Incentivos sociais na adesão ao tratamento da tuberculose

RESUMO

Objetivo:

Analisar a influência de incentivos sociais na adesão ao tratamento da tuberculose (TB).

Método:

Estudo qualitativo, em que 26 profissionais da Atenção Primária à Saúde do município de São Paulo foram entrevistados em 2015, e seus depoimentos foram submetidos à técnica de análise de discurso. O referencial teórico foi a determinação social do processo saúde-doença. Os procedimentos éticos foram resguardados.

Resultados:

A TB está relacionada às condições precárias de vida, sendo que incentivos como a cesta básica e o vale-transporte são relevantes para a adesão do paciente ao tratamento, assim como para o vínculo entre o paciente e a equipe de saúde.

Considerações finais:

Os incentivos fortalecem a adesão ao tratamento da TB. Contudo, intervenções no âmbito de medidas públicas devem transcender a dimensão paliativa e orientarem-se para transformar a situação da TB, o que significa apoiar processos que modifiquem as condições de vida.

Descritores:
Tuberculose; Adesão à Medicação; Política Pública; Enfermagem; Atenção Primária à Saúde

ABSTRACT

Objective:

To analyze the influence of social incentives for adherence to tuberculosis (TB) treatment.

Method:

Qualitative study, in which 26 primary health care professionals of São Paulo were interviewed in 2015.Their testimonies were submitted to the speech analysis technique. The theoretical reference was the social determination of the health-disease process. Ethical procedures were observed.

Results:

TB is related to precarious living conditions. Incentives such as the basic food basket and transportation stipends are relevant for patients’ adherence to treatment, as well as to the create bonds between the patient and the health team.

Final considerations:

The incentives strengthened adherence to TB treatment. However, interventions in the context of public measures must transcend the remedial dimension and be guided towards the transformation of the TB situation, which means supporting processes that modify living conditions.

Descriptors:
Tuberculosis; Medication Adherence; Public Policy; Nursing; Primary Health Care

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la influencia de los incentivos sociales en la adhesión al tratamiento de la tuberculosis (TB).

Método:

Estudio cualitativo, en el que 26 profesionales de la Atención Primaria a la Salud del municipio de São Paulo fueron entrevistados en 2015, y sus testimonios fueron sometidos a la técnica de análisis de discurso. El referencial teórico fue la determinación social del proceso salud-enfermedad. Se han resguardado los procedimientos éticos.

Resultados:

La TB se relaciona con las condiciones precarias de la vida, siendo que los incentivos como la canasta básica y la ayuda para el transporte son relevantes para la adhesión del paciente al tratamiento, así como para el vínculo entre el paciente y el equipo de salud.

Consideraciones finales:

Los incentivos fortalecen la adhesión al tratamiento de la TB. Sin embargo, las intervenciones en el marco de medidas públicas deben trascender la dimensión paliativa y orientarse para transformar la situación de la TB, lo que significa apoyar procesos que modifiquen las condiciones de vida.

Descriptores:
Tuberculosis; Cumplimiento de la Medicación; Política Pública; Enfermería; Atención Primaria de Salud

INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) é uma enfermidade de cunho social, portanto o modo como as pessoas vivem e trabalham influencia o adoecimento⁽¹⁾. Em geral, a doença está associada aos grupos sociais mais vulneráveis e marginalizados, que possuem condição social comprometida e baixa escolaridade, fazem uso de álcool e outras drogas, moram em aglomerados urbanos, entre outras características^(2-3). Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou 10,4 milhões de novos casos de TB, 1,4 milhão de mortes e taxa de cura de 83%. No Brasil, nesse mesmo ano foram estimados 84 mil casos, 3,8 mil mortes e taxa de cura de 71%⁽⁴⁾. Esta taxa constitui um dos elementos do monitoramento da estratégia End TB, que tem como meta a eliminação da TB no mundo. Tanto a taxa mundial quanto a brasileira se encontram abaixo da recomendação da OMS, de ser maior do que 90%⁽⁴⁾.

