A simulação clínica como método de ensino na Enfermagem Fundamental: um estudo quase-experimental

RESUMO

Objetivos:

avaliar a implementação da simulação clínica nas disciplinas pautadas na Enfermagem Fundamental quanto ao ganho de conhecimento pelo discente.

Métodos:

realizou-se uma intervenção quase-experimental com 60 estudantes, distribuídos em grupos de comparação e de intervenção, os quais fizeram uso do ensino tradicional e do ensino tradicional associado ao ensino simulado, respectivamente. Foram aplicados instrumentos de pré-teste e pós-teste a ambos grupos.

Resultados:

analisado o desempenho dos estudantes por meio dos instrumentos aplicados, ambos os grupos tiveram uma evolução cognitiva ao longo do conteúdo ministrado, porém, quando comparados, o grupo de intervenção obteve um ganho de conhecimento superior ao grupo de comparação (p = 0,016), demonstrando melhora progressiva e crescente com o uso da metodologia utilizada.

Conclusões:

o ensino simulado auxilia de maneira significativa no ganho de conhecimento técnico-cognitivo dos estudantes. Sendo assim, recomenda-se aderir ao uso dessa metodologia no ensino da Enfermagem Fundamental.

Descritores:
Enfermagem; Ensino; Educação em Enfermagem; Simulação; Simulação de Paciente

ABSTRACT

Objectives:

to evaluate students’ knowledge gain after the implementation of clinical simulation in Nursing Fundamentals disciplines.

Methods:

a quasi-experimental intervention was carried out with 60 students, distributed in comparison and intervention groups, who underwent traditional teaching and traditional teaching associated with simulated teaching, respectively. Pre-test and post-test instruments were applied to both groups.

Results:

after analyzing the students’ performance through the applied instruments, both groups had a cognitive evolution along with the taught content, however, when compared, the intervention group obtained a higher knowledge gain than the comparison group (p = 0.016), demonstrating progressive and increasing improvement with the use of the methodology.

Conclusions:

simulated teaching significantly helps students in gaining technical-cognitive knowledge. Therefore, it is recommended to adhere to the use of this methodology for teaching Nursing Fundamentals.

Descriptors:
Nursing; Teaching; Education; Simulation Training; Patient Simulation

RESUMEN

Objetivos:

evaluar implementación de simulación clínica en asignaturas pautadas en la Enfermería Fundamental cuanto a la adquisición de conocimiento por discente.

Métodos:

realizó una intervención casi-experimental con 60 estudiantes, distribuidos en grupos de comparación e intervención, los cuales hicieron uso de la enseñanza tradicional y enseñanza tradicional relacionada a enseñanza simulada, respectivamente. Fueron aplicados instrumentos de pretest y postest a ambos grupos.

Resultados:

analizado el desempeño de los estudiantes mediante los instrumentos aplicados, ambos los grupos tuvieron una evolución cognitiva al largo del contenido ministrado, pero, cuando comparados, el grupo de intervención obtuvo una adquisición de conocimiento superior al grupo de comparación (p = 0,016), demostrando mejora progresiva y creciente con el uso de la metodología utilizada.

Conclusiones:

la enseñanza simulada auxilia de manera significativa en la adquisición de conocimiento técnico-cognitivo de los estudiantes. Así, se recomienda adherir al uso de esa metodología en la enseñanza de la Enfermería Fundamental.

Descriptores:
Enfermería; Enseñanza; Educación en Enfermería; Simulación; Simulación de Paciente

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o ensino vem sofrendo inúmeras modificações conceituais, metodológicas e nas propostas de formação, visando ao aprimoramento das técnicas de ensino e aprendizagem^(1-2).

Os avanços e mudanças de fatores políticos, sociais e culturais demonstraram a necessidade de usar novas estratégias de treinamento ativo na educação médica e de enfermagem. Com isso, a evolução dos métodos de ensino passa a produzir um processo de aprendizagem mais centrado no aluno, se afastando então dos processos orientados apenas à instituição^(3-4).

