem sido recentemente questionado. Os alfa-agonistas, como a fenilefrina, têm-se mostrado superiores à efedrina em termos de bem estar materno e fetal 10. O metaraminol, outro agonista alfa-adrenérgico, pode ser alternativa vantajosa em relação à efedrina, já que além de produzir aumento da pós carga e efeito inotrópico positivo, aumenta também a pré-carga, especialmente na gestação 11. Nossa rotina tem sido a de administrar bolus de 0,05 a 0,2 mg.ml-1 de metaraminol para tratar qualquer diminuição de PA a partir do valor de controle, sendo a PA aferida a cada minuto até o nascimento.

A coleta de dados terminou ao nascimento, já que a ocorrência de hipotensão arterial materna após o nascimento é fenômeno muito menos freqüente. Contribuem para tal fato a descompressão da cava, facilitando o retorno venoso, a autotranfusão uterina determinando a infusão de cerca de 500 ml de sangue agudamente na circulação materna, e ainda a retirada da circulação de um leito de baixa resistência (leito útero-placentário).

Concluindo, a expansão volêmica realizada antes ou após a instalação da raquianestesia em cesarianas, de maneira rápida ou lenta, não modifica o consumo de vasopressores, a ocorrência de hipotensão arterial materna, náusea, vômito e nem o bem estar fetal.

Apresentado em 11 de fevereiro de 2003

Aceito para publicação em 28 de maio de 2003

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  • Endereço para correspondência
    Dra. Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255
    8º Andar PAMB Divisão de Anestesia
    05403-900 São Paulo, SP
  • *
    Recebido do Hospital e Maternidade Santa Joana, São Paulo, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2004
    • Data do Fascículo
      Fev 2004

    Histórico

    • Recebido
      11 Fev 2003
    • Aceito
      28 Maio 2003
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
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