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Ventilação controlada por pressão com I-gel em unidade de terapia intensiva: relato de caso

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O dispositivo supraglótico I-gel para o manejo das vias aéreas tem um manguito não insuflável feito de um elastômero termoplástico semelhante ao gel. Há relato sobre o uso do I-gel em pacientes sob anestesia para a ventilação, espontânea ou com pressão positiva intermitente. Porém, há poucos relatos publicados sobre o uso do I-gel com ventilação controlada por pressão.

CONTEÚDO E CONCLUSÕES:

Descrevemos neste relato de caso o uso do dispositivo supraglótico I-gel durante 48 horas em unidade de terapia intensiva para o manejo das vias aéreas em paciente que precisou de ventilação mecânica, mas no qual a intubação traqueal não pôde ser feita.

Palavras-chave:
I-Gel; Máscaras Laríngeas-ML; Manuseio das Vias Aéreas; Ventilação com Pressão Positiva Intermitente; Unidade de Terapia Intensiva

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The I-gel supraglottic airway has a non-inflatable cuff made from a gel-like thermoplastic elastomer. The use of the I-gel during anesthesia for spontaneously breathing patients or intermittent positive pressure ventilation has been reported. But there are a few published reports about the use of the I-gel with pressure-controlled ventilation.

CONTENTS AND CONCLUSIONS:

In this case report we described the use of the I-gel supraglottic airway along 48 h in intensive care unit for the management of ventilation in a patient needed mechanic ventilation but in whom tracheal intubation could not be performed.

Keywords:
I-Gel; LMA; Difficult airway; Pressure-controlled ventilation; Intensive care unit

Introdução

I-gel é um novo dispositivo supraglótico, não insuflável, para o manejo das vias aéreas, projetado para ventilação espontânea ou com pressão positiva intermitente. Sua introdução na prática clínica foi em 2007 no Reino Unido.11 De Lloyd L, Hodzoviv I, Voisey S, et al. Comparison of fiberscope guided intubation via the classic laryngeal mask airway and I-gel in a manikin. Anaesthesia. 2010;65:36-43. I-gel tem potenciais vantagens, incluindo inserção e uso mais fáceis, risco mínimo de compressão tecidual e não alteração da posição após a inserção. As diretrizes da sociedade para o manejo de via aérea difícil recomendam o uso de máscara laríngea (ML) para garantir a ventilação e a oxigenação após tentativas malsucedidas de laringoscopia direta otimizada.22 Henderson J, Popat M, Latto IP, et al. Difficult Airway Society guidelines for management of the unanticipated difficult intubation. Anaesthesia. 2004;59:675-94. O uso do I-gel em pacientes durante a anestesia para respiração espontânea também foi relatado.33 Gatward JJ, Cook TM, Seller C, et al. Evaluation of the size 4 I-gel trade mark airway in one hundred non-paralysed patients. Anaesthesia. 2008;63:1124-30. Há vários relatos publicados sobre o uso do I-gel durante a ventilação controlada por pressão (VCP) em sala de operação.44 Uppal V, Fletcher G, Kinsella J. Comparison of the I-gel with cuffed tracheal tube during pressure-controlled ventilation. Br J Anaesth. 2009;102:264-8. Porém, há um número limitado de relatos sobre o uso do I-gel em unidade de terapia intensiva (UTI).

Neste relato de caso, descrevemos o uso do dispositivo supraglótico I-gel durante 48 horas na UTI para o manejo da ventilação em um paciente que precisou de ventilação mecânica.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 49 anos, 40 kg, internada em UTI por causa de febre e problemas respiratórios com duração de uma semana. A paciente esteve em programa de atendimento domiciliar depois de várias cirurgias em decorrência de glioblastoma multiforme em estágio final. Ao dar entrada no hospital, a monitoração hemodinâmica da paciente incluiu frequência cardíaca, pressão arterial sistêmica, saturação de oxigênio e CO2 expirado. A intubação traqueal foi necessária por causa da insuficiência respiratória. A paciente apresentou abertura adequada da boca, mas quando a laringoscopia foi feita atribuiu-se à paciente o escore 4 de Mallampati 55 Mallampati SR, Gatt SP, Gugino LD, et al. A clinical sign to predict difficult laryngoscopy: a prospective study. Can Anesth Soc J. 1985;32:487-90.. Três tentativas de intubação traqueal com um guia introdutor falharam. Um dispositivo I-gel de tamanho 3 (Intersurgical Ltda., Wokingham, Berkshire, RU) foi inserido com facilidade na primeira tentativa e, em seguida, o pulmão da paciente foi ventilado mecanicamente com ventilador Drager Evita 4. Oxigenação e ventilação satisfatórias foram confirmadas via monitoramento contínuo por oximetria de pulso e capnografia. O monitor de capnografia apresentou um capnograma quadrado e saturação arterial de oxigênio estável, acima de 95%. Como havia movimento torácico visível sem vazamento em torno do dispositivo, a inserção foi considerada bem-sucedida. Após o retorno da respiração espontânea, os pulmões foram mecanicamente ventilados com pico inspiratório máximo (25 cm H2O), com o uso de VCP a uma frequência de 12 rpm e relação inspiração-expiração de 1:2, sem pressão expiratória final positiva. A sonda gástrica foi passada através do canal especial do dispositivo com facilidade e, em seguida, o estômago foi esvaziado. Gasometria arterial foi colhida a cada duas horas. Traqueostomia não foi necessária porque a ventilação com o I-gel era suficiente. A paciente ficou em observação na UTI durante 48 horas com o I-gel até evoluir para óbito por choque séptico.

