RESUMO
Objetivos:
analisar a atuação dos enfermeiros em casos suspeitos ou confirmados de violência contra crianças e adolescentes na Atenção Primária à Saúde.
Métodos:
pesquisa analítica, com abordagem qualitativa. Participaram do estudo 30 enfermeiros, sendo coletados os dados por meio de formulário individual e entrevista semiestruturada. Os dados receberam análise lexicográfica do software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) organizada pela análise de conteúdo de Bardin.
Resultados:
emergiram cinco categorias, nas quais foi possível considerar que a abordagem dos enfermeiros em casos de violência se pautou na identificação da violência pelo exame físico nas consultas de enfermagem, ações de promoção da saúde no ambiente escolar, requisição de suporte da equipe multiprofissional e transferência de responsabilidades.
Considerações Finais:
infere-se que a fragilidade na formação profissional do enfermeiro para abordagem de situações de violência contra crianças e adolescentes produz déficits de atenção integral às vítimas.
Descritores:
Violência; Criança; Adolescente; Atenção Primária à Saúde; Enfermagem
ABSTRACT
Objectives:
to analyze the role of nurses in suspected or confirmed cases of violence against children and adolescents in Primary Health Care.
Methods:
an analytical research, with a qualitative approach. Thirty nurses participated in the study, and data were collected by means of an individual form and a semi-structured interview. The data received lexicographic analysis by the software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) organized by Bardin’s content analysis.
Results:
five categories emerged, in which it was possible to consider that the nurses’ approach in cases of violence was based on the identification of violence through physical examination during nursing consultations, health promotion actions in the school environment, request for support from the multi-professional team, and transfer of responsibilities.
Final Considerations:
it is inferred that the fragility in the professional training of nurses to address situations of violence against children and adolescents produces deficits in comprehensive care for victims.
Descriptors:
Violence; Child; Adolescent; Primary Health Care; Nursing
RESUMEN
Objetivos:
analizar actuación de enfermeros en casos sospechosos o confirmados de violencia contra niños y adolescentes en la Atención Primaria de Salud.
Métodos:
investigación analítica, con abordaje cualitativo. Participaron del estudio 30 enfermeros, siendo recolectados los datos por medio de formulario individual y entrevista semiestructurada. Los datos recibieron análisis lexicográfico del software IraMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) organizado por el análisis de contenido de Bardin.
Resultados:
emergieron cinco categorías, en las cuales fue posible considerar que el abordaje de los enfermeros en casos de violencia se pautó en la identificación de la violencia por el examen físico en las consultas de enfermería, acciones de promoción de la salud en el ambiente escolar, requisición de soporte de la equipe multiprofesional y transferencia de responsabilidades.
Consideraciones Finales:
se infiere que la fragilidad en la formación profesional del enfermero para abordaje de situaciones de violencia contra niños y adolescentes produce déficits de atención integral a las víctimas.
Descriptores:
Violencia; Niño; Adolescente; Atención Primaria de Salud; Enfermería
INTRODUÇÃO
A violência contra crianças e adolescentes apresenta-se como um problema de magnitude global que afeta nações de diferentes culturas, níveis socioeconômicos e organização social(11 World Health Organization. WHO guidelines for the health sector response to child maltreatment [Internet]. Geneve: WHO; 2019[cited 2021 Jul 27] Available from: https://cdn.who.int/media/docs/default-source/documents/child-maltreatment/technical-report-who-guidelines-for-the-health-sector-response-to-child-maltreatment-2.pdf?sfvrsn=6e0454bb_2&download=true
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). Ademais, viola os direitos humanos básicos de milhões de indivíduos na fase infanto-juvenil com impacto direto, de curto e longo prazo, nas dimensões de saúde física, psicossocial, mental(22 Macalli M, Orri M, Tzourio C, Côté SM. Contributions of childhood peer victimization and/or maltreatment to young adult anxiety, depression, and suicidality: a cross-sectional study. BMC Psychiatry. 2021;21(1):354. https://doi.org/10.1186/s12888-021-03354-4
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), incluindo reflexos negativos no desenvolvimento cognitivo e comportamental, no bem-estar, qualidade de vida e na dignidade desses sujeitos(33 Downing NR, Akinlotan M, Thornhill CW. The impact of childhood sexual abuse and adverse childhood experiences on adult health related quality of life. Child Abuse Negl. 2021;120:105181. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2021.105181
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).
Pelo caráter predominantemente familiar e domiciliar dos maus-tratos infanto-juvenis, esse fenômeno se faz presente nos contextos comunitários, tornando-se uma importante demanda de saúde para os serviços de Atenção Primária à Saúde (APS), visto que um dos papéis basilares desses serviços consiste na manutenção e produção da saúde dos sujeitos em espaços comunitários. Tal atuação requer do enfermeiro habilidades para identificação precoce e enfrentamento dessas situações de abuso infantil e negligência(44 Sathiadas MG, Viswalingam A, Vijayaratnam K. Child abuse and neglect in the Jaffna district of Sri Lanka: a study on knowledge attitude practices and behavior of health care professionals. BMC Pediatr. 2018;18(1):152. https://doi.org/10.1186/s12887-018-1138-3
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5 Hino P, Takahashi RF, Nichiata LYI, Apostólico MR, Taminato M, Fernandes H. Interfaces of vulnerability dimensions in violence against children. Rev Bras Enferm. 2019;72(suppl 3):343-7. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0463
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6 Schek G, Silva MRS, Lacharité C, Bueno MEN. Organization of professional practices against intrafamily violence against children and adolescents in the institutional context. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25:e2889. https://doi.org/10.1590/1518-8345.1640.2889
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-77 Honda C, Yoshioka-Maeda K, Iwasaki-Motegi R. Child abuse and neglect prevention by public health nurses during the COVID-19 pandemic in Japan. J Adv Nurs. 2020;76(11):2792-3. https://doi.org/0.1111/jan.14526
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).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua “violência” como “uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”(88 Organização Mundial da Saúde. Relatório Mundial sobre violência e saúde [Internet]. Genebra: OMS; 2002[cited 2019 Apr 5]. Available from: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2019/04/14142032-relatorio-mundial-sobre-violencia-e-saude.pdf
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). No tocante às crianças e adolescentes, se acrescentam os atos de omissão produzidos por pais, parentes, responsáveis, instituições e pela própria sociedade. Dessa forma, a violência contra crianças e adolescentes abarca todas as situações que violam os direitos garantidos desses indivíduos à saúde e à vida(99 Barbiani R. [Violation of rights of children and adolescents in Brazil: interfaces with health policy]. Saude Debate. 2016; 40(109):200-11. https://doi.org/10.1590/0103-1104201610916 Portuguese
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).