A precária situação social, a demora na procura da assistência e a falta de informação acerca da enfermidade e sobre o tratamento são alguns dos elementos que contribuem para a não adesão ao tratamento da TB⁽³⁾. A adesão se relaciona ainda ao próprio tratamento medicamentoso (efeitos colaterais, por exemplo), às deficiências imunológicas, ao acesso e à organização do serviço de saúde^(2,5). O abandono do tratamento mantém a disseminação do bacilo e potencializa o risco do desenvolvimento da resistência à medicação^(5-7). A adesão não se reduz, portanto, ao ato volitivo e de cunho exclusivamente individual, mas está associada a outras dimensões referentes aos processos de produção e reprodução social, ou seja, à inserção social e às condições de vida e de trabalho.

A fim de melhorar os indicadores da doença e motivar a adesão ao Tratamento Diretamente Observado (TDO), o Ministério da Saúde recomenda a oferta de incentivos aos pacientes, como lanches, auxílio-alimentação e vale-transporte, uma vez que eles apresentam, de modo geral, vulnerabilidades importantes em relação às condições de vida. Tais incentivos podem contribuir para o alívio de necessidades mais imediatas das pessoas acometidas pela TB^(8-9). Além dos incentivos mencionados, o Brasil dispõe de medidas de Proteção Social (PS) que não se destinam especificamente aos pacientes de TB, mas ajudam a amenizar vulnerabilidades sociais⁽¹⁰⁾. Dentre elas, destacam-se: auxílio doença para as pessoas que contribuíram com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), o Programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, entre outras. Considera-se que tais medidas apoiam o enfrentamento da doença não somente pelos indivíduos acometidos pela TB, mas também pelas pessoas que com eles convivem^(11-12).

Mesmo com a verificação na literatura brasileira de trabalhos que abordam a temática central deste estudo^(10,12), destaca-se a pertinência deste artigo devido à magnitude da TB, que é a primeira causa de morte entre as doenças infecciosas causadas por um único agente, ultrapassando os óbitos por infecção pelo HIV⁽¹³⁾. Ademais, a Proteção Social compõe a atual estratégia da OMS, a End TB⁽⁴⁾.

OBJETIVO

Analisar a influência de incentivos sociais na adesão ao tratamento da tuberculose (TB), na perspectiva de profissionais da Atenção Primária à Saúde.

MÉTODO

Aspectos éticos

Todos os procedimentos éticos foram resguardados, e o projeto de pesquisa foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e da Secretaria de Saúde do município de São Paulo.

Referencial teórico-metodológico

Utilizou-se a determinação social do processo saúde-doença como referencial teórico-metodológico, que considera os processos estruturais, particulares e singulares para a compreensão do processo de adoecer. Isso significa que a forma de organização da sociedade, seu modo de produção e os perfis de reprodução social (produção e consumo) determinarão os perfis de saúde-doença⁽¹⁴⁾. Além disso, esse referencial não se limita aos processos individuais e biológicos, transcendendo para a interpretação do processo saúde-doença em sua dimensão coletiva⁽¹⁵⁾. Nessa perspectiva, entende-se que o termo adesão está associado à inserção social dos indivíduos, à acessibilidade às condições dignas de vida e à organização dos processos de assistência à saúde, trabalho este que não se deve restringir ao atendimento das necessidades biológicas e clínicas, mas também incorporar as de âmbito social⁽¹⁾.

Tipo de estudo

Estudo descritivo de abordagem qualitativa.

Procedimentos metodológicos

O cenário do estudo foi composto por 14 Unidades Básicas de Saúde (UBS) localizadas em três Supervisões Técnicas de Saúde (STS) do município de São Paulo (MSP): Butantã, Campo Limpo e Penha. Estas foram selecionadas porque apresentavam, respectivamente, a maior taxa de cura (81,8%), a menor taxa de abandono (7,8%) e a maior taxa de abandono (21,3%) do município⁽¹⁶⁾. Ademais, devido à extensão geográfica do município de São Paulo, optou-se, por conveniência, por selecionar unidades de saúde que se localizavam em regiões de fácil acesso. Foram sujeitos do estudo enfermeiros e médicos que assistiam o paciente de TB na Atenção Primária à Saúde; e adotou-se como critério de inclusão atuar na unidade de saúde em período superior a seis meses.