A simulação é um exemplo da metodologia ativa de ensino que permite o treinamento em condições reais, com simuladores e atores, de forma interativa, em um ambiente controlado onde o professor assume uma postura de condutor e não a de fornecedor ativo de toda a informação. Ou seja, ele é redirecionado a assumir uma postura dialógica em sala de aula, permitindo que os alunos sejam coautores do seu próprio aprendizado. Nessa perspectiva, não se pretende retirar do docente a responsabilidade do processo educativo, e sim estimular os alunos a também terem autonomia nesse novo processo, do qual a simulação faz parte^(3,5-6).

Destaca-se a importância do treinamento para o futuro enfermeiro assistencial. Dentre as inúmeras atividades de cuidado que lhe competem, encontra-se a sondagem enteral, com a qual a equipe de enfermagem apresenta envolvimento direto, participando ativamente do procedimento de passagem, fixação e manutenção da sonda, bem como da infusão de dieta e medicamentos através dessa via⁽⁷⁾.

A terapia de nutrição enteral possui como objetivo a manutenção ou recuperação do estado nutricional do paciente, uma vez que o suporte nutricional adequado é imprescindível no tratamento e recuperação do indivíduo, bem como na melhora da sua qualidade de vida⁽⁸⁾.

Porém, faz-se necessário saber que, embora seja benéfica, essa terapia guarda riscos de prováveis incidentes e eventos adversos (EA)⁽⁹⁾. De acordo com o Ministério da Saúde, incidente é descrito como “evento ou circunstância que poderia ter resultado, ou resultou, em dano desnecessário ao paciente”, enquanto EA é conceituado como qualquer “incidente que resulta em dano ao paciente”⁽¹⁰⁾.

Uma revisão integrativa na área foi capaz de demonstrar a falta de preparação dos profissionais de enfermagem no que tange à sondagem e à identificação dos fatores de risco e efeitos adversos advindos de seu uso. Portanto, torna-se indispensável a capacitação desses profissionais, de modo a aperfeiçoar suas técnicas e fundamentá-las com base nas evidências científicas, para que as falhas sejam reduzidas⁽¹¹⁾. Nesse sentido, é preciso que a formação profissional esteja mais coerente com as necessidades práticas da profissão e que o aluno seja capaz de treinar e desenvolver seus conhecimentos e habilidades, bem como seja capaz de compreender suas competências a fim de proporcionar um cuidado seguro e de qualidade ao seu cliente.

No treinamento, é possível utilizar a simulação como meio de promoção da segurança do paciente e no manejo das técnicas assistenciais do enfermeiro. Isso facilitará a aprendizagem livre de riscos e dará um auxílio na aquisição da competência clínica, de comunicação e de tecnologia da informação. Portanto, a simulação desempenhará um papel expressivo na avaliação de resultados, melhorando a capacidade de reflexão e de pensamento crítico, a autoeficácia e autoconfiança dos alunos nas suas capacidades clínicas no processo de formação^(12-13). A questão da segurança vem sendo discutida em âmbito global e tem gerado, além de mudanças, uma busca crescente pela melhoria contínua da qualidade dos serviços de saúde⁽¹⁴⁾.

O aprendizado ativo pela simulação estimula a formação de profissionais críticos e reflexivos, lançando mão de uma abordagem construtivista, na qual se pode melhorar o conhecimento, obter um melhor desempenho nas competências e nas habilidades técnicas e não técnicas, na liderança e na comunicação dos profissionais de saúde envolvidos, bem como na tomada de decisões⁽¹⁵⁾.

Tendo em vista o que foi elencado acima, a falta de estudos abordando a temática no Brasil conforme demonstrado em revisões integrativas^(16-18), e que as disciplinas pautadas na Enfermagem Fundamental são essenciais no currículo de Enfermagem, uma vez que propiciam ao discente o primeiro contato com a prática para o desenvolvimento de capacidades e habilidades exigidas⁽¹⁹⁾, e que neste momento é esperado que o discente atinja diversas expectativas, o que pode acabar gerando fatores estressores e sentimentos negativos pelo fato de estarem diante do desconhecido⁽²⁰⁾, faz-se necessário que se adotem o mais precocemente, dentro das bases de formação do discente, métodos que os aproximem da realidade que irão encontrar nos cenários de prática, propiciando assim o treinamento repetitivo e o alcanço das competências necessárias, sem comprometer a segurança dos envolvidos neste processo.

OBJETIVOS

Avaliar a implementação da simulação clínica nas disciplinas pautadas na Enfermagem Fundamental quanto ao ganho de conhecimento pelo discente.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Brasília - Faculdade de Ceilândia. Seguiu as diretrizes e normas regulamentadoras da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que versa sobre pesquisas e testes em seres humanos⁽²¹⁾.

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de um estudo de intervenção quase-experimental com abordagem quantitativa, norteado pela ferramenta STROBE e desenvolvido no período de agosto de 2018 a julho de 2019, em uma universidade pública do Distrito Federal, Brasil.

População e amostra: critérios de inclusão e exclusão

Os participantes do estudo foram os discentes do curso de graduação em Enfermagem. Para o cálculo da amostra, foi utilizado o software Raosoft^(®); considerou-se uma margem de erro de 8% e um intervalo de confiança de 95%, obtendo-se, portanto, um total de 52 participantes para atingir a meta do estudo.

Foram elegíveis os alunos que estavam regularmente matriculados nas duas disciplinas que compõem a área da Enfermagem Fundamental, denominadas “Semiologia e Semiotécnica 2” (Semio 2) e “Integração ao Cenário das Práticas 3” (ICP 3) e que participaram de todas as etapas da pesquisa. Excluíram-se aqueles alunos que estavam de licença médica, com trancamento da disciplina ou aqueles que já possuíam formação de técnico em enfermagem.

A população do estudo foi constituída inicialmente por 78 alunos, entretanto 16 foram excluídos ao longo da pesquisa devido à ausência em uma das etapas do estudo; e 2, por já possuírem a formação de técnico em enfermagem. Então, a amostra foi composta de 60 alunos, dos quais, distribuídos aleatoriamente, 30 compuseram o grupo de intervenção (GI); e 30, o grupo de comparação (GC).

Protocolo do estudo

As disciplinas Semio 2 e ICP 3 estão inseridas no mesmo período do curso de graduação em Enfermagem da universidade escolhida como local da pesquisa, pois são disciplinas que se complementam. Enquanto a Semio 2 aborda a parte teórico-prática da Enfermagem Fundamental, de modo a instrumentalizar o discente para a realização da assistência, a ICP 3 aborda a prática clínica, em que os discentes se dirigem aos cenários de pratica na rede de saúde para prestar cuidados aos pacientes, de acordo com o conhecimento aprendido em sala de aula e no intuito de desenvolver e aprimorar suas habilidades assistenciais.

A Semio 2 possui o seguinte planejamento: os professores responsáveis ministram o conteúdo por meio de aulas expositivo-dialogadas e, em seguida, levam os alunos até o laboratório para ilustrar por meio da execução prática, utilizando peças anatômicas. Já na ICP 3, cujo caráter é a assistência, são ofertadas aos discentes, antes de se dirigirem às Unidades de Saúde, apenas aulas práticas, de forma intensiva e condensada, demonstrando as técnicas que serão abordadas na prática clínica ao longo do semestre.

Desse modo, no decurso das disciplinas, os discentes possuem, então, aulas expositivodialogadas e práticas sobre os temas relacionados à Enfermagem Fundamental.

Considerando o conteúdo programático que é abordado na Enfermagem Fundamental, foram escolhidas as seguintes temáticas para serem objeto neste estudo: sondagem enteral; segurança do paciente; e biossegurança.

Tendo em vista o conteúdo e o fato de as disciplinas fazerem parte do mesmo período, selecionamos, em ambas, momentos que abordavam as temáticas escolhidas para este estudo, a fim de avaliarmos o crescimento do desempenho dos discentes: Momento 1 - Aula expositivo-dialogada sobre segurança do paciente e biossegurança seguida de aula prática no laboratório (Semio 2); Momento 2 - Aula prática de sondagem enteral (ICP 3); Momento 3 - Aula expositivo-dialogada de sondagem enteral seguida de aula prática no laboratório (Semio 2); Momento 4 - Intervenção simulada abordando as três temáticas (Semio 2 e ICP 3).

Em cada um dos momentos citados acima, foram aplicados pré-teste e pós-teste, utilizando o mesmo instrumento (instrumento de desempenho técnico-científico), o qual foi elaborado pelos pesquisadores responsáveis e validado por experts. Ele continha dez questões acerca das temáticas escolhidas, cujas opções de resposta consistiam em certo ou errado.

De início, todos os discentes passaram pelos Momentos 1, 2 e 3. Somente a partir da finalização do Momento 3 - quando foram excluídos aqueles que haviam se ausentado em alguma das etapas - é que foi realizada a distribuição aleatória dos participantes entre grupo de comparação (GC) e grupo de intervenção (GI). Sendo assim, o GC participou apenas até o Momento 3, ao passo que o GI participou também do Momento 4, pois este era destinado à intervenção.

Portanto, o GC participou de aulas expositivo-dialogadas e aulas práticas convencionais em laboratório, enquanto o GI participou de aulas expositivo-dialogadas, aulas práticas convencionais em laboratório, acrescidas da intervenção simulada. Vale lembrar que as disciplinas em questão não haviam trabalhado anteriormente com atividades simuladas, de modo que, a princípio, sua implementação não possuía caráter avaliativo, e sim o intuito de contemplarmos o objetivo deste estudo.

A aleatorização dos participantes entre o GC e GI deu-se por sorteio realizado por meio do software Flip, em que o pesquisador principal junto com os docentes das disciplinas utilizaram o número correspondente da lista de frequência para essa finalidade. Então, a partir disso, os alunos foram alocados em seus grupos, cegamente.

A atividade simulada contou com um cenário também elaborado pelos pesquisadores com base no referencial metodológico proposto pela ^{_{National League Nursing/Jeffries Simulations Framework(} 22)}, que descreve as fases ou etapas para a construção e desenvolvimento da simulação. O caso clínico (Quadro 1) se tratava de um paciente chagásico com disfagia; ali, procuramos identificar o papel do enfermeiro no tocante à segurança do paciente, biossegurança e aos cuidados com a sonda nasoentérica (SNE), sob os seguintes objetivos de aprendizagem: avaliar o desempenho na identificação da precaução de contato e uso de equipamentos de proteção específicos; atentar-se à segurança do paciente, bem como à identificação do risco de quedas; avaliar o desempenho na aplicação de histórico de enfermagem estabelecendo relações com os princípios de semiologia e semiotécnica; realizar a passagem da sonda nasoentérica dentro da técnica limpa, assegurando seu adequado posicionamento e sua manutenção.

Quadro 1
Descrição do caso clínico, Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2019

Caso clínico:

Paciente JPC, 66 anos, sexo masculino, 50 kg, 1,68 m, sedentário, etilista há 20 anos, ex-fumante, aposentado, reside no Pará com sua esposa, portador de megaesôfago chagásico. Deu entrada no pronto-socorro deste hospital apresentando disfagia moderada. Após cinco dias de internação, devido ao quadro nutricional, apresentou úlceras extensas que estavam infectadas (KPC - Klebsiella pneumoniae carbapenemase), sendo necessário que ficasse em isolamento. Paciente segue aguardando assistência.

Ainda, ressaltamos que o cenário foi submetido à validação por experts.

Os alunos do GI foram distribuídos aleatoriamente para atuarem no cenário simulado. A cada grupo, foram destinados 50 minutos para a simulação clínica, sendo os 5 primeiros minutos para reconhecimento do cenário (briefing), 20 minutos para a simulação real, 5 minutos para resolução do instrumento de pós-teste específico do Momento em questão e 20 minutos para o debriefing. É importante salientar que os alunos passaram pela realização do debriefing da simulação com as pesquisadoras responsáveis somente após a resolução do pós-teste, pois, dessa forma, os assuntos discutidos ali não interfeririam nas respostas.

O debriefing foi do tipo estruturado com base no ciclo de Gibbs⁽²³⁾ . Foi conduzido em seis etapas/fases para incentivar os estudantes a organizarem e estruturarem seu pensamento: descrição, sentimentos, avaliação, análise, conclusão e plano de ação.

Quando a atividade se encerrava, os grupos de alunos não tinham contato uns com os outros, para assegurar a não comunicação entre os participantes e o sigilo do cenário simulado. Os alunos do GC também realizaram a simulação clínica em uma oportunidade posterior, de forma que não ficassem prejudicados quanto ao uso da simulação no processo de ensino.

A Figura 1 demonstra como foi o processo de coleta de dados.

Figura 1
Fluxograma da etapa de coleta de dados, Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2019

Análise dos resultados e estatística

Os dados coletados foram inicialmente estruturados em uma planilha do Excel e exportados ao software Statistical Package for the Social Sciences - SPSS (versão 20.0) para a realização da análise. Foram efetuadas análises de estatística descritiva para obtenção de média, mediana, desviopadrão e percentis 25 e 75. A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. Os dados não obedeceram a uma distribuição normal. Para verificar se houve diferença entre as pontuações obtidas mediante o instrumento de desempenho técnico-científico entre os participantes dos mesmos grupos, os resultados foram submetidos ao teste de Wilcoxon. Já para comparação dos resultados entre os grupos distintos, foi utilizado o teste U de Mann-Whitney.

RESULTADOS

Dos 60 participantes do estudo, 48 (80%) eram do sexo feminino, enquanto 12 (20%) eram do sexo masculino. A média de idade foi de 21,2 anos, com mínimo de 19 e máximo de 29 anos.

Ao analisarmos as médias de acertos dos estudantes quanto ao instrumento de avaliação cognitiva, percebe-se que o GC sai de uma média de 5,3 no pré-teste para uma média de acertos de 7,3 no pós-teste. E o GI começa com uma média de 4,7 e passa para uma média final de 7,7 no último momento de pós-teste. Já o delta do conhecimento entre os grupos, baseando-se na média obtida, foi de 2,1 no GC e 3,0 no GI.

Enquanto o GC apresentava inicialmente uma mediana de 5,0 e findou com uma de 7,0, o GI iniciou também com uma mediana de 5,0, mas acabou finalizando com uma de 8,0.

O delta do conhecimento entre os grupos, baseando-se na mediana obtida da quantidade de acertos que os participantes obtiveram quando foram submetidos aos instrumentos de pré-teste e pósteste, foi de 2,0 no GC, enquanto o GI recebeu 3,5, com significância estatística de p = 0,016, conforme demonstrado na Figura 2.

Figura 2
Boxplot do ganho de conhecimento apresentado pelos alunos do grupo de comparação e do grupo de intervenção, Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2019

A figura a seguir (Figura 3) demonstra o desempenho dos discentes, evidenciando que o ensino convencional proporcionou um ganho de conhecimento mas acabou numa constante, ao passo que o ensino pautado em metodologias ativas - especificamente, neste caso, utilizando a simulação - promoveu não só o ganho de conhecimento, como também auxiliou numa melhora progressiva e crescente.

Figura 3
Comparação do ganho de conhecimento entre ambos grupos realizado com base nas médias, Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2019

Tabela 1
Análise do conhecimento dos participantes do grupo de comparação e do grupo de intervenção nos diferentes momentos de pré-teste e pós-teste, de acordo com o número de acertos, Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2019

	Grupo
	Grupo de comparação						Grupo de intervenção
	Média	DP	P 25	Mediana	P 75	p	Média	DP	P 25	Mediana	P 75	p
Momento 1
Soma do primeiro pré-teste	5,3	1,2	4,0	5,0	6,0	0,001*	4,7	1,4	4,0	5,0	6,0	< 0,001*
Soma do primeiro pós-teste	6,3	1,2	6,0	7,0	7,0		6,3	1,1	6,0	6,0	7,0
Momento 2
Soma do segundo pré-teste	6,3	1,2	6,0	7,0	7,0	< 0,001*	6,3	1,1	6,0	6,0	7,0	0,169
Soma do segundo pós-teste	7,3	1,0	7,0	7,0	8,0		6,6	1,0	6,0	7,0	7,0
Momento 3
Soma do terceiro pré-teste	7,3	1,0	7,0	7,0	8,0	0,969	6,6	1,0	6,0	7,0	7,0	0,018*
Soma do terceiro pós-teste	7,3	1,3	7,0	7,0	8,0		7,3	0,7	7,0	7,0	8,0
Momento 4
Soma do quarto pré-teste							7,3	0,7	7,0	7,0	8,0	0,040*
Soma do quarto pós-teste							7,7	0,8	7,0	8,0	8,0
Delta conhecimento	2,1	1,4	1,0	2,0	3,0		3,0	1,6	2,0	3,5	4,0	0,016*

• Utilizaram-se os testes Wilcoxon (amostras pareadas) e U de Mann-Whitney (amostras independentes); DP - desvio-padrão; P25 - percentil 25; p75 - percentil 75; p - valor de p.

DISCUSSÃO

Ao analisarmos o ganho de conhecimento entre os grupos de comparação e intervenção separadamente, observamos que ambos tiveram uma evolução cognitiva quanto ao conteúdo disponibilizado. Porém, realizada a comparação entre o GC, que teve contato somente com o ensino tradicional, e o GI, que, além do ensino tradicional, teve a oportunidade de conhecer a metodologia ativa, na qualidade de simulação, o resultado foi que o GI obteve um ganho de conhecimento superior ao GC.

Em um estudo quase-experimental, desenvolvido com estudantes dos cursos de graduação em Enfermagem (n=28) e Medicina (n=23), Ferreira, Guedes, Oliveira e Miranda⁽²⁴⁾ perceberam que a associação do ensino tradicional com a simulação realística demonstrou ser eficaz para a obtenção e, por conseguinte, melhora do conhecimento (p < 0,001), podendo-se afirmar que a associação dos métodos favoreceu a obtenção de um melhor desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Isso também foi corroborado por outros estudos^(25-27).

Os docentes precisam tomar conhecimento de novas metodologias pedagógicas progressivas que auxiliem no desenvolvimento de um ensino capaz de transformar as práticas assistenciais do enfermeiro. Em vista disso, são necessárias mudanças no paradigma e nos constructos de ensino, saindo do âmbito apenas tradicional e buscando novas alternativas/meios de aprendizado, uma vez que a visão crítica e a tomada conscienciosa de decisões é imprescindível diante do cuidado⁽²⁸⁾.

Na teoria de aprendizagem significativa, aprender é conduzir o aluno a relacionar o seu conhecimento prévio com uma nova informação. A aprendizagem pode ser considerada como significativa quando os conhecimentos passam a dar sentido ao saber e à prática para aquele que aprende, pois uma aprendizagem sem relação com conhecimentos preexistentes, é puramente mecânica⁽²⁹⁾.

A assistência ao paciente em uso de terapia nutricional por via enteral é considerada de alta complexidade, por isso a prevenção de eventos adversos é compromisso de toda a equipe de saúde, e faz-se necessária a capacitação para se conseguir efetividade nesse processo⁽⁹⁾.

Em uma revisão bibliográfica, os relatos mais frequentes de incidentes e eventos adversos estavam relacionados à inserção da sonda enteral em árvore brônquica, pulmão e cérebro; perfuração esofágica, gástrica e intestinal; administração de dieta no sítio respiratório em decorrência de muitos setores utilizarem apenas confirmações clínicas de posicionamento do dispositivo, como ausculta e avaliação do pH, não fazendo uso da confirmação radiológica, considerada padrão-ouro; dentre outras ocorrências associadas à remoção do dispositivo⁽¹⁶⁾.

Além disso, é válido ressaltar que os pacientes nessas situações apresentaram desde evoluções favoráveis, apesar de demandarem tratamentos adicionais, até condições clínicas que evoluíram para óbito. Tais achados são uma forma de alerta às equipes assistenciais, estudantes e cuidadores quanto aos riscos de complicações desse procedimento⁽¹⁶⁾.

Motta, Rigobello, Silveira e Gimenes⁽¹⁷⁾, em sua revisão integrativa, analisaram as evidências sobre eventos adversos relacionados à sonda nasogástrica/nasoentérica em pacientes adultos e ratificaram os achados supracitados, acrescidos da lesão por pressão relacionada à fixação da sonda e da conexão incorreta em cateteres venosos ou outros dispositivos. Assim, demonstraram a necessidade de desenvolvimento de diretrizes baseadas em evidências para evitar esses eventos, além da incorporação de avanços tecnológicos tanto no atendimento ao paciente quanto no ensino em saúde, a fim de prestar um cuidado qualificado e pautado na segurança do paciente.

Gimenes e Reis afirmam que os profissionais devem ampliar os estudos em outros cenários de atuação, a fim de minimizar os riscos e os eventos adversos associados à nutrição enteral, e que é preciso usar metodologias inovadoras para o ganho dessa competência⁽¹⁸⁾.

Evidências de uma revisão da literatura acrescentam que a aprendizagem baseada em casos, simulações clínicas, prática e feedback é identificada como técnica educacional eficaz, ao passo que as técnicas didáticas envolvendo uma instrução passiva, como leitura ou palestra, têm pouco ou nenhum impacto nos resultados da aprendizagem⁽³⁰⁾.

Sabe-se que grande parte do conhecimento adquirido durante a graduação não é retida por um período de tempo extenso, principalmente quando este não é utilizado na sua prática diária. Sendo assim, uma estratégia capaz de auxiliar no aumento da retenção de conhecimento é aumentar o número de momentos destinados à prática clínica. À vista disso, os métodos ativos de aprendizagem podem ser uma boa ferramenta para complementar a prática clínica do discente, levando-o a uma maior retenção do conhecimento obtido⁽³⁰⁾. Em outro trabalho, a retenção de conhecimento foi estatisticamente significante quando aplicado o pós-teste de 2 a 4 semanas após a simulação (p < 0,001)⁽²⁷⁾.

O campo da enfermagem preza um cuidado centrado na ética, nos princípios coletivos e na segurança. Esta última acabou por ganhar destaque, tendo em vista que, em meados dos anos 2000, já se estimava que 44 mil a 98 mil pacientes morriam por ano nos Estados Unidos devido a erros cometidos pela equipe de saúde. Diante desse cenário, a preocupação com a formação dos profissionais da saúde passou a aumentar; e, consequentemente, o uso da simulação acabou ganhando destaque pelo fato de auxiliar os discentes a desenvolverem competências e habilidades prévias, antes de iniciarem os cuidados propriamente ditos em pacientes reais⁽³¹⁾.

Em seu ensaio clínico randomizado, Dogru e Aydin⁽³²⁾ compararam a eficácia da simulação de alta fidelidade e do método de ensino tradicional no conhecimento e no desenvolvimento de habilidades de 72 estudantes de Enfermagem. Verificou-se que a simulação realística foi mais eficaz do que o método de ensino tradicional para aumentar os níveis de conhecimento (p = 0,001) e habilidade (p < 0,001) dos alunos. Um outro estudo de pré-teste e pós-teste realizado no Irã com 49 estudantes de Enfermagem comparou a educação baseada em simulação com o ensino tradicional e identificou que o conhecimento foi significantemente maior mesmo após três meses no gruposimulação (p < 0,05)⁽³³⁾.

Em uma revisão integrativa realizada com objetivo geral de analisar o referencial teórico da simulação como estratégia de ensino para o curso de Enfermagem, também demonstrou-se que a simulação, na visão dos discentes, é considerada uma estratégia de ensino-aprendizagem mais agradável e prazerosa quando comparada ao ensino tradicional, além de que esta proporciona também capacitação técnica sem submeter os pacientes, os discentes e os docentes aos riscos dessa etapa do aprendizado⁽³⁴⁾. Todavia, ressalta-se a necessidade do engajamento dos docentes, uma vez que eles devem possuir habilidades especializadas para que se tenha o máximo de proficiência, garantindo assim, a eficácia e solidez desse novo processo de ensino-aprendizagem⁽³⁵⁾.

Ao utilizarmos essa metodologia de ensino, podemos ressaltar, dentre os ganhos obtidos, a satisfação, autoconfiança, conhecimento, empatia, realismo, diminuição do nível de ansiedade, comunicação, motivação, capacidade de reflexão e de pensamento crítico, bem como trabalho em equipe. Sendo assim, podemos afirmar que a simulação destaca-se como ferramenta no processo de ensino-aprendizagem⁽³⁶⁾.

Diante do exposto, salienta-se a necessidade de difundir essa metodologia e aplicá-la de forma contínua, e não única, para que seus resultados possam perdurar⁽³⁷⁾.

Para finalizar, podemos inferir que conhecer os incidentes, efeitos adversos, bem como ter conhecimento e habilidade no que tange à terapia enteral garante uma assistência de enfermagem segura, qualificada e baseada nas melhores evidências científicas. Além disso, constatamos também que a simulação clínica realística foi uma estratégia metodológica adequada ao ensino dessa temática, uma vez que surtiu efeitos positivos e significantes no ganho de conhecimento do aluno, quando comparada ao ensino tradicional.

Limitações do estudo

Uma limitação foi a realização com estudantes de graduação em Enfermagem de uma única universidade e com a abordagem sobre uma única temática principal, o que pode dificultar a generalização dos achados para outros contextos. Destacamos também que os estudantes componentes da amostra desta pesquisa ainda não haviam tido experiências anteriores com a simulação clínica, podendo, este, ser um fator de intermédio.

Contribuições para a área da Enfermagem

Como contribuição para a prática profissional no cuidado ao paciente e no processo de formação, o estudo demonstra que a metodologia ativa por meio da simulação, sobretudo na Enfermagem Fundamental, fornece um ganho de conhecimento com amplitude maior que o ensino considerado tradicional. Ambos os métodos de ensino trazem conhecimento ao estudante na aquisição da competência profissional adequada, porém os ganhos na simulação são superiores.

CONCLUSÕES

Nossos achados foram capazes de evidenciar que a simulação clínica enquanto estratégia metodológica é mais eficiente para o ensino da Enfermagem Fundamental, quando comparada ao ensino tradicional, uma vez que auxiliou de maneira significativa no ganho de conhecimento técnicocognitivo dos alunos.

Tomando como base as contribuições às disciplinas pautadas na Enfermagem Fundamental nessa instituição, destacamos uma possível indicação para o uso dessa modalidade de ensino em outras instituições, uma vez que os alunos submetidos à simulação apresentaram uma gama superior de benefícios na consolidação do aprendizado.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Álvaro Sousa

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  18 Out 2021
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  05 Nov 2020
• Aceito
  26 Maio 2021