Em estudo da OMS, crianças de todo o mundo relataram que sofreram alguma forma de violência no ano anterior a investigação, tais como: abusos físicos (23%), abusos emocionais (36%), negligência física (16%), abusos sexuais (18% para meninas e 8% para meninos). Ressalta-se que os países com maior nível de pobreza apresentam maior prevalência de violência física contra criança e adolescente (Haiti: 61%; 57%; Nigéria: 50%; 52%; Quênia: 66%; 73%)(1010 World Health Organization. Child maltreatment: the health sector responds [Internet]. Geneve: WHO; 2017[cited 2019 Apr 5]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/child/Child_maltreatment_infographic_EN.pdf?ua=1
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).
Os perpetradores mais comuns das violências contra crianças e adolescentes são os membros da família (mais de 50% dos casos), seguidos por colegas estudantes. Quando se trata de violência sexual contra adolescentes, as meninas são as mais afetadas(1111 Devries K, Knight L, Petzold M, Merrill KG, Maxwell L, Williams A, et al. Who perpetrates violence against children?: a systematic analysis of age-specific and sex-specific data. BMJ Paediatr Open. 2018;2(1):e000180. https://doi.org/10.1136/bmjpo-2017-000180
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).
A “Linha de Cuidado para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violências” consiste em um marco no combate às violências contra crianças e adolescentes. Nesse sentido, requer a responsabilização e o envolvimento do profissional enfermeiro em uma cadeia de produção do cuidado e de proteção social por meio da integração de todos os recursos disponíveis capazes de garantir o acesso seguro às tecnologias necessárias à atenção, contemplando as seguintes dimensões: promoção da saúde, acolhimento, atendimento, notificação e seguimento(1212 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde [Internet]. Brasília, DF: MS; 2010[cited 2019 Apr 5]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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).
A referida linha visa direcionar os profissionais de saúde diante dessa problemática no Brasil, contudo a atuação voltada para crianças e adolescentes vítimas de violências nos serviços de saúde ainda apresenta muitos desafios para combate pela equipe de saúde, incluindo o enfermeiro, como a adequada identificação, notificação e encaminhamento dos casos suspeitos e/ou confirmados de violência contra crianças e adolescentes(1313 Bannwart TH, Brino RF. Difficulties to identify and report cases of abuse against children and adolescents from the viewpoint of pediatricians. Rev Paul Pediatr. 2011;29(2):138-45. https://doi.org/10.1590/S0103-05822011000200002
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-1414 Galindo NAL, Gonçalves CFG, Galindo Neto NM, Santos SC, Santana CSC, Alexandre ACS. Child and youth violence under the perspective of nursing. J Nurs UFPE. 2017;11(suppl 3):1420-9. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v11i3a13986p1420-1429-2017
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).
A dificuldade de identificação pode estar relacionada com o ambiente onde a violência ocorre. Por exemplo, uma revisão de literatura caracterizou a violência contra a criança no cenário brasileiro e identificou que o agressor sempre é um membro da família, principalmente os pais, destacando-se a mãe(1515 Nunes AJ, Sales MCV. Violence against children in Brazilian scenery. Cien Saude Colet. 2016;21(3):871-80. https://doi.org/10.1590/1413-81232015213.08182014
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); esse contexto também é encontrado em grande estudo com escolares na Alemanha, o qual identificou que a violência física estava relacionada, positivamente, com a agressão física de pais para filhos e que a coesão familiar atenuou o efeito prejudicial da violência(1616 Beckmann L. Family Relationships as risks and buffers in the link between parent-to-child physical violence and adolescent-to-parent physical violence. J Fam Viol. 2020;35(2):131-41. https://doi.org/10.1007/s10896-019-00048-0
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). Assim, evidencia-se a dificuldade de se intervir nas famílias como barreira do cuidado nesse contexto(1717 Maia JN, Ferrari RAP, Gabani FL, Tacla MTGM, Reis TB, Fernandes MLC. Violence against children: the routine of the professionals in the primary health care. Rev Rene. 2016;17(5):593-601. https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000500003
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). Por isso, o profissional enfermeiro(1212 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde [Internet]. Brasília, DF: MS; 2010[cited 2019 Apr 5]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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,1818 Melo RA, Souza SL, Bezerra CS, Fernandes FECV. Assistência de enfermagem a criança e ao adolescente em situação de violência doméstica. Id Online Rev Psicol. 2016;10(32):245-59. https://doi.org/10.14295/idonline.v10i32.577
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) tem papel relevante na cadeia de cuidado a crianças e adolescentes ao identificar a suspeita ou confirmação de uma situação de violência, principalmente no contexto da Atenção Primária à Saúde, que circunscreve as famílias.
A APS é lócus de maior potencialidade para o enfrentamento da violência contra a criança, uma vez que o espaço possibilita a construção de redes coordenadas e sistematizadas para medidas preventivas, redução de danos causados e fluxos de atendimento prioritário(1919 Egry EY, Apostólico MR, Morais TCP. Reporting child violence, health care flows and work process of primary health care professionals. Cien Saude Colet. 2018;23(1):83-92. https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.22062017
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). Buscar compreender a atuação do enfermeiro no enfrentamento da violência contra a criança na APS subsidia a identificação do enfrentamento em rede e as responsabilidades individuais e coletivas. Isso porque tal compreensão pode ratificar a habilitação para identificar situações de abusos precocemente, promovendo um elo com a rede de assistência às vítimas a fim de dar continuidade e acompanhamento ao caso e oferecer um programa de atendimento adequado(2020 Ramos MS, Teodoro MLM. A importância da capacitação dos profissionais que trabalham com vítimas de vítimas de violência na infância e na adolescência. In: Habigzang LF, Kokker SH, organizers. Violência contra crianças e adolescentes: teoria, pesquisa e prática. Porto Alegre: Artmed; 2012.).
Considerando a potencialidade que a APS tem de desenvolver as dimensões da linha de cuidado à criança e ao adolescente e suas famílias em situação de violência, questiona-se: Como se dá a atuação do enfermeiro(a) em casos suspeitos ou confirmados de violência contra criança e adolescente na Atenção Primária à Saúde?