Foram entrevistados 86 profissionais, com base em instrumento semiestruturado de perguntas abertas e fechadas. Os depoimentos aqui analisados se referem a 26 profissionais de saúde, uma vez que, a partir desse número, houve repetição de informações. Como se trata de pesquisa qualitativa, entende-se que a amostra representa uma parte da totalidade em seus variados aspectos, sendo a entrevista um depoimento pessoal que retrata o coletivo⁽¹⁷⁾. As entrevistas foram realizadas no período de maio a julho de 2015.

As perguntas abertas e que nortearam a abordagem qualitativa das entrevistas permitiram aos profissionais de saúde discorrer livremente sobre o tema em questão: “conte um caso que o(a) Sr(a). considerou que o incentivo oferecido ao paciente de TB foi significativo para a cura da doença” e “conte um caso que o(a) Sr(a). considerou que o incentivo oferecido ao paciente de TB não foi significativo para a cura da doença”.

Os depoimentos foram gravados, transcritos na íntegra e analisados por meio de técnica de análise de discurso, com base na teoria do percurso gerativo de sentido (teoria de Greimas), a qual possibilita a depreensão do material empírico a partir de frases temáticas, que evidenciam significados e categorias^(18-19). Os profissionais foram representados por letras do alfabeto, e as frases temáticas por números (por exemplo, A2). Desses depoimentos, emergiram quatro significados: condições de vida das pessoas acometidas pela TB; incentivos como importantes para a adesão ao tratamento da TB; incentivos como irrelevantes para a adesão ao tratamento da TB; e vínculo entre a equipe de saúde e o paciente de TB versus a adesão ao tratamento.

RESULTADOS

Condições de vida das pessoas acometidas pela tuberculose

A associação da TB às condições de vida e de trabalho esteve presente nos depoimentos dos profissionais de saúde, os quais relataram que as pessoas acometidas pela doença de maneira geral têm “baixa renda”, ”moram mal”, “passam fome”, vivem em “situação precária”, de “vulnerabilidade muito extrema em relação ao seu trabalho” e utilizam os benefícios sociais para a “manutenção familiar” (C11, C12, E2, H1, L1, M1, T8, U1, Z1).

Afirma-se que a enfermidade é prevalente em regiões periféricas, onde há pessoas realmente necessitadas dos incentivos:

os maiores casos de gravidade que a gente tem são pessoas que tem uma situação precária. (T8)

Afirmou-se que esses pacientes geralmente já estão cadastrados no Programa Bolsa Família e que muitas vezes a oferta do incentivo encobre a “real necessidade que as famílias hoje passam no bairro” (C10).

Incentivos como importantes para a adesão ao tratamento da TB

Para os profissionais entrevistados, os incentivos são fundamentais na adesão ao tratamento da TB, em especial para pacientes com menor poder aquisitivo e em situação de vulnerabilidade social:

Bolsa Família ou qualquer outro incentivo desse tipo... ajuda a melhorar a qualidade de vida da pessoa, da família. (A1)

Quanto mais carente esse paciente for, realmente a cesta básica faz um diferencial muito grande, porque ele vira como um meio de sustento pra essa família. (V1)

Ademais, apontou-se a importância da cesta básica para a “nutrição adequada” do paciente durante o tratamento. Muitos pacientes, por vivenciarem restrições socioeconômicas, “sustentam a família inteira com a cesta básica” (V1).

Ainda que a oferta de lanches seja recomendada pelo Ministério da Saúde como forma de incentivo ao tratamento da TB, constatou-se nas regiões de coleta de dados apenas a oferta da cesta básica e do vale-transporte. Entretanto, os profissionais de saúde que vivenciaram o período no qual o MSP ofertava lanches aos pacientes de TB que compareciam à unidade de saúde para o TDO alegaram que a adesão decorria desse incentivo. Além do aporte calórico, a oferta do lanche possibilitava um momento de aproximação e estreitamento do vínculo entre os profissionais e os pacientes:

Tomavam café... e era oportunidade de conversar sobre a vida. (C14)

É importante esclarecer que atualmente o lanche é ofertado apenas em algumas regiões do MSP, pois as coordenadorias de saúde têm autonomia na decisão sobre sua concessão.

Incentivos como irrelevantes para a adesão ao tratamento da tuberculose

Mesmo que os incentivos sociais tenham sido considerados em sua ampla maioria relevantes na adesão ao tratamento da TB, alguns profissionais (7) se lembraram de situações em que tais medidas podem ter menor impacto, como no caso de pacientes considerados de “difícil controle” (segundo menção dos próprios profissionais de saúde): menores de idade cujas mães são “negligentes” no acompanhamento terapêutico da TB; pacientes com histórico de violência na família; usuários de drogas ilícitas, etilistas ou envolvidos no tráfico de drogas; pacientes com situação econômica estável; jovens; ou pacientes que não aceitam a doença. Outros profissionais também manifestaram que pacientes que compreendem a importância do tratamento não dependem de incentivos sociais (G5, T7, U2).

Alguns profissionais admitem que os incentivos sociais possam contribuir indiretamente para a adesão ao tratamento, pois os pacientes têm receio de perdê-los, já que são necessários para a manutenção de suas vidas:

É mais aquela questão de intimidação... não aquilo auxiliando por si só... é mais por medo de perder o benefício. (A4)

Também se verificou em um dos depoimentos que, embora os incentivos sociais sejam ofertados, não eliminam as dificuldades vivenciadas pelos pacientes para a obtenção de afastamento do trabalho devido à doença:

Tá um pouco distante da gente... é algo muito complicado... é muita burocracia. (C16)

Vínculo entre a equipe de saúde e o paciente de TB versus adesão ao tratamento

Os depoimentos sinalizaram a importância da associação do vínculo entre os profissionais de saúde e o paciente de TB para a consecução da adesão ao tratamento. Considera-se que o “vínculo com o paciente... é a base, é fundamental” (A3) para a cura da doença, pois possibilita “amarrar o tratamento” (F1), principalmente nos casos de famílias vulneráveis. Ressalta-se a importância do vínculo construído durante o TDO, no interior da Estratégia de Saúde da Família, pois:

O vínculo, de você entregar todo dia o medicamento pra ele... e mostrando a importância do tratamento... é diferente de você entregar uma vez por mês... você acaba nem conhecendo o paciente da área. (X3)

Ir na casa do paciente... conhecer a família dele, [...] explicar pra família porque que é tuberculose, a importância de que ele faça o tratamento... conhecer a família... filho, filha, outros parentes envolvidos... acaba se tendo uma rede familiar que ajuda no tratamento. (X4)

Em casos de pacientes oriundos de outro país, apontou-se a necessidade de estabelecimento de vínculo do serviço de saúde com a chefia do local de trabalho onde os doentes estão empregados, a fim de que os empregadores entendam a importância do tratamento e facilitem a liberação do trabalhador para a condução do TDO.

DISCUSSÃO

Este estudo contribui para a compreensão da importância da oferta de incentivos sociais ao tratamento da TB devido à vulnerabilidade social à qual os pacientes em geral estão submetidos. Ainda que o Brasil disponibilize o tratamento da TB gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS), há evidência de que os pacientes apresentam despesas relevantes com a saúde mesmo indiretamente, a exemplo da necessidade de transporte para se dirigir ao serviço de saúde (embora um dos princípios do SUS seja a regionalização) e de alimentação^(20-21). No caso da TB, avalia-se que tais gastos comprometem cerca de 8% a 20% do rendimento anual dos pacientes⁽²⁰⁾. Assim, o apoio social – com a oferta de alimentos, vale-transporte ou apoio monetário – pode atenuar os efeitos da enfermidade e auxiliar na superação de algumas barreiras do tratamento^(22-23).