Discussão

ML e dispositivos supraglóticos semelhantes com manguito inflável podem ser usados para ventilação mecânica. Um dos eventos indesejados mais frequentes decorrentes do uso desses dispositivos é o deslocamento do dispositivo durante a insuflação, porque a parte distal em forma de cunha da máscara é forçada para fora do esôfago superior. O I-gel é feito de um elastômero termoplástico semelhante ao gel e tem potenciais vantagens, incluindo inserção e uso fáceis, risco mínimo de compressão tecidual e estabilidade após a inserção.3Richez et al. conduziram um dos primeiros estudos que avaliaram o I-gel e descobriram que a taxa de sucesso de inserção foi de 97%. A inserção foi fácil e obtida na primeira tentativa em todos os pacientes.66 Richez B, Saltel L, Banchereau F. A new single use supraglottic device with a noninflatable cuff and an esophageal vent: an observational study of the I-gel. Anesth Analg. 2008;106:1137-9. Há estudos que apoiam o seu uso como um dispositivo potencial em reanimação77 Gabbott D, Beringer R. The I-gel supraglottic airway: a potential role for resuscitation? Resuscitation. 2007;73: 161-2. e de resgate na via aérea difícil.88 Frova G, Sorbello M. Algorithms for difficult airway management: a review. Minerva Anesthesiol. 2009;75:201-9. Emmerich e Dummler relataram o manejo de via aérea durante a indução da anestesia geral em um paciente com dificuldades conhecidas para a intubação. Após tentativas malsucedidas de laringoscopia direta otimizada, a ventilação foi garantida com sucesso com o I-gel.99 Emmerich M, Dummler R. Use of the I-gel laryngeal mask for management of a difficult airway. Anaesthesist. 2008;57:779-81. No presente caso, três tentativas de intubação traqueal foram feitas por um anestesiologista experiente. O grau de dificuldade para intubação da via aérea foi 4, de acordo com a classificação de Mallampati. O dispositivo supraglótico I-gel foi facilmente colocado na primeira tentativa. I-gel é usado em cenário ambulatorial ou cirurgia sem internação e como dispositivo primário para o manejo das vias aéreas em procedimentos de curta duração sob anestesia geral. Helmy et al. comparam ML e I-gel e avaliaram a facilidade de inserção, a pressão de vazamento, a insuflação gástrica, o CO2 expirado, a saturação de oxigênio, a hemodinâmica e as complicações pós-operatórias dos dispositivos em pacientes adultos anestesiados e espontaneamente ventilados. Os autores relataram que a inserção do I-gel é significativamente mais fácil e rápida do que a inserção da ML. A pressão de vazamento do I-gel foi significativamente maior do que a da ML; logo, a incidência de insuflação gástrica foi significativamente menor com o I-gel.1010 Helmy AM, Atef HM, ElTaher EM, et al. Comparative study between Igel, a new supraglottic airway device, and classical laryngeal mask airway in anesthetized spontaneously ventilated patients. Saudi J Anesth. 2010;3:131-6. Bordes et al. compararam VCP e ventilação controlada por volume (VCV) em crianças com ML e relataram que a VCP é mais eficiente do que a VCV para o controle da ventilação com ML.1111 Bordes M, Semjen F, Degryse C, et al. Pressure-controlled ventilation is superior to volume-controlled ventilation with a laryngeal mask airway in children. Acta Anaesthesiol Scand. 2007;51:82-5. Uppal et al. compararam I-gel e tubo traqueal convencional com o uso de VCP no mesmo grupo de pacientes. A comparação dos dispositivos foi por meio do vazamento de gás e os autores relataram que o I-gel foi tão eficiente e seguro como o tubo traqueal no modo VCP.44 Uppal V, Fletcher G, Kinsella J. Comparison of the I-gel with cuffed tracheal tube during pressure-controlled ventilation. Br J Anaesth. 2009;102:264-8. No presente caso, o modo VCP foi usado após o retorno da respiração espontânea. Por causa da adequação do volume corrente, volume mais baixo de vazamento, capnograma e saturação periférica de oxigênio normais, a ventilação continuou a ser mantida com o I-gel.

O I-gel também foi desenhado para separar os tratos gastrointestinal e respiratório. O I-gel permite a passagem de uma sonda gástrica para o estômago e possivelmente evita, desse modo, os problemas de regurgitação e potencial aspiração.1212 Gibbison B, Cook TM, Seller C. Case series: protection from aspiration and failure of protection from aspiration with the I-gel airway. Br J Anaesth. 2008;100:415-7. No presente caso, essa facilidade nos foi benéfica para a descompressão do estômago.

De acordo com o nosso conhecimento, não há relato sobre o uso prolongado do I-gel em UTI. Não encontramos qualquer problema na ventilação mecânica com 48 horas de duração no modo VCP. Nossos resultados mostram que o I-gel pode ser usado para obter o controle das vias aéreas e, por conseguinte, manter a ventilação mecânica em casos difíceis de intubação traqueal em UTI.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2013
  • Aceito
    16 Out 2013
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