OBJETIVOS
Analisar a atuação dos enfermeiros(as) em casos suspeitos ou confirmados de violência contra crianças e adolescentes na Atenção Primária à Saúde.
MÉTODOS
Aspectos éticos
O estudo atendeu a todos os pressupostos éticos da resolução 466/2012, que rege a execução de pesquisa com seres humanos. Foi iniciado após deferimento do Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Referencial teórico
O estudo apoiou-se no documento proposto pelo Ministério da Saúde, “Linha de Cuidado para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violências”, no qual se recomenda a articulação da atenção à saúde entre cinco dimensões(1212 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde [Internet]. Brasília, DF: MS; 2010[cited 2019 Apr 5]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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):
A promoção da saúde e da cultura de paz deve abranger ações coletivas dos serviços de saúde, instituições de educação, associações, grupos, lideranças comunitárias e juvenis(1212 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde [Internet]. Brasília, DF: MS; 2010[cited 2019 Apr 5]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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).
O acolhimento consiste no elemento de escuta competente e efetiva que se torna canal para acessar as vivências de violências(2121 Ministério da Saúde (BR). Metodologias para o cuidado de crianças, adolescentes e famílias em situação de violências [Internet]. Brasília, DF: MS; 2014[cited 2019 May 11]. Available from: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2019/07/metodologia_cuidado_criancas_adolescentes_familias.pdf
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).
O atendimento não deve ser um ato solitário por parte do enfermeiro: ao contrário, precisa ser uma ação multiprofissional e compartilhada, a fim de se manter um plano de atenção à vítima para evitar a revitimização(1212 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde [Internet]. Brasília, DF: MS; 2010[cited 2019 Apr 5]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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).
A notificação deve ser realizada entre os casos confirmados ou suspeitos de violência, sendo apreendida como um instrumento de proteção, em vez de denúncia e punição(2222 Garbin CAS, Dias IA, Rovida TAS, Garbin AJÍ. Desafios do profissional de saúde na notificação da violência: obrigatoriedade, efetivação e encaminhamento. Cien Saude Colet. 2015;20(6):1879-90. https://doi.org/10.1590/1413-81232015206.13442014
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2323 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1.968, de 25 de outubro de 2001. Dispõe sobre a notificação, às autoridades-competentes, de casos de suspeita ou de confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes atendidos nas entidades do Sistema Único de Saúde [Internet]. Brasília, DF: MS; 2001[cited 2019 Dec 23]. Available from: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/ev_vio_leg_portaria_1968__2001__notificacao_compulsoria_violencia_contra_criancas.pdf
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).
A última dimensão do cuidado constitui o seguimento, que se caracteriza pelo acompanhamento do caso na Rede de Atenção à Saúde; para tanto, é necessária uma rede de serviços estruturada com fluxo interno de atendimento, encaminhamentos, garantia dos retornos, realização de avaliação e reavaliação dos resultados(1212 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde [Internet]. Brasília, DF: MS; 2010[cited 2019 Apr 5]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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).
Tipo de estudo
Caracteriza-se por uma pesquisa analítica, com abordagem qualitativa embasada na diretriz Standards for Reporting Qualitative Research (SRQR), composta por 21 itens que direcionam padrões claros e essenciais para compor a pesquisa qualitativa.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa ocorreu entre os meses de janeiro e março de 2018, em Unidades Básicas de Saúde (UBS). Inicialmente contatou-se a direção geral da APS no município, para viabilizar o contato com os enfermeiros(as) das Equipes de Saúde da Família (eSF). Após aceite de participação da pesquisa, a coleta aconteceu na UBS, em conversa presencial, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e do Termo de Gravação de Voz.
Cenário do estudo
A pesquisa desenvolveu-se em um munícipio do interior da Região Nordeste do Brasil, com foco no serviço de saúde de APS. O território assistencial de saúde nesse nível de atenção no período de coleta de dados encontrava-se organizado em seis Distritos Sanitários (DS) delimitados para produzir o planejamento e organização local dos serviços de saúde. Nestes, existiam 84 UBSs, que é o espaço privilegiado de assistência à saúde na APS, e 107 eSFs multiprofissionais instaladas nas UBSs.
Fonte de dados
A população do estudo foi composta por todos os enfermeiros integrantes das ESFs dos seis DSs. Adotou-se como critério de inclusão: ser enfermeiro(a) atuante na APS por no mínimo um ano, visto que as relações de vínculo entre enfermeiro e comunidade, construídas com o tempo de interação com os sujeitos do território, influenciam diretamente os mecanismos de abordagem das situações de violência. Foram excluídos aqueles que se encontravam em licença trabalhista ou atestado médico e aqueles que demonstraram impedimentos de disponibilidade para a coleta de dados, sendo que a exclusão ocorria após três tentativas de contato não exitosas.
A amostra foi do tipo intencional estratificada por conveniência, sendo então composta por 30 enfermeiros(as) integrantes das eSFs, distribuídos nos seis DSs a fim de garantir representatividade territorial do município. Todos os enfermeiros que atenderam aos critérios de inclusão aceitaram participar do estudo. Ademais, delimitou-se o tamanho amostral no próprio desenvolvimento da pesquisa conforme o critério de saturação teórica(2424 Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saude Publica. 2008;24(1):17-27. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003
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).
Coleta e organização dos dados
Os enfermeiros foram contatados previamente via telefone para agendamento das entrevistas com vistas a não interferir no processo de trabalho de cada eSF. Na coleta, foram usados dois instrumentos: um formulário para caraterização dos sujeitos da pesquisa; e uma entrevista semiestruturada entre as cinco dimensões da Linha de Cuidado para Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violência(1212 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde [Internet]. Brasília, DF: MS; 2010[cited 2019 Apr 5]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
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). Todas as entrevistas foram gravadas na íntegra com auxílio de gravador de áudio MP3 e transcritas para construção do corpus textual.
Análise dos dados
O tratamento analítico ocorreu pelo software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Dentre as possibilidades de análise textual, escolheu-se a Classificação Hierárquica Descendente (CHD)(2525 Camargo BV, Justo AM. Tutorial para o uso do software de análise textual IRAMUTEQ [Internet]. [Santa Catarina]: UFSC; 2013[cited 2019 Apr 02]. Available from: http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais
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), proposta por Reinert(2626 Reinert M. Alceste, une méthodologie d'analyse des données textuelles et une application: Aurélia de G. de Nerval. Bull Methodol Sociol [Internet]. 1990[cited 2019 Dec 23];26:24-54.). Ela classifica os segmentos de texto em função dos seus próprios vocabulários; o conjunto deles é subdividido com base na frequência das formas. Operacionalmente, obtêm-se classes resultantes da ocorrência e coocorrência de um vocabulário semelhante entre si, gerando o qui-quadrado dos termos e das classes mediante processos matemáticos e estatísticos(2525 Camargo BV, Justo AM. Tutorial para o uso do software de análise textual IRAMUTEQ [Internet]. [Santa Catarina]: UFSC; 2013[cited 2019 Apr 02]. Available from: http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais
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).