A reversão do quadro epidemiológico da TB em direção à baixa incidência e mortalidade decorre da melhora das condições de vida e trabalho. Países que investiram não apenas em incentivos sociais para o tratamento da TB, mas especialmente na constituição de um sistema de proteção amplo (a exemplo da Inglaterra, França e Alemanha), apresentam indicadores positivos no controle da doença. Tais países investiram na garantia de direitos por meio de políticas de habitação e de renda para os desempregados, de pensões para reduzir a privação material na velhice ou no caso do falecimento de um dos cônjuges, entre outros^(24-26).

A análise dos discursos dos profissionais indica que os incentivos ofertados ao paciente de TB são importantes para a adesão ao tratamento. A literatura mostra que a oferta monetária e o vale-transporte, entre outros, ajudam na melhora clínica, especialmente das pessoas que se encontram em situação mais vulnerável, o que corrobora os achados deste trabalho^(26-27).

A respeito de incentivos alimentares, estudos mostram que essa medida atua positivamente na adesão ao tratamento da TB, com redução das taxas de mortalidade e de falhas no tratamento^(27-29). Nesta pesquisa, os profissionais entrevistados ressaltaram a importância da cesta básica, benéfica não só para os pacientes, mas também para o sustento de suas famílias, devido à condição de vida que em geral se encontravam.

Assim como a cesta básica, o vale-transporte também foi apontado como um potencial facilitador da adesão ao tratamento. O atendimento à recomendação da realização do TDO em todos os pacientes requer o comparecimento do doente à unidade de saúde diariamente, de segunda a sexta-feira. Para fins operacionais, são considerados em TDO os pacientes que tiverem 24 doses supervisionadas na primeira fase do tratamento e 48 doses supervisionadas na segunda fase, e tal frequência pode resultar em gasto significativo, já que são deslocamentos necessários à unidade de saúde⁽⁹⁾. De fato, estudos evidenciam maior risco de não adesão ao tratamento entre pacientes com restrições econômicas, devido aos custos com o transporte^(22,30).

É importante ressaltar que no município de São Paulo todas as Coordenadorias de Saúde oferecem a cesta básica e o vale-transporte aos pacientes que realizam o TDO. Porém, não há legislação que oficialize a obrigatoriedade da cesta básica para os pacientes de TB nessa modalidade de tratamento⁽³¹⁾.

Em relação à oferta de lanches aos pacientes em TDO, alguns profissionais apontaram sua importância para a garantia da estratégia e lamentaram a restrição de sua oferta no município. Na ocasião em que o estudo foi realizado, isso ocorria apenas na região sob a responsabilidade da Coordenadoria de Saúde Leste.

Por outro lado, alguns profissionais manifestaram que os incentivos não influenciam a adesão de grupos específicos, como usuários de drogas ilícitas, etilistas, pessoas que vivenciam situação de rua, entre outros. Essa concepção tem base no entendimento de que tais grupos apresentam contextos específicos de vulnerabilidade, que interferem no seguimento da terapêutica: em geral, os indivíduos desses grupos não têm uma rotina, não dispõem de apoio familiar ou de outras pessoas, têm a autoestima reduzida e não dispõem de condições mínimas para uma vida com dignidade. Ademais, o uso de drogas ilícitas e de álcool pode causar alterações comportamentais que potencializam a rejeição à medicação^(32-34). No entanto, também é necessário ponderar que a interpretação de que os incentivos não influenciam a adesão desses grupos específicos é carregada de estereótipos, os quais não raro são utilizados como motivo para o não acompanhamento de pacientes nessas situações.

Especificamente em relação às pessoas que se encontram em situação de rua, estudos mostram que incentivos de transporte e de alimentação são relevantes para o aumento da adesão ao tratamento^(23,28). Há de se considerar que o posicionamento de certos profissionais, a respeito do efeito neutro do oferecimento de cesta básica aos pacientes em situação de rua, pode decorrer do fato de que certos alimentos constituidores da cesta básica requerem cocção, o que pode ser inviável nessa condição.

Ainda com relação a esse grupo de pacientes, o qual se encontra em tais contextos de vulnerabilidades, verificou-se neste estudo que a relação de confiança entre o profissional de saúde e o paciente e a necessária autonomia deste último nas decisões compartilhadas no decorrer do tratamento podem melhorar a aceitação do diagnóstico e promover a adesão ao tratamento⁽³⁵⁾.

O vínculo estabelecido entre a equipe de saúde e o paciente durante o TDO possibilita conhecer o contexto social e familiar dos pacientes de TB e, com isso, reduzir o abandono do tratamento^(36-38). O vínculo propicia o entendimento das necessidades dos pacientes, além de promover o sentimento de valorização, acolhimento e inclusão social⁽¹⁾. Embora tenham sido entrevistados apenas enfermeiros e médicos, o vínculo deve ser estabelecido entre todos os profissionais envolvidos no tratamento, destacando-se a participação fundamental do enfermeiro como responsável pela supervisão do TDO^(39-41).

Este trabalho contribuiu para mostrar uma faceta da realidade brasileira a respeito da influência de incentivos na adesão ao tratamento de pacientes de TB, na perspectiva de profissionais de saúde. Contudo, é necessário lembrar que esse tema está subsumido, ou seja, pertence a uma compreensão mais totalizante, a qual se refere ao entendimento de que as condições inadequadas de vida, dos serviços de saúde, do serviço penal – além dos movimentos migratórios, em busca de refúgio, entre outros – dificultam o controle da doença e podem induzir o paciente ao abandono do tratamento^(42-43). Não bastam, pois, incentivos pontuais quando se tem como meta a eliminação da TB.

Limitações do estudo

Um possível elemento limitante deste estudo se refere ao número de profissionais que mencionou as medidas de proteção social mais abrangentes, como o Programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, e sua influência na adesão ao tratamento da TB e no Programa de Controle da doença. Entretanto, a escassez de relatos dessa natureza não impediu a análise da percepção desses profissionais a respeito da importância dos incentivos sociais para o fortalecimento da adesão ao tratamento da TB.

Contribuições para a área da enfermagem

Incentivos sociais, como a cesta básica e o vale-transporte, são recomendados pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Tais incentivos incrementam o tratamento da TB e atuam como facilitadores da adesão, principalmente porque grande parte dos indivíduos acometidos pela doença apresentam importantes fragilidades nos modos de vida e trabalho. Esta condição é relevante aos profissionais de saúde, em especial os profissionais da equipe de enfermagem que atuam ativamente no tratamento e controle da doença. Desta forma, é imprescindível que estes tenham informação sobre os incentivos sociais de forma a orientar os pacientes sobre seus direitos. Reitera-se a necessidade de que os profissionais da enfermagem atuem na instrumentalização da conscientização sobre os determinantes que levam ao adoecimento da TB, no sentido de diminuir as desigualdades sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os incentivos (cesta básica e vale-transporte) são admitidos como importantes e de modo geral potencializam a adesão, principalmente no caso de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social. A oferta desses incentivos em conjunto com o Tratamento Diretamente Observado e o vínculo instituído entre o profissional e o paciente de TB fortalecem a adesão ao tratamento.

Todavia, admitindo-se que a TB é resultado de desigualdades sociais, tais incentivos apenas minimizam a situação de sofrimento das pessoas acometidas pela doença. Portanto, a proteção social deve constituir a estrutura da sociedade, o que já se mostra efetivo em alguns países, e não ser apenas artifício para mitigar situações de pobreza. Dessa forma, ações que integrem políticas destinadas à superação das desigualdades são fundamentais para a conquista de uma sociedade mais equitativa e, portanto, para o controle dessa enfermidade.

• FOMENTO
  Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 134346/2014-9.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Set 2019
• Data do Fascículo
  Sep-Oct 2019

Histórico

• Recebido
  24 Out 2017
• Aceito
  28 Mar 2018