Os elementos inclusos em suas respectivas classes foram os de frequência maior que o dobro da média de ocorrências no corpus e associação com a classe determinada pelo valor de χ2 igual ou superior a 3,84, tendo em vista que o cálculo é definido segundo grau de liberdade 1 e intervalo de confiança de 95%(2727 Marchand P, Ratinaud P. L’analyse de similitude appliqueé aux corpus textueles: les primaires socialistes pour l’election présidentielle française. In: Dister A, Dominique L, Gérald P, editors. Actes des 11eme Journées Internationales d’Analyse Statistique des Données Textuelles; 2011; Liège, Belgique. Liège; 2011. p. 687-99.). Subsequentemente, realizou-se análise de conteúdo(2828 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2016.) na formulação categorial; e respeitaram-se as etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Assim, emergiram cinco categorias temáticas.
RESULTADOS
Dos 30 enfermeiros da APS participantes do estudo, a maioria é do sexo feminino (27; 90%), tem idade maior que 40 anos (12; 40%), mais de 10 anos de conclusão da graduação (19; 63,4%) e tempo de atuação na APS entre 5 a 10 anos (10; 33,3%). No que se refere à capacitação específica dos enfermeiros para abordagem de crianças e adolescentes em situação de violência, a maior parte afirmou não ter realizado (24; 80%). Contudo, metade dos enfermeiros(as) (15; 50%) mencionou ouvir sobre a temática em outros processos de formação, como: capacitações/aperfeiçoamentos (8; 26,7%); pós-graduação (3; 10%); graduação (2; 6,7%); congresso (1; 3,3%); momentos com organizações não governamentais (1; 3,3%).
O processamento do corpus denotou 59.545 ocorrências de palavras, apresentadas em 2.666 formas distintas, com a frequência média de 2,23 palavras para cada forma, sendo este o critério utilizado como ponte de corte para a inclusão dos elementos no dendrograma (o dobro da frequência média, portanto, 4,6). Para efetivar a análise lexical dos textos, o software analisa-os com base em cortes efetuados a cada 40 caracteres, correspondendo, por conseguinte, a 1.408 (81,34%) de 1.731 segmentos de texto analisados. Portanto, considerou-se satisfatório o aproveitamento na retenção.
A análise lexográfica do corpus textual pela CHD encontra-se detalhada na Figura 1, um diagrama que demonstra o dendrograma produzido pela análise do IRaMuTeQ. Conforme observado, o Eixo 1 contempla as Classes 1, 4 e 5 e está relacionado às dimensões “Acolhimento”, “Atendimento” e “Promoção da saúde” da Linha de Cuidado, com enfoque na abordagem do enfermeiro aos aspectos biopsicossociais da violência contra criança e adolescente. No Eixo 2, estão inclusas as Classes 3 e 2, referentes às dimensões “Seguimento” e “Notificação”, (ver também Quadro 1).
Diagrama das classes integrantes do dendrograma do corpus textual referente às entrevistas com enfermeiros atuantes na Atenção Primária à Saúde, Campina Grande, Paraíba, Brasil
Demonstrativo das classes do corpus textual da Atenção Primária (percentual, segmento de texto, intervalo do qui-quadrado, termos de composição) e as respectivas dimensões da Linha de Cuidado Integral a Crianças e Adolescentes em Situação de Violência
Com base nas classes e segmentos de textos evidenciados pela CHD, construíram-se categorias temáticas apoiadas na análise de conteúdo de Bardin(2828 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2016.), apresentadas a seguir:
Categoria I - Vivência e identificação pelo enfermeiro das situações de violência contra crianças e adolescentes
O conteúdo relativo a essa categoria emergiu da Classe 1. Esta se refere às vivências dos enfermeiros na Atenção Básica diante das situações de violência contra crianças e adolescentes da comunidade onde atuam. Esses profissionais perceberam, identificaram, acolheram e assistiram a essas situações, revelando suas habilidades e dificuldades no âmbito de atuação, aspectos que remetem para as dimensões de acolhimento e atendimento. Verificou-se, nas falas dos entrevistados, que o acolhimento às vítimas é conduzido pela autopercepção acerca da violência, uma vez que os usuários não explicitam a violência sofrida. Para tanto, aponta-se a escuta qualificada como estratégia fundamental para identificação, compreensão e direcionamento da situação, sendo necessárias ferramentas subjetivas para tal ação, como pode ser visto nos trechos a seguir:
Assim, é diferente porque, quando vem, quando a gente sabe de uma criança que sofre um trauma psicológico, né? Então a gente aborda diferente. Até porque, quando vem com a mãe, geralmente eles não aceitam. Eles acham […] para eles não é, né? (Enf. 11)
Eu escuto porque […] assim […] nem sempre, ou na grande maioria das vezes, ninguém vai sentar aí dizendo o que está acontecendo, falar que o filho sofre violência, isso fica fácil de identificar quando você conhece a família; na maioria das vezes, a gente tem que entender, eu tenho que me propor a fazer o exame físico. (Enf. 3)
Sobre o ato de reconhecer situações de violência no ambiente familiar, os enfermeiros pesquisados relataram que é possível perceber as violências implícitas nas relações familiares e que a consulta de enfermagem por meio do exame físico pode ser decisiva para identificação:
Quando tem alguma questão de machucado na criança, investigar, perguntar a mãe: “Mãe, o que foi isso? O que é que aconteceu? Essa criança caiu ou não?” Às vezes, eu chego primeiro na criança do que na mãe para ver o que ela vai dizer. (Enf. 01)
Ele olha para a mãe e era a mãe que respondia “Não, eu estou bem” e olhando para a mãe. Está entendendo? Então, aí assim, a gente percebe que realmente a criança está diferente. Até que na própria puericultura para a gente perceber algumas […] eu peço para tirar a roupinha todinha. Eu viro a criança de cabeça para baixo, como diz o popular. (Enf. 08)
Categoria II - O contexto familiar e a violência contra a criança e adolescente
A categoria II emergiu da Classe 4, que se refere à dimensão de atendimento. Alguns depoimentos incluíram a importância da produção de um cuidado integral que envolva a família, porquanto o contexto social e familiar dessas crianças e adolescentes perpassam por fragilidades que potencializam a ocorrência de situações de violência, tais como: ambiente familiar pouco acolhedor, uso de drogas lícitas e ilícitas, além de problemas psiquiátricos. Esse cenário pode ser visualizado nos trechos a seguir:
Ela fica aqui, aí de repente ela está em Lagoa Seca, de repente ela está no José Pinheiro. E essa mãe, ela tem oito filhos. E ela, a gente sabe que ela usa droga, né? Ela se prostitui e ela deixava essas crianças abandonadas dentro de casa. (Enf. 11)
Nós temos uma situação aqui na área que é um pai, provedor de uma família gigante, porque ele tem vários filhos, e esses filhos dele têm vários netos, todo mundo mora nessa casa. Então o pai, que é avô, ele virou pai de todo mundo. E ele é alcoólatra, ele tem doença mental também e ele é muito agressivo […] uma grande parte usa droga, outra usa psicotrópico. Então é uma casa muito problemática. E a gente já tentou intervir, mas a própria genitora, ela não quer denunciar o marido. (Enf. 16)
Quanto à família na qual se encontram os agressores e vítimas, os próprios enfermeiros mencionaram a necessidade de uma visão ampliada para toda a família, em vez de restrição da abordagem à vítima e ao agressor, evidenciando a responsabilidade do enfermeiro da eSF para a abordagem integral da vítima:
Ele sofreu uma violência, é. Um estupro quando era criança. E assim, ele sofreu o estupro e ele continuou sofrendo violência psicológica por parte do próprio padrasto. Porque até então eu não sabia, e a mãe dizia a ele que não queria ele vestindo roupa de mulher, que não queria ele em casa, que era difícil a convivência dele em casa desse jeito. E esse menino […] sofreu não, acho que ainda sofre violência psicológica. (Enf. 11)
A mãe veio aqui dizendo que tinha deixado essa bebê com a família do pai, que eles eram separados. E esse pai tinha levado para a casa de um irmão. E disse que lá o pessoal estava com muita bagunça, com bebedeira nesse dia, e o irmão da bebezinha percebeu que a fralda dela estava meio mexida. (Enf. 15)
Categoria III - Ações de promoção da saúde, prevenção de violências e estímulo à cultura de paz pelo enfermeiro
A terceira categoria surgiu da Classe 5, relacionada à dimensão Promoção da saúde, que é uma das premissas da APS como o primeiro nível de complexidade de atenção à saúde e responsável pela minimização dos agravos à saúde das comunidades por meio da educação em saúde com foco na promoção da saúde e na prevenção dos adoecimentos.
Os relatos dos enfermeiros revelaram a realização de atividades educativas, predominantemente, nas escolas. Algumas dessas atividades são voltadas especificamente para a cultura de paz e prevenção das violências:
Ano passado, a gente fez uma atividade educativa na escola, nas escolas, em relação à cultura de paz, onde a criança era abordada lá junto com os pais dos escolares. O tema abordado era esse, violência, cultura de paz, e um dos temas era em relação à criança. (Enf. 20)
A gente fez a última de cultura de paz, que envolve no geral. Mas para as criancinhas. (Enf. 13)
Em contrapartida, outros enfermeiros mencionaram que nunca realizaram atividades educativas com foco na cultura de paz ou prevenção de violência. Alegaram como justificativa o maior interesse dos adolescentes por abordagem sobre infecções sexualmente transmitidas (IST) e outras temáticas, em detrimento da violência. Portanto, prioritariamente, realizaram-se atividades educativas com base nesses temas:
Mais parte dos adolescentes, eles procuram mais saber até mesmo sobre doenças sexualmente transmissíveis. A gente leva vacina, dengue. Mas de violência e bullying não foi traçado, não. (Enf. 26)
A gente, cultura de paz, a gente ainda não fez. A nossa equipe ainda não fez. A gente fez sobre o Aedes aegypti e sobre atualização do cartão de vacina. (Enf. 29)
Categoria IV - Equipe multiprofissional e serviços da rede de atenção às crianças e adolescentes vítimas de violência como suporte para a abordagem do enfermeiro
Essa categoria adveio da Classe 3, que se refere a atendimento e seguimento. Os entrevistados chamam a atenção para a importância da equipe multiprofissional, ressaltando a necessidade de suporte em outros órgãos da Rede de Atenção à Saúde, como Conselho Tutelar, Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS):
Tem que envolver toda a equipe. A do NASF também, já que tem a psicóloga do NASF. E a assistente social, ela também pode estar entrando em contato com o CRAS, com o Conselho Tutelar. Iria estar dando esse suporte. (Enf. 26)
Uma equipe multiprofissional que esteja comigo, que me dê esse apoio, que a gente trabalhe em parceria, em conjunto. Como eu falei para você, com o médico da equipe, com assistente social, com psicólogo, ou seja, com a rede de profissionais que nos dê suporte. Isso em primeiro lugar, ou seja, o apoio da equipe. (Enf. 20)
Além do suporte multiprofissional, os enfermeiros(as) demonstraram recorrer, sobretudo, aos assistentes sociais e psicólogos para abordar e conduzir as situações de violência, conforme a área específica de conhecimento desses profissionais, considerando-os como competentes para resolução do caso e acionando-os de pronto:
Como aqui também tem assistente social, eu sempre aciono a ela para abordar esse tipo de caso. (Enf. 17; DS 05)
Então, se eu chego, se eu recebo esse caso, eu tenho que passar para a assistente social, e ela toma as outras providências, que, no caso, é comunicar ao conselho tutelar e daí segue com ela. (Enf. 01; DS 03)
Categoria V - Capacitação e atuação do enfermeiro diante da criança e adolescente vítima de violência
Essa categoria surgiu da Classe 2, relativa ao déficit no processo de formação e capacitação para abordar crianças e adolescentes em situação de violência, bem como à ausência de mecanismos de suporte para atuação, a saber: fluxogramas, protocolos e orientações institucionais. Portanto, a abordagem dessas situações pauta-se no encaminhamento e na referência, decorrentes, muitas vezes, da insegurança desses profissionais.
O foco dessa categoria se refere à capacitação e às formas de abordagem diante da realidade, relacionando-se com as dimensões de atendimento, notificação e seguimento. Desse modo, a formação profissional influencia diretamente essas dimensões de serviço.
Eu não tenho nada em relação a isso, nenhum tipo de capacitação em relação a isso. Eu não me sinto […] assim […] preparada para atender, não. Se acontecer, a gente vai atender, claro, né? Tentar dar o suporte melhor possível. Mas dizer que a gente tem um preparo cem por cento […]. (Enf. 06)
Eu não me sentiria capacitada. De jeito nenhum. Nem como conduzir o caso […] assim […] no momento. Nem como fazer os devidos encaminhamentos. Eu vou mandar para onde? Para o IML? Para onde a gente faz esse encaminhamento? A gente não tem isso, entendeu? Então eu não me sentiria capacitada em nenhum aspecto. Nem para o meu próprio psicológico, nem como é que eu ia lidar com essa mãe, com essa família, nem tão pouco para onde eu ia encaminhar essa criança. (Enf. 10)
DISCUSSÃO
A análise do conteúdo das falas dos enfermeiros atuantes na APS permitiu a conexão das classes que emergiram do corpus textual com as dimensões da Linha de Cuidado para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violências(1212 Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde [Internet]. Brasília, DF: MS; 2010[cited 2019 Apr 5]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Esta propõe a integração de recursos e serviços para a atenção a crianças e adolescentes em situação de violência, por meio de uma rede de cuidados intersetoriais orientada pela Atenção Primária(2929 Carlos DM, Ferriani MGC. Family violence against children and adolescents in context: how the territories of care are imbricated in the picture. Rev Latino-Am Enfermagem. 2016;24:e2735. https://doi.org/10.1590/1518-8345.0593.2735
https://doi.org/10.1590/1518-8345.0593.2...
).
O acolhimento surgiu, na primeira categoria, como etapa em que o enfermeiro se mostra elemento-chave no momento de acolher e escutar demandas de violência, já que a presença desse profissional, no processo de cuidar de vítimas nos diversos serviços de saúde, favorece o vínculo e a interação entre profissional e vítima. Isso permite adentrar a subjetividade revelada pela vítima e perceber implicitamente as violências sofridas, sendo o enfermeiro, na maioria das vezes, o primeiro contato da rede de apoio(3030 Martins DC, Gois OJO, Silva JPM, Santa Rosa MPR, Gonçalves MC. Violência: abordagem, atuação e educação em enfermagem. Cad Grad Cienc Biol Saude [Internet]. 2017[cited 2019 Oct 07];4(2):155-68. Available from: https://periodicos.set.edu.br/index.php/cadernobiologicas/article/view/4603/2501
https://periodicos.set.edu.br/index.php/...
).
A identificação ou a suspeita da violência em seus diferentes tipos depende da possibilidade do profissional de saúde ser capaz de reconhecer situações de risco nas famílias, bem como sinais e sintomas sugestivos da violência(3131 Gonzalez D, Bethencourt Mirabal A, McCall JD, Doerr C. Child Abuse and Neglect (Nursing) [Updated 2021 Jul 10]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK568689/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK56...
). Assim, serviços de saúde que atendem crianças e adolescentes, o que inclui as UBSs, devem incorporar à sua rotina a vigilância de violências direcionadas a esses grupos, por meio de uma postura de constante alerta a essas situações. Devem considerar a vulnerabilidade desse grupo e possibilidade de ocorrência dessas situações a qualquer momento, sendo esta uma das estratégias indicadas pela Organização Mundial da Saúde para o enfrentamento das violências contra esses grupos(3232 World Health Organization. Responding to children and adolescents who have been sexually abused: WHO clinical guidelines [Internet]. Geneve: WHO, 2017. [cited 2019 Jun 5] Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259270/9789241550147-eng.pdf;jsessionid=B56DBF988DCC4BAD48D450C3D8907C9F?sequence=1
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
-3333 Souza RG, Santos DV. Enfrentando os maus-tratos infantis nas unidades de saúde da família: atuação dos enfermeiros. Physis. 2013;23(3):783-800. https://doi.org/10.1590/S0103-73312013000300007
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).
A especialidade da enfermagem forense surge como uma área da enfermagem capaz de subsidiar a atuação do enfermeiro na identificação de vítimas de violência. Permite também assistência qualificada a casos de violência, abordando de forma sistemática a vítima, o que implica recolha de uma história abrangente seguida de exame físico, diagnóstico clínico juntamente com equipe multidisciplinar, definição de plano de cuidados e, finalmente, encaminhamento para as instituições apropriadas(3434 Giardino ER, Giardino AP. Avaliação de abusos a menores. In: Gomes A. Enfermagem Forense. Lisboa: Lidel; 2014.).
A subjetividade observada no momento da identificação da violência no meio intrafamiliar torna o fenômeno complexo e invisível, o que requer dos profissionais das equipes de saúde da família permanentes avaliações e mudanças nas práticas cotidianas, ou seja, é preciso um agir dinâmico, sem receitas ou padrões, mas que se adeque às necessidades e especificidades de cada família(3535 Schek G, Silva MRS, Lacharité C, Bueno MEM. Organization of professional practices against intrafamily violence against children and adolescents in the institutional context. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25:e2889. https://doi.org/10.1590/1518-8345.1640.2889
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).
Diante desses entraves nas relações entre profissionais de saúde e famílias, as situações de violência contra crianças e adolescentes ainda não são efetivamente identificadas. Estudo desenvolvido no estado do Ceará(3636 Rolim ACA, Moreira GAR, Gondim SMM, Paz SS, Vieira LJES. Factors associated with reporting of abuse against children and adolescents by nurses within primary health care. Rev Latino-Am Enfermagem. 2014;22(6):1048-55. https://doi.org/10.1590/0104-1169.0050.2515
https://doi.org/10.1590/0104-1169.0050.2...
) constatou que 56,9% dos enfermeiros pesquisados relataram não ter identificado casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes; e, dos que identificaram, a maior parte foi proveniente de relato espontâneo da vítima, parentes ou outros indivíduos, ou seja, não foram situações efetivamente identificadas pelos enfermeiros.
Sabe-se que o principal meio de investigação de violências contra crianças e adolescentes pelo enfermeiro é o exame físico durante as consultas de puericultura, o que inevitavelmente produz um enfoque maior nos aspectos físicos das violências. Contudo, outros autores(3737 Quadros MN, Kirchner RM, Hildebrandt LM, Leite MT, Costa MC, Sarzi DM. Situação da violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Enferm Global [Internet]. 2016[cited 2019 Oct 10];44:174-85. Available from: https://scielo.isciii.es/pdf/eg/v15n44/pt_docencia2.pdf
https://scielo.isciii.es/pdf/eg/v15n44/p...
) enfatizam que se deve estar atento, primordialmente, a relatos e queixas das crianças e adolescentes e buscar, em consultas, sinais não somente físicos, mas também psicológicos de violência, isto é, deve-se tencionar uma abordagem integral.
É fundamental compreender que a violência contra crianças e adolescentes não se mostra um fenômeno isolado: encontra-se imbricada com outras questões como condição precária de vida, desemprego, outras violências, uso e abuso de álcool e outras drogas, além de conflitos de poder relacionados ao gênero. Portanto, a superação dessa problemática presente nas comunidades onde os enfermeiros atuam requer tanto medidas transversais e intersetoriais que possam modificar contextos sociais e culturais(3838 Albuquerque LM, Carvalho CMG, Apostólico MR, Sakata KN, Cubas MR, Egry EY. Nursing terminology defines domestic violence against children and adolescents. Rev Bras Enferm. 2015;68(3):393-400. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2015680311i
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201568...
) quanto apoio às crianças e adolescentes e suas famílias em uma perspectiva de proteção multidisciplinar, como aponta estudo norueguês(3939 Skogøy BE, Ogden T, Weimand B, Ruud T, Sørgaard K, Maybery D. Predictors of family focused practice: organisation, profession, or the role as child responsible personnel? BMC Health Serv Res. 2019;19(1):793. https://doi.org/10.1186/s12913-019-4553-8
https://doi.org/10.1186/s12913-019-4553-...
).
Convém mencionar que o medo de possíveis represálias, o desejo de manter o vínculo familiar e a dependência financeira do companheiro surgem como fatores que contribuem para a ausência de denúncia por parte da família, especialmente em situações de abuso sexual intrafamiliar(4040 Oliveira JR, Costa MCO, Amaral MTR, Santos CA, Assis SG, Nascimento OC. [Sexual violence and co-occurrences suffered by children and adolescents: study of incidents over a decade]. Cien Saude Colet. 2014;19(3):759-71. https://doi.org/10.1590/1413-81232014193.18332013
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). A omissão materna associa-se à representação social da família, evitando desenlaces. A denúncia do incesto do pai ou do companheiro representa o reconhecimento do próprio fracasso como mãe; diversos motivos levam a genitora e outros membros da família a omitir ou negar a violação, contribuindo para o baixo volume de denúncias(4040 Oliveira JR, Costa MCO, Amaral MTR, Santos CA, Assis SG, Nascimento OC. [Sexual violence and co-occurrences suffered by children and adolescents: study of incidents over a decade]. Cien Saude Colet. 2014;19(3):759-71. https://doi.org/10.1590/1413-81232014193.18332013
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).
Concernente às ações de promoção da saúde, prevenção de violências e estímulo à cultura de paz pelo enfermeiro, o Programa Saúde na Escola (PSE)(4141 Presidência da República (BR). Decreto nº 6.286, de 05 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Brasília, DF: PR; 2007[cited 2019 Oct 10]. Available from: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=1726-saudenaescola-decreto6286-pdf&category_slug=documentos-pdf&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
) foi criado para integrar os setores da saúde e educação e, dessa forma, ampliar a atenção à saúde pela equipe multiprofissional da APS às crianças e adolescentes no seu espaço de convívio(4242 Vieira CENK, Dantas DNA, Miranda LSMV, Araújo AKC, Monteiro AI, Enders BC. School health nursing program: prevention and control of overweight/obesity in adolescents. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03339. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017025403339
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). Esse programa caracteriza-se como o principal meio de promoção da cultura de paz a esses grupos, sendo a escola o ambiente privilegiado para essas ações.
Atitudes de estímulo à cultura de paz nas comunidades e escolas incitam interações positivas entre os sujeitos e os tornam autores da promoção da paz nesses espaços, pois a transformação e busca por uma comunidade menos violenta deve iniciar na/pela própria comunidade.
A temática da cultura de paz mostra-se ainda pouco discutida pelos enfermeiros nos espaços escolares, nos quais são abordadas temáticas com algum foco biológico direto. Contudo, o espaço da escola apresenta-se como um local privilegiado para discutir cultura de paz, no sentido de uma cultura de tolerância e solidariedade, que respeita todos os direitos individuais dos sujeitos, assegura liberdade de opinião e previne conflitos relacionais, resolvendo-os em suas fontes(4343 Soares EMS, Teixeira LM. Práticas educativas e cultura de paz: articulando saberes e fazeres [Internet]. Caxias do Sul: Educs; 2018[cited 2019 Oct 07]. Available from: https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/ebook-praticas-educativas.pdf
https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/e...
).
O estudo elucidou a necessidade que o enfermeiro tem de suporte da equipe multiprofissional e dos equipamentos da rede de proteção à criança e ao adolescente. Nesse processo, destaca-se o Núcleo de Assistência à Saúde da Família (NASF)(4444 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: MS; 2017[cited 2019 Oct 07]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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), na figura do psicólogo. Ali, torna se fundamental estabelecer um fluxo de acolhimento, notificação, atendimento e acompanhamento integral das crianças e adolescentes vitimizados e suas famílias, definindo as responsabilidades de cada profissional e de cada setor para que os enfermeiros da APS possam compreender seus espaços de atuação de maneira compartilhada com os outros profissionais(3333 Souza RG, Santos DV. Enfrentando os maus-tratos infantis nas unidades de saúde da família: atuação dos enfermeiros. Physis. 2013;23(3):783-800. https://doi.org/10.1590/S0103-73312013000300007
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).
Esse ponto de discussão traz à tona a necessidade primordial de se refletir sobre uma provável transferência da criança e do adolescente vítima de violência para outros profissionais e serviços, especialmente assistente social. Isso porque os enfermeiros revelam dificuldades em lidar com o fenômeno da violência, que envolve identificação, acolhimento, corresponsabilização do cuidado, não fragmentação entre mente e corpo da vítima, bem como efetivação de uma linha de cuidado diante desses problemas(4545 Carlos DM, Pádua EMM, Ferriani MGC. Violence against children and adolescents: the perspective of primary health care. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):511-8. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0471
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
).
Essa transferência de responsabilidade pode ter relação direta com a carência de capacitação descrita pelos enfermeiros do estudo, pois pesquisas internacionais(4646 Kuruppu J, Forsdike K, Hegarty K. ‘It’s a necessary evil’: experiences and perceptions of mandatory reporting of child abuse in Victorian general practice. Aust J Gen Pract. 2018;47(10):729-33. https://doi.org/10.31128/AJGP-04-18-4563
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-4747 Xu T, Yue Q, Wang Y, Wang S, Liu W, Huang X. Perception on risk factors of child maltreatment in China: a qualitative study among health professionals. BMJ Open. 2019;9(6):e029071. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-029071
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) e nacionais(3535 Schek G, Silva MRS, Lacharité C, Bueno MEM. Organization of professional practices against intrafamily violence against children and adolescents in the institutional context. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25:e2889. https://doi.org/10.1590/1518-8345.1640.2889
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) destacam o despreparo desses profissionais para atuar perante casos de violência contra crianças e adolescentes. Isso se evidencia pela falta de conhecimento na identificação de sinais e sintomas indicativos de situações de violência, ausência de suporte institucional de uma rede de apoio estruturada de conhecimento de todos os profissionais e utilização do conhecimento intuitivo concebido por cada enfermeiro.
O fato de os enfermeiros frequentemente se sentirem desamparados e desconhecerem os procedimentos que devem ser executados em face de uma situação de violência contra criança e adolescente gera desgaste físico e emocional, bem como descontentamento destes com a própria atuação(4848 Leite JT, Beserra MA, Scatena L, Silva LMP, Ferriani MGC. Coping with domestic violence against children and adolescents from the perspective of primary care nurses. Rev Gaucha Enferm. 2016;37(2):e55796. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.02.55796
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
). Daí se constata a necessidade de oficinas e educação continuada, o que corrobora estudo do Sri Lanka(4949 Sathiadas MG, Viswalingam A, Vijayaratnam K. Child abuse and neglect in the Jaffna district of Sri Lanka: a study on knowledge attitude practices and behavior of health care professionals. BMC Pediatr. 2018;18(1):152. https://doi.org/10.1186/s12887-018-1138-3
https://doi.org/10.1186/s12887-018-1138-...
) sobre práticas e atitudes dos profissionais de saúde diante do abuso infantil.
Como consequência, emerge a subnotificação da violência contra crianças e adolescentes agravada pelo déficit no conhecimento dos profissionais de saúde sobre a natureza da violência e suas formas de expressão, assim como a ausência de evidências imediatas (p.ex., no caso da violência psicológica), o que influencia diretamente a identificação dos casos(3535 Schek G, Silva MRS, Lacharité C, Bueno MEM. Organization of professional practices against intrafamily violence against children and adolescents in the institutional context. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25:e2889. https://doi.org/10.1590/1518-8345.1640.2889
https://doi.org/10.1590/1518-8345.1640.2...
). Cenário semelhante foi evidenciado em estudo no Reino Unido, em que se destacou o déficit de notificação e identificação dos abusos infantis(5050 Chandan JS, Gokhale KM, Bradbury-Jones C, Nirantharakumar K, Bandyopadhyay S, Taylor J. Exploration of trends in the incidence and prevalence of childhood maltreatment and domestic abuse recording in UK primary care: a retrospective cohort study using ‘the health improvement network’ database. BMJ Open. 2020;10(6):e036949. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2020-036949
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).
Todo esse cenário da APS aponta urgência na qualificação técnico-científica do enfermeiro para atuar na abordagem dos casos de violência contra crianças e adolescentes, a fim de que desenvolva habilidades e competências para preencher as lacunas supracitadas. No entanto, o enfermeiro, ao abordar ou lidar com crianças e adolescentes direta ou indiretamente, pode se apropriar dos diversos padrões de conhecimento da enfermagem, como os padrões pessoal e estético, e adotar linguagem, comportamento e planos de cuidados adequados ao público-alvo.
Limitações do estudo
Como limitações do estudo, pode-se atribuir o recorte locorregional, definido por um município do interior do Nordeste brasileiro com peculiaridades epidemiológicas, sociais e econômicas, o que influencia as particularidades de ocorrência das situações de violência contra crianças e adolescentes e nas peculiaridades da abordagem dos enfermeiros. Destaca-se, também, que o estudo se restringiu ao primeiro nível de complexidade de atenção à saúde, o qual apresenta especificidades da atuação do enfermeiro nesse nível. Para uma análise ampliada dessa atuação, necessitam-se explorar outros níveis de atenção à saúde.
Contribuições para área da Enfermagem
O cenário da APS mostra a necessidade urgente de formação e capacitação técnico científica qualificada dos enfermeiros a fim de desenvolver habilidades e competências para preencher as lacunas de atuação desses profissionais diante de casos de violência contra crianças e adolescentes.
O presente estudo fornece subsídios para avanço da especialidade da enfermagem forense como essencial e aplicável na APS. Aponta o desenvolvimento dos enfermeiros na habilitação específica para ações forenses associadas aos cuidados de saúde, potencializando a capacidade desses profissionais em abordar situações de violência contra crianças e adolescentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O material empírico proveniente do estudo nos permite compreender que o enfermeiro (a) que atua na APS aborda os casos suspeitos ou confirmados de violência contra crianças e adolescentes por meio da autopercepção subsidiada pelo exame físico nas consultas de enfermagem, a qual funciona como importante ferramenta para identificação de situações de violência contra crianças e adolescentes suspeitas ou confirmadas, acolhimento e assistência a vítima. Essa estratégia destaca um foco na criança em detrimento do adolescente e do espaço de interação com as famílias.
Portanto, infere-se que, embora a APS mostre-se como espaço ideal de efetivação das dimensões da Linha de Cuidado para Atenção Integral de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de violência, essa proposta não tem sido contemplada na integralidade pela atuação dos enfermeiros.
Sugere-se a ampliação do debate sobre a abordagem de situações de violência durante a formação do enfermeiro para atuação na APS, uma vez que tais casos fazem parte do cotidiano das comunidades e o enfermeiro deve produzir uma atenção integral à saúde dos usuários em seu território adscrito.
MATERIAL SUPLEMENTAR
Tese intitulada “Análise da atuação do(a) enfermeiro(a) nos três níveis de atenção à saúde sob a ótica da Linha de Cuidado para Atenção Integral a Crianças e Adolescentes em Situação de Violência”, publicada no repositório da Universidade Federal do Rio Grande do Norte: https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/28626
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Abr 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
13 Out 2021 -
Aceito
28 Out